domingo, 6 de junho de 2010

Na disputa por espaços de expressão

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no sítio Carta Maior:

O início das transmissões do canal internacional da TV Brasil da EBC – Empresa Brasil de Comunicação, na segunda feira (24/4), coloca o Brasil na velha e renovada disputa por um lugar não subalterno no cenário mundial.

Por razões de afinidade histórica, o canal internacional escolheu começar levando seu sinal ao continente africano onde estará disponível, inicialmente, para 49 dos 53 países. Na solenidade realizada no Itamaraty, em Brasília, o presidente de Moçambique, Armando Guebuza, fez uma saudação, gravada e levada ao ar pela TV Brasil Internacional, no início de suas transmissões.

Com esta iniciativa o Brasil se equipara a países como a Inglaterra (BBC), Espanha (TVE), França (France Television), Portugal (RTP), Japão (NHK), Alemanha (Deutsche Welle), Venezuela (Telesur) e outros que têm canais internacionais transmitindo continuamente, em língua nacional.

Os Estados Unidos, por óbvio, são culturalmente dominantes no Ocidente e a programação das emissoras de televisão comercial já mantêm índices elevados de conteúdo de origem norte-americana.

O que significa o canal internacional da TV Brasil?

Discursando na solenidade, a diretora-presidente da EBC Teresa Cruvinel afirmou que "tal como os canais internacionais das TVs públicas de outros países, a TV Brasil Internacional será um canal da nacionalidade brasileira, um instrumento de divulgação de país, do povo brasileiro, da cultura, da riqueza e da diversidade do Brasil".

Na verdade, o canal internacional da TV Brasil responde à necessidade – que vem sendo sentida também por outros países (emergentes?) – de terem seu próprio meio de expressão internacional, fora da unidirecionalidade dos fluxos de informação e entretenimento Norte-Sul, largamente dominante. Reafirma também a possibilidade de uma comunicação internacional alternativa à mídia privada comercial, prisioneira da lógica do mercado, homogênea cultural e ideologicamente.

É mais do que necessário mostrar o que somos e o que temos, e também aprender mais sobre os nossos vizinhos e parceiros que nunca ou raramente são mostrados na mídia comercial privada.

Acima de tudo, um canal internacional brasileiro, é o reconhecimento de que nossa política externa tem que disputar palmo a palmo o seu espaço, não só com os outros Estados nacionais, mas também com as grandes corporações multinacionais, inclusive – ou, sobretudo – com as grandes corporações de mídia – brasileiras e/ou globais – que além de serem poderosos conglomerados industriais, são responsáveis diretas pela construção, nos níveis local e internacional, de pensamento resistente às mudanças e, quase sempre, alinhado à política externa dos países hegemônicos.

Resta a esperança de que a EBC se consolide, nos termos do artigo 223 da Constituição, como empresa pública – nem estatal, nem privada comercial – e siga seu caminho de constituir-se numa alternativa complementar de qualidade para seus telespectadores. Não apenas no Brasil.

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A nova Folha: jornal do futuro?

Reproduzo artigo do escritor Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

A intenção é sempre boa. Ninguém leva adiante reforma em jornal sem estar bem intencionado. Muitas vezes parte da constatação de que a fonte secou e, acima de qualquer outra prioridade, o ribeirão precisa ressuscitar. De imediato surgem logo duas correntes. Uma defende que o jornal precisa acompanhar os novos tempos, os avanços da tecnologia, o advento de novas formas de comunicação; outra defende que a história do jornal deve ser preservada, suas conquistas, lutas em tempos de maior ou menos respeito à liberdade de expressão. Entre as duas, ganha uma terceira, aquela que diz que podemos mudar para continuar sendo o que sempre fomos.

É quando a faxina assume ares de reforma. Posicionam-se os móveis da casa de outra maneira, manda-se forrar aquele velho conjunto de estofados, troca-se a luminária da direita e descobre-se que não é mais importante ter o setor de chapelaria porque as pessoas que visitam o jornal dificilmente usarão chapéus. Fecha-se a seção chapelaria e ordena-se o sumiço de seu peculiar mobiliário, aqueles vários ganchos (espetos para uns) sem qualquer outra utilidade.

Como em toda faxina, descobre-se na ativa objetos inúteis, mas com evidente valor afetivo. Estes precisam ser mantidos. Mas em outro lugar, não assim tão à vista. Faxina não exige desprendimento de quem a executa e sim gosto pela limpeza e senso de organização. Reforma exige boa dose de coragem para decretar expirado o prazo de validade de certas coisas e ousadia na escolha de outras.

Para repor as energias

Há poucos dias, tratei neste Observatório da reforma fartamente propalada pelo jornal Folha de S.Paulo. Emiti considerações sobre o que o próprio jornal estava divulgando em seu habitual afã de ser visto como dono do futuro. A Folha demonstra muito maior interesse em anunciar a reforma do que em realizá-la. É como se estivesse subjugada pelo marketing fácil, esse que faz da propaganda autorreferente um fim em si mesmo. Se não houvesse uma operação de guerra para publicizar a reforma, será que seus leitores notariam alguma diferença entre o jornal antes e o jornal depois, como fazem anúncios de remédios para emagrecer?

Nada de errado nisso. Mas tem algo que me incomoda. Essa história de que agora, com a reforma, o jornal passa a ser do futuro. O viés da arrogância e da pretensão enfim encontrou meio de se manifestar em toda sua estúpida inteireza. Quem disse que podemos tomar posse do futuro se mal damos conta do presente e nem sabemos como lidar com o passado? Futuro não é matéria do presente. Futuro, com cara de futuro, conteúdo de futuro e jeito de futuro é o que está sempre por vir, à espreita, emitindo sinais que nem sempre se confirmam, nem sempre se unem à matéria da realidade.

Futuro é também como criança trabalhosa, aquela que não fica quieta, que parece ter o tal bicho carpinteiro e cuja missão na vida é desarrumar nosso pensamento e nossa vontade. E, qual criança trabalhosa, dessas que dão trabalho extenuante, imenso, sem paradas nem claudicações, sem pit-stop para repor as energias, o futuro adora escapulir como areia vazando dos dedos. Ao alcance da mão e distante dos olhos e ao alcance dos olhos, mas distante das mãos. Então, não me venham me vender o presente como se futuro fosse. Enquanto meus três neurônios estiverem aptos ao trabalho, saberei distinguir passado, presente e futuro.

Meios de discernimento

Ora, essa! Ainda mais jornal avançando, se esparramando futuro afora. Fosse descoberta no campo da biologia molecular ainda passava, sim, estaríamos na ante-sala do futuro. Fosse especialista em nanotecnologia, com sua mania de reducionismo exacerbado, ainda poderia sucumbir ao canto do futuro hoje. Mas… jornal? Justamente o que perde a validade em duas dúzias de horas, que diz a que veio em não mais que 1.440 minutos, e começa a expirar no momento mesmo em que começou a inspirar, coisa que chega no máximo a 86.400 segundos? Para ser jornal do futuro teria que abandonar de vez as âncoras do presente, se libertar das circunstâncias, ousar no limite, fazer a viagem para dentro em busca de mundos novos e com certeza “nunca dantes navegados”. Agora, como o paciente leitor deve ter percebido, o assunto me pegou de jeito. E sigo adiante. O que seria, então, um jornal do futuro?

Seria o jornal apreciado pelo leitor do futuro. Nesta breve frase imagino existir um mundo de reflexões latentes, matéria viva germinando. Como seria o leitor do futuro? Para começar, teria que ter olhos posicionados na ponta dos dedos. E não apenas no rosto. Teria que manejar novos códigos de comunicação e manter atualizados filtros aptos a separar cultura e conhecimento úteis de seus similares inúteis. Não poderia ser o leitor de hoje: sempre com o pé atrás, em atitude de crescente desconfiança, achando que está sendo engrupido, manipulado descaradamente pelos cartéis da grande imprensa.

O leitor do futuro teria meios de discernimento eficientes para detectar as reais intenções do editorialista, do articulista, do analista econômico, do resenhador de livros, discos e filmes. E teria também um chip no olho esquerdo. Sempre que estivesse lendo uma matéria plantada, a defesa de algum interesse escuso, as letras do texto ficariam irremediavelmente desfocadas e a imagem, como por encanto, desapareceria dando lugar a outra.

País de triste passado

O leitor do futuro teria expertise em uma porção de coisas. Por exemplo, em não deixar as entrelinhas esmagadas pelas linhas. E, ainda no desjejum matinal, tomaria dois comprimidos que trariam de forma condensada a informação que mais lhe apetece: se amasse música clássica seria rapidamente informado dos principais lançamentos na área, ouviria pequenos trechos, saberia do processo criativo da obra em formação e lhe seriam identificadas, de par em par, críticas favoráveis e desfavoráveis por quem entendo do riscado; se fosse aficionado de política internacional, logo estaria inteirado das contagens regressivas em andamento, quais guerras estavam no nascedouro e quais estivessem em andamento mesmo que uma das partes ainda não estivesse consciente disso; se fosse apaixonado pelo texto dotado da clara claridade de Clarice Lispector, logo estaria equipado para viver dia com tudo a que tivesse direito, com sensibilidade tal que poderia pegar em asas de borboleta sem machucar.

O leitor do futuro acessaria notícias por seu sentido mais apurado: se fosse a audição, tudo chegaria por esse meio, se fosse a visão, o som e a imagem estariam sempre entrelaçados produzindo a informação na medida. O leitor do futuro não seria o leitor do futuro e sim o destinatário da informação, o beneficiário final da notícia. Ler seria o de menos, até porque as notícias não chegam apenas pela antiquada forma da leitura. Novamente, acho que puxei demais o novelo e agora vejo fios espalhados por todos os lados.

Acelerei muito o pensamento e sou obrigado agora a dar um cavalo-de-pau. Puxo, então, o freio de mão da razão. Preciso retornar ao tema desse texto: a Folha de S.Paulo que se apresentou domingo (23/5/2010) como sendo o jornal do futuro. Menos de uma semana depois do grandiloqüente anúncio, feito para nublar qualquer conquista sobre a ignorância que invade nosso código genético, leio com desalento sua manchete de sexta-feira (28/5): “Hillary vê risco para o mundo no acordo Brasil/Irã”.

Será que, no futuro alardeado pelo jornal, é esperado que seus leitores captem o futuro com um misto de medo e impotência? O jornal do futuro preza em demasia o teor de cataclismo, de desgraça grande que parece carregar a visão de Hillary Clinton sobre o Brasil. Pobres de nós, brasileiros, não bastasse Hillary e esta sua visão estampada com ênfase aterrorizadora, ainda temos o jornal do futuro para repercuti-la. No caso específico entendo que esta primeira página da Folha nos remete a um país de triste passado, aquele que gripava ante o espirro ocasional da potência do Norte. Nos restos das entrelinhas sufocadas ainda consigo ler algo como: “Tremei brasileiros: Hillary nos escala para a bola da vez, depois do Irã”. Recuso-me, desde logo, a participar do futuro antecipado pelo jornal.

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O papel da Telebrás na banda larga

Reproduzo trechos da entrevista de Rogério Santanna, novo presidente da Telebrás, publicada no jornal Correio Braziliense:

Por que o Plano Nacional de Banda Larga é tão criticado, sobretudo pelo setor privado?

Os fabricantes de equipamentos no Brasil consideram o plano uma ótima oportunidade de ver essa indústria revitalizada. O Brasil tinha mais de 60 empresas nessa área e hoje há pouco mais que 13, que sobreviveram porque têm boa tecnologia. Quem não gostou foram os que estavam em uma situação de monopólio na maior parte das cidades onde atuam. É estranho que se chame de mercado aquilo que é monopólio. Segundo a própria Net, só há concorrência em 184 cidades.

Evidentemente, estão reagindo à entrada onde os pequenos provedores vão poder concorrer. Dizer que as regras mudaram não é correto. As regras que o ex-ministro (das Comunicações) Sérgio Motta estabeleceu na época das privatizações, que eram de estimular a competição, pouco a pouco foram esquecidas e nós voltamos para um ambiente de concentração e de controle por uma única empresa em mais de 2 mil municípios. Em 3 mil, não há nada.

Então, houve falhas no processo de privatização?

Eu sempre gosto muito de usar uma frase de um escritor gaúcho que respeito muito, que é o Luiz Fernando Veríssimo. Ele disse: "Nada envelhece tão depressa quanto os futuros de antigamente". Os futuros de 10 anos atrás já envelheceram. Aquilo que nós pensávamos que ia ser o futuro das telecomunicações não se realizou. Ninguém sonhou que a internet ia ter essa dimensão que tem, que a telefonia celular ia ocupar esse espaço. São duas inovações que ninguém previu. Isso afeta muito o negócio e as operadoras estão envolvidas nesse processo. Elas têm que repensar. Nós temos que sair da posição de 60, onde nós estamos (no acesso à banda larga), para ter uma posição de 10º, de 5º, que é o nosso lugar na economia. Temos a telefonia mais cara do mundo.

Mesmo sem o imposto?

Sim. De 70 economias emergentes, temos a mais cara, disparado: US$ 28 de conta média. Na Índia, custa US$ 5. Na China, não chega a esse preço. Nossa situação não é boa. Isso inibe o desenvolvimento.

Estudos mostram que, a cada 10% de aumento de penetração do acesso à internet, há 1,4% de aumento do PIB. Se nós queremos ser um país com inserção na sociedade do conhecimento, temos de mudar radicalmente a forma com que lidamos com a banda larga. Se ela for uma commoditty barata, as empresas brasileiras estarão na ponta da inovação.

Os empreendedores brasileiros são muito criativos e, certamente, se nós instituirmos um ambiente que promova a concorrência, os custos do país vão baixar. Até do governo, que poderá prestar uma série de serviços que permitirão levar conhecimento para o interior do Brasil e aplicações como telemedicina, a nota fiscal eletrônica. Temos oportunidades na área de serviços, na área de novas aplicações, hardware. Não é possível ser ingênuo a ponto de dizer que o país não possa ter uma infraestrutura própria, com competência, no seu próprio país.

Então a banda larga é questão de segurança para o país?

Sim. Senão, o submarino nuclear que vai patrulhar as costas brasileiras não vai conseguir falar com um avião do último modelo que estamos comprando. Não sabemos qual vai ser a empresa vencedora, mas, com certeza, terá tecnologia de ponta. E como que esses caras falam? Falam por um satélite comercial, por exemplo?

O senhor está se referindo ao pré-sal?

Sim. No reforço da Marinha brasileira, em função das riquezas nos campos de pré-sal, os submarinos vão precisar conversar com a Aeronáutica. Como é que eles vão se falar? Por satélites comerciais ou eles vão usar redes que nós controlamos? Não dá para ser ingênuo ao ponto de o país não ter autonomia.

Hoje, então, há risco de vazamento de informação sigilosa porque o governo não tem rede própria de telecomunicações?

Isso já aconteceu. Não é um fato novo. Na época da Brasil Telecom, vários e-mails de ministros foram interceptados pela empresa operadora interessada na questão. No governo Fernando Henrique, na contratação do Sivam-Sipam (programas de monitoramento da Amazônia), comunicações dos militares foram interceptadas por fornecedores interessados e acabaram interferindo em um acordo que ia ser feito com a França. Não é possível que a gente não tenha uma estrutura. É uma questão de segurança de Estado. Como é que vamos trabalhar com informação reservada, combatendo tráfego de drogas, com uma rede frágil, que pode ser escutada a qualquer momento?

A crítica mais recente à reativação da Telebrás é um possível conflito de interesse pelo uso de informações privilegiadas por funcionários da estatal que estão cedidos para a Anatel. Existe esse risco?

Deveríamos fazer uma discussão mais ampla sobre o tempo em que os conselheiros das agências ficam em quarentena quando saem. No caso da privatização, houve vários conflitos. O Fernando Xavier terminou de privatizar a Embratel, tirou umas férias prolongadas e foi ser presidente da Telefonica no Brasil. Não se fez um escândalo sobre isso ser uso de informação privilegiada, nem de conflito de interesse. O próprio Antonio Carlos Valente, atual presidente da empresa, saiu do conselho da Anatel, fez um estágio no Peru, ficou quatro meses de férias e foi trabalhar para a Telefonica, uma empresa regulada por ele como conselheiro. E ninguém achou que tinha conflito de interesse. O que é estranho é que agora, quando se trata de funcionários mais baixos que retornam à sua empresa de origem, haja esse conflito.

Em outros países, as regras são mais rígidas para esse tipo de situação?

Nos Estados Unidos, a quarentena de um conselheiro é de cinco anos para falar do assunto. Do 5º ano ao 10º, ele pode dar aula, mas não trabalhar numa empresa. Aqui, são quatro meses. Isso são férias prolongadas. O problema não é a saída do pequeninho, mas sim a do Xavier e a do Valente para trabalhar na Telefonica. É ridículo.

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PNDH-3: mídia contra os direitos humanos

Reproduzo artigo de Bia Barbosa e Carolina Ribeiro, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:

O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem uma terceira edição de um Programa Nacional de Direitos Humanos apresentada pelo governo federal. Por si só, isso já demonstra uma preocupação do Estado brasileiro com a situação desses direitos em território nacional. Mais positivo ainda é se este programa é atualizado periodicamente em diferentes espaços de diálogo e interlocução com a sociedade civil. No caso da terceira edição do PNDH, estamos falando de um processo que envolveu mais de 14 mil pessoas em todo o país. Um processo que deve ser saudado para que, imediatamente, se possa cobrar deste mesmo governo um compromisso com o mesmo.

Infelizmente, as recentes alterações sofridas pelo PNDH-3, via decreto presidencial, revelam a outra triste face desta moeda. O Decreto 7.177, de 12 de maio de 2010, alterou sete e revogou duas ações do Programa Nacional. Ficou explícito que, apesar de despontar como promissora potência mundial, o Brasil ainda se curva a setores autoritários com grande tradição na arte de manter o país, simbólica e estatisticamente, no "terceiro mundo".

Desde a publicação do Decreto 7.037/2009, que institucionalizou o PNDH-3, bispos católicos, militares, latifundiários e donos da mídia bombardeiam a sociedade com suas opiniões sobre as diretrizes que buscam a redução dos conflitos no campo, o respeito ao Estado laico e aos direitos da mulher, à memória e à verdade e a democratização das comunicações. Agem como uma tropa, colocando os meios de comunicação na linha de frente da artilharia daquilo que consideraram uma “obsessão totalitária”, como observou um dos articulistas da revista Veja.

A constatação óbvia – e triste – que este governo não foi capaz de enfrentar setores que tornam o Brasil um país profundamente desigual e arcaico é tão grave quanto o desrespeito aos processos democráticos e participativos promovidos pelo próprio governo. O Programa foi construído por meio de Conferências Municipais, Estaduais e Nacional de Direitos Humanos, convocadas pelo Executivo. O resultado dessas conferências, abertas à toda sociedade, é um indicativo aos gestores públicos e legisladores sobre as mudanças que devem acontecer na área.

Foi a partir da 13a Conferência Nacional de Direitos Humanos que nasceu o PNDH-3. Ao alterar seu texto, o governo desrespeita frontalmente essa construção e abre precedente para que outras Conferências e Programas sejam alterados à revelia de todos aqueles que, com debate público e espírito democrático, definiram objetivos, diretrizes e ações para as políticas públicas no Brasil.

Mas o que poderia ter levado o governo a estabelecer tamanho recuo e desrespeitar o processo da 13a Conferência de Direitos Humanos?

Conferências na mira da mídia

A crítica ao PNDH-3 e a seu processo originário não veio isolada na artilharia dos grandes meios de comunicação. Na edição do dia 17 de janeiro de 2010, o jornal O Estado de S.Paulo publicou dez matérias e artigos que trataram das Conferências e do Programa Nacional de Direitos Humanos. Só sobre as Conferências foram quatro no caderno Nacional. Na primeira matéria, com o título “ Um debate que cabe em qualquer evento”, os repórteres Felipe Recondo e Marcelo de Moraes sentenciam:

“No governo Lula, as Conferências nacionais têm sido realizadas constantemente e produzido propostas polêmicas, mas inócuas. Na prática, servem para que o presidente Lula dê voz ao público interno do PT e dos movimentos sociais, que levantam bandeiras controvertidas, mas acabam não tendo consequências”.

A matéria seguinte traz na manchete um ataque feroz: “Conferência de Cultura arma novo ataque à mídia”. Dois parágrafos para o Ministério se defender. Mas a entrevista de página inteira coroa a série: o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, no bojo de sua autoridade de intelectual, é acionado para finalizar o massacre:

“Usado para fundamentar as conferências nacionais promovidas pelo governo, o conceito de democracia direta ainda custa a ganhar a adesão de alguns estudiosos, a exemplo do cientista político Leôncio Martins Rodrigues. Para ele, a proposta não apenas é "impossível de ser realizada", como representa mais uma fórmula para que uma minoria organizada mobilize a maioria. Foi por trás da tese de contato direto de um líder com a população, argumenta, que nasceram ideologias como o fascismo”.

Não há outra explicação que não a pura e simples manipulação ideológica do leitor para comparar as Conferências com práticas fascistas. Em artigos de opinião de outros três cadernos, a edição daquele domingo seguiu desferindo golpes no ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e no governo federal.

O exemplo usado foi o de uma edição de janeiro de 2010 de O Estado de S. Paulo, mas poderia ser de uma edição do Jornal Nacional, do jornal O Globo, Correio Brasiliense ou da Folha de S. Paulo, dos últimos seis meses. Não faria diferença. A artilharia contra o PNDH-3 e os processos participativos foi arquitetada pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que representam, junto com a Associação Nacional de Editoras de Revistas (Aner), toda a patota de empresários de mídia que se organizou para fuzilar o PNDH-3.

O aparato bélico também foi apontado para a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), espaço que essas mesmas entidades abandonaram sem explicação convincente. Acusaram os participantes de ser contra a liberdade de expressão e de desejar a volta da censura. Espaço para o contraditório em seus veículos? Nenhum. Quem censura quem, afinal?

Falando em censura, ela não apareceu apenas nas justificativas acusatórias da Confecom, mas foi também pano de fundo de uma propaganda produzida pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e seu braço acadêmico, a Escola Superior de Marketing e Propaganda. A peça, inserida propositadamente em meio ao bombardeio de notícias sobre o PNDH-3, envolve o telespectador numa animação sombria de animação científica com a seguinte narrativa:

"Ele era conhecido como o Último Suspiro, o laboratório mais seguro do mundo, a última fronteira para o mal. Ali, foram eliminadas as maiores aberrações existentes na face da terra, vírus, seres das profundezas oceânicas, bactérias. Experiências secretas foram feitas ali e, em uma cela especial, ainda habita a criatura mais terrível, o mostro da censura, que agora repousa fora de combate. A temperatura da sua cela é cuidadosamente controlada, o frio tem que ser constante, assim ele já mais despertará de novo. Nada pode distrair a tarefa da sentinela! Não deixe o mostro da censura acordar!”

Toca a sirene

Em pouco tempo, o governo atendeu ao terrorismo midiático da peça publicitária e cedeu à metralhadora giratória do jornalismo praticado por essas empresas, modificando pontos significativos relacionados à mídia no texto do PNDH-3. Levantou a bandeira branca e, numa canetada, reescreveu sozinho o que foi construído por milhares de mãos em todo o Brasil, e que estava compilado na Diretriz 22: “Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos ”.

Foi alterada a ação programática “a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”.

Na Constituição Federal, o artigo 221 diz que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.

Desde 1963, no entanto, o Decreto 57.795 estabelece, por exemplo, um mínimo de 5% da grade de programação diária para o jornalismo, de 5 horas de programação educativa por semana e também o limite de 25% da grade diária com veiculação de publicidade. O decreto também prevê multas, suspensões e cassações, caso haja descumprimento das normas estabelecidas. Ou seja, estabelece alguns parâmetros que, posteriormente, foram recepcionados pela Constituição, criando cotas, limites e sanções para os radiodifusores.

O que a redação original do PNDH-3 previa era a inclusão dos direitos humanos como um desses parâmetros, para evitar que práticas racistas, machistas, homofóbicas e outras de mesma natureza acontecessem na programação das concessionárias de rádio e TV.

A grande mídia chiou e, com a nova redação, a ação programática ficou bem mais genérica, sem avanços: "a) Propor a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados".

Cabe perguntar, então, se os meios de comunicação são favoráveis a conteúdos que violem direitos humanos, já que foram contrários a que esse fosse um critério para outorga e renovação das concessões. Ou se acreditam que estabelecer os direitos humanos como critério para ocupar um espaço que é público é censura, pois foi isso que bradaram aos quatro ventos em seus veículos.

O segundo pecado do PNDH-3, na visão dos donos da mídia, foi a ação “d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações”.

Essa ação, que foi apagada da nova versão do Programa, simplesmente já é executada desde 2002. A campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, coordenada por entidades da sociedade civil em parceria com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, recebe denúncias dos telespectadores e, a partir delas, faz um ranking para classificar os programas que incentivam o preconceito, a estereotipização e a discriminação. Depois buscam sensibilizar anunciantes para que deixem de financiar esse tipo de conteúdo. Logo, é difícil compreender porque os empresários da grande mídia, mais uma vez, tacharam de censura esta forma de coibir violações de direitos humanos na mídia.

Pela liberdade de expressão

Na verdade, ao contrário do que dizem Abert, ANJ e Aner, o cerceamento à liberdade de imprensa ou de expressão está longe de ser o problema de conferências e programas nacionais delas resultantes. O grande problema desses instrumentos de participação popular é que eles colocam o dedo na ferida das estruturas fundantes da desigualdade histórica em nosso país. Neste caso, um dos mais notórios problemas da democracia brasileira: os monopólios e oligopólios de mídia.

Para se ter uma ideia, as cinco principais redes de TV controlam 65% das emissoras (284 emissoras), são responsáveis por 82,5% da audiência nacional, e controlam 99,1% das verbas publicitárias. A Globo, sozinha, tem 44,3% da audiência e 73,5% das verbas publicitárias. Isso tudo apesar da explícita vedação ao monopólio dos meios de comunicação presente em nossa Carta Magna.

O monstro da censura, portanto, que esses empresários não querem acordar, é na verdade o monstro da democracia nos meios de comunicação. Democracia que só pode ser exercida plenamente quando houver mecanismos que garantam a circulação da pluralidade de ideias e da diversidade característica da sociedade brasileira na esfera pública midiática. Afinal, somente num espaço onde todos e todas tenham voz, os direitos humanos poderão ser conhecidos, reconhecidos, protegidos, defendidos, reivindicados e efetivados.

É isso o que defendem o PNDH-3 em sua Diretriz 22 e todas as organizações, movimentos populares e defensores de direitos humanos organizados em torno da Campanha Nacional pela Integralidade e Implementação do PNDH-3. Esta é uma luta de todos e todas nós.

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Pela redução abrupta da jornada de trabalho

Reproduzo entrevista de José Dari Krein, concedida ao boletim online do Instituto Humanitas Unisinos-IHU:

Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, José Dari Krein analisou a luta em prol da redução da jornada de trabalho e defendeu que o tempo no trabalho deve ser diminuído de forma abrupta “porque, com uma redução progressiva, as empresas vão fazer um processo de adaptação e, dificilmente, vão aumentar o número de contratações”.

Ele também avaliou a posição do governo frente a essa problemática e tratou de questões como a utilização do tempo livre pelo trabalhador e as doenças geradas pela intensificação do trabalho. “Estamos assistindo, atualmente, um processo de intensificação de plano de metas, de cobranças excessivas sobre o trabalhador, da exigência por ampliação das qualificações profissionais, ou seja, há uma pressão que gera doenças do trabalho próprias do século XXI”, apontou.

Graduado em filosofia pela PUC-PR, José Dari Krein tem mestrado e doutorado em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, onde atualmente é professor no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho.

Para o senhor, a que se deve a resistência dos empresários em aceitar a redução da jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas semanais? São razões econômicas ou ideológicas?

São as duas coisas. O capital sempre busca reduzir o custo da força de trabalho ao mínimo possível, além de manter o controle sobre as condições de uso, contratação e remuneração do trabalho. O empresariado, hoje, tem o poder de legitimar a forma como ele mesmo utiliza o trabalho, e sabe que a redução da jornada de trabalho tem seu lado positivo, que é o aumento da produtividade, mas é contra porque quer utilizar o trabalhador com o maior tempo e menos custo possível.

Do ponto de vista histórico, tivemos um pequeno período em que se conseguiu o “relativo emprego”. Isso se deu, primeiro, pela introdução de novas atividades para atender às necessidades da sociedade, principalmente nas áreas da saúde e da educação, que são os setores que mais empregam. Ou seja, criou-se uma ocupação em relação a atividades que fazem sentido ao bem-estar da sociedade. Outra forma foi a redução da jornada de trabalho que é importante, principalmente, hoje, para a criação de emprego, mas também é uma medida indispensável para criar um ambiente de trabalho mais saudável.

Estamos assistindo, atualmente, um processo de intensificação de plano de metas, de cobranças excessivas sobre o trabalhador, da exigência por ampliação das qualificações profissionais, ou seja, há um processo de pressão que gera doenças do trabalho próprias do século XXI. Essas doenças estão inseridas num contexto em que crescem a insegurança e a incerteza das pessoas no trabalho. E mais, soma-se a isso uma situação onde as pessoas são submetidas a uma superexploração do trabalho. Portanto, a redução da jornada é também uma questão de saúde pública.

As centrais sindicais estariam negociando um escalonamento na redução. Primeiro viria um acordo para reduzir de 44 para 42 e depois para 40 horas semanais. Isso já é um avanço?

Qualquer redução do tempo de trabalho é um avanço. Mas o melhor seria se a redução fosse feita de maneira abrupta, porque, com uma redução progressiva, as empresas vão fazer um processo de adaptação e, dificilmente, vão aumentar o número de contratações. Reduzir o tempo de trabalho é sempre algo bem-vindo porque, em função da terceira revolução industrial, tivemos ganhos de produtividade extremamente elevados, mas que não foram redistribuídos para a sociedade. Por isso, defendo que a redução deveria ser feita de forma abrupta.

Qual é a média da jornada de trabalho semanal em outros países?

Na Europa, houve uma redução de jornada de trabalho do final do século XIX até a década de 1970 do século XX. Depois dos anos 1970, sob a hegemonia do neoliberalismo, houve uma a introdução de novas formas de gestão do trabalho que fez com que as pessoas ficassem mais tempo à disposição das empresas. Hoje, em alguns países, a jornada de trabalho formal é até maior, mas a real é negociada. Tivemos um movimento no período recente em que houve um retardamento na entrada das pessoas no mercado de trabalho, mas, por outro lado, houve mudanças na previdência social, elevando a idade mínima para a pessoa ter acesso à aposentadoria.

Assim, aconteceu um movimento que foi importante para a estruturação da sociedade, que foi retardar a entrada do jovem no mercado de trabalho, pois não tem necessidade alguma de se começar a trabalhar aos 16 anos. Mas ainda é preciso avançar de uma forma sistemática, no sentido de reduzir o tempo de trabalho na vida inteira, junto com a redução do trabalho semanal.

Alguns países já avançaram, pois, além da redução semanal, fizeram também a redução anual, que inclui a questão das férias. Assim, é possível ter um sistema mais civilizado, ampliando o tempo de descanso no ano, reduzindo a jornada semanal e incluindo mecanismos onde o tempo de trabalho na vida seja menor.

E como o senhor vê a posição do governo Lula nesse embate?

O governo foi extremamente tímido no que diz respeito à viabilização da proposta da redução da jornada de trabalho. Em 2002, o governo Lula só tinha duas propostas: A criação do Fórum Nacional do Trabalho, que não redundou na reforma sindical o que era esperado, e a redução de jornada para 40 horas semanais. Estamos no final do segundo mandato, e essas questões ainda estão pendentes. E o governo vai continuar assim se o movimento sindical não mostrar capacidade de articulação e mobilização em defesa da redução da jornada de trabalho. É fundamental inclusive fazer com que a sociedade se envolva nessa questão.

O governo também foi tímido quando foi colocada em discussão a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E, agora, durante o período eleitoral, quando ocorrem as aproximações com o setor empresarial, essa timidez se acentua ainda mais.

Desde a pré-crise, a jornada de trabalho tem se ampliado, chegando até a 60 horas semanais. Como o senhor vê a questão do valor da hora extra?

No Brasil, existe um abuso da utilização da hora extra. Apesar de haver muitos mecanismos de flexibilização, os números de horas extras são absurdos. Isso mostra que, de um lado, houve uma retomada da atividade econômica, e os setores mais qualificados começaram a pressionar os trabalhadores para que eles aceitassem fazer hora extra. Em 2005, uma pesquisa do Dieese mostrou que a maioria dos trabalhadores só faz hora extra porque se sente pressionado pela empresa, e parte deles aceita esse jogo porque é uma forma de complementar os salários que são muito baixos. Um dos problemas é que muitos trabalhadores preferem trabalhar mais e ganhar mais e participar de forma mais intensa desse mercado de consumo, porque é isso que dá uma certa identidade e perspectiva de inserção na sociedade.

Se essas horas fossem transformadas em vagas, como isso mudaria a realidade do setor industrial?

A diminuição da hora extra, num ambiente em pleno crescimento, teria um efeito direto na criação de novos postos de trabalho. Embora a hora extra tenha um custo relevante, ainda assim o setor industrial prefere que se faça a hora extra do que se contrate outro trabalhador. Por isso, ela deve ser proibida.

Como o senhor vê a utilização do tempo livre pelo trabalhador brasileiro? Ela está associada ao rendimento ou independe disso?

Nós não temos estudos mais sistemáticos sobre como o trabalhador utiliza o tempo livre. Acho que numa sociedade como a nossa, em que a educação não adquiriu a importância que deveria, é fundamental fazer um processo de reeducao para que as pessoas deem valor para outras dimensões da vida que não sejam as mesmas do mercado, como o lazer, a cultura e a integração.

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