sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O alcance limitado do aperto cambial

Reproduzo artigo de Umberto Martins, publicado no sítio Vermelho:

O Banco Central (BC) aplicará um depósito compulsório equivalente a 60% da chamada posição vendida dos bancos em dólar que superarem US$ 3 bilhões ou o valor patrimonial da instituição. O objetivo é reduzir as apostas especulativas do “mercado” na queda do dólar e conter a valorização do real, que parece estar provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira. O dólar fechou o dia em alta, mas os efeitos da medida anunciada nesta 5ª feira (6) devem ser limitados.

O compulsório em questão não será remunerado, mas os bancos têm prazo de 90 dias para se adaptar à nova regra, que vale a partir de 4 de abril. O diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, informou que a posição vendida dos bancos chegou a US$ 16,8 bilhões de dólares no final de 2010, refletindo a expectativa de uma valorização ainda maior do real ao longo de 2011.

Especulação

No jargão do mercado financeiro, a posição vendida equivale a um compromisso de entrega futura de dólar ou pagamento da variação cambial aos investidores. Traduz a especulação do sistema financeiro com a valorização do real, que é considerado por muitos analistas como uma das causas da queda do dólar no país. O valor da moeda estadunidense caiu mais de 50% ao longo dos últimos oito anos (período em que o real registra uma valorização de 108%), o que tem um impacto fortemente negativo na indústria e desperta preocupações no governo.

O governo espera reduzir a especulação com o câmbio, o que pode contribuir para reduzir a valorização do real. Mas é pouco provável que o problema seja definitivamente resolvido, de forma que novas medidas do gênero poderão ser anunciadas no futuro. Afinal, a posição vendida dos bancos não é a única nem a principal causa da queda do dólar.

Redução dos juros

O fato de o Brasil praticar, ainda hoje, as maiores taxas de juros reais do mundo também é apontado como uma das causas da apreciação do real, pois estimula o ingresso de dólares provenientes de países onde as taxas de juros estão em torno de zero ou são negativas para aplicação em títulos que remuneram pela Selic (taxa básica de juros, fixada em 10,75%).

A redução da Selic é uma medida considerada essencial para conter a valorização do real. Todavia, a orientação da política monetária, pelo menos a que predominou com Meirelles, segue na direção contrária a esta recomendação, feita por inúmeros especialistas e reclamada pelos empresários do setor produtivo, sindicalistas e políticos de orientação progressista.

As pressões do mercado financeiro também são por uma nova alta da taxa básica de juros e, hoje, esta parece ser a tendência que vai prevalecer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando, ao que tudo indica, teremos uma nova elevação da Selic justificada pela tendência de aceleração da inflação. Se isto vier a ocorrer será um novo estímulo à valorização do real.

Principal causa

O problema também não se resume aos juros altos. A apreciação do real não se explica apenas por fatores internos. Reflete em larga medida a desvalorização do dólar em todo o mundo, fenômeno que resulta dos desequilíbrios da economia norte-americana (déficits público, comercial e em conta corrente), acentuados na presente crise pela política monetária definida pelo Federal Reserve (FED, banco central dos EUA).

O FED derramou trilhões de dólares na economia para comprar títulos podres dos bancos e papéis da Casa Branca que aparentemente já não atraem como antes o apetite de investidores institucionais (bancos centrais) de países superavitários como China e Rússia. O diabo é que o dinheiro de Tio Sam não circula apenas no interior dos EUA.

Uma vez que o dólar é uma moeda internacional e o capital corre sempre atrás do lucro máximo, que hoje pode ser colhido nos países dito emergentes (que voltaram a crescer, puxados pela China, enquanto EUA, UE e Japão patinam na estagnação), as moedas emitidas pelo FED estão fluindo para o exterior, sendo esta certamente a principal causa do declínio do dólar, da inflação mundial e da chamada guerra cambial.

“No fundo”, como ensina Josefh Stiglitz, “nos mercados financeiros globalizados, o dinheiro procura as melhores perspectivas em todo o mundo e essas perspectivas estão na Ásia [e nos emergentes, incluindo Brasil], não estão nos EUA. Assim, o dinheiro não vai para onde é necessário [ou seja, não estimula a recuperação dos investimentos e emprego] e uma grande parte será canalizada para onde não é desejado - causando mais aumentos nos preços dos ativos e das mercadorias [em outras palavras, inflação], nomeadamente nos mercados emergentes.”

Dogma neoliberal

Diante do privilégio que o império goza de pagar dívidas e promover investimentos, preferencialmente especulativos, sem realizar maior esforço do que a emissão de papel-moeda é natural que outras economias nacionais adotem medidas para preservar a competitividade de suas exportações e contornar o perigo da desindustrialização. Ainda que isto gere um conflito de divisas e desperte o fantasma da guerra comercial, que pode se transformar (como no século passado) em confrontos políticos e militares catastróficos.

Quem melhor se previne neste sentido é a China, ao lado de outros países que não adotam o chamado câmbio flutuante. Os chineses mantêm a cotação do iune sob estrito controle e, sem abrir mão desta orientação a despeito da pressão externa, consideram a política cambial uma questão de soberania. O Brasil protegeria melhor sua indústria e garantiria maior estabilidade cambial se seguisse o exemplo da próspera nação asiática neste terreno.

Mas por aqui o dogma do câmbio flutuante, herança neoliberal de FHC, imposta pelo FMI e consolidada na famosa carta aos banqueiros, digo aos brasileiros, parece ter fincado profundas raízes. Daí a insistência em medidas paliativas, ontem a taxação (via IOF) das aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa, hoje o compulsório sobre as posições vendidas dos bancos. Podemos e creio até que devemos torcer para que dê certo, mas o bom senso indica que é hora de mudar a política macroeconômica para o câmbio, os juros e o orçamento.

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1 comentários:

Anônimo disse...

Infelizmente vivemos na dependência de tomada de medidas autônomas em relação ao imperialismo econômico internacional, e mal grado tudo continuou igual nesse sentido com Lula e seus apoiadores da frente popular.