Charge: Céllus |
O ministro da Defesa José Múcio Monteiro repete como um mantra que os implicados na tentativa de golpe “são pessoas que pertencem às Forças Armadas, mas não estavam representando os militares, estavam com seus CPFs. Foi iniciativa de cada um”.
O ministro tem razão ao dizer que os golpistas fardados carregarão seus CPFs perante os tribunais. Mas o golpe, enquanto empreendimento institucional, tem CNPJ, e o CNPJ do golpe é o CNPJ das Forças Armadas.
Contraria a lógica elementar alegar que a execução do plano foi iniciativa individual e isolada, visto que dentre os 37 indiciados inicialmente no inquérito policial, 25 são militares da alta oficialidade, inclusive general da ativa e integrante do Alto Comando do Exército. Isso caracteriza, portanto, um fenômeno sistêmico –e não individual– da instituição militar.
Na condição de porta-voz e representante dos interesses militares, Múcio se empenha em sedimentar a narrativa que individualiza as responsabilidades criminosas para desresponsabilizar a instituição militar e seus altos comandos hierárquicos.
Esta versão, inspirada nos manuais militares de diversionismo e encampada pelo ministro Múcio, é inverossímil, pois a tomada do poder civil por meio de um golpe de Estado foi diretriz institucional das Forças Armadas no contexto da conspiração arquitetada pelo Exército para instalar o poder militar no país [aqui e aqui].
São visíveis as digitais do envolvimento institucional das Forças Armadas, em especial do Exército, no longo processo iniciado com a desestabilização política para derrubar a presidente Dilma e aprofundado com o julgamento farsesco para prender Lula e tirá-lo da eleição presidencial de 2018.
Bolsonaro foi instrumento e veículo para a materialização deste projeto secreto de poder das cúpulas militares.
O plano golpista foi abalado sobretudo pela oposição da Administração Biden. A falta de apoio da potência imperial quebrou a unidade do Alto Comando do Exército [ACE] em torno do empreendimento golpista, obrigando as cúpulas militares a abortarem o plano.
Esta divisão interna do ACE representou uma novidade; rompeu a rotina de unidade ostentada em outras circunstâncias graves, como quando da publicação do tweet do general Villas Bôas em nome do Alto Comando para constranger o STF a manter a prisão de Lula, em 3 de abril de 2018; e quando da divulgação, em 11 de novembro de 2022, do comunicado conjunto dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica atacando o STF, defendendo os acampamentos nos quartéis e provocando o clima de caos [Às Instituições e ao Povo Brasileiro].
Apesar da divisão interna no Alto Comando, setores da caserna continuaram determinados a tocar a empreitada até o fim.
Em 19 de dezembro de 2022, faltando apenas 13 dias para o início do governo Lula, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu contabilizou para o general Mario Fernandes o mapa de forças no Alto Comando: “cinco [generais] não querem [o golpe], três querem muito e os outros, zona de conforto. É isso. Infelizmente”.
Como se observa, o golpe era um assunto debatido corriqueiramente no Alto Comando do Exército sem que um único general, dentre os 16 da instância, denunciasse a conspiração e os sediciosos. A cumplicidade era total – uma cumplicidade corporativa e institucional.
Seria ingenuidade infantil supor que os comandantes das três Forças desconheciam a trama golpista que envolvia os acampamentos criminosos nos quartéis e a atuação coordenada de generais, almirantes, brigadeiros, coronéis, tenentes-coronéis, oficiais e suboficiais na conspiração.
O golpe tem personalidade jurídico-militar. O CNPJ do golpe é o CNPJ das Forças Armadas.
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