Reproduzo entrevista concedida à jornalista Natuza Nery, da agência de notícias Reuters:
O Brasil viverá um aumento das ocupações de terra se a petista Dilma Rousseff vencer as eleições e um crescimento da violência no campo caso o tucano José Serra seja o escolhido.
O diagnóstico é do economista marxista João Pedro Stédile, fundador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), maior organização social do país.
Ele explica que a intensificação de atos num eventual governo do PT ocorre justamente pelas afinidades históricas entre os dois grupos.
"Um operário, diante de um patrão reacionário, não se mobiliza. Com Dilma, nossa base social perceberá que vale a pena se mobilizar, que poderemos avançar, fazendo mais ocupações e mais greves", disse ele em entrevista à Reuters, a primeira desde o início do processo eleitoral.
"Se o Serra ganhar, será a hegemonia total do agronegócio. Será o pior dos mundos. Haverá mais repressão e, por isso, tensão maior no campo... A vitória dele é a derrota dos movimentos sociais", acrescentou.
Por essa razão, a opção "majoritária" do movimento é apoiar a ex-ministra--mesmo que, nos últimos anos, justamente num governo considerado amigo, o MST tenha se enfraquecido e chegado à conclusão de que "o agronegócio venceu".
"Lula não fez reforma agrária, mas uma política de assentamento... Metade dos números do governo é propaganda", afirma Stédile.
Segundo dados oficiais, quase 1 milhão de famílias foram instaladas nos últimos sete anos em terras cedidas pela União ou compradas do setor privado pelo valor de mercado.
Menos de 10 por cento dos 47 milhões de hectares destinados a este fim foram obtidos por meio de desapropriações de terras improdutivas ou griladas, mecanismo defendido pelo movimento.
O modelo adotado por Lula custa caro. Na região Sul, uma das mais caras do país, assentar uma família exige o desembolso de 126 mil reais. A média nacional é de 65 mil reais, conforme cálculo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Apesar de algumas decepções, João Pedro Stédile descarta apoiar um candidato de extrema esquerda. "Não temos alternativa."
"É como se você percebesse que seu time pode cair para a segunda divisão e faz o que for possível para vencer o campeonato."
Criminalização
O MST vive um período difícil e se queixa de ter sido alvo de criminalização pela imprensa e por "forças de direita" nos dois mandatos do PT. Stédile raramente dá entrevistas.
"A imprensa, que antes nos tratava como coitadinhos e até nos elogiava, passou a nos dar um pau nesses oito anos, passou a ser arma da direita para nos estigmatizar."
O movimento endossou a candidatura de Lula em 2002 apostando numa administração à esquerda. Frustrou-se com a continuidade do modelo macroeonômico implantado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Voltou a dar um apoio tímido em 2006, momento mais difícil para o PT com a crise do mensalão. Após a vitória de Lula naquelas eleições, as relações ficaram estremecidas.
Nesse período, a organização enfrentou três CPIs no Congresso e perdeu diversos repasses financeiros de convênios federais. Partidos como PSDB e Democratas acusam o governo de patrocinar ocupações de terra com dinheiro público.
"Não somos puxa-saco nem pau-mandado de ninguém", enfatiza.
Cutrale
Epiódios controversos também tiraram capital político da organização, como a destruição por grupos sem-terra de pés de laranja de uma das fazendas da empresa Cutrale. As imagens flagradas pela TV arrancaram de Lula duras acusações de prática de "vandalismo".
"Aquilo foi um erro tático... Mas aquele ato impensado foi usado contra nós como se tivéssemos matado uma criança", rebateu o líder sem-terra. "Se fôssemos radicais, estaríamos botando fogo em tudo."
O apoio informal à Dilma – que assegurou durante a campanha que não vai tolerar "atividades ilegais" do movimento –, e não a presidenciáveis ideologicamente mais próximos ao MST, como Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), vem de uma avaliação pragmática de que esses nomes não foram capazes de aglutinar forças populares.
Para Stédile, Marina Silva (PV), assim como os outros candidatos de esquerda, não devem receber mais que 10 por cento dos votos sem-terra. "Ela expressa as forças sociais apenas da classe média do Rio de Janeiro e de São Paulo."
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sábado, 10 de julho de 2010
O movimento perverso dos bancos
Reproduzo entrevista concedida à jornalista Natalia Aruguete e publicada no jornal argentino Página 12:
“Ao contrário do que aconteceu nos anos 90, quando se multiplicaram as crises nos mercados emergentes, a débâcle atual impacta o coração financeiro mundial. Os países em desenvolvimento mostram uma recuperação substancial e mais rápida que os Estados Unidos e a Europa”, assinala Carlos Marichal, historiador especializado em economia. Autor do recente livro “Nueva historia de las grandes crisis financieras”, Marichal é um reconhecido pesquisador mexicano, doutor pela Universidade de Harvard e professor visitante das Universidades de Stanford, Carlos III, Complutense de Madri e Autônoma de Barcelona.
Por que os atores chave desta crise não a anteciparam?
Paul Krugman, quando escreveu “O retorno da economia da depressão”, em 1999, antecipou este colapso financeiro. Naquele momento, o livro não teve sucesso porque todos estavam obcecados pelo auge de Wall Street, o maior de toda a história. Oito anos depois, com o Prêmio Nobel debaixo do braço e no meio da crise, fez uma atualização do livro [“A crise de 2008 e a economia da depressão”. Rio de Janeiro: Campus] com muito sucesso.
Mas, a análise focalizava os países periféricos.
Certo. A previsão era que as crises viriam da periferia. Não foram capazes de prever as fortes debilidades dos mercados financeiros mais importantes do mundo: Nova York e Londres.
A crise “ponto com” de 2001 não foi um aviso da débâcle de 2008?
Essa crise gerou um grande temor. Ao caírem todas as cotizações das empresas tecnológicas, o Federal Reserve reduziu imediatamente a taxa de juros de quase 6% para mais ou menos 1%. A mais baixa da história. Isto permitiu que a Bolsa reagisse apesar de ter sofrido a pior queda desde 1929. Além disso, havia um auge do mercado imobiliário, que não sofreu quedas com a crise “ponto com”, mas que seguiu um caminho ascendente. Nesse momento, os países em desenvolvimento, que haviam sofrido graves crises, estavam em processo de recuperação enquanto os países do centro experimentavam um auge enorme.
Em que medida a crise de 2001 influenciou no desenlace de 2008?
Entre 2002 e 2006 se formaram de forma simultânea as enormes bolhas, uma imobiliária e outra bursátil, nos Estados Unidos, Inglaterra e Espanha. Segundo as séries históricas, as bolhas bursáteis que houve entre 1990 e 2001 e entre 2003 e 2006 não têm precedentes. O mercado de capitais em Nova York cresceu de maneira extraordinária nesse período. Em 1990, o total de operações desse país ultrapassava os três bilhões de dólares. Tóquio tinha uma cifra próxima. França e Alemanha, um pouco menos. O mercado de capitais dos Estados Unidos era e é não apenas o maior do mundo, mas maior que todos os outros mercados juntos. E não prestaram muita atenção nisso.
Por quê?
Porque na época moderna, os Bancos Centrais não prestam muita atenção, enquanto capacidade de ação, aos valores bursáteis ou imobiliários. Não é propriamente seu campo de regulação. Têm como mandato, norma e regra a vigilância dos Bancos, a vigilância da situação monetária e a utilização do índice de preços como indicador da inflação. O que procuram é manter a estabilidade de preços e aventar um crescimento econômico mais ou menos estável e sustentável. Alan Greenspan defendia que do Federal Reserve não podia influir de maneira decisiva na Bolsa. Muitos autores dizem que, na realidade, Greenspan tendia a que o mercado se recuperasse e voltasse ao seu auge.
Acredita que foram adequados os resgates implementados pelos governos e os Bancos Centrais?
Caso esses resgates não tivessem sido feitos, o sistema financeiro teria afundado, já não em nível nacional, mas mundial. Os historiadores econômicos que comparam a crise de 1929 com a de 2008 demonstram que, na primeira etapa, esta última foi pior na queda dos valores bursáteis, do comércio internacional e, inclusive, da produção industrial. Quando o Lehman Brothers quebrou, no dia 15 de fevereiro de 2008, se tinha a sensação – e confessaram-no o presidente do FED de Nova York, Tim Geithner, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, e o presidente do FED, Ben Bernanke – de um desmoronamento total do sistema financeiro. Ao mesmo tempo, deve-se enfatizar que em nenhum país em desenvolvimento houve crises bancárias.
Contudo, os países em desenvolvimento sofreram as consequências desta crise.
Nestes países, inicialmente a crise teve um impacto na queda dos preços na Bolsa e no seu comércio. Contudo, a recuperação em ambas as esferas foi substancial e muito mais rápida que nos Estados Unidos e na Europa. Mas depende de quais grupos de países escolhemos.
Por exemplo?
Na China, a recuperação foi notória, similar à da Índia. A América do Sul conseguiu uma recuperação rápida. A tal ponto que, em alguns casos, é difícil falar de uma grande recessão. As taxas de desemprego inicialmente aumentaram, mas logo se reduziram e hoje na Argentina ou no Brasil se está conseguindo um aumento substancial do emprego.
Onde se situa a Grécia neste contexto?
No começo, os países do Mediterrâneo sofreram menos a crise, em parte, pelo escudo do euro. Se não tivessem tido o euro como moeda, teriam sofrido ataques especulativos muito fortes em 2008. Em épocas de crise, as empresas financeiras atacam as moedas que consideram mais frágeis.
Então, como se explica a crise na Grécia ou na Espanha?
Há ataques especulativos contra a dívida destes países. Há um movimento natural, ainda que também perverso, dos bancos e das empresas financeiras. Muitos deles são bancos dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, que foram resgatados e operam muito ativamente nos mercados monetários, e que apostaram na queda do euro, considerando que iriam ganhar dinheiro com isso. É um mecanismo perverso porque especulam contra uma das moedas de reserva fundamental em nível internacional, sem que haja motivos inteiramente razoáveis para isso. Sem dúvida, o euro estava sobrevalorizado e as dívidas públicas na Grécia, Espanha, Itália e Portugal são importantes. Mas a dívida da Espanha é muito menor, em termos relativos, que a da Inglaterra ou, inclusive, da Alemanha.
Que época se abre no cenário financeiro?
As grandes crises marcam mudanças na arquitetura financeira internacional. A primeira grande crise mundial de 1873 impulsionou o estabelecimento do padrão ouro, isto teve efeitos positivos. Depois da crise de 1929 se abandonou o padrão ouro, houve uma maior rivalidade entre países e menor cooperação econômica e monetária internacional. Isso levou à instabilidade dos anos 1930, acentuada pelas rivalidades militares. No final da Segunda Guerra Mundial se estabeleceu o sistema de Bretton Woods.
A Segunda Guerra Mundial é comparável às crises financeiras como a de 1873 ou a de 1929?
A Segunda Guerra Mundial teve as mesmas consequências ou piores que as de uma crise financeira. Os países vencedores decidiram estabelecer um novo sistema que pudesse garantir estabilidade. E se conseguiu estabelecer uma série de acordos, sob o desenho de Bretton Woods, que permitiram um crescimento continuado e poucas crises.
Por que houve poucas crises nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra?
Havia regulações muito fortes. A nível da economia internacional, os movimentos de capitais estavam bastante regulados e havia controle por parte do governo e do Banco Central, que estavam mais sincronizados na administração das taxas de juro. Em 1971, começaram a se liberalizar os movimentos de capitais. Chegou-se a um endividamento muito forte nos países latino-americanos. Nos anos 1980 o processo se descontrolou.
Por quê?
Pelo Big-Bang em Londres, que implicou em liberalizar o mercado de maneira muito notável, mas também na aplicação de tecnologia nova. A eletrônica influenciou na globalização: permitiu realizar mais operações, em maior escala, em menos tempo e 24 horas por dia. Desde mediados dos anos 1990 se criaram instrumentos de investimentos de alto risco. Foi um dos fatores que geraram as condições da crise atual. Hoje se está repensando a regulação dos mercados financeiros.
Em que níveis?
Há discussões na Câmara de Representantes dos Estados Unidos para regular a banca e no final deste mês deve ser aprovada a lei. Será uma lei reformista, que imporá limites até certo ponto; por enquanto não sabemos qual será o seu alcance. Na Alemanha e na Hungria há uma norma sobre os lucros dos bancos. Ao mesmo tempo, nos Bancos Centrais se está discutindo o grau de regulação que se aplicará em cada país.
Dada a dimensão que a especulação financeira alcançou, é possível aplicar uma regulação efetiva neste setor?
Os que mais cresceram são os bancos globais. Os fundos de investimento e os bancos privados se viram muito debilitados pela crise. Nos Estados Unidos está havendo um processo de consolidação da banca. Essas entidades são maiores e seguirão crescendo. São bancos globais que operam em muitos mercados e se opõem a uma legislação que os regule. E, neste contexto, é muito difícil colocar em marcha uma legislação internacional. Depende muito do grau de coordenação que houver entre os países. Esta nova regulação deve ser estabelecida basicamente pelos Bancos Centrais. Atualmente, há uma tensão entre os Bancos Centrais e os grandes bancos comerciais.
Diferentes países da América do Sul participam de um debate conjunto sobre uma nova arquitetura financeira regional.
A economia mexicana está mais vinculada com a norte-americana. A sua incorporação na reforma do sistema monetário na América do Sul é problemática. Creio que a proposta mais interessante é a de coordenação monetária, na qual os Bancos Centrais participem de maneira mais ativa para manter e permitir o estabelecimento de um instrumento baseado em uma cesta de moedas.
Quais seriam os benefícios de tal coordenação?
Se reduziria o grau de volatilidade monetária, se asseguraria uma cooperação para que cada país ajude o outro em situações de crise e permitiria pouco a pouco estabelecer um certo balanço entre as moedas. Também a Ásia se propôs um maior grau de cooperação monetária regional.
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“Ao contrário do que aconteceu nos anos 90, quando se multiplicaram as crises nos mercados emergentes, a débâcle atual impacta o coração financeiro mundial. Os países em desenvolvimento mostram uma recuperação substancial e mais rápida que os Estados Unidos e a Europa”, assinala Carlos Marichal, historiador especializado em economia. Autor do recente livro “Nueva historia de las grandes crisis financieras”, Marichal é um reconhecido pesquisador mexicano, doutor pela Universidade de Harvard e professor visitante das Universidades de Stanford, Carlos III, Complutense de Madri e Autônoma de Barcelona.
Por que os atores chave desta crise não a anteciparam?
Paul Krugman, quando escreveu “O retorno da economia da depressão”, em 1999, antecipou este colapso financeiro. Naquele momento, o livro não teve sucesso porque todos estavam obcecados pelo auge de Wall Street, o maior de toda a história. Oito anos depois, com o Prêmio Nobel debaixo do braço e no meio da crise, fez uma atualização do livro [“A crise de 2008 e a economia da depressão”. Rio de Janeiro: Campus] com muito sucesso.
Mas, a análise focalizava os países periféricos.
Certo. A previsão era que as crises viriam da periferia. Não foram capazes de prever as fortes debilidades dos mercados financeiros mais importantes do mundo: Nova York e Londres.
A crise “ponto com” de 2001 não foi um aviso da débâcle de 2008?
Essa crise gerou um grande temor. Ao caírem todas as cotizações das empresas tecnológicas, o Federal Reserve reduziu imediatamente a taxa de juros de quase 6% para mais ou menos 1%. A mais baixa da história. Isto permitiu que a Bolsa reagisse apesar de ter sofrido a pior queda desde 1929. Além disso, havia um auge do mercado imobiliário, que não sofreu quedas com a crise “ponto com”, mas que seguiu um caminho ascendente. Nesse momento, os países em desenvolvimento, que haviam sofrido graves crises, estavam em processo de recuperação enquanto os países do centro experimentavam um auge enorme.
Em que medida a crise de 2001 influenciou no desenlace de 2008?
Entre 2002 e 2006 se formaram de forma simultânea as enormes bolhas, uma imobiliária e outra bursátil, nos Estados Unidos, Inglaterra e Espanha. Segundo as séries históricas, as bolhas bursáteis que houve entre 1990 e 2001 e entre 2003 e 2006 não têm precedentes. O mercado de capitais em Nova York cresceu de maneira extraordinária nesse período. Em 1990, o total de operações desse país ultrapassava os três bilhões de dólares. Tóquio tinha uma cifra próxima. França e Alemanha, um pouco menos. O mercado de capitais dos Estados Unidos era e é não apenas o maior do mundo, mas maior que todos os outros mercados juntos. E não prestaram muita atenção nisso.
Por quê?
Porque na época moderna, os Bancos Centrais não prestam muita atenção, enquanto capacidade de ação, aos valores bursáteis ou imobiliários. Não é propriamente seu campo de regulação. Têm como mandato, norma e regra a vigilância dos Bancos, a vigilância da situação monetária e a utilização do índice de preços como indicador da inflação. O que procuram é manter a estabilidade de preços e aventar um crescimento econômico mais ou menos estável e sustentável. Alan Greenspan defendia que do Federal Reserve não podia influir de maneira decisiva na Bolsa. Muitos autores dizem que, na realidade, Greenspan tendia a que o mercado se recuperasse e voltasse ao seu auge.
Acredita que foram adequados os resgates implementados pelos governos e os Bancos Centrais?
Caso esses resgates não tivessem sido feitos, o sistema financeiro teria afundado, já não em nível nacional, mas mundial. Os historiadores econômicos que comparam a crise de 1929 com a de 2008 demonstram que, na primeira etapa, esta última foi pior na queda dos valores bursáteis, do comércio internacional e, inclusive, da produção industrial. Quando o Lehman Brothers quebrou, no dia 15 de fevereiro de 2008, se tinha a sensação – e confessaram-no o presidente do FED de Nova York, Tim Geithner, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, e o presidente do FED, Ben Bernanke – de um desmoronamento total do sistema financeiro. Ao mesmo tempo, deve-se enfatizar que em nenhum país em desenvolvimento houve crises bancárias.
Contudo, os países em desenvolvimento sofreram as consequências desta crise.
Nestes países, inicialmente a crise teve um impacto na queda dos preços na Bolsa e no seu comércio. Contudo, a recuperação em ambas as esferas foi substancial e muito mais rápida que nos Estados Unidos e na Europa. Mas depende de quais grupos de países escolhemos.
Por exemplo?
Na China, a recuperação foi notória, similar à da Índia. A América do Sul conseguiu uma recuperação rápida. A tal ponto que, em alguns casos, é difícil falar de uma grande recessão. As taxas de desemprego inicialmente aumentaram, mas logo se reduziram e hoje na Argentina ou no Brasil se está conseguindo um aumento substancial do emprego.
Onde se situa a Grécia neste contexto?
No começo, os países do Mediterrâneo sofreram menos a crise, em parte, pelo escudo do euro. Se não tivessem tido o euro como moeda, teriam sofrido ataques especulativos muito fortes em 2008. Em épocas de crise, as empresas financeiras atacam as moedas que consideram mais frágeis.
Então, como se explica a crise na Grécia ou na Espanha?
Há ataques especulativos contra a dívida destes países. Há um movimento natural, ainda que também perverso, dos bancos e das empresas financeiras. Muitos deles são bancos dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, que foram resgatados e operam muito ativamente nos mercados monetários, e que apostaram na queda do euro, considerando que iriam ganhar dinheiro com isso. É um mecanismo perverso porque especulam contra uma das moedas de reserva fundamental em nível internacional, sem que haja motivos inteiramente razoáveis para isso. Sem dúvida, o euro estava sobrevalorizado e as dívidas públicas na Grécia, Espanha, Itália e Portugal são importantes. Mas a dívida da Espanha é muito menor, em termos relativos, que a da Inglaterra ou, inclusive, da Alemanha.
Que época se abre no cenário financeiro?
As grandes crises marcam mudanças na arquitetura financeira internacional. A primeira grande crise mundial de 1873 impulsionou o estabelecimento do padrão ouro, isto teve efeitos positivos. Depois da crise de 1929 se abandonou o padrão ouro, houve uma maior rivalidade entre países e menor cooperação econômica e monetária internacional. Isso levou à instabilidade dos anos 1930, acentuada pelas rivalidades militares. No final da Segunda Guerra Mundial se estabeleceu o sistema de Bretton Woods.
A Segunda Guerra Mundial é comparável às crises financeiras como a de 1873 ou a de 1929?
A Segunda Guerra Mundial teve as mesmas consequências ou piores que as de uma crise financeira. Os países vencedores decidiram estabelecer um novo sistema que pudesse garantir estabilidade. E se conseguiu estabelecer uma série de acordos, sob o desenho de Bretton Woods, que permitiram um crescimento continuado e poucas crises.
Por que houve poucas crises nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra?
Havia regulações muito fortes. A nível da economia internacional, os movimentos de capitais estavam bastante regulados e havia controle por parte do governo e do Banco Central, que estavam mais sincronizados na administração das taxas de juro. Em 1971, começaram a se liberalizar os movimentos de capitais. Chegou-se a um endividamento muito forte nos países latino-americanos. Nos anos 1980 o processo se descontrolou.
Por quê?
Pelo Big-Bang em Londres, que implicou em liberalizar o mercado de maneira muito notável, mas também na aplicação de tecnologia nova. A eletrônica influenciou na globalização: permitiu realizar mais operações, em maior escala, em menos tempo e 24 horas por dia. Desde mediados dos anos 1990 se criaram instrumentos de investimentos de alto risco. Foi um dos fatores que geraram as condições da crise atual. Hoje se está repensando a regulação dos mercados financeiros.
Em que níveis?
Há discussões na Câmara de Representantes dos Estados Unidos para regular a banca e no final deste mês deve ser aprovada a lei. Será uma lei reformista, que imporá limites até certo ponto; por enquanto não sabemos qual será o seu alcance. Na Alemanha e na Hungria há uma norma sobre os lucros dos bancos. Ao mesmo tempo, nos Bancos Centrais se está discutindo o grau de regulação que se aplicará em cada país.
Dada a dimensão que a especulação financeira alcançou, é possível aplicar uma regulação efetiva neste setor?
Os que mais cresceram são os bancos globais. Os fundos de investimento e os bancos privados se viram muito debilitados pela crise. Nos Estados Unidos está havendo um processo de consolidação da banca. Essas entidades são maiores e seguirão crescendo. São bancos globais que operam em muitos mercados e se opõem a uma legislação que os regule. E, neste contexto, é muito difícil colocar em marcha uma legislação internacional. Depende muito do grau de coordenação que houver entre os países. Esta nova regulação deve ser estabelecida basicamente pelos Bancos Centrais. Atualmente, há uma tensão entre os Bancos Centrais e os grandes bancos comerciais.
Diferentes países da América do Sul participam de um debate conjunto sobre uma nova arquitetura financeira regional.
A economia mexicana está mais vinculada com a norte-americana. A sua incorporação na reforma do sistema monetário na América do Sul é problemática. Creio que a proposta mais interessante é a de coordenação monetária, na qual os Bancos Centrais participem de maneira mais ativa para manter e permitir o estabelecimento de um instrumento baseado em uma cesta de moedas.
Quais seriam os benefícios de tal coordenação?
Se reduziria o grau de volatilidade monetária, se asseguraria uma cooperação para que cada país ajude o outro em situações de crise e permitiria pouco a pouco estabelecer um certo balanço entre as moedas. Também a Ásia se propôs um maior grau de cooperação monetária regional.
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Irã e Brasil: retaliações e soberania
Reproduzo artigo de Beto Almeida, diretor da Telesur, publicado no sítio Carta Maior:
Enquanto uma frota de 11 navios dos EUA e três submarinos nucleares de Israel dirige-se ao Golfo Pérsico, com a colaboração da camarilha de vassalos da Arábia Saudita e do Egito, para uma ameaça real e uma não descartada agressão militar ao Irã, anunciam-se retaliações contra interesses econômicos do Brasil por não concordar com as sanções impostas à nação persa. Diante do risco da incineração de um povo que não invadiu nenhum outro país ou sequer explora outras nações, vamos registrando aqui no Brasil a elevação de tom de algumas vozes que muito longe de clamar por uma solução pacífica, aproveitam a situação de perigo, hoje encoberta pela fumaça futebolística da Copa, para condenar não as retaliações que o Brasil pode receber dos EUA, mas a política externa do Brasil por defender nossa soberania, bem como uma solução pacífica para impasses desta natureza.
Nas novas sanções adicionais que o presidente Obama anuncia contra o Irã ficam claras as intenções de atingir vários outros países. Ou seja, que por detrás das medidas punitivas ao Irã há também o objetivo de promover guerra comercial para ampliar o controle econômico do mundo em mãos das grandes corporações transnacionais, controladoras do mando político nos EUA. Pelas sanções, os EUA não aceitarão, assim mesmo, de modo imperial, que o Brasil venda etanol para o Irã, já que o objetivo é realizar um estrangulamento econômico e energético daquela nação. Hoje o Brasil não vende etanol para o Irã, mas se pretendesse vender, aqueles que se arrogam campeões do livre comércio, não permitirão, está proibido!
Nota-se satisfação em alguns articulistas da imprensa sempre sintonizada com os poderes internacionais na maneira de tratar estas absurdas retaliações. Agora transformam-se soberania e defesa de princípios e de fundamentos pacifistas para a solução de impasses em irrealismo diplomático. Ou seja, culpa-se o Itamaraty por não se curvar à prepotência inadmissível da Casa Branca, ora ocupada pelo primeiro presidente descendente de africanos, mas, apesar da diferença da cor da pele, igualmente teleguiado pelos desígnios do Pentágono, pelo complexo militar-industrial, provavelmente a verdadeira presidência dos EUA.
Irrealismo diplomático versus realismo vassalo
Para criticar o Itamaraty e a política externa de Lula, estes porta-vozes informam, com satisfação, que empresários brasileiros ligados ao setor de defesa foram comunicados por fornecedores ou parceiros em uma grande feira internacional que seus governos “estavam reavaliando as licenças de exportação de componentes sensíveis para o Brasil”. De acordo com estas fontes, os motivos são “a posição do Brasil em apoio ao Programa Nuclear Iraniano e também dúvidas sobre a própria ação das políticas nucleares do Brasil”
Na realidade, o problema não é novo. Há um veto imperial histórico das grandes nações capitalistas que querem impedir que outras nações desenvolvam-se tecnologicamente, sobretudo quando são possuidoras de grandes riquezas minerais e energéticas, como o Irã e também como o Brasil. Não por acaso houve tantos golpes de estado na Bolívia até que um índio aymara – ensandecido de realista dignidade e de soberania, como teria sido nosso Tiradentes – desse um basta à uma sangria secular. Para os vassalos que analisam os fenômenos políticos sob a ótica tacanha do irrealismo diplomático, mesmo depois de ter expulsado o embaixador dos EUA, a Bolívia de Evo Morales segue altiva, já sendo território livre do analfabetismo, tendo reduzido em 75 por cento o preço de gás de consumo para o consumo doméstico e tendo implantado uma renda de cidadania, tudo a partir da nacionalização corajosa e soberana de seus recursos energéticos.
Sempre houve retaliações
O Brasil também já foi alvo de várias pressões e sabotagens, muito antes de praticar este propalado “irrealismo diplomático”. Turbinas nucleares importadas por Vargas da Alemanha foram seqüestradas por militares dos EUA no porto de Hamburgo, em 1952, quando seriam embarcadas para o Brasil. Posteriormente, quando Geisel firmou convênio nuclear com a Alemanha, em 1975, estas mesmas vozes posicionaram-se, como sempre, ao lado dos EUA buscando impedir que o Brasil se nuclearizasse.
A lógica deste setor de plantão é impedir que um país emergente atinja plenitude sócio-econômica. Querem, por exemplo, que o Brasil não tenha capacidade militar, de preferência reduzindo drasticamente suas forças armadas, e, também, relegando-as à função de mera polícia de bairro. Não querem que o Brasil tenha indústria naval, nem produção de fertilizantes, o que o impedirá de ter, de fato, soberania alimentar. Este setor, que comemorou o suicídio de Vargas e depois tentou frivolamente demolir a Era Vargas desnacionalizando o que pudesse, continua de plantão.
Desarmamento unilateral
Outra prova deste realismo vassalo é a entrevista do físico José Goldemberg, ex-ministro do governo Collor, concedida à Revista Época, cujo título intrigante, sobretudo pelo momento em que o Brasil é alvo de retaliações imperiais é “O Brasil quer a bomba atômica”. Tanto o professor como a revista são por demais conhecidos. Mas, cabe salientar a torcida que ele faz para que o Brasil assine o Aditivo ao Tratado de Não Proliferação, mesmo sabendo que isto não apenas permitira inspeções sem qualquer reserva em todas as nossas instalações de pesquisa, algo que, evidentemente, os EUA, por exemplo, jamais admitiriam. Mas, o professor quer que o Brasil se submeta inspeções sem limites. Inclusive sob o risco de perder controle sobre desenvolvimentos tecnológicos avançados e não alcançados, ainda, por outros países.
Além disso, a posição do professor expressa a consciência de que a assinatura do Aditivo do TNP implicaria na renúncia, pelo Brasil, do desenvolvimento do projeto do submarino nuclear. E o professor, como todos nós, sabe que há uma imensa riqueza petroleira submarina e que as grandes potências têm uma práxis histórica de ignorar soberanias e territorialidades. Mesmo assim ele não se constrange em revelar seus pensamentos.
Por que as potências imperiais não tiveram coragem suficiente para, apesar de toda sabotagem, pressão e agressividade, impedir que a China se transformasse numa das grandes potências econômicas, sendo também uma potência espacial? Porque diferentemente do Brasil, as forças armadas da China são... armadas. O que ainda não se pode afirmar em relação à capacidade de defesa do Brasil, apesar de uma positiva inversão de rota, recentemente, nas políticas para o setor de defesa. Mesmo assim, a área militar ainda possui jipes e tanques utilizados na guerra da Coréia, 63% dos aviões da Aeronáutica têm problemas para voar e ela nem pode sequer garantir o rancho para todos os recrutas.
O caso dos aviões tucanos
As retaliações contra o Brasil não surgem agora pela política atual do Itamaraty. Isto é falso. Elas obedecem a lógica da dominação do mundo, que nunca foi um mundo para meigos. A diferença é que os que alardeiam ”irrealismo diplomático” praticaram, quando no governo, o mais vexatório realismo vassalo.
Exemplo claríssimo desta disposição infinita para obedecer ordens externas: com a privatização-desnacionalização da Embraer permitiu-se que há alguns anos, antes da crise do Irã, o Brasil fosse proibido de vender 150 aviões Tucanos para a Venezuela, disposta a comprá-los. Diante do veto imperial, sob o argumento de que há nos computadores das aeronaves componentes de fabricação norte-americana, a Venezuela fez a compra na China. Com a queda nas encomendas, a Embraer colocou no olho da rua 4.800 metalúrgicos. Mesmo havendo no Brasil um imenso potencial para o desenvolvimento da aviação regional. Eis o preço social de tal realismo vassalo. Retaliações não são de hoje. Indaguem-se quantas houve contra o Programa Espacial Brasileiro, adotadas para que o país não consiga entrar no seleto clube das potências espaciais.
A função das TVs Públicas
O período eleitoral no Brasil coincide com o agravamento da crise mundial do capitalismo e de uma clara intenção das grandes potências de sair da crise pela vida da dinamização da indústria bélica. Isto merece todo o bom debate do mundo por parte dos meios de comunicação, mas o que se verifica, salvo honrosas exceções para uma informação mais eivada de espírito público, é uma campanha de demolição da política externa brasileira. E mesmo na TV Brasil a pluralidade de opiniões sobre este tema realmente explosivo é bastante precária, havendo na editoria internacional um mesmismo de uma linha editorial que condena o Irã por não abrir mão de sua soberania. É uma adoção dos critérios jornalísticos da mídia oposicionista e um quase recado disfarçado para que o Brasil também devesse optar pelo realismo subalterno.
Será que face a posição que o Brasil vem desempenhando contra as sanções ao Irã e por uma solução pacífica, um protagonismo internacional, não deveriam levar a TV Brasil a, no mínimo ter um correspondente agora em Teerã ao invés de somar-se ao silêncio midiático enquanto os tambores de guerra são tocados? O povo brasileiro não tem o direito de ser informado amplamente sobre o Irã, sua história, seu povo, sua cultura e entender porque o Brasil é solidário com o direito na nação persa de ter independência tecnológica? Terá a editoria internacional da TV Brasil sido convencida pelos argumentos do "irrealismo diplomático"?
É urgente que este debate se aprofunde e se qualifique, até porque a agressão contra o Irã pode se materializar, dolorosamente. Já fizeram Hiroshima e Nagasaki! E as retaliações contra o Brasil e outros emergentes também podem se agravar sim. Serão estas informações irrelevantes. Só há duas alternativas: uma, quase impublicável, da qual é partidário o professor, a de querer ver o Brasil curvar-se ante os ditames do império. A outra, irrecusável, fortalecer nossa capacidade de realizar políticas soberanas e independentes, a capacidade de estabelecer novas parcerias internacionais, baseadas na cooperação e na solidariedade.
Mas, com base no realismo histórico, isto implica em ter capacidade de defesa, independência tecnológica e aprimoramento de nossa democracia, superando as enormes dívidas sociais e vulnerabilidades externas e ideológicas que ainda nos machucam como nação. Em razão disso, obviamente, a turma do mantra do “irrealismo diplomático” e do desarmamento unilateral, vocalizada pelo citado professor, certamente não estará com a candidata Dilma Roussef. Ela já disse que prega a continuidade das políticas em curso e seu aprofundamento, além de referir-se a Lula como um continuador de Vargas.
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Enquanto uma frota de 11 navios dos EUA e três submarinos nucleares de Israel dirige-se ao Golfo Pérsico, com a colaboração da camarilha de vassalos da Arábia Saudita e do Egito, para uma ameaça real e uma não descartada agressão militar ao Irã, anunciam-se retaliações contra interesses econômicos do Brasil por não concordar com as sanções impostas à nação persa. Diante do risco da incineração de um povo que não invadiu nenhum outro país ou sequer explora outras nações, vamos registrando aqui no Brasil a elevação de tom de algumas vozes que muito longe de clamar por uma solução pacífica, aproveitam a situação de perigo, hoje encoberta pela fumaça futebolística da Copa, para condenar não as retaliações que o Brasil pode receber dos EUA, mas a política externa do Brasil por defender nossa soberania, bem como uma solução pacífica para impasses desta natureza.
Nas novas sanções adicionais que o presidente Obama anuncia contra o Irã ficam claras as intenções de atingir vários outros países. Ou seja, que por detrás das medidas punitivas ao Irã há também o objetivo de promover guerra comercial para ampliar o controle econômico do mundo em mãos das grandes corporações transnacionais, controladoras do mando político nos EUA. Pelas sanções, os EUA não aceitarão, assim mesmo, de modo imperial, que o Brasil venda etanol para o Irã, já que o objetivo é realizar um estrangulamento econômico e energético daquela nação. Hoje o Brasil não vende etanol para o Irã, mas se pretendesse vender, aqueles que se arrogam campeões do livre comércio, não permitirão, está proibido!
Nota-se satisfação em alguns articulistas da imprensa sempre sintonizada com os poderes internacionais na maneira de tratar estas absurdas retaliações. Agora transformam-se soberania e defesa de princípios e de fundamentos pacifistas para a solução de impasses em irrealismo diplomático. Ou seja, culpa-se o Itamaraty por não se curvar à prepotência inadmissível da Casa Branca, ora ocupada pelo primeiro presidente descendente de africanos, mas, apesar da diferença da cor da pele, igualmente teleguiado pelos desígnios do Pentágono, pelo complexo militar-industrial, provavelmente a verdadeira presidência dos EUA.
Irrealismo diplomático versus realismo vassalo
Para criticar o Itamaraty e a política externa de Lula, estes porta-vozes informam, com satisfação, que empresários brasileiros ligados ao setor de defesa foram comunicados por fornecedores ou parceiros em uma grande feira internacional que seus governos “estavam reavaliando as licenças de exportação de componentes sensíveis para o Brasil”. De acordo com estas fontes, os motivos são “a posição do Brasil em apoio ao Programa Nuclear Iraniano e também dúvidas sobre a própria ação das políticas nucleares do Brasil”
Na realidade, o problema não é novo. Há um veto imperial histórico das grandes nações capitalistas que querem impedir que outras nações desenvolvam-se tecnologicamente, sobretudo quando são possuidoras de grandes riquezas minerais e energéticas, como o Irã e também como o Brasil. Não por acaso houve tantos golpes de estado na Bolívia até que um índio aymara – ensandecido de realista dignidade e de soberania, como teria sido nosso Tiradentes – desse um basta à uma sangria secular. Para os vassalos que analisam os fenômenos políticos sob a ótica tacanha do irrealismo diplomático, mesmo depois de ter expulsado o embaixador dos EUA, a Bolívia de Evo Morales segue altiva, já sendo território livre do analfabetismo, tendo reduzido em 75 por cento o preço de gás de consumo para o consumo doméstico e tendo implantado uma renda de cidadania, tudo a partir da nacionalização corajosa e soberana de seus recursos energéticos.
Sempre houve retaliações
O Brasil também já foi alvo de várias pressões e sabotagens, muito antes de praticar este propalado “irrealismo diplomático”. Turbinas nucleares importadas por Vargas da Alemanha foram seqüestradas por militares dos EUA no porto de Hamburgo, em 1952, quando seriam embarcadas para o Brasil. Posteriormente, quando Geisel firmou convênio nuclear com a Alemanha, em 1975, estas mesmas vozes posicionaram-se, como sempre, ao lado dos EUA buscando impedir que o Brasil se nuclearizasse.
A lógica deste setor de plantão é impedir que um país emergente atinja plenitude sócio-econômica. Querem, por exemplo, que o Brasil não tenha capacidade militar, de preferência reduzindo drasticamente suas forças armadas, e, também, relegando-as à função de mera polícia de bairro. Não querem que o Brasil tenha indústria naval, nem produção de fertilizantes, o que o impedirá de ter, de fato, soberania alimentar. Este setor, que comemorou o suicídio de Vargas e depois tentou frivolamente demolir a Era Vargas desnacionalizando o que pudesse, continua de plantão.
Desarmamento unilateral
Outra prova deste realismo vassalo é a entrevista do físico José Goldemberg, ex-ministro do governo Collor, concedida à Revista Época, cujo título intrigante, sobretudo pelo momento em que o Brasil é alvo de retaliações imperiais é “O Brasil quer a bomba atômica”. Tanto o professor como a revista são por demais conhecidos. Mas, cabe salientar a torcida que ele faz para que o Brasil assine o Aditivo ao Tratado de Não Proliferação, mesmo sabendo que isto não apenas permitira inspeções sem qualquer reserva em todas as nossas instalações de pesquisa, algo que, evidentemente, os EUA, por exemplo, jamais admitiriam. Mas, o professor quer que o Brasil se submeta inspeções sem limites. Inclusive sob o risco de perder controle sobre desenvolvimentos tecnológicos avançados e não alcançados, ainda, por outros países.
Além disso, a posição do professor expressa a consciência de que a assinatura do Aditivo do TNP implicaria na renúncia, pelo Brasil, do desenvolvimento do projeto do submarino nuclear. E o professor, como todos nós, sabe que há uma imensa riqueza petroleira submarina e que as grandes potências têm uma práxis histórica de ignorar soberanias e territorialidades. Mesmo assim ele não se constrange em revelar seus pensamentos.
Por que as potências imperiais não tiveram coragem suficiente para, apesar de toda sabotagem, pressão e agressividade, impedir que a China se transformasse numa das grandes potências econômicas, sendo também uma potência espacial? Porque diferentemente do Brasil, as forças armadas da China são... armadas. O que ainda não se pode afirmar em relação à capacidade de defesa do Brasil, apesar de uma positiva inversão de rota, recentemente, nas políticas para o setor de defesa. Mesmo assim, a área militar ainda possui jipes e tanques utilizados na guerra da Coréia, 63% dos aviões da Aeronáutica têm problemas para voar e ela nem pode sequer garantir o rancho para todos os recrutas.
O caso dos aviões tucanos
As retaliações contra o Brasil não surgem agora pela política atual do Itamaraty. Isto é falso. Elas obedecem a lógica da dominação do mundo, que nunca foi um mundo para meigos. A diferença é que os que alardeiam ”irrealismo diplomático” praticaram, quando no governo, o mais vexatório realismo vassalo.
Exemplo claríssimo desta disposição infinita para obedecer ordens externas: com a privatização-desnacionalização da Embraer permitiu-se que há alguns anos, antes da crise do Irã, o Brasil fosse proibido de vender 150 aviões Tucanos para a Venezuela, disposta a comprá-los. Diante do veto imperial, sob o argumento de que há nos computadores das aeronaves componentes de fabricação norte-americana, a Venezuela fez a compra na China. Com a queda nas encomendas, a Embraer colocou no olho da rua 4.800 metalúrgicos. Mesmo havendo no Brasil um imenso potencial para o desenvolvimento da aviação regional. Eis o preço social de tal realismo vassalo. Retaliações não são de hoje. Indaguem-se quantas houve contra o Programa Espacial Brasileiro, adotadas para que o país não consiga entrar no seleto clube das potências espaciais.
A função das TVs Públicas
O período eleitoral no Brasil coincide com o agravamento da crise mundial do capitalismo e de uma clara intenção das grandes potências de sair da crise pela vida da dinamização da indústria bélica. Isto merece todo o bom debate do mundo por parte dos meios de comunicação, mas o que se verifica, salvo honrosas exceções para uma informação mais eivada de espírito público, é uma campanha de demolição da política externa brasileira. E mesmo na TV Brasil a pluralidade de opiniões sobre este tema realmente explosivo é bastante precária, havendo na editoria internacional um mesmismo de uma linha editorial que condena o Irã por não abrir mão de sua soberania. É uma adoção dos critérios jornalísticos da mídia oposicionista e um quase recado disfarçado para que o Brasil também devesse optar pelo realismo subalterno.
Será que face a posição que o Brasil vem desempenhando contra as sanções ao Irã e por uma solução pacífica, um protagonismo internacional, não deveriam levar a TV Brasil a, no mínimo ter um correspondente agora em Teerã ao invés de somar-se ao silêncio midiático enquanto os tambores de guerra são tocados? O povo brasileiro não tem o direito de ser informado amplamente sobre o Irã, sua história, seu povo, sua cultura e entender porque o Brasil é solidário com o direito na nação persa de ter independência tecnológica? Terá a editoria internacional da TV Brasil sido convencida pelos argumentos do "irrealismo diplomático"?
É urgente que este debate se aprofunde e se qualifique, até porque a agressão contra o Irã pode se materializar, dolorosamente. Já fizeram Hiroshima e Nagasaki! E as retaliações contra o Brasil e outros emergentes também podem se agravar sim. Serão estas informações irrelevantes. Só há duas alternativas: uma, quase impublicável, da qual é partidário o professor, a de querer ver o Brasil curvar-se ante os ditames do império. A outra, irrecusável, fortalecer nossa capacidade de realizar políticas soberanas e independentes, a capacidade de estabelecer novas parcerias internacionais, baseadas na cooperação e na solidariedade.
Mas, com base no realismo histórico, isto implica em ter capacidade de defesa, independência tecnológica e aprimoramento de nossa democracia, superando as enormes dívidas sociais e vulnerabilidades externas e ideológicas que ainda nos machucam como nação. Em razão disso, obviamente, a turma do mantra do “irrealismo diplomático” e do desarmamento unilateral, vocalizada pelo citado professor, certamente não estará com a candidata Dilma Roussef. Ela já disse que prega a continuidade das políticas em curso e seu aprofundamento, além de referir-se a Lula como um continuador de Vargas.
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sexta-feira, 9 de julho de 2010
Demissões e censura. Cadê a ANJ?
Reproduzo editorial do sítio Carta Maior:
As demissões de jornalistas na TV Cultura de São Paulo e o silêncio dos grandes meios de comunicação sobre as causas destas demissões evidenciam mais uma vez um preocupante comportamento cínico, submisso e hipócrita. Mais uma vez, são blogs e sites de jornalistas independentes que cumprem o dever de informar ao público o que é de interesse público. Entidades como a Associação Nacional de Jornais, supostamente comprometidas com a defesa da liberdade de expressão, exibem um silêncio ensurdecedor.
O comportamento cínico e hipócrita da maioria das grandes empresas de comunicação do Brasil ficou mais uma vez evidenciado esta semana, e de um modo extremamente preocupante. Não se trata apenas de valores ou sentimentos, mas sim de fatos objetivos e de silêncios não menos objetivos. O relato sobre demissões na TV Cultura de São Paulo, causadas pelo interesse de jornalistas no tema dos pedágios, justifica plenamente essa preocupação. Um desses relatos, feito nesta sexta-feira pelo jornalista Luis Nassif, chega a ser assustador. Em apenas uma semana, dois jornalistas perderam o emprego, escreve Nassif, em função de uma matéria sobre pedágios. Ele relata:
Há uma semana, Gabriel Priolli foi indicado diretor de jornalismo da TV Cultura. Ontem (7), planejou uma matéria sobre os pedágios paulistas. Foram ouvidos Geraldo Alckmin e Aloizio Mercadante, candidatos ao governo do estado. Tentou-se ouvir a Secretaria dos Transportes, que não quis dar entrevistas. O jornalismo pediu ao menos uma nota oficial. Acabaram não se pronunciando.
Sete horas da noite, o novo vice-presidente de conteúdo da TV Cultura, Fernando Vieira de Mello, chamou Priolli em sua sala. Na volta, Priolli informou que a matéria teria que ser derrubada. Tiveram que improvisar uma matéria anódina sobre as viagens dos candidatos.
Hoje (8) , Priolli foi demitido do cargo. Não durou uma semana.
Semana passada foi Heródoto Barbeiro, demitido do cargo de apresentador do Roda Viva devido às perguntas sobre pedágio feitas ao candidato José Serra (ver vídeo abaixo). Para quem ainda têm dúvidas: a maior ameaça à liberdade de imprensa que esse país jamais enfrentou, nas últimas décadas, seria se, por desgraça, Serra juntasse ao poder de mídia, que já tem, o poder de Estado.
Não é o primeiro relato sobre a truculência do ex-governador de São Paulo com jornalistas. Nos últimos meses, há pelo menos dois outros episódios, um deles envolvendo a jornalista Miriam Leitão, na Globonews, e outros envolvendo jornalistas da RBS TV, em Porto Alegre. A passagem da truculência à ameaça ao trabalho dos jornalistas é algo que deveria receber veemente manifestação da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), sempre prontas a denunciar tais ameaças. No entanto, ao invés disso, o que se houve é um silêncio ensurdecedor.
Mais uma vez, são blogs e sites de jornalistas independentes que cumprem o dever de informar ao público o que é de interesse público. E, mais uma vez também, os chamados jornalões e seus braços no rádio e na TV, calam-se, aliando submissão e cumplicidade com a truculência e o desrespeito ao trabalho de experientes profissionais. O mesmo silêncio, a mesma submissão e a mesma cumplicidade manifestadas nos recentes casos de assassinatos de jornalistas em Honduras, em função de sua posição crítica ao golpe de Estado ocorrido naquele país.
Esse triângulo perverso que une cinismo, hipocrisia e silêncio não é um privilégio da imprensa brasileira. Um outro caso, esta semana, envolveu uma das maiores cadeias de televisão do mundo. A CNN demitiu a jornalista Octavia Nasr, editora de noticiário do Oriente Médio, por causa de uma mensagem publicada por ela em sua página no Twitter onde manifestou “respeito” pelo ex-dirigente do Hezbollah, Sayyed Mohammed, que morreu no final de semana passado.
Octavia tinha 20 anos de trabalho CNN. O que ela escreveu no twitter e causou sua demissão foi: “(Fiquei) triste por saber do falecimento do Sayyed Mohammed Hussein Fadlallah…Um dos gigantes do Hezzbollah que eu respeito muito”. Parisa Khosravi, vice-presidente-sênior da CNN International Newsgathering, afirmou em um memorando interno que “teve uma conversa” com a editora e “decidimos que ela irá deixar a companhia”.
Essa mesma CNN não hesita em denunciar agressões à liberdade de imprensa em outros países quando isso é do interesse de sua linha editorial e dos interesses geopolíticos da empresa. Crime de opinião? Segundo as versões oficiais, isso só existe em países do chamado eixo do mal.
Esse mesmo triângulo perverso ajuda a entender por que essas grandes corporações midiáticas não querem debater com a sociedade a sua própria atuação. Colocam-se acima do bem e do mal como se fossem portadores de legitimidade pública. Não são. Ao cultivarem esse tipo de comportamento e prática, o que estão fazendo, na verdade, é auto-atribuir-se, de modo fraudulento, uma suposta representação pública. Representam, na verdade, os interesses dos donos das empresas e, cada vez menos, o interesse público.
Neste exato momento, o planeta vive aquele que pode vir a se confirmar como o maior desastre ecológico de sua história. O acidente com a plataforma da British Petroleum no Golfo do México e o vazamento diário de milhões de litros de óleo no mar tem proporções ainda incalculáveis. No entanto, a cobertura midiática sobre o caso nem de longe é proporcional, em quantidade e qualidade, à gravidade e importância do caso. Organizações ambientalistas já denunciaram que a BP vem operando pesadamente nos bastidores para bloquear e filtrar informações.
É preciso ter clareza que são os dirigentes e porta-vozes dessas corporações midiáticas e seus braços políticos e empresariais que não hesitam em denunciar qualquer proposta de tornar transparente à sociedade o seu trabalho, supostamente de interesse público. O bloqueio e seleção de informações, a demissão de jornalistas incômodos e a truculência com aqueles que ousam fazer alguma pergunta fora do script são diferentes faces de um mesmo cenário: o cenário da privatização da informação, da deformação da verdade e da destruição do espaço público.
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As demissões de jornalistas na TV Cultura de São Paulo e o silêncio dos grandes meios de comunicação sobre as causas destas demissões evidenciam mais uma vez um preocupante comportamento cínico, submisso e hipócrita. Mais uma vez, são blogs e sites de jornalistas independentes que cumprem o dever de informar ao público o que é de interesse público. Entidades como a Associação Nacional de Jornais, supostamente comprometidas com a defesa da liberdade de expressão, exibem um silêncio ensurdecedor.
O comportamento cínico e hipócrita da maioria das grandes empresas de comunicação do Brasil ficou mais uma vez evidenciado esta semana, e de um modo extremamente preocupante. Não se trata apenas de valores ou sentimentos, mas sim de fatos objetivos e de silêncios não menos objetivos. O relato sobre demissões na TV Cultura de São Paulo, causadas pelo interesse de jornalistas no tema dos pedágios, justifica plenamente essa preocupação. Um desses relatos, feito nesta sexta-feira pelo jornalista Luis Nassif, chega a ser assustador. Em apenas uma semana, dois jornalistas perderam o emprego, escreve Nassif, em função de uma matéria sobre pedágios. Ele relata:
Há uma semana, Gabriel Priolli foi indicado diretor de jornalismo da TV Cultura. Ontem (7), planejou uma matéria sobre os pedágios paulistas. Foram ouvidos Geraldo Alckmin e Aloizio Mercadante, candidatos ao governo do estado. Tentou-se ouvir a Secretaria dos Transportes, que não quis dar entrevistas. O jornalismo pediu ao menos uma nota oficial. Acabaram não se pronunciando.
Sete horas da noite, o novo vice-presidente de conteúdo da TV Cultura, Fernando Vieira de Mello, chamou Priolli em sua sala. Na volta, Priolli informou que a matéria teria que ser derrubada. Tiveram que improvisar uma matéria anódina sobre as viagens dos candidatos.
Hoje (8) , Priolli foi demitido do cargo. Não durou uma semana.
Semana passada foi Heródoto Barbeiro, demitido do cargo de apresentador do Roda Viva devido às perguntas sobre pedágio feitas ao candidato José Serra (ver vídeo abaixo). Para quem ainda têm dúvidas: a maior ameaça à liberdade de imprensa que esse país jamais enfrentou, nas últimas décadas, seria se, por desgraça, Serra juntasse ao poder de mídia, que já tem, o poder de Estado.
Não é o primeiro relato sobre a truculência do ex-governador de São Paulo com jornalistas. Nos últimos meses, há pelo menos dois outros episódios, um deles envolvendo a jornalista Miriam Leitão, na Globonews, e outros envolvendo jornalistas da RBS TV, em Porto Alegre. A passagem da truculência à ameaça ao trabalho dos jornalistas é algo que deveria receber veemente manifestação da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), sempre prontas a denunciar tais ameaças. No entanto, ao invés disso, o que se houve é um silêncio ensurdecedor.
Mais uma vez, são blogs e sites de jornalistas independentes que cumprem o dever de informar ao público o que é de interesse público. E, mais uma vez também, os chamados jornalões e seus braços no rádio e na TV, calam-se, aliando submissão e cumplicidade com a truculência e o desrespeito ao trabalho de experientes profissionais. O mesmo silêncio, a mesma submissão e a mesma cumplicidade manifestadas nos recentes casos de assassinatos de jornalistas em Honduras, em função de sua posição crítica ao golpe de Estado ocorrido naquele país.
Esse triângulo perverso que une cinismo, hipocrisia e silêncio não é um privilégio da imprensa brasileira. Um outro caso, esta semana, envolveu uma das maiores cadeias de televisão do mundo. A CNN demitiu a jornalista Octavia Nasr, editora de noticiário do Oriente Médio, por causa de uma mensagem publicada por ela em sua página no Twitter onde manifestou “respeito” pelo ex-dirigente do Hezbollah, Sayyed Mohammed, que morreu no final de semana passado.
Octavia tinha 20 anos de trabalho CNN. O que ela escreveu no twitter e causou sua demissão foi: “(Fiquei) triste por saber do falecimento do Sayyed Mohammed Hussein Fadlallah…Um dos gigantes do Hezzbollah que eu respeito muito”. Parisa Khosravi, vice-presidente-sênior da CNN International Newsgathering, afirmou em um memorando interno que “teve uma conversa” com a editora e “decidimos que ela irá deixar a companhia”.
Essa mesma CNN não hesita em denunciar agressões à liberdade de imprensa em outros países quando isso é do interesse de sua linha editorial e dos interesses geopolíticos da empresa. Crime de opinião? Segundo as versões oficiais, isso só existe em países do chamado eixo do mal.
Esse mesmo triângulo perverso ajuda a entender por que essas grandes corporações midiáticas não querem debater com a sociedade a sua própria atuação. Colocam-se acima do bem e do mal como se fossem portadores de legitimidade pública. Não são. Ao cultivarem esse tipo de comportamento e prática, o que estão fazendo, na verdade, é auto-atribuir-se, de modo fraudulento, uma suposta representação pública. Representam, na verdade, os interesses dos donos das empresas e, cada vez menos, o interesse público.
Neste exato momento, o planeta vive aquele que pode vir a se confirmar como o maior desastre ecológico de sua história. O acidente com a plataforma da British Petroleum no Golfo do México e o vazamento diário de milhões de litros de óleo no mar tem proporções ainda incalculáveis. No entanto, a cobertura midiática sobre o caso nem de longe é proporcional, em quantidade e qualidade, à gravidade e importância do caso. Organizações ambientalistas já denunciaram que a BP vem operando pesadamente nos bastidores para bloquear e filtrar informações.
É preciso ter clareza que são os dirigentes e porta-vozes dessas corporações midiáticas e seus braços políticos e empresariais que não hesitam em denunciar qualquer proposta de tornar transparente à sociedade o seu trabalho, supostamente de interesse público. O bloqueio e seleção de informações, a demissão de jornalistas incômodos e a truculência com aqueles que ousam fazer alguma pergunta fora do script são diferentes faces de um mesmo cenário: o cenário da privatização da informação, da deformação da verdade e da destruição do espaço público.
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Josias de Souza e o machismo contra Dilma
O blogueiro predileto da famíglia Frias, Josias de Souza, não vacila em dar suas contribuições às baixarias na campanha eleitoral deste ano. Na internet, várias páginas demotucanas têm atacado a candidata Dilma Rousseff com palavrões e abjetos preconceitos machistas. A Justiça Eleitoral não aplica nenhuma penalidade alegando dificuldades para rastrear os seus endereços. No caso de Josias de Souza, não há desculpas. O seu blog está hospedado na UOL, do Grupo Folha.
Nesta semana, o jornalista postou uma charge de péssimo gosto, insinuando que Dilma Rousseff é “candidata de programa”. Indignado, o comerciante Eduardo Guimarães, do blog Cidadania, chutou o pau da barraca: “O blogueiro da Folha ataca a qualquer um que seu patrão mande, da forma que for determinada. Josias é apenas um pau-mandado. Por dinheiro, se mandarem ele difamar a própria mãe, não hesitará. É um mercenário. Por dinheiro, faz qualquer coisa”.
Tímida reação às baixarias
Numa “dócil” mensagem enviada ao blogueiro, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, também protestou, enquanto seu partido novamente evitou enfrentar mais esta agressão rasteira. Algumas lideranças feministas criticaram o conteúdo da charge, mas o protesto deste movimento ficou bem aquém da gravidade do fato. Alguns falsários da “liberdade de expressão” relativizaram o episódio, bem diferente da postura agressiva que adotaram quando a campanha de Marta Suplicy à prefeitura da capital paulista fez insinuações sobre a opção sexual de Gilberto Kassab.
Não é a primeira vez que Josias de Souza incita preconceitos machistas contra Dilma Rousseff. No ano passado, ao noticiar um jantar oferecido a então ministra, ele não vacilou em dar o título: “Notas vadias de um domingo de notícias vagabundas”. Abaixo, a foto de Dilma e Marta, duas mulheres que ocupam papel de destaque na política brasileira. Caso o título fosse colocado acima da foto de sua mãe, ele protestaria... ou não, já que não “hesitaria em difamar a própria mãe”.
O colunista da direita neoliberal
Nada em Josias de Souza é gratuito. A charge não foi postada por descuido nem foi uma simples brincadeira. O blogueiro da Folha nunca escondeu seu ódio ao governo Lula e sua simpatia pelos tucanos. Até quando crítica o presidenciável José Serra, ele faz com a presunção de “orientar sua campanha”, como se fosse um gênio da estratégia política. Josias é um direitista convicto, que detesta os movimentos sociais, e um udenista “moderno”, que se traveste de paladino da ética.
Reproduzo abaixo artigo escrito em maio de 2007 sobre o badalado blogueiro da Folha:
No seu blog na Folha de S.Paulo desta terça-feira, 1.º de Maio, o colunista Josias de Souza revela todo seu reacionarismo a serviço do capital. No artigo "peleguismo sindical sepulta a reforma trabalhista", ele esbanja arrogância ao atacar a CUT e a Força Sindical. "Nunca na história desse país a máquina dos sindicatos esteve tão atrelada ao Estado... Os interesses reais dos trabalhadores não compareceram às duas festividades. As centrais parecem, no momento, mais interessadas em obter vantagen$ [ironicamente com cifrão] para elas próprias", esbraveja.
O jornalista, que nunca criticou o atrelamento da Folha de S.Paulo à ditadura militar e nem as vantagen$ das privatizações no reinado de FHC, resolveu destilar novamente o seu veneno contra os organismos dos trabalhadores. Para o porta-voz do capital, as manifestações do 1.º de Maio só seriam positivas se tivessem defendido a urgência da reforma trabalhista. "Todos desejam vê-la bem longe da cena política brasileira", lamenta. No mesmo rumo, critica o presidente Lula por ter abandonado, segundo garante, esta proposta. "Ele não moveu uma mísera palha nessa direção", choraminga o assessor de imprensa do patronato.
Seguidor das cartilhas do FMI
Bem ao feitio das cartilhas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Josias de Souza garante que, "sob o discurso da pretensa defesa dos direitos trabalhistas, move-se uma legião de brasileiros que, empurrados para a informalidade, não dispõem de nenhum tipo de direito". Como se a culpa pelo desemprego e pela informalidade fosse dos trabalhadores com registro e direitos básicos assegurados pela Constituição. Para ser coerente, ele deveria abdicar do seu régio salário e de seu registro profissional; ou, ao menos, citar os relatórios da OIT que revelam que a flexibilização não gera emprego nem equaciona o mercado informal.
No mesmo final da noite de domingo, o inspirado colunista da Folha também escreveu um pequeno artigo no seu blog afirmando que "neste 1.º de Maio, os companheiros Hugo Chávez e Evo Morales apertaram o passo da marcha que empreendem na direção da consolidação do atraso". O motivo de sua bronca noturna é que estes presidentes, eleitos democraticamente por seus povos (ao contragosto do baba-ovo da direita), anunciaram novas medidas no rumo da estatização das reservas de petróleo. Para o colunista do capital, a estatização é atraso; já a privataria de FHC é avanço – inclusive para os que receberam alguns jabaculês!
Inimigo dos trabalhadores
Não é de hoje que Josias de Souza, o badalado colunista da golpista Folha de S.Paulo, investe contra as organizações de trabalhadores. No final de 2000, ele acusou o MST de realizar "cobrança ilegal de taxas" dos assentados da reforma agrária. Pouco depois, veio a público que a sua reportagem num assentamento no Paraná tinha sido financiada pelo governo FHC, que chegou a ceder automóveis e orientação técnica para a produção deste exemplo de "independência e neutralidade" do jornalismo nacional. O próprio Josias de Souza foi obrigado a confessar o crime, mas tentou repassar a responsabilidade para a direção do jornal.
Na ocasião, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária protocolou representação no Ministério Público Federal para "apurar os subsídios do Incra ao jornalista Josias de Souza, diretor da sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília". Documentos expedidos pelo Incra do Paraná revelaram que o órgão cedeu um carro oficial e pagou diárias e combustível para levar o "repórter" a um assentamento no interior do Estado, que resultou num texto intitulado "MST desvia dinheiro da reforma agrária". Segundo o MST, a reportagem "foi o mote para o desencadeamento de uma série de medidas repressivas por parte do governo FHC".
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também exigiu explicações do pretenso "jornalista". Numa nota oficial, emitida em 10 de novembro de 2000, protestou contra este processo de satanização do MST. "O último lance dessa campanha é a denúncia feita pelo jornal Folha de S.Paulo, na pessoa do colunista Josias de Souza. O referido jornalista, para fazer a matéria, utilizou carro e motorista do Incra do Paraná e percorreu vários assentamentos no interior do Estado... É lamentável que a direção da FSP e o jornalista Josias de Souza descumpram o próprio código de conduta da empresa, que prega a sua ‘independência’".
Cão-de-guarda da direita
Tão servil diante do governo FHC, Josias de Souza virou um raivoso crítico do presidente Lula. Ele nunca perdoou o fato do atual governante vestir o boné do MST, dialogar com o sindicalismo e não criminalizar as lutas sociais. Nos últimos quatro anos, postou-se como um "fiscalizador" das contas das organizações sociais – do MST, da CUT, da UNE, das ONGs progressistas e de tudo que não reze do dogma neoliberal. Para ele, os recursos públicos devem servir para bancar a publicidade da mídia privada e para financiar as entidades filantrópicas das elites; não podem, nunca, servir para fortalecer os movimentos sociais.
Como argumenta o jornalista José Arbex, colunistas da direita, como Josias de Souza, "acham estranho o governo ceder verbas a um movimento social que agrega 300 mil famílias de trabalhadores rurais em todo o país e que mantém escolas, atendimento de saúde, treinamento profissional, assistência técnica e outros serviços públicos. Só para mero efeito de comparação: em 2003, a Associação Nacional de Cooperação Agrícola obteve do Ministério da Educação R$ 3.424.608,00 para promover seu plano de alfabetização de 35 mil sem terras... No mesmo período, a entidade dirigida pela ex-primeira ministra Ruth Cardoso recebeu R$ 33.966.900,00... Mas nada disso merece atenção destes honestos editores [e colunistas]".
Nesta postura de cão-de-guarda da direita, Josias de Souza passou a desqualificar qualquer recurso oficial às mobilizações de trabalhadores – como as efetuadas neste 1.º de Maio. Todo apoio ao movimento social aparece com o símbolo do cifrão. O MST é tratado de M$T. Como afirma Luiz Antonio Magalhães, do Observatório da Imprensa, "ao utilizar esse recurso gráfico irônico, o jornalista passa dos limites. O cifrão no lugar do S induz um pré-julgamento e é, em si, um desrespeito não só ao movimento, mas aos leitores da Folha... O cifrão não acrescenta coisa alguma ao texto, mas subtrai o que os jornalistas mais deveriam prezar: a credibilidade". Mas não se trata de ironia ou recurso gráfico, mas sim de reacionarismo tacanho!
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