quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
A “receita de ano novo” de Drummond
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
Para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
Para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
América Latina segundo Sader e Pomar
Num indispensável balanço sobre a América Latina, dois renomados intelectuais avaliam as mudanças em curso no nosso continente. Emir Sader, em artigo publicado na Agência Carta Maior, mostra as diferenças entre a década neoliberal e os avanços progressistas do último período. Já Wladimir Pomar, em texto publicado no Correio da Cidadania, polemiza com as correntes políticas que não enxergam as mutações em curso. Reproduzo abaixo os dois textos:
A década da América Latina – Emir Sader
A década de 1990 foi das piores que a América Latina já viveu. A crise da dívida – com suas conseqüências: FMI, cartas de intenção, ajustes fiscais, etc. – e as ditaduras militares abriram o caminho para que se impusessem governos neoliberais em praticamente todo o continente. Passamos a ser a região do mundo com a maior quantidade de governos neoliberais e com suas modalidades mais radicais.
A capacidade de reação da América Latina se revelou na sua capacidade de reverter radicalmente esse quadro: passamos a ser a região que concentra os governos eleitos pela rejeição do neoliberalismo, que abriga processos de integração regional independentemente dos EUA, que promove formas inovadoras de integração fora da lógica mercantil.
Lideres latino-americanos como Lula, Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, entre outros, se projetaram internacionalmente por sua capacidade de encarnar as necessidades dos seus povos. A Bolívia, o Equador e a Venezuela se somaram a Cuba, com os países que – conforme a Unesco –, terminaram com o analfabetismo.
Os países que optaram pela integração regional e não por Tratados de Livre Comércio, expandiram suas economias, distribuíram renda, avançaram nos direitos sociais da sua população, estenderam notavelmente o mercado interno de consumo popular, diversificaram seu comércio exterior, aumentaram significativamente o comércio entre eles.
Na década anterior, a América Latina havia sido reduzida à intranscendência. Governantes subalternos – Menem, Fujimori, FHC, Carlos Andrés Perez, Carlos Salinas de Gortari – tinham aplicado mecanicamente o mesmo modelo neoliberal, enfraquecido o Estado, a soberania, as economias nacionais. Os governos dos países que assumiram os programas neoliberais não incomodavam ninguém, tinham reduzido nossos Estados a subseqüentes perdedores da globalização, que a aplaudiam, às custas da deteriorização ainda maior da situação dos povos dos nossos países.
A primeira década do novo século apresenta uma nova América Latina, com a maior quantidade de governos progressistas que o continente jamais teve. Com processos de integração regional fortalecidos – do Mercosul à Alba, do Banco do Sul à Unasul, do Conselho Sulamericano de Segurança ao Parlamento do Mercosul, entre outras iniciativas. Desenvolveu-se a Operação Milagre, que já permitiu recuperar a visão a mais de 2 milhões de pessoas, que de outra maneira não teriam possibilidade de recuperar a vista. Formaram-se novas gerações de médicos pobres na melhor medicina social do mundo – a cubana – nas Escolas Latino-americanas de Medicina.
As crises econômicas da década anterior, típicas do neoliberalismo, que debilitaram a capacidade de defesa dos Estados nacionais diante do capital especulativo, que promoveu, entre tantas outras crises, as do México de 1994, do Brasil de 1999 e da Argentina de 2001-02, devastaram as economias desses países. O Brasil de FHC deixou um país em recessão prolongada e profunda para Lula, a quem coube superar a crise com políticas de desenvolvimento econômico.
Na década que termina, os países latino-americanos que participam dos processos de integração regional – com destaque para o Brasil, a Bolívia, o Uruguai, o Equador – superaram a crise, desatada pelos países centrais do capitalismo, que ainda estão em recessão, que deverá se prolongar ainda por um bom tempo. Revelou a capacidade desses países de diversificar seu comércio exterior, de intensificar o comercio intra-regional e de seguir expandindo o mercado interno de consumo popular.
A América Latina mostra hoje ao mundo a cara – imposta pela predominância de governos progressistas – de um continente em expansão econômica, afirmando sua soberania – em questões econômicas, políticas e de segurança regional –, melhorando a situação social do povo, consolidando políticas internacionais que intervêm na decisão dos grandes temas mundiais. Foi, sem dúvida, esta primeira década do novo século, a década da América Latina, que se projeta para a segunda década como um dos exemplos de luta na superação do neoliberalismo e de construção de sociedades mais justas e solidárias.
2009: a direita em desespero – Wladimir Pomar
Não há nada de estranho acontecendo na América Latina e no Brasil. Apenas ocorreu que, depois de anos de desorganização econômica e domínio das políticas neoliberais, as forças populares, em aliança ou não com setores da pequena burguesia e da burguesia, chegaram ao governo em diferentes países da região, desde o início do século XXI.
A rigor, não houve qualquer revolução social. É evidente que se podem considerar as vitórias eleitorais do metalúrgico Lula e do indígena Evo como revoluções culturais. Dentro das regras de perpetuação no poder das antigas classes dominantes, elas colocaram no governo personalidades oriundas de classes sociais cuja ascensão política era impensável, não só para os dominadores de sempre, mas também para muitos que se proclamavam, e ainda se proclamam, revolucionários.
Em nenhum caso houve a conquista do poder de Estado, nem a bancarrota do antigo sistema de dominação econômica e social. Em todos os países em que as forças populares chegaram ao governo, não ocorreram mudanças nos demais poderes do Estado ou, quando se deram, foram tópicas. E o capitalismo permaneceu sendo o modo de produção dominante, mesmo na Venezuela, cujo governo pretende avançar na construção socialista.
Nas condições em que ocorreram as vitórias eleitorais das forças populares, dificilmente poderia ser diferente. As massas populares deram a seus representantes o mandato de consertar, dentro das regras pseudo-democráticas existentes, as mazelas mais evidentes de seus países, a exemplo da miséria, fome, falta de forças produtivas industriais desenvolvidas, criminalização dos movimentos populares, extrema concentração da riqueza e ausência de soberania nacional.
As massas populares ainda não estão convencidas de que é necessário destruir o antigo sistema estatal e construir um novo, em que os direitos de participação democrática (não apenas eleitoral) possam ser exercidos pela maioria da população. Esta realidade, em que as massas populares conseguiram eleger partidos populares para o governo central, é um problema prático e teórico novo na realidade latino-americana. Como novo é o fato de que esses governos populares terão que desenvolver as forças produtivas com o concurso e também com os problemas e o caos do mercado e da economia capitalista.
Este tem sido o horror dos setores da esquerda que não abandonaram o voluntarismo e acreditam que podem solucionar as questões sem levar em conta a realidade concreta. Não concordam que os governos democráticos e populares, do Brasil e de outros países da América Latina, tenham se tornado, ou estejam se tornando, bons administradores do capitalismo, num contexto histórico muito peculiar. E mal percebem que uma das principais características desse ano que está findando consiste no crescente desespero da direita burguesa contra essa situação ambígua.
As tentativas de desestabilização dos governos de esquerda, através de todos os meios imagináveis (e também inimagináveis), foram a tônica da ação da direita política desses países durante 2009, em Honduras culminando com um golpe de Estado. Para essa direita não importa que o sistema capitalista esteja sendo bem administrado e obtendo lucros.
Ela não aceita que governos dirigidos pela esquerda se diferenciem dos governos das antigas classes dominantes. Abomina como populistas as políticas e medidas de redistribuição menos desigual da renda e de tratamento dos movimentos sociais como movimentos legítimos, sem criminalizá-los. Também não aceita que a antiga subserviência ao Império esteja sendo substituída por políticas externas soberanas. Nem que o Estado, partilhado por estranhos, interfira de forma crescente em seus negócios, inclusive construindo novas empresas estatais.
Ela parece haver se convencido, ao contrário de alguns setores da própria esquerda, de que as políticas acima, combinadas com o apoio à economia familiar e a movimentos produtivos solidários, gerenciados pelos próprios trabalhadores, possam resultar, mais cedo ou mais tarde, no crescimento da mobilização popular e em mudanças indesejáveis para as classes dominantes que, perdurando por mais tempo, podem estimular tendências e consciência socialistas.
As vitórias da esquerda no Equador, Paraguai, Uruguai e Bolívia estão açulando o desespero da direita brasileira e latino-americana. O ataque da Folha de São Paulo, de cunho fascista, na tentativa de desqualificar Lula como principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff, é apenas a parte visível do iceberg do reacionarismo da direita em relação a seu governo. Aliás, o mesmo reacionarismo que tentou desmembrar a Bolívia, vive inventando motivos para derrubar Chávez, militariza a Colômbia, busca emparedar Lugo e colocou Zelaya na geladeira.
Essa direita brasileira e latino-americana está sendo estimulada pelos fundamentalistas do Partido Republicano dos Estados Unidos, que consideram qualquer mudança à direita, no tabuleiro centro e sul-americano, uma ajuda à sua agressividade contra o governo Obama. Sonham com a reconquista direitista dos governos latino-americanos, para pressionar o governo Obama a ser menos frouxo com os impérios do mal.
Em tais condições, não será surpresa se 2009 for tido como preâmbulo de uma forte contra-ofensiva contra governos que uma parte da esquerda classifica de direitistas ou centristas.
A década da América Latina – Emir Sader
A década de 1990 foi das piores que a América Latina já viveu. A crise da dívida – com suas conseqüências: FMI, cartas de intenção, ajustes fiscais, etc. – e as ditaduras militares abriram o caminho para que se impusessem governos neoliberais em praticamente todo o continente. Passamos a ser a região do mundo com a maior quantidade de governos neoliberais e com suas modalidades mais radicais.
A capacidade de reação da América Latina se revelou na sua capacidade de reverter radicalmente esse quadro: passamos a ser a região que concentra os governos eleitos pela rejeição do neoliberalismo, que abriga processos de integração regional independentemente dos EUA, que promove formas inovadoras de integração fora da lógica mercantil.
Lideres latino-americanos como Lula, Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, entre outros, se projetaram internacionalmente por sua capacidade de encarnar as necessidades dos seus povos. A Bolívia, o Equador e a Venezuela se somaram a Cuba, com os países que – conforme a Unesco –, terminaram com o analfabetismo.
Os países que optaram pela integração regional e não por Tratados de Livre Comércio, expandiram suas economias, distribuíram renda, avançaram nos direitos sociais da sua população, estenderam notavelmente o mercado interno de consumo popular, diversificaram seu comércio exterior, aumentaram significativamente o comércio entre eles.
Na década anterior, a América Latina havia sido reduzida à intranscendência. Governantes subalternos – Menem, Fujimori, FHC, Carlos Andrés Perez, Carlos Salinas de Gortari – tinham aplicado mecanicamente o mesmo modelo neoliberal, enfraquecido o Estado, a soberania, as economias nacionais. Os governos dos países que assumiram os programas neoliberais não incomodavam ninguém, tinham reduzido nossos Estados a subseqüentes perdedores da globalização, que a aplaudiam, às custas da deteriorização ainda maior da situação dos povos dos nossos países.
A primeira década do novo século apresenta uma nova América Latina, com a maior quantidade de governos progressistas que o continente jamais teve. Com processos de integração regional fortalecidos – do Mercosul à Alba, do Banco do Sul à Unasul, do Conselho Sulamericano de Segurança ao Parlamento do Mercosul, entre outras iniciativas. Desenvolveu-se a Operação Milagre, que já permitiu recuperar a visão a mais de 2 milhões de pessoas, que de outra maneira não teriam possibilidade de recuperar a vista. Formaram-se novas gerações de médicos pobres na melhor medicina social do mundo – a cubana – nas Escolas Latino-americanas de Medicina.
As crises econômicas da década anterior, típicas do neoliberalismo, que debilitaram a capacidade de defesa dos Estados nacionais diante do capital especulativo, que promoveu, entre tantas outras crises, as do México de 1994, do Brasil de 1999 e da Argentina de 2001-02, devastaram as economias desses países. O Brasil de FHC deixou um país em recessão prolongada e profunda para Lula, a quem coube superar a crise com políticas de desenvolvimento econômico.
Na década que termina, os países latino-americanos que participam dos processos de integração regional – com destaque para o Brasil, a Bolívia, o Uruguai, o Equador – superaram a crise, desatada pelos países centrais do capitalismo, que ainda estão em recessão, que deverá se prolongar ainda por um bom tempo. Revelou a capacidade desses países de diversificar seu comércio exterior, de intensificar o comercio intra-regional e de seguir expandindo o mercado interno de consumo popular.
A América Latina mostra hoje ao mundo a cara – imposta pela predominância de governos progressistas – de um continente em expansão econômica, afirmando sua soberania – em questões econômicas, políticas e de segurança regional –, melhorando a situação social do povo, consolidando políticas internacionais que intervêm na decisão dos grandes temas mundiais. Foi, sem dúvida, esta primeira década do novo século, a década da América Latina, que se projeta para a segunda década como um dos exemplos de luta na superação do neoliberalismo e de construção de sociedades mais justas e solidárias.
2009: a direita em desespero – Wladimir Pomar
Não há nada de estranho acontecendo na América Latina e no Brasil. Apenas ocorreu que, depois de anos de desorganização econômica e domínio das políticas neoliberais, as forças populares, em aliança ou não com setores da pequena burguesia e da burguesia, chegaram ao governo em diferentes países da região, desde o início do século XXI.
A rigor, não houve qualquer revolução social. É evidente que se podem considerar as vitórias eleitorais do metalúrgico Lula e do indígena Evo como revoluções culturais. Dentro das regras de perpetuação no poder das antigas classes dominantes, elas colocaram no governo personalidades oriundas de classes sociais cuja ascensão política era impensável, não só para os dominadores de sempre, mas também para muitos que se proclamavam, e ainda se proclamam, revolucionários.
Em nenhum caso houve a conquista do poder de Estado, nem a bancarrota do antigo sistema de dominação econômica e social. Em todos os países em que as forças populares chegaram ao governo, não ocorreram mudanças nos demais poderes do Estado ou, quando se deram, foram tópicas. E o capitalismo permaneceu sendo o modo de produção dominante, mesmo na Venezuela, cujo governo pretende avançar na construção socialista.
Nas condições em que ocorreram as vitórias eleitorais das forças populares, dificilmente poderia ser diferente. As massas populares deram a seus representantes o mandato de consertar, dentro das regras pseudo-democráticas existentes, as mazelas mais evidentes de seus países, a exemplo da miséria, fome, falta de forças produtivas industriais desenvolvidas, criminalização dos movimentos populares, extrema concentração da riqueza e ausência de soberania nacional.
As massas populares ainda não estão convencidas de que é necessário destruir o antigo sistema estatal e construir um novo, em que os direitos de participação democrática (não apenas eleitoral) possam ser exercidos pela maioria da população. Esta realidade, em que as massas populares conseguiram eleger partidos populares para o governo central, é um problema prático e teórico novo na realidade latino-americana. Como novo é o fato de que esses governos populares terão que desenvolver as forças produtivas com o concurso e também com os problemas e o caos do mercado e da economia capitalista.
Este tem sido o horror dos setores da esquerda que não abandonaram o voluntarismo e acreditam que podem solucionar as questões sem levar em conta a realidade concreta. Não concordam que os governos democráticos e populares, do Brasil e de outros países da América Latina, tenham se tornado, ou estejam se tornando, bons administradores do capitalismo, num contexto histórico muito peculiar. E mal percebem que uma das principais características desse ano que está findando consiste no crescente desespero da direita burguesa contra essa situação ambígua.
As tentativas de desestabilização dos governos de esquerda, através de todos os meios imagináveis (e também inimagináveis), foram a tônica da ação da direita política desses países durante 2009, em Honduras culminando com um golpe de Estado. Para essa direita não importa que o sistema capitalista esteja sendo bem administrado e obtendo lucros.
Ela não aceita que governos dirigidos pela esquerda se diferenciem dos governos das antigas classes dominantes. Abomina como populistas as políticas e medidas de redistribuição menos desigual da renda e de tratamento dos movimentos sociais como movimentos legítimos, sem criminalizá-los. Também não aceita que a antiga subserviência ao Império esteja sendo substituída por políticas externas soberanas. Nem que o Estado, partilhado por estranhos, interfira de forma crescente em seus negócios, inclusive construindo novas empresas estatais.
Ela parece haver se convencido, ao contrário de alguns setores da própria esquerda, de que as políticas acima, combinadas com o apoio à economia familiar e a movimentos produtivos solidários, gerenciados pelos próprios trabalhadores, possam resultar, mais cedo ou mais tarde, no crescimento da mobilização popular e em mudanças indesejáveis para as classes dominantes que, perdurando por mais tempo, podem estimular tendências e consciência socialistas.
As vitórias da esquerda no Equador, Paraguai, Uruguai e Bolívia estão açulando o desespero da direita brasileira e latino-americana. O ataque da Folha de São Paulo, de cunho fascista, na tentativa de desqualificar Lula como principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff, é apenas a parte visível do iceberg do reacionarismo da direita em relação a seu governo. Aliás, o mesmo reacionarismo que tentou desmembrar a Bolívia, vive inventando motivos para derrubar Chávez, militariza a Colômbia, busca emparedar Lugo e colocou Zelaya na geladeira.
Essa direita brasileira e latino-americana está sendo estimulada pelos fundamentalistas do Partido Republicano dos Estados Unidos, que consideram qualquer mudança à direita, no tabuleiro centro e sul-americano, uma ajuda à sua agressividade contra o governo Obama. Sonham com a reconquista direitista dos governos latino-americanos, para pressionar o governo Obama a ser menos frouxo com os impérios do mal.
Em tais condições, não será surpresa se 2009 for tido como preâmbulo de uma forte contra-ofensiva contra governos que uma parte da esquerda classifica de direitistas ou centristas.
Fenaj comemora vitórias na Confecom
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) teve papel de destaque na 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Num boletim especial, ela fez um balanço altamente positivo da Confecom, destacando as vitórias da categoria e dos setores sociais que lutam contra a ditadura midiática. Reproduzo abaixo o editorial do boletim e dois artigos informativos da Fenaj:
A 1ª Confecom constituiu-se em momento impar e histórico na realidade brasileira. Pela primeira vez, governo federal, outros setores do poder público, sociedade civil e segmentos do setor empresarial engajaram-se na construção de um espaço democrático de diálogo e de definição de posições que colaboram para a definição de políticas públicas para o setor de comunicação. E todos ganharam com isso.
Certamente muitas divergências persistem e prosseguirão sendo alvos de intensas disputas entre os setores que participaram. Mas o enfrentamento coletivo e aberto destas divergências numa esfera pública de debates já se mostrou saudável para a sociedade e para a democracia. Nociva é a tentativa dos donos dos veículos de comunicação hegemônicos de esconderem ou maquiarem a realidade. E é esta postura que faz crescer na sociedade a convicção de que o povo não é bobo.
O processo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação foi positivo para os defensores da democratização da comunicação no Brasil e descortinou o verdadeiro interesse dos que o combateram. Os segmentos do setor empresarial que boicotaram a 1ª Confecom, capitaneados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), preferem o absolutismo de suas posições a abrirem-se ao debate com todos os segmentos da sociedade.
Em editoriais e em sua “cobertura jornalística”, os veículos que seguem a batuta da Abert e da ANJ, trataram de condenar a Confecom e de caracterizar como “ataques às liberdades de expressão e de imprensa” as posições aprovadas na Conferência que lhes são nocivas. Advogaram e advogam em causa própria, esquecendo-se de que as liberdades de expressão e de imprensa não são objetos de propriedade privada. São sim, elementos fundantes do processo permanente de democratização da sociedade brasileira. Recusam-se a admitir que a
democratização da comunicação insere-se no campo dos direitos humanos fundamentais e no direito da sociedade à informação de interesse público e com qualidade.
Os debates da 1ª Confecom não se resumiram aos mais de dois mil participantes entre delegados, observadores e convidados da Conferência que se reuniram de 14 a 17 de dezembro na capital federal. Mais de 60 mil brasileiros se envolveram no processo desencadeado em abril de 2009. Setores que nunca tiveram vez e voz na grande imprensa exerceram, nas diversas atividades preparatórias, seu direito à liberdade de expressão, definiram suas posições e elegeram delegados
que as representaram.
A 1ª Confecom constituiu-se num momento vitorioso principalmente para as representações da sociedade civil organizada, deixando claro que a democratização da comunicação e a participação social na regulamentação e fiscalização das políticas de comunicação e da ação
da mídia – exercida não só pela sociedade civil, mas por todos os segmentos da sociedade – é necessária e urgente. Do contrário, ao invés do controle social sobre as políticas de comunicação, o que prosseguirá é o controle privado – principalmente dos donos dos veículos de comunicação e políticos a eles aliados – sobre a circulação de informações, que redunda no controle dos corações e mentes de 180 milhões de brasileiros.
Perderam aqueles que insistem em tratar a informação como mercadoria e que se negaram a participar do espaço democrático de debate da 1ª Confecom. Ganharam os que perceberam a sua importância e dele participaram!
Propostas dos jornalistas ganham destaque
A maioria das propostas prioritárias dos jornalistas brasileiros foi aprovada por consenso ou com mais de 80% de apoio antes mesmo da plenária final da 1ª Confecom. Entre elas destacaram-se a defesa do diploma, da criação do Conselho Federal dos Jornalistas, de Conselhos de Comunicação nas esferas federal, estaduais e municipais, da criação de um código de ética do jornalismo brasileiro e de uma nova Lei de Imprensa. Entre categorias profissionais os jornalistas foram a maior delegação da conferência, com mais de 300 participantes. E marcaram sua presença com um ato em defesa do diploma.
Mesmo alardeando que “a Confecom não teve a participação dos principais veículos de comunicação do Brasil” por considerarem que qualquer proposta de controle social da mídia atenta contra as liberdades de expressão e de imprensa, veículos aliados às associações
de emissoras de Rádio e Televisão, empresas de Internet, de TV por Assinatura, de Jornais e Revistas do Interior, de Editores de Revistas e de Jornais fizeram a cobertura da 1ª Confecom. E deram a “sua versão” sobre as resoluções aprovadas. A “cobertura isenta” carregou as tintas principalmente no combate às propostas defendidas pelos jornalistas na conferência.
A tentativa de pressão sobre os delegados da Confecom, no entanto, não funcionou. Já nos grupos de trabalho, a maioria das propostas consideradas prioritárias pelas entidades sindicais dos jornalistas foi aprovada por consenso com o apoio amplamente majoritário de delegados dos três segmentos presentes na conferência. Destacadas para votação em plenário, a aprovação das propostas de apoio ao diploma, à criação do Conselho Federal dos Jornalistas, a criação de uma nova e democrática Lei de Imprensa que inclua, também, a cláusula de consciência, teve para os membros da categoria um gosto especial. E foram efusivamente comemoradas.
“Os jornalistas, sindicalizados ou não, tiveram uma participação ativa em todo o processo da Confecom”, comemorou o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade. “E quem nos acusava de corporativistas foi surpreendido, pois os jornalistas se destacaram não só na defesa de
suas propostas específicas, como também nas propostas gerais apresentadas pelos diversos segmentos presentes na conferência, pois temos clara a função social da comunicação e a necessidade de sua democratização”, disse.
Celso Schröder, vice-presidente da Fenaj e representante da entidade na Comissão Organizadora da 1ª Confecom, reforçou tal entendimento. “Mesmo aqueles jornalistas que foram eleitos por outros segmentos atuaram na conferência acompanhando a coordenação da Fenaj”, registrou, parabenizando, também, todos os segmentos que se envolveram na construção da 1ª Confecom. “Só quem se negou a participar é que não deve e não pode comemorar este momento histórico de avanço no processo de democratização da comunicação no país”, concluiu.
No intervalo da plenária final da conferência, profissionais, professores e estudantes de jornalismo realizaram um ato público em frente ao restaurante do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Com faixas, apitos, narizes de palhaço e gritando palavras de ordem, atraíram as atenções. A manifestação “invadiu” o local onde os conferencistas almoçavam. Com alegria, os manifestantes circularam entre as mesas. Aplausos e batidas de talheres compuseram o cenário de apoio ao movimento.
Uma moção de repúdio à decisão do STF que extinguiu com a exigência do diploma para o exercício da profissão e de apoio às PECs que tramitam na Câmara e no Senado, respaldada por 964 assinaturas, foi a primeira a ser apreciada na plenária de encerramento da Confecom. A aprovação da moção motivou nova comemoração dos jornalistas.
As propostas dos movimentos sociais
O sentimento de vitória envolveu integrantes de movimentos sociais ao término da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em Brasília de 14 a 17 de dezembro. Mais de 600 propostas para a democratização da comunicação no Brasil foram aprovadas no evento. A
grande maioria delas foi formulada e defendida por representantes da sociedade civil não empresarial.
Ainda não está consolidado o balanço final das propostas aprovadas na 1ª Confecom. Isto porque, além das 601 que foram aprovadas - 532 por consenso e 69 que tiveram mais de 80% de apoio das delegações - nos 15 Grupos de Trabalho, aproximadamente 130 que tiveram mais de 30% e menos de 80% de apoio nos GTs foram para votação em plenário. Destas, algumas foram rejeitadas e outras tiveram nova redação através de acordos entre representantes dos segmentos público, empresarial e da sociedade civil.
Embora não tenham força de lei, as deliberações da Confecom serão balizadores para a tomada de decisões e iniciativas dos poderes Executivo e Legislativo. Após a conclusão dos trabalhos de
sistematização, a Comissão Organizadora da 1ª Confecom apresentará os números consolidados das resoluções nos próximos dias. O relatório final da Conferência, porém, será disponibilizado em fevereiro de 2010.
Entre as propostas da sociedade civil aprovadas constam a regulamentação da proibição a monopólios e oligopólios na área de comunicação prevista no artigo 220 da Constituição Federal, avanços para as rádios comunitárias como a definição de uma política de fiscalização que não as criminalize e a possibilidade de veiculação de propaganda institucional, a destinação dos recursos do Fust para a universalização de serviços como telefonia e acesso à banda larga,
exibição de conteúdos nos veículos de comunicação que abordem questões ligadas à diversidade social, sexual, cultural, ética e direitos das mulheres. Constam, também, a regulamentação da rede digital da cidadania e questões ligadas à mídia livre, a redução da participação do capital estrangeiro nos meios de comunicação, de 30% para 10%, e a regulamentação de conteúdos para assegurar os direitos das crianças e adolescentes, entre outras.
Diversas propostas também contemplaram o segmento público. Dentre elas o fortalecimento das emissoras públicas, a instituição do Operador de Rede Digital Pública e a distribuição eqüitativa dos novos canais digitais entre os setores público, estatal e privado. Já o segmento empresarial teve contempladas propostas como a garantia da livre iniciativa com concorrência, a proibição de controle por um só grupo de programadores de conteúdo com mais de 25% da grade de programação em qualquer plataforma de distribuição e o estabelecimento de uma política de massificação da TV por assinatura.
A 1ª Confecom constituiu-se em momento impar e histórico na realidade brasileira. Pela primeira vez, governo federal, outros setores do poder público, sociedade civil e segmentos do setor empresarial engajaram-se na construção de um espaço democrático de diálogo e de definição de posições que colaboram para a definição de políticas públicas para o setor de comunicação. E todos ganharam com isso.
Certamente muitas divergências persistem e prosseguirão sendo alvos de intensas disputas entre os setores que participaram. Mas o enfrentamento coletivo e aberto destas divergências numa esfera pública de debates já se mostrou saudável para a sociedade e para a democracia. Nociva é a tentativa dos donos dos veículos de comunicação hegemônicos de esconderem ou maquiarem a realidade. E é esta postura que faz crescer na sociedade a convicção de que o povo não é bobo.
O processo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação foi positivo para os defensores da democratização da comunicação no Brasil e descortinou o verdadeiro interesse dos que o combateram. Os segmentos do setor empresarial que boicotaram a 1ª Confecom, capitaneados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), preferem o absolutismo de suas posições a abrirem-se ao debate com todos os segmentos da sociedade.
Em editoriais e em sua “cobertura jornalística”, os veículos que seguem a batuta da Abert e da ANJ, trataram de condenar a Confecom e de caracterizar como “ataques às liberdades de expressão e de imprensa” as posições aprovadas na Conferência que lhes são nocivas. Advogaram e advogam em causa própria, esquecendo-se de que as liberdades de expressão e de imprensa não são objetos de propriedade privada. São sim, elementos fundantes do processo permanente de democratização da sociedade brasileira. Recusam-se a admitir que a
democratização da comunicação insere-se no campo dos direitos humanos fundamentais e no direito da sociedade à informação de interesse público e com qualidade.
Os debates da 1ª Confecom não se resumiram aos mais de dois mil participantes entre delegados, observadores e convidados da Conferência que se reuniram de 14 a 17 de dezembro na capital federal. Mais de 60 mil brasileiros se envolveram no processo desencadeado em abril de 2009. Setores que nunca tiveram vez e voz na grande imprensa exerceram, nas diversas atividades preparatórias, seu direito à liberdade de expressão, definiram suas posições e elegeram delegados
que as representaram.
A 1ª Confecom constituiu-se num momento vitorioso principalmente para as representações da sociedade civil organizada, deixando claro que a democratização da comunicação e a participação social na regulamentação e fiscalização das políticas de comunicação e da ação
da mídia – exercida não só pela sociedade civil, mas por todos os segmentos da sociedade – é necessária e urgente. Do contrário, ao invés do controle social sobre as políticas de comunicação, o que prosseguirá é o controle privado – principalmente dos donos dos veículos de comunicação e políticos a eles aliados – sobre a circulação de informações, que redunda no controle dos corações e mentes de 180 milhões de brasileiros.
Perderam aqueles que insistem em tratar a informação como mercadoria e que se negaram a participar do espaço democrático de debate da 1ª Confecom. Ganharam os que perceberam a sua importância e dele participaram!
Propostas dos jornalistas ganham destaque
A maioria das propostas prioritárias dos jornalistas brasileiros foi aprovada por consenso ou com mais de 80% de apoio antes mesmo da plenária final da 1ª Confecom. Entre elas destacaram-se a defesa do diploma, da criação do Conselho Federal dos Jornalistas, de Conselhos de Comunicação nas esferas federal, estaduais e municipais, da criação de um código de ética do jornalismo brasileiro e de uma nova Lei de Imprensa. Entre categorias profissionais os jornalistas foram a maior delegação da conferência, com mais de 300 participantes. E marcaram sua presença com um ato em defesa do diploma.
Mesmo alardeando que “a Confecom não teve a participação dos principais veículos de comunicação do Brasil” por considerarem que qualquer proposta de controle social da mídia atenta contra as liberdades de expressão e de imprensa, veículos aliados às associações
de emissoras de Rádio e Televisão, empresas de Internet, de TV por Assinatura, de Jornais e Revistas do Interior, de Editores de Revistas e de Jornais fizeram a cobertura da 1ª Confecom. E deram a “sua versão” sobre as resoluções aprovadas. A “cobertura isenta” carregou as tintas principalmente no combate às propostas defendidas pelos jornalistas na conferência.
A tentativa de pressão sobre os delegados da Confecom, no entanto, não funcionou. Já nos grupos de trabalho, a maioria das propostas consideradas prioritárias pelas entidades sindicais dos jornalistas foi aprovada por consenso com o apoio amplamente majoritário de delegados dos três segmentos presentes na conferência. Destacadas para votação em plenário, a aprovação das propostas de apoio ao diploma, à criação do Conselho Federal dos Jornalistas, a criação de uma nova e democrática Lei de Imprensa que inclua, também, a cláusula de consciência, teve para os membros da categoria um gosto especial. E foram efusivamente comemoradas.
“Os jornalistas, sindicalizados ou não, tiveram uma participação ativa em todo o processo da Confecom”, comemorou o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade. “E quem nos acusava de corporativistas foi surpreendido, pois os jornalistas se destacaram não só na defesa de
suas propostas específicas, como também nas propostas gerais apresentadas pelos diversos segmentos presentes na conferência, pois temos clara a função social da comunicação e a necessidade de sua democratização”, disse.
Celso Schröder, vice-presidente da Fenaj e representante da entidade na Comissão Organizadora da 1ª Confecom, reforçou tal entendimento. “Mesmo aqueles jornalistas que foram eleitos por outros segmentos atuaram na conferência acompanhando a coordenação da Fenaj”, registrou, parabenizando, também, todos os segmentos que se envolveram na construção da 1ª Confecom. “Só quem se negou a participar é que não deve e não pode comemorar este momento histórico de avanço no processo de democratização da comunicação no país”, concluiu.
No intervalo da plenária final da conferência, profissionais, professores e estudantes de jornalismo realizaram um ato público em frente ao restaurante do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Com faixas, apitos, narizes de palhaço e gritando palavras de ordem, atraíram as atenções. A manifestação “invadiu” o local onde os conferencistas almoçavam. Com alegria, os manifestantes circularam entre as mesas. Aplausos e batidas de talheres compuseram o cenário de apoio ao movimento.
Uma moção de repúdio à decisão do STF que extinguiu com a exigência do diploma para o exercício da profissão e de apoio às PECs que tramitam na Câmara e no Senado, respaldada por 964 assinaturas, foi a primeira a ser apreciada na plenária de encerramento da Confecom. A aprovação da moção motivou nova comemoração dos jornalistas.
As propostas dos movimentos sociais
O sentimento de vitória envolveu integrantes de movimentos sociais ao término da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em Brasília de 14 a 17 de dezembro. Mais de 600 propostas para a democratização da comunicação no Brasil foram aprovadas no evento. A
grande maioria delas foi formulada e defendida por representantes da sociedade civil não empresarial.
Ainda não está consolidado o balanço final das propostas aprovadas na 1ª Confecom. Isto porque, além das 601 que foram aprovadas - 532 por consenso e 69 que tiveram mais de 80% de apoio das delegações - nos 15 Grupos de Trabalho, aproximadamente 130 que tiveram mais de 30% e menos de 80% de apoio nos GTs foram para votação em plenário. Destas, algumas foram rejeitadas e outras tiveram nova redação através de acordos entre representantes dos segmentos público, empresarial e da sociedade civil.
Embora não tenham força de lei, as deliberações da Confecom serão balizadores para a tomada de decisões e iniciativas dos poderes Executivo e Legislativo. Após a conclusão dos trabalhos de
sistematização, a Comissão Organizadora da 1ª Confecom apresentará os números consolidados das resoluções nos próximos dias. O relatório final da Conferência, porém, será disponibilizado em fevereiro de 2010.
Entre as propostas da sociedade civil aprovadas constam a regulamentação da proibição a monopólios e oligopólios na área de comunicação prevista no artigo 220 da Constituição Federal, avanços para as rádios comunitárias como a definição de uma política de fiscalização que não as criminalize e a possibilidade de veiculação de propaganda institucional, a destinação dos recursos do Fust para a universalização de serviços como telefonia e acesso à banda larga,
exibição de conteúdos nos veículos de comunicação que abordem questões ligadas à diversidade social, sexual, cultural, ética e direitos das mulheres. Constam, também, a regulamentação da rede digital da cidadania e questões ligadas à mídia livre, a redução da participação do capital estrangeiro nos meios de comunicação, de 30% para 10%, e a regulamentação de conteúdos para assegurar os direitos das crianças e adolescentes, entre outras.
Diversas propostas também contemplaram o segmento público. Dentre elas o fortalecimento das emissoras públicas, a instituição do Operador de Rede Digital Pública e a distribuição eqüitativa dos novos canais digitais entre os setores público, estatal e privado. Já o segmento empresarial teve contempladas propostas como a garantia da livre iniciativa com concorrência, a proibição de controle por um só grupo de programadores de conteúdo com mais de 25% da grade de programação em qualquer plataforma de distribuição e o estabelecimento de uma política de massificação da TV por assinatura.
Confecom: nova etapa numa longa luta
Prosseguindo nas avaliações sobre a 1ª Confecom, reproduzo abaixo artigo de Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre de Brasília e integrante da junta diretiva da Telesur:
Basta tomar as manchetes rancorosas da grande mídia capitalista contra a primeira Conferência Nacional de Comunicação para comprovar que o evento representa indiscutivelmente uma importante vitória das forças progressistas no Brasil. Especialmente a TV Globo e o jornal “O Globo” dedicaram espaços para destruir a imagem desta primeira Confecom na história do Brasil, como se não fosse possível fazer um evento democrático na área da comunicação sem a anuência destes setores. Este era um tema proibido, hoje é agenda do Estado e da sociedade.
Nestas manchetes, revela-se que os grandes magnatas da mídia sentiram o golpe, pois para eles é inadmissível que este tema democracia na comunicação seja tratado pública e democraticamente. Muito menos aceitável, para eles, é que o governo patrocine tal evento. Para a oligarquia midiática qualquer ação feita com o sentido de criação de políticas públicas para a comunicação é inevitavelmente censura estatal, porque tratam a comunicação como se fosse um latifúndio, uma indústria de alimentos contaminados, uma fábrica qualquer de medicamentos falsificados, embora bem embalados.
A grande diferença é que o governo atual não está interessado em censura, mas em promover a democratização da comunicação. E para isto cuidou de construir uma aliança com os movimentos sociais e com setores não monopolistas do empresariado para viabilizar a Confecom, neutralizando, de certa maneira, a sabotagem organizada pela Abert, ANJ e ANER.
Primeiro é preciso reconhecer em geral o acerto desta tática de construir alianças entre governo e sociedade organizada, mas também com setores do empresariado dispostos a aceitar que a comunicação seja discutida por toda a sociedade e não apenas pelos pequenos círculos oligopolistas de sempre. Pode-se prever que o tom de críticas a Lula será ainda mais azedo e odioso, do mesmo modo como também condenam e insultam Chávez, Rafael Correa, Evo Morales e Cristina Kirchner por promoverem medidas de democratização na comunicação e por terem tido a coragem de questionar e enfrentar os indecentes privilégios que aqueles magnatas da comunicação sempre tiveram. Eles não perdoarão jamais a Lula por ter convocado uma Conferência oficial para tornar a comunicação tema de todos os brasileiros.
Organizar o campo popular da comunicação
A Confecom aprovou temas importantes, sejam medidas de aplicação imediata, consideradas exeqüíveis porque dependem exclusivamente de ato de governo legitimado por um presidente que teve 63 milhões de votos e agora tem o respaldo de uma conferência nacional. Exemplo disto é que quando em 2004 o presidente Lula assinou decreto-lei criando a Rede de TVs Institucionais, que levaria o sinal destas emissoras a todos os municípios (que também poderiam ter espaço de produção local de uma pequena parte da programação ), encontrou ampla oposição da Abert taxando o decreto de estatizante. Mas, também a Fenaj se opôs à criação da RTVI especialmente por discordar da via do decreto.
Sem respaldo, e com outras dificuldades, Lula recuou. Agora tem consigo as resoluções aprovadas da Confecom, legitimadas pela ampla participação da sociedade, inclusive de um setor do empresariado. O que não elimina a necessidade do fortalecimento do campo democrático e popular de comunicação para a implementação das resoluções, consistindo na manutenção da aliança entre governo, partidos políticos, movimentos sindicais, movimentos da sociedade e segmentos empresariais não monopolistas.
Agora a Confecom lhe dá o respaldo para que, por meio de atos de governo, seja portaria, seja decreto ou regulamentação, muitas resoluções aprovadas sejam transformadas em realidade. Aqui incluídas uma boa parte das 59 propostas que a Secom aprovou na conferência, tendo como linha o fortalecimento da comunicação pública, como a criação do Operador Nacional Único de Rede nas mãos da EBC, a mudança de critérios para a publicidade institucional que também alcançará a comunicação comunitária, a inclusão dos canais comunitários na TV digital em sinal aberto, a distribuição equitativa de concessões na era digital para os segmentos público, estatal e privado, uma nova relação com as rádios comunitárias a partir de estruturas específicas para desburocratizar seus pleitos, o fim da criminalização ao setor, inclusive porque passarão a fazer parte também, oficialmente, da pauta de publicidade institucional, o que é uma relação concreta entre estado e movimentos sociais que sustentam a radiodifusão comunitária.
Deste modo, o pessimismo ou o ceticismo de muitos delegados, que só durante o transcorrer da Confecom foram se convencendo que estão de fato fazendo avançar e concretizando um leque de reivindicações que, durante décadas, eram apenas alardeadas como algo muito remoto, devem ser transformados não em otimismo inconseqüente, mas num realismo ativo, construtivo, indicando que foi feita uma Confecom possível, com resultados práticos e com conteúdo político e programático justo para a continuidade de uma luta que exige medidas de fundo, muito mais radicais, que só num outro governo e com outras relações de força poderão ser adotadas.
Bandeiras históricas e propostas exeqüíveis
Todas as demandas históricas do movimento pela democratização da comunicação também foram debatidas – a profundidade dos debates foi enormemente prejudicada pela péssima organização dos trabalhos a cargo da FGV, com erros tão primários que o governo está na obrigação de investigar – e em boa medida aprovadas. Há consciência de que estas bandeiras históricas, relacionadas à regulamentação do capítulo da Comunicação Social na Constituição, dependem de um acúmulo de forças muito maior na sociedade brasileira.
Se aceitarmos uma estimativa de que a Confecom envolveu a participação de 30 mil pessoas que estiveram nas conferências municipais, conferências estaduais, conferências livres, seminários sindicais, encontros de segmentos, talvez estejamos diante da necessidade de aceitar que ainda falta muito para transformar radicalmente uma tirania midiática instalada há décadas, com poderes de fato para interferir nos rumos do processo político, econômico e social. Só agora, a partir da Confecom, o debate da comunicação poderá deixar de ser coisa de especialistas, de comunicólogos, ou de jornalistas, para ganhar de fato a atenção de amplos setores da sociedade.
Desse modo, é importante vitória que as concessões de TV e rádio sejam debatidas e questionadas não apenas por círculos pequenos acadêmicos ou sindicais, que haja propostas para a democratização de suas outorgas e que a renovação destas concessões sejam obrigatoriamente submetidas ao crivo da participação da sociedade, por meio de audiências públicas. É também enorme vitória a aprovação pela Confecom de resoluções visando regulamentar a Constituição que já prevê a proibição do oligopólio e monopólio, que exige o uso educativo e informativo destes serviços, que estabelece a complementaridade entre os segmentos público, estatal e privado, apontando na direção do fortalecimento dos segmentos público e estatal, largamente preteridos na atualidade pelos indecorosos privilégios que o setor privado recebeu ao longo de décadas.
Conselho de Comunicação Social
A Confecom foi além ao aprovar resoluções contra a discriminação racial ou de gênero, contra a publicidade anti-saúde promotora de consumo irresponsável e destrutivo, contra as agressões publicitárias à criança. Especialmente por ter aprovado a criação do Conselho de Comunicação Social, proposta também de iniciativa do governo Lula. Sem desprezar a recuperação do Conselho de Comunicação do Congresso, hoje paralisado.
Certamente, tais lutas demandarão enorme esforço de continuidade da ampliação das forças hoje em ação para que possam efetivamente virar realidade. Mas, para isto, já conta com o fortalecimento do campo público da comunicação, incluindo a expansão das emissoras ligadas à EBC, as TVs e rádios educativas, legislativas, comunitárias e universitárias, o que não depende de aprovação do Congresso Nacional, o que seria improvável a curto prazo. É fundamental que o Campo Popular da Democratização também aponte a sua luta para formar uma Bancada da Comunicação Democrática nas eleições de 2010, além de fazer com que os presidenciáveis se posicionem e se comprometam claramente com as resoluções da Confecom, como, aliás, Lula mencionou na abertura do evento.
Propostas estratégicas
Há ainda um leque de medidas de cunho estratégico aprovadas na Confecom, especialmente aquelas reiteradas reivindicações para que o governo promova, como política de estado, um Plano Nacional de Banda Larga, democrático, inclusivo, chegando aos grotões deste país. Para isto é necessário um instrumento estatal, já que a participação dos empresários de telefonia na Confecom estava dirigida a arrancar privilégios tributários e orçamentários para que sejam eles os protagonistas desta ação, o que seria temerário.
Sem a presença de um instrumento estatal o cinema brasileiro retrocedeu largamente, por isto, é importante a resolução aprovada no sentido de criação de uma empresa pública para estimular a produção, distribuição e exibição do cinema brasileiro. Da mesma forma, sem descartar a participação de segmentos empresariais no Programa de Banda Larga, sobretudo do pequeno e médio empresariado nacional, é indispensável a existência de uma empresa estatal capaz de operar e ditar as regras do jogo para que as amplas camadas de brasileiros pobres também tenham acesso à internet pública em banda larga.
Um grande equívoco
Houve notas negativas nesta Confecom, e não apenas pela precária administração e sistematização dos trabalhos a cargo da FGV. A aprovação da flexibilização do programa Voz do Brasil, atendendo a uma campanha antiga da Abert e da ANJ que nem presentes estavam, pode causar enorme prejuízo ao povo brasileiro. Trata-se de programa radiofônico que se constitui na única possibilidade de milhões de brasileiros que vivem nos lugares mais remotos, sejam ribeirinhos, caiçaras, indígenas e quilombolas, de terem algum tipo de informação de natureza pública. A mídia privada não lhes dá tal oportunidade.
A Voz do Brasil é a única informação que chega a todos os grotões deste país, numa população que majoritariamente não tem qualquer acesso à leitura de jornal. Flexibilizada, será exibida pela madrugada, tal como se faz com o Telecurso Segundo Grau, que embora produzido com verbas públicas, é escondido de seu público alvo. Tornar a Voz do Brasil inaudível é o primeiro passo neoliberal para eliminá-la. Desconsiderou-se nesta medida a última pesquisa de opinião pública realizada, quando mais 73 por cento dos brasileiros declararam-se favoráveis e ouvintes da Voz do Brasil e contrários à sua extinção. A estranha aliança entre setor público, um setor dos movimentos sociais e o empresariado contrário a qualquer forma de regulamentação de programação pode “proporcionar” mais uma hora de baixaria, de propaganda, de música de pouca qualificação.
Gringos avançam com IV Frota e Voz da América...
O correto seria defender – como na proposta original – a manutenção da Voz do Brasil, sua qualificação e aperfeiçoamento. A começar pela destinação de um pequeno percentual de seu tempo como uma espécie de Direito de Antena para segmentos sociais atualmente sem voz. Com a flexibilização, prepara-se o terreno para que ela seja inaudível, facilitando sua extinção. É importante que tal equívoco seja corrigido. Que seja realizada uma consulta popular para que o povo brasileiro possa dar a última palavra. Especialmente num momento em que o programa Voz da América, do governo dos EUA, organiza e amplia uma rede de 400 emissoras de rádio na América Latina para, segundo declaração dos responsáveis pelo programa, impedir o processo de transformação comunicativa em curso na América Latina.
O Brasil também é parte de processo de mudanças, com seu ritmo próprio e diferenciado, seja pelas peculiaridades do desenvolvimento capitalista no Brasil e também porque ainda não se registra uma maioria parlamentar que viabilize, como em outros países, mudanças democráticas na comunicação social. Mesmo assim, foi realizada a Confecom possível, com medidas concretas de curto prazo e consolidação das bandeiras históricas da luta pela democratização da comunicação que vão nortear esta caminhada longa daqui em diante. Mas, já com o governo fazendo suas essas bandeiras.
Não houve uma “virada de mesa”, era previsível que não houvesse. Mas, já há um leque de forças, um Campo Popular da Comunicação que precisa manter-se atuante, organizado, com plenárias regulares, reuniões periódicas, vencendo o desafio de ampliar a participação da sociedade nesta luta, que ainda é insuficiente para as metas gigantescas pretendidas diante de inimigos tão poderosos. Mas, já estamos numa etapa mais avançada desta caminhada.
Basta tomar as manchetes rancorosas da grande mídia capitalista contra a primeira Conferência Nacional de Comunicação para comprovar que o evento representa indiscutivelmente uma importante vitória das forças progressistas no Brasil. Especialmente a TV Globo e o jornal “O Globo” dedicaram espaços para destruir a imagem desta primeira Confecom na história do Brasil, como se não fosse possível fazer um evento democrático na área da comunicação sem a anuência destes setores. Este era um tema proibido, hoje é agenda do Estado e da sociedade.
Nestas manchetes, revela-se que os grandes magnatas da mídia sentiram o golpe, pois para eles é inadmissível que este tema democracia na comunicação seja tratado pública e democraticamente. Muito menos aceitável, para eles, é que o governo patrocine tal evento. Para a oligarquia midiática qualquer ação feita com o sentido de criação de políticas públicas para a comunicação é inevitavelmente censura estatal, porque tratam a comunicação como se fosse um latifúndio, uma indústria de alimentos contaminados, uma fábrica qualquer de medicamentos falsificados, embora bem embalados.
A grande diferença é que o governo atual não está interessado em censura, mas em promover a democratização da comunicação. E para isto cuidou de construir uma aliança com os movimentos sociais e com setores não monopolistas do empresariado para viabilizar a Confecom, neutralizando, de certa maneira, a sabotagem organizada pela Abert, ANJ e ANER.
Primeiro é preciso reconhecer em geral o acerto desta tática de construir alianças entre governo e sociedade organizada, mas também com setores do empresariado dispostos a aceitar que a comunicação seja discutida por toda a sociedade e não apenas pelos pequenos círculos oligopolistas de sempre. Pode-se prever que o tom de críticas a Lula será ainda mais azedo e odioso, do mesmo modo como também condenam e insultam Chávez, Rafael Correa, Evo Morales e Cristina Kirchner por promoverem medidas de democratização na comunicação e por terem tido a coragem de questionar e enfrentar os indecentes privilégios que aqueles magnatas da comunicação sempre tiveram. Eles não perdoarão jamais a Lula por ter convocado uma Conferência oficial para tornar a comunicação tema de todos os brasileiros.
Organizar o campo popular da comunicação
A Confecom aprovou temas importantes, sejam medidas de aplicação imediata, consideradas exeqüíveis porque dependem exclusivamente de ato de governo legitimado por um presidente que teve 63 milhões de votos e agora tem o respaldo de uma conferência nacional. Exemplo disto é que quando em 2004 o presidente Lula assinou decreto-lei criando a Rede de TVs Institucionais, que levaria o sinal destas emissoras a todos os municípios (que também poderiam ter espaço de produção local de uma pequena parte da programação ), encontrou ampla oposição da Abert taxando o decreto de estatizante. Mas, também a Fenaj se opôs à criação da RTVI especialmente por discordar da via do decreto.
Sem respaldo, e com outras dificuldades, Lula recuou. Agora tem consigo as resoluções aprovadas da Confecom, legitimadas pela ampla participação da sociedade, inclusive de um setor do empresariado. O que não elimina a necessidade do fortalecimento do campo democrático e popular de comunicação para a implementação das resoluções, consistindo na manutenção da aliança entre governo, partidos políticos, movimentos sindicais, movimentos da sociedade e segmentos empresariais não monopolistas.
Agora a Confecom lhe dá o respaldo para que, por meio de atos de governo, seja portaria, seja decreto ou regulamentação, muitas resoluções aprovadas sejam transformadas em realidade. Aqui incluídas uma boa parte das 59 propostas que a Secom aprovou na conferência, tendo como linha o fortalecimento da comunicação pública, como a criação do Operador Nacional Único de Rede nas mãos da EBC, a mudança de critérios para a publicidade institucional que também alcançará a comunicação comunitária, a inclusão dos canais comunitários na TV digital em sinal aberto, a distribuição equitativa de concessões na era digital para os segmentos público, estatal e privado, uma nova relação com as rádios comunitárias a partir de estruturas específicas para desburocratizar seus pleitos, o fim da criminalização ao setor, inclusive porque passarão a fazer parte também, oficialmente, da pauta de publicidade institucional, o que é uma relação concreta entre estado e movimentos sociais que sustentam a radiodifusão comunitária.
Deste modo, o pessimismo ou o ceticismo de muitos delegados, que só durante o transcorrer da Confecom foram se convencendo que estão de fato fazendo avançar e concretizando um leque de reivindicações que, durante décadas, eram apenas alardeadas como algo muito remoto, devem ser transformados não em otimismo inconseqüente, mas num realismo ativo, construtivo, indicando que foi feita uma Confecom possível, com resultados práticos e com conteúdo político e programático justo para a continuidade de uma luta que exige medidas de fundo, muito mais radicais, que só num outro governo e com outras relações de força poderão ser adotadas.
Bandeiras históricas e propostas exeqüíveis
Todas as demandas históricas do movimento pela democratização da comunicação também foram debatidas – a profundidade dos debates foi enormemente prejudicada pela péssima organização dos trabalhos a cargo da FGV, com erros tão primários que o governo está na obrigação de investigar – e em boa medida aprovadas. Há consciência de que estas bandeiras históricas, relacionadas à regulamentação do capítulo da Comunicação Social na Constituição, dependem de um acúmulo de forças muito maior na sociedade brasileira.
Se aceitarmos uma estimativa de que a Confecom envolveu a participação de 30 mil pessoas que estiveram nas conferências municipais, conferências estaduais, conferências livres, seminários sindicais, encontros de segmentos, talvez estejamos diante da necessidade de aceitar que ainda falta muito para transformar radicalmente uma tirania midiática instalada há décadas, com poderes de fato para interferir nos rumos do processo político, econômico e social. Só agora, a partir da Confecom, o debate da comunicação poderá deixar de ser coisa de especialistas, de comunicólogos, ou de jornalistas, para ganhar de fato a atenção de amplos setores da sociedade.
Desse modo, é importante vitória que as concessões de TV e rádio sejam debatidas e questionadas não apenas por círculos pequenos acadêmicos ou sindicais, que haja propostas para a democratização de suas outorgas e que a renovação destas concessões sejam obrigatoriamente submetidas ao crivo da participação da sociedade, por meio de audiências públicas. É também enorme vitória a aprovação pela Confecom de resoluções visando regulamentar a Constituição que já prevê a proibição do oligopólio e monopólio, que exige o uso educativo e informativo destes serviços, que estabelece a complementaridade entre os segmentos público, estatal e privado, apontando na direção do fortalecimento dos segmentos público e estatal, largamente preteridos na atualidade pelos indecorosos privilégios que o setor privado recebeu ao longo de décadas.
Conselho de Comunicação Social
A Confecom foi além ao aprovar resoluções contra a discriminação racial ou de gênero, contra a publicidade anti-saúde promotora de consumo irresponsável e destrutivo, contra as agressões publicitárias à criança. Especialmente por ter aprovado a criação do Conselho de Comunicação Social, proposta também de iniciativa do governo Lula. Sem desprezar a recuperação do Conselho de Comunicação do Congresso, hoje paralisado.
Certamente, tais lutas demandarão enorme esforço de continuidade da ampliação das forças hoje em ação para que possam efetivamente virar realidade. Mas, para isto, já conta com o fortalecimento do campo público da comunicação, incluindo a expansão das emissoras ligadas à EBC, as TVs e rádios educativas, legislativas, comunitárias e universitárias, o que não depende de aprovação do Congresso Nacional, o que seria improvável a curto prazo. É fundamental que o Campo Popular da Democratização também aponte a sua luta para formar uma Bancada da Comunicação Democrática nas eleições de 2010, além de fazer com que os presidenciáveis se posicionem e se comprometam claramente com as resoluções da Confecom, como, aliás, Lula mencionou na abertura do evento.
Propostas estratégicas
Há ainda um leque de medidas de cunho estratégico aprovadas na Confecom, especialmente aquelas reiteradas reivindicações para que o governo promova, como política de estado, um Plano Nacional de Banda Larga, democrático, inclusivo, chegando aos grotões deste país. Para isto é necessário um instrumento estatal, já que a participação dos empresários de telefonia na Confecom estava dirigida a arrancar privilégios tributários e orçamentários para que sejam eles os protagonistas desta ação, o que seria temerário.
Sem a presença de um instrumento estatal o cinema brasileiro retrocedeu largamente, por isto, é importante a resolução aprovada no sentido de criação de uma empresa pública para estimular a produção, distribuição e exibição do cinema brasileiro. Da mesma forma, sem descartar a participação de segmentos empresariais no Programa de Banda Larga, sobretudo do pequeno e médio empresariado nacional, é indispensável a existência de uma empresa estatal capaz de operar e ditar as regras do jogo para que as amplas camadas de brasileiros pobres também tenham acesso à internet pública em banda larga.
Um grande equívoco
Houve notas negativas nesta Confecom, e não apenas pela precária administração e sistematização dos trabalhos a cargo da FGV. A aprovação da flexibilização do programa Voz do Brasil, atendendo a uma campanha antiga da Abert e da ANJ que nem presentes estavam, pode causar enorme prejuízo ao povo brasileiro. Trata-se de programa radiofônico que se constitui na única possibilidade de milhões de brasileiros que vivem nos lugares mais remotos, sejam ribeirinhos, caiçaras, indígenas e quilombolas, de terem algum tipo de informação de natureza pública. A mídia privada não lhes dá tal oportunidade.
A Voz do Brasil é a única informação que chega a todos os grotões deste país, numa população que majoritariamente não tem qualquer acesso à leitura de jornal. Flexibilizada, será exibida pela madrugada, tal como se faz com o Telecurso Segundo Grau, que embora produzido com verbas públicas, é escondido de seu público alvo. Tornar a Voz do Brasil inaudível é o primeiro passo neoliberal para eliminá-la. Desconsiderou-se nesta medida a última pesquisa de opinião pública realizada, quando mais 73 por cento dos brasileiros declararam-se favoráveis e ouvintes da Voz do Brasil e contrários à sua extinção. A estranha aliança entre setor público, um setor dos movimentos sociais e o empresariado contrário a qualquer forma de regulamentação de programação pode “proporcionar” mais uma hora de baixaria, de propaganda, de música de pouca qualificação.
Gringos avançam com IV Frota e Voz da América...
O correto seria defender – como na proposta original – a manutenção da Voz do Brasil, sua qualificação e aperfeiçoamento. A começar pela destinação de um pequeno percentual de seu tempo como uma espécie de Direito de Antena para segmentos sociais atualmente sem voz. Com a flexibilização, prepara-se o terreno para que ela seja inaudível, facilitando sua extinção. É importante que tal equívoco seja corrigido. Que seja realizada uma consulta popular para que o povo brasileiro possa dar a última palavra. Especialmente num momento em que o programa Voz da América, do governo dos EUA, organiza e amplia uma rede de 400 emissoras de rádio na América Latina para, segundo declaração dos responsáveis pelo programa, impedir o processo de transformação comunicativa em curso na América Latina.
O Brasil também é parte de processo de mudanças, com seu ritmo próprio e diferenciado, seja pelas peculiaridades do desenvolvimento capitalista no Brasil e também porque ainda não se registra uma maioria parlamentar que viabilize, como em outros países, mudanças democráticas na comunicação social. Mesmo assim, foi realizada a Confecom possível, com medidas concretas de curto prazo e consolidação das bandeiras históricas da luta pela democratização da comunicação que vão nortear esta caminhada longa daqui em diante. Mas, já com o governo fazendo suas essas bandeiras.
Não houve uma “virada de mesa”, era previsível que não houvesse. Mas, já há um leque de forças, um Campo Popular da Comunicação que precisa manter-se atuante, organizado, com plenárias regulares, reuniões periódicas, vencendo o desafio de ampliar a participação da sociedade nesta luta, que ainda é insuficiente para as metas gigantescas pretendidas diante de inimigos tão poderosos. Mas, já estamos numa etapa mais avançada desta caminhada.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
A grande mídia e a 2ª Confecom
Reproduzo abaixo uma versão ampliada do artigo do professor Venício A. de Lima, publicado originalmente na Agência Carta Maior:
Concluída a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que aconteceu em Brasília, de 14 a 17 de dezembro, com a participação de mais de 1.600 delegados, democraticamente escolhidos em conferências estaduais realizadas nas 27 unidades da federação, representando movimentos sociais, parte dos empresários de comunicação e telecomunicações e o governo – independentemente da avaliação de suas deliberações – é hora de tentar compreender as razões que levaram os principais grupos empresariais brasileiros de mídia a boicotarem o evento.
O anúncio público da retirada das seis entidades empresariais da Comissão Organizadora da 1ª Confecom se deu após reunião realizada entre elas e os ministros das Comunicações, Hélio Costa, da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins e da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, no dia 13 de agosto. Os membros da Comissão haviam sido designados em 25 de maio e a primeira reunião se realizado havia pouco mais de dois meses. Estava-se, portanto, apenas no início de um longo processo.
Uma nota divulgada logo após a retirada e assinada conjuntamente pela Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão; Abranet – Associação Brasileira de Internet; ABTA – Associação Brasileira de TV por Assinatura; Adjori Brasil – Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil; ANER – Associação Nacional dos Editores de Revistas e ANJ – Associação Nacional de Jornais afirmava, dentre outros pontos, o seguinte:
“Por definição, as entidades empresariais têm como premissa a defesa dos preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade. Observa-se, no entanto, que a perseverante adesão a estes princípios foi entendida por outros interlocutores da Comissão Organizadora como um obstáculo a confecção do regimento interno e do documento-base de convocação das conferências estaduais, que precedem a nacional. Deste modo, como as entidades signatárias não têm interesse algum em impedir sua livre realização, decidiram se desligar da Comissão Organizadora Nacional, a partir desta data”.
É importante registrar que permaneceram na Comissão Organizadora duas entidades empresariais: a ABRA – Associação Brasileira de Radiodifusores, uma dissidência da Abert fundada pelas redes Bandeirantes e Rede TV!, em maio de 2005; e a Telebrasil – Associação Brasileira de Telecomunicações, criada em 1974, que tem como missão “congregar os setores oficial e privado das telecomunicações brasileiras visando a defesa de seus interesses e o seu desenvolvimento”.
Controle social e censura
A realização da Confecom – a última conferência nacional a ser convocada de todos os setores contemplados pelo "Título VIII – Da Ordem Social" na Constituição de 1988 – sempre encontrou enormes resistências dos grandes grupos de mídia. Não seria novidade, portanto, que na medida em que avançassem as difíceis e complexas negociações, e antes mesmo do desligamento das seis entidades empresariais, surgissem também os "bordões de combate" à sua concretização, reiterados na narrativa jornalística.
O que foi inicialmente identificado na nota dos empresários como uma divergência interna em torno dos "preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade" na Comissão Organizadora, foi aos poucos se transformando em insinuação permanente de que até mesmo a simples realização da conferência se constituía em grave ameaça à liberdade de expressão. Seu foco, dizia a grande mídia nas raríssimas ocasiões em que o tema foi pautado, era o ameaçador controle social da mídia, isto é, o retorno aos tempos do autoritarismo através da censura oficial praticada pelo Estado.
No dia de abertura da 1ª Confecom, 14 de dezembro, o Jornal Nacional da Rede Globo, que até então se silenciara sobre sua realização, deu uma nota que exemplifica a postura da grande mídia: questiona a representatividade do evento e insinua que seu foco seria o controle social da mídia, equacionado sem mais com a censura que cerceia a liberdade de expressão e o direito à informação. Vale conferir:
“Fátima Bernardes: Começou hoje, em Brasília, a primeira Conferência Nacional de Comunicação, que pretende debater propostas sobre a produção e distribuição de informações jornalísticas e culturais no país. Entre as propostas estão o controle social da mídia por meio de conselhos de comunicação e uma nova lei de imprensa. O fórum foi convocado pelo Governo Federal e conta com 1.684 delegados, 40% vindos da sociedade civil, 40% do empresariado e 20% do poder público.
“William Bonner: Mas a representatividade da conferência ficou comprometida sem a participação dos principais veículos de comunicação do Brasil. Há quatro meses, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Brasileira de Internet, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil, a Associação Nacional dos Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais divulgaram uma nota conjunta em que expõem os motivos de terem decidido não participar da conferência. Todos consideraram as propostas de estabelecer um controle social da mídia uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e a livre iniciativa, todos previstos na Constituição. Os organizadores negam que a intenção seja cercear direitos. A conferência foi aberta com a participação do presidente Lula”.
No dia do encerramento da 1ª Confecom (17/12) o Jornal Nacional praticamente repetiu a nota anterior incluindo agora um curioso comentário sobre as propostas aprovadas – como "recriar" uma lei de imprensa extinta pelo Supremo Tribunal Federal? – e a "reiteração" da posição das seis entidades. Confira abaixo:
“Fátima Bernardes: Terminou hoje, em Brasília, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que aprovou 672 propostas sobre a produção e a distribuição de informações jornalísticas e culturais no país. O fórum foi convocado pelo governo federal e, durante quatro dias, reuniu 1.684 delegados, 40% vindos da sociedade civil, 40% do empresariado e 20% do poder público. Entre as propostas aprovadas está a criação de um observatório nacional de mídia e direitos humanos para monitorar o conteúdo das publicações e produções brasileiras. Os delegados também aprovaram a criação de dois conselhos para fiscalizar as atividades jornalísticas e a recriação de uma lei de imprensa, que recentemente foi extinta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que a considerou inconstitucional. Todas as sugestões servirão para elaborar propostas de lei.
“William Bonner: A representatividade da conferência ficou comprometida sem a participação dos principais veículos de comunicação do Brasil. Há quatro meses, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Brasileira de Internet, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil, a Associação Nacional dos Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais divulgaram uma nota conjunta em que expõem os motivos de terem decidido não participar dessa conferência. Todos consideraram que as propostas que estavam esboçadas na ocasião e que acabaram mesmo sendo aprovadas estabelecem uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e à livre iniciativa, que são todos previstos na Constituição. Essa posição foi reiterada hoje depois da aprovação das propostas”.
Reclamação do presidente e resposta dos empresários
Na abertura da 1ª Confecom, o presidente Lula fez uma queixa pública em relação à ausência das entidades empresarias e manifestou desconhecer as razões que teriam levado a tal comportamento. Disse ele:
“Lamento que alguns atores da área da comunicação tenham preferido se ausentar desta Conferência, temendo sabe-se lá o quê. Perderam uma ótima oportunidade para conversar, defender suas idéias, lançar pontes e derrubar muros. Eu, que sou um homem de conversa e de diálogo, volto a dizer: lamento. Mas cada um é dono de suas decisões e sabe onde lhe aperta o calo. Bola pra frente, e vamos tocar nossa Conferência”.
Dois dias depois, matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo ouviu representantes de duas das seis associações que se retiraram da Confecom sobre a reclamação do presidente e sobre quais teriam sido as razões da retirada. Eles insistem em que o problema foi a ameaça do controle social da mídia. Roberto Muylaert, presidente da ANER, afirmou:
“Não temos nada contra os movimentos sociais, mas os representantes das empresas ficaram em minoria, em grande desvantagem. Um controle [social da mídia] pressupõe uma mudança da Constituição, que atualmente assegura a livre iniciativa”.
Já Miguel Ângelo Gobbi, presidente da Adjori-Brasil disse:
“Queríamos ter voz ativa, mas éramos voto vencido” (...) [participamos] “de quase 45 horas de reuniões sem conseguir avançar... Controle social da mídia é algo que arrepia todo mundo”.
Lições para o futuro
No nosso país, não há tradição de debate democrático entre os atores dominantes (governo e grupos privados de mídia) e a sociedade civil na definição das políticas públicas do setor de comunicações. Em outras ocasiões, tenho chamado de "não-atores" os movimentos sociais que lutam historicamente pela democratização da comunicação.
O processo constituinte de 1987-88 talvez tenha sido o exemplo mais acabado de como os atores dominantes conseguem articular e fazer prevalecer seus interesses ignorando as reivindicações da sociedade civil – ou fazendo concessões aparentes que se transformam em letra morta, simplesmente porque não regulamentadas pelo Legislativo. A incapacidade crônica de se avançar em relação, por exemplo, à regulação das rádios e televisões comunitárias e a lamentável situação do Conselho de Comunicação Social falam por si só.
Por tudo isso, a 1ª Confecom é a realização de uma reivindicação histórica dos movimentos sociais e constitui um avanço democrático com o qual os grupos privados de mídia, atores historicamente dominantes no setor, não souberam lidar. Apesar de interessar a todos os atores um marco regulatório atualizado para as comunicações, os empresários privados parecem acreditar que as políticas públicas continuarão sendo indefinidamente estabelecidas com a exclusão da cidadania. Não só porque, de outra forma, seus interesses correriam riscos, mas também porque não estão acostumados a negociar com a sociedade civil, a levar em conta o interesse público que se manifesta de forma organizada e, sobretudo, democrática.
Não é difícil compreender, portanto, por que, mesmo afirmando que sua retirada da Comissão Organizadora "não (impediria) que os associados decidam, individualmente, qual será sua forma de participação – uma demonstração cabal de nosso ânimo agregador e construtivo em relação a este evento", a grande mídia tenha sistematicamente insinuado – apesar de saber, por óbvio, que as conferências são fóruns propositivos e não deliberativos – que a ameaça da 1ª Confecom era a restauração da censura através de um controle social da mídia definido a priori como autoritário.
Está com razão o presidente Lula ao conclamar na abertura da 1ª. Confecom:
“O país precisa travar um debate franco e aberto sobre a comunicação social. Não será enfiando a cabeça na areia, como avestruz, que enfrentaremos o problema. Não será tampouco fechando os olhos para o futuro ou pretendendo congelar o passado que lidaremos corretamente com a nova situação. Isso vale para todos nós: governo, empresas de comunicação e de telecomunicações, trabalhadores, movimentos sociais, leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. É chegada a hora de uma nova pactuação na área da comunicação social que resgate os acertos do passado, mas também corrija seus erros, e seja capaz de responder às enormes interrogações e às extraordinárias oportunidades que temos diante de nós”.
Espera-se que as seis entidades empresariais que se retiraram da Comissão Organizadora da 1ª Confecom, sempre tão zelosas na defesa da liberdade de expressão e da democracia, revejam suas posições e participem ativamente da organização e dos debates da 2ª Confecom.
Concluída a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que aconteceu em Brasília, de 14 a 17 de dezembro, com a participação de mais de 1.600 delegados, democraticamente escolhidos em conferências estaduais realizadas nas 27 unidades da federação, representando movimentos sociais, parte dos empresários de comunicação e telecomunicações e o governo – independentemente da avaliação de suas deliberações – é hora de tentar compreender as razões que levaram os principais grupos empresariais brasileiros de mídia a boicotarem o evento.
O anúncio público da retirada das seis entidades empresariais da Comissão Organizadora da 1ª Confecom se deu após reunião realizada entre elas e os ministros das Comunicações, Hélio Costa, da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins e da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, no dia 13 de agosto. Os membros da Comissão haviam sido designados em 25 de maio e a primeira reunião se realizado havia pouco mais de dois meses. Estava-se, portanto, apenas no início de um longo processo.
Uma nota divulgada logo após a retirada e assinada conjuntamente pela Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão; Abranet – Associação Brasileira de Internet; ABTA – Associação Brasileira de TV por Assinatura; Adjori Brasil – Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil; ANER – Associação Nacional dos Editores de Revistas e ANJ – Associação Nacional de Jornais afirmava, dentre outros pontos, o seguinte:
“Por definição, as entidades empresariais têm como premissa a defesa dos preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade. Observa-se, no entanto, que a perseverante adesão a estes princípios foi entendida por outros interlocutores da Comissão Organizadora como um obstáculo a confecção do regimento interno e do documento-base de convocação das conferências estaduais, que precedem a nacional. Deste modo, como as entidades signatárias não têm interesse algum em impedir sua livre realização, decidiram se desligar da Comissão Organizadora Nacional, a partir desta data”.
É importante registrar que permaneceram na Comissão Organizadora duas entidades empresariais: a ABRA – Associação Brasileira de Radiodifusores, uma dissidência da Abert fundada pelas redes Bandeirantes e Rede TV!, em maio de 2005; e a Telebrasil – Associação Brasileira de Telecomunicações, criada em 1974, que tem como missão “congregar os setores oficial e privado das telecomunicações brasileiras visando a defesa de seus interesses e o seu desenvolvimento”.
Controle social e censura
A realização da Confecom – a última conferência nacional a ser convocada de todos os setores contemplados pelo "Título VIII – Da Ordem Social" na Constituição de 1988 – sempre encontrou enormes resistências dos grandes grupos de mídia. Não seria novidade, portanto, que na medida em que avançassem as difíceis e complexas negociações, e antes mesmo do desligamento das seis entidades empresariais, surgissem também os "bordões de combate" à sua concretização, reiterados na narrativa jornalística.
O que foi inicialmente identificado na nota dos empresários como uma divergência interna em torno dos "preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade" na Comissão Organizadora, foi aos poucos se transformando em insinuação permanente de que até mesmo a simples realização da conferência se constituía em grave ameaça à liberdade de expressão. Seu foco, dizia a grande mídia nas raríssimas ocasiões em que o tema foi pautado, era o ameaçador controle social da mídia, isto é, o retorno aos tempos do autoritarismo através da censura oficial praticada pelo Estado.
No dia de abertura da 1ª Confecom, 14 de dezembro, o Jornal Nacional da Rede Globo, que até então se silenciara sobre sua realização, deu uma nota que exemplifica a postura da grande mídia: questiona a representatividade do evento e insinua que seu foco seria o controle social da mídia, equacionado sem mais com a censura que cerceia a liberdade de expressão e o direito à informação. Vale conferir:
“Fátima Bernardes: Começou hoje, em Brasília, a primeira Conferência Nacional de Comunicação, que pretende debater propostas sobre a produção e distribuição de informações jornalísticas e culturais no país. Entre as propostas estão o controle social da mídia por meio de conselhos de comunicação e uma nova lei de imprensa. O fórum foi convocado pelo Governo Federal e conta com 1.684 delegados, 40% vindos da sociedade civil, 40% do empresariado e 20% do poder público.
“William Bonner: Mas a representatividade da conferência ficou comprometida sem a participação dos principais veículos de comunicação do Brasil. Há quatro meses, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Brasileira de Internet, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil, a Associação Nacional dos Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais divulgaram uma nota conjunta em que expõem os motivos de terem decidido não participar da conferência. Todos consideraram as propostas de estabelecer um controle social da mídia uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e a livre iniciativa, todos previstos na Constituição. Os organizadores negam que a intenção seja cercear direitos. A conferência foi aberta com a participação do presidente Lula”.
No dia do encerramento da 1ª Confecom (17/12) o Jornal Nacional praticamente repetiu a nota anterior incluindo agora um curioso comentário sobre as propostas aprovadas – como "recriar" uma lei de imprensa extinta pelo Supremo Tribunal Federal? – e a "reiteração" da posição das seis entidades. Confira abaixo:
“Fátima Bernardes: Terminou hoje, em Brasília, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que aprovou 672 propostas sobre a produção e a distribuição de informações jornalísticas e culturais no país. O fórum foi convocado pelo governo federal e, durante quatro dias, reuniu 1.684 delegados, 40% vindos da sociedade civil, 40% do empresariado e 20% do poder público. Entre as propostas aprovadas está a criação de um observatório nacional de mídia e direitos humanos para monitorar o conteúdo das publicações e produções brasileiras. Os delegados também aprovaram a criação de dois conselhos para fiscalizar as atividades jornalísticas e a recriação de uma lei de imprensa, que recentemente foi extinta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que a considerou inconstitucional. Todas as sugestões servirão para elaborar propostas de lei.
“William Bonner: A representatividade da conferência ficou comprometida sem a participação dos principais veículos de comunicação do Brasil. Há quatro meses, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Brasileira de Internet, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil, a Associação Nacional dos Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais divulgaram uma nota conjunta em que expõem os motivos de terem decidido não participar dessa conferência. Todos consideraram que as propostas que estavam esboçadas na ocasião e que acabaram mesmo sendo aprovadas estabelecem uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e à livre iniciativa, que são todos previstos na Constituição. Essa posição foi reiterada hoje depois da aprovação das propostas”.
Reclamação do presidente e resposta dos empresários
Na abertura da 1ª Confecom, o presidente Lula fez uma queixa pública em relação à ausência das entidades empresarias e manifestou desconhecer as razões que teriam levado a tal comportamento. Disse ele:
“Lamento que alguns atores da área da comunicação tenham preferido se ausentar desta Conferência, temendo sabe-se lá o quê. Perderam uma ótima oportunidade para conversar, defender suas idéias, lançar pontes e derrubar muros. Eu, que sou um homem de conversa e de diálogo, volto a dizer: lamento. Mas cada um é dono de suas decisões e sabe onde lhe aperta o calo. Bola pra frente, e vamos tocar nossa Conferência”.
Dois dias depois, matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo ouviu representantes de duas das seis associações que se retiraram da Confecom sobre a reclamação do presidente e sobre quais teriam sido as razões da retirada. Eles insistem em que o problema foi a ameaça do controle social da mídia. Roberto Muylaert, presidente da ANER, afirmou:
“Não temos nada contra os movimentos sociais, mas os representantes das empresas ficaram em minoria, em grande desvantagem. Um controle [social da mídia] pressupõe uma mudança da Constituição, que atualmente assegura a livre iniciativa”.
Já Miguel Ângelo Gobbi, presidente da Adjori-Brasil disse:
“Queríamos ter voz ativa, mas éramos voto vencido” (...) [participamos] “de quase 45 horas de reuniões sem conseguir avançar... Controle social da mídia é algo que arrepia todo mundo”.
Lições para o futuro
No nosso país, não há tradição de debate democrático entre os atores dominantes (governo e grupos privados de mídia) e a sociedade civil na definição das políticas públicas do setor de comunicações. Em outras ocasiões, tenho chamado de "não-atores" os movimentos sociais que lutam historicamente pela democratização da comunicação.
O processo constituinte de 1987-88 talvez tenha sido o exemplo mais acabado de como os atores dominantes conseguem articular e fazer prevalecer seus interesses ignorando as reivindicações da sociedade civil – ou fazendo concessões aparentes que se transformam em letra morta, simplesmente porque não regulamentadas pelo Legislativo. A incapacidade crônica de se avançar em relação, por exemplo, à regulação das rádios e televisões comunitárias e a lamentável situação do Conselho de Comunicação Social falam por si só.
Por tudo isso, a 1ª Confecom é a realização de uma reivindicação histórica dos movimentos sociais e constitui um avanço democrático com o qual os grupos privados de mídia, atores historicamente dominantes no setor, não souberam lidar. Apesar de interessar a todos os atores um marco regulatório atualizado para as comunicações, os empresários privados parecem acreditar que as políticas públicas continuarão sendo indefinidamente estabelecidas com a exclusão da cidadania. Não só porque, de outra forma, seus interesses correriam riscos, mas também porque não estão acostumados a negociar com a sociedade civil, a levar em conta o interesse público que se manifesta de forma organizada e, sobretudo, democrática.
Não é difícil compreender, portanto, por que, mesmo afirmando que sua retirada da Comissão Organizadora "não (impediria) que os associados decidam, individualmente, qual será sua forma de participação – uma demonstração cabal de nosso ânimo agregador e construtivo em relação a este evento", a grande mídia tenha sistematicamente insinuado – apesar de saber, por óbvio, que as conferências são fóruns propositivos e não deliberativos – que a ameaça da 1ª Confecom era a restauração da censura através de um controle social da mídia definido a priori como autoritário.
Está com razão o presidente Lula ao conclamar na abertura da 1ª. Confecom:
“O país precisa travar um debate franco e aberto sobre a comunicação social. Não será enfiando a cabeça na areia, como avestruz, que enfrentaremos o problema. Não será tampouco fechando os olhos para o futuro ou pretendendo congelar o passado que lidaremos corretamente com a nova situação. Isso vale para todos nós: governo, empresas de comunicação e de telecomunicações, trabalhadores, movimentos sociais, leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. É chegada a hora de uma nova pactuação na área da comunicação social que resgate os acertos do passado, mas também corrija seus erros, e seja capaz de responder às enormes interrogações e às extraordinárias oportunidades que temos diante de nós”.
Espera-se que as seis entidades empresariais que se retiraram da Comissão Organizadora da 1ª Confecom, sempre tão zelosas na defesa da liberdade de expressão e da democracia, revejam suas posições e participem ativamente da organização e dos debates da 2ª Confecom.
Os “panetones” do Correio Braziliense
Flagrado num dos vídeos da Polícia Federal embolsando grana ilícita, o governador José Roberto Arruda alegou que usaria na compra de panetones para as festas do final do ano. Em outro vídeo, o proprietário do jornal Tribuna de Brasília, Alcyr Collaço, enfia maços de dinheiro nas cuecas. As cenas são chocantes. E como se comporta o principal jornal do Distrito Federal, o centenário Correio Braziliense? É como se nada de podre ocorresse no reino (ou inferno) dos demos.
O professor Venício de Lima, atento observador da mídia, monitorou suas manchetes e concluiu: “O leitor dos jornais locais está enfrentando uma situação, no mínimo, curiosa: se quiser obter informações sobre o envolvimento do governador José Roberto Arruda e de seu vice, Paulo Octávio, no escândalo de corrupção revelado pela Polícia Federal nos últimos dias, terá que recorrer a jornais publicados em cidades localizadas a milhares de quilômetros de Brasília”.
“Arruda virou sujeito oculto”
O jornalista Chico Sant’Anna também fez ásperas críticas ao jornal. “Na cobertura do recente escândalo de corrupção no governo do Distrito Federal, apelidado pela imprensa de ‘mensalão do DEM’, pelo qual o governador e pessoas bem próximas a ele são suspeitos de desviar R$ 60 milhões, o Correio Braziliense, principal diário da capital federal – com tiragem estimada em mais de 200 mil exemplares – parece ter preferido seguir as normas das escolas fundamentais do que as rotinas jornalísticas. No escândalo da Caixa de Pandora, Arruda virou sujeito oculto”.
“É bastante curiosa esta técnica de cobertura do Correio Braziliense que subtrai o sujeito da ação, deixando-o oculto, e torna difuso o envolvimento dos suspeitos. Que paradigmas jornalísticos devem nortear tal técnica profissional, quando sabemos que o CB tem por hábito fazer denúncias bem explicitas contra o governo federal e o Congresso Nacional? A forte presença publicitária do GDF nas páginas do Correio teria algum efeito anestesiante?”, ironiza. Ele cita ainda os boatos da “rádio corredor” de que haveria um acordo entre a direção do jornal e o governador corrupto.
Compra de 7.562 assinaturas do CB
Os boatos, que confirmariam a doação de “panetones” para os donos do Correio Braziliense, não são infundados. Em junho passado, o próprio jornal noticiou um contrato com demo Arruda para a aquisição de 7.562 exemplares do CB, “que serão distribuídos todos os dias, até o fim de 2009, a professores e alunos de 199 escolas urbanas e rurais da rede pública do Distrito Federal”. Na ocasião, o Sindicato dos Professores criticou duramente o “acordo”, feito sem licitação pública, lembrando que o jornal é um inimigo declarado dos movimentos sociais da região.
“Como podemos confiar na opinião do mesmo jornal que, no dia 8 de março deste ano, publicou como visão do Correio o mini-editorial com o indignante título de ‘crime de lesa-futuro’. Crime esse que nós, professores, cometeríamos se tomássemos a atitude ‘descabida’ (sic) de entrar em greve para fazer valer nossos direitos”. A suspeita de maracutaias, que confirmariam a relação promíscua entre o jornal e o demo antes mesmo do escândalo dos panetones, já era evidente. O sindicato alertou: “Ainda não conseguimos ter acesso ao valor total do convênio, mas somente do Fundeb serão gastos mais de R$ 2,9 milhões para pagar ao CB”.
Urgência da CPI da mídia
Será que haveria outro vídeo em mãos da Polícia Federal mostrando algum executivo do Correio Braziliense enfiando dinheiro na cueca ou nas meias? Ele também poderia alegar que o dinheiro seria usado na compra de panetones para o final do ano. Com ou sem vídeo, a omissão do CB no caso do “mensalão do DEM” e o recente contrato de aquisição de assinaturas do jornal mostram que o “mensalão” da mídia é bem pior do que se imagina no país. Estes e outros episódios de promiscuidade justificariam, sem dúvida, a convocação urgente de uma CPI da mídia no Brasil.
O professor Venício de Lima, atento observador da mídia, monitorou suas manchetes e concluiu: “O leitor dos jornais locais está enfrentando uma situação, no mínimo, curiosa: se quiser obter informações sobre o envolvimento do governador José Roberto Arruda e de seu vice, Paulo Octávio, no escândalo de corrupção revelado pela Polícia Federal nos últimos dias, terá que recorrer a jornais publicados em cidades localizadas a milhares de quilômetros de Brasília”.
“Arruda virou sujeito oculto”
O jornalista Chico Sant’Anna também fez ásperas críticas ao jornal. “Na cobertura do recente escândalo de corrupção no governo do Distrito Federal, apelidado pela imprensa de ‘mensalão do DEM’, pelo qual o governador e pessoas bem próximas a ele são suspeitos de desviar R$ 60 milhões, o Correio Braziliense, principal diário da capital federal – com tiragem estimada em mais de 200 mil exemplares – parece ter preferido seguir as normas das escolas fundamentais do que as rotinas jornalísticas. No escândalo da Caixa de Pandora, Arruda virou sujeito oculto”.
“É bastante curiosa esta técnica de cobertura do Correio Braziliense que subtrai o sujeito da ação, deixando-o oculto, e torna difuso o envolvimento dos suspeitos. Que paradigmas jornalísticos devem nortear tal técnica profissional, quando sabemos que o CB tem por hábito fazer denúncias bem explicitas contra o governo federal e o Congresso Nacional? A forte presença publicitária do GDF nas páginas do Correio teria algum efeito anestesiante?”, ironiza. Ele cita ainda os boatos da “rádio corredor” de que haveria um acordo entre a direção do jornal e o governador corrupto.
Compra de 7.562 assinaturas do CB
Os boatos, que confirmariam a doação de “panetones” para os donos do Correio Braziliense, não são infundados. Em junho passado, o próprio jornal noticiou um contrato com demo Arruda para a aquisição de 7.562 exemplares do CB, “que serão distribuídos todos os dias, até o fim de 2009, a professores e alunos de 199 escolas urbanas e rurais da rede pública do Distrito Federal”. Na ocasião, o Sindicato dos Professores criticou duramente o “acordo”, feito sem licitação pública, lembrando que o jornal é um inimigo declarado dos movimentos sociais da região.
“Como podemos confiar na opinião do mesmo jornal que, no dia 8 de março deste ano, publicou como visão do Correio o mini-editorial com o indignante título de ‘crime de lesa-futuro’. Crime esse que nós, professores, cometeríamos se tomássemos a atitude ‘descabida’ (sic) de entrar em greve para fazer valer nossos direitos”. A suspeita de maracutaias, que confirmariam a relação promíscua entre o jornal e o demo antes mesmo do escândalo dos panetones, já era evidente. O sindicato alertou: “Ainda não conseguimos ter acesso ao valor total do convênio, mas somente do Fundeb serão gastos mais de R$ 2,9 milhões para pagar ao CB”.
Urgência da CPI da mídia
Será que haveria outro vídeo em mãos da Polícia Federal mostrando algum executivo do Correio Braziliense enfiando dinheiro na cueca ou nas meias? Ele também poderia alegar que o dinheiro seria usado na compra de panetones para o final do ano. Com ou sem vídeo, a omissão do CB no caso do “mensalão do DEM” e o recente contrato de aquisição de assinaturas do jornal mostram que o “mensalão” da mídia é bem pior do que se imagina no país. Estes e outros episódios de promiscuidade justificariam, sem dúvida, a convocação urgente de uma CPI da mídia no Brasil.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
As primeiras vitórias da Confecom
A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que deve agitar Brasília de 14 a 17 de dezembro, já representa uma histórica vitória dos movimentos sociais que há muito lutam contra a ditadura midiática instalada no país. Ela só foi convocada, durante o Fórum Social Mundial em janeiro, em Belém, por pressão destes setores. E, apesar das sabotagens das principais entidades empresariais, ela só vingou graças à habilidade dos mesmos movimentos sociais, que não caíram nas armadilhas dos barões da mídia que pretendiam inviabilizar a conferência.
A partir do decreto presidencial convocando a Confecom, em abril, o debate sobre o papel dos meios de comunicação se avolumou em todo o território nacional. Como afirma o presidente Lula, nunca antes na história deste país se discutiu tanto este tema estratégico. Concluída suas etapas municipais e estaduais, já pode se afirmar que a Confecom obteve uma vitória pedagógica, caminha para consolidar um saldo organizativo e pode, ainda, conquistar vitórias concretas no pós-conferência. Estes três avanços já são motivos de comemoração dos movimentos sociais.
O saldo pedagógico
Antes da convocação da Confecom, o direito humano à comunicação era entendido por restritos núcleos de “especialistas” no tema, que tiveram o mérito de erguer a bandeira da democratização do setor há mais de duas décadas. Apesar de duramente criminalizados pela mídia, o grosso dos movimentos sociais ainda não encarava esta frente como prioritária. A preparação da conferência começou a alterar este cenário, num esforço pedagógico sem precedentes na nossa história.
Em curto espaço de tempo, centenas de encontros ocorreram no país – entre conferências livres, seminários e as etapas municipais e estaduais da Confecom. Ainda não foi contabilizado o total de participantes deste processo, mas estima-se em mais de 30 mil ativistas envolvidos. Além da crítica à mídia hegemônica, concentrada e manipuladora, os participantes formularam propostas concretas para o setor. No total, 6.101 sugestões foram apresentadas. O saldo, bastante positivo, é que milhares de ativistas passaram a militar na luta pela democratização da comunicação.
O saldo organizativo
Como festejou Laurindo Lalo Leal Filho, ouvidor da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na abertura da etapa paulista da Confecom, não há mais retorno neste rico processo de mobilização. “Botamos o pé na porta”. A partir desta primeira conferência, a tendência é que cresça a pressão e a organização da sociedade na luta pela democratização do setor. Vários estados já discutem a manutenção das comissões da “sociedade civil” que organizaram a conferência, como forma de se ampliar e dar maior organicidade a este movimento democratizante.
O saldo organizativo já se reflete em vários setores. As rádios comunitárias, historicamente tão criminalizadas, conquistaram novo patamar de legitimidade. Os blogueiros, antes tão dispersos, também debatem novas formas de organização. O Fórum de Mídia Livre (FML), que realizou o seu segundo encontro no início de dezembro, firma-se como um pólo aglutinador dos fazedores independentes de mídia. Até entre os “empresários progressistas”, que cavaram sua participação peitando os barões da mídia, já se discute uma forma própria de organização do setor.
Os avanços concretos
Mas as vitórias da Confecom não são apenas políticas – pedagógicas e organizativas. Elas podem se refletir também em avanços concretos, práticos, no processo de democratização dos meios de comunicação. Algumas propostas já poderão se tornar exeqüíveis a partir de iniciativas diretas do Poder Executivo, sem depender do Poder Legislativo num ano de campanha eleitoral. Na semana passada, por exemplo, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da Republica (Secom) anunciou que incluirá em seu plano de mídia as TVs comunitárias, bancando publicidade oficial, o que representa uma conquista dos cerca de 60 canais comunitários de sinal fechado do país.
A exemplo das outras 61 conferências realizadas pelo governo Lula, a Confecom não tem poder deliberativo. Ela sugere políticas públicas e regulamentações para os poderes constituídos. Neste sentido, as sinalizações também são positivas. As 59 propostas apresentadas pelo governo visam democratizar o setor, assimilando históricas reivindicações dos movimentos sociais. Para Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre de Brasília e integrante da Junta Diretiva da Telesur, “elas indicam um importante grau de sintonia entre governo, amplas parcelas do movimento sindical-social e segmentos anti-monopolistas do empresariado”.
Uma estratégia para avançar
Como se constata, a Confecom tem tudo para representar uma expressiva vitória dos movimentos sociais. Segundo Jonas Valente, membro do Coletivo Intervozes, “a etapa nacional, depois de um difícil desenrolar, pode colocar a Confecom como ponto de virada na história das comunicações brasileiras”. No mesmo rumo, Beto Almeida observa que a Confecom “não fará o ajuste final de contas com a ditadura midiática... Mas ela é uma etapa mais elevada desta longa caminhada, que deve ser aproveitada para alinhavar a sustentação e implementação de várias mudanças”.
Para fazer vingar as mudanças neste setor, o desafio agora é definir uma estratégica certeira. De forma resumida, ela deve priorizar as propostas essenciais, evitando-se a dispersão em mais de 6 mil sugestões; precisa unificar o campo popular e democrático, já que os barões da mídia farão de tudo para bancar seus interesses mercadológicos; precisa estabelecer uma aliança prioritária com os setores progressistas do governo Lula, já que a aprovação de qualquer proposta necessita de 60% dos votos; e deve explorar todas as contradições do meio empresarial, sem se submeter ao falso “nacionalismo” dos radiodifusores ou ao falso “pluralismo” das teles estrangeiras.
A partir do decreto presidencial convocando a Confecom, em abril, o debate sobre o papel dos meios de comunicação se avolumou em todo o território nacional. Como afirma o presidente Lula, nunca antes na história deste país se discutiu tanto este tema estratégico. Concluída suas etapas municipais e estaduais, já pode se afirmar que a Confecom obteve uma vitória pedagógica, caminha para consolidar um saldo organizativo e pode, ainda, conquistar vitórias concretas no pós-conferência. Estes três avanços já são motivos de comemoração dos movimentos sociais.
O saldo pedagógico
Antes da convocação da Confecom, o direito humano à comunicação era entendido por restritos núcleos de “especialistas” no tema, que tiveram o mérito de erguer a bandeira da democratização do setor há mais de duas décadas. Apesar de duramente criminalizados pela mídia, o grosso dos movimentos sociais ainda não encarava esta frente como prioritária. A preparação da conferência começou a alterar este cenário, num esforço pedagógico sem precedentes na nossa história.
Em curto espaço de tempo, centenas de encontros ocorreram no país – entre conferências livres, seminários e as etapas municipais e estaduais da Confecom. Ainda não foi contabilizado o total de participantes deste processo, mas estima-se em mais de 30 mil ativistas envolvidos. Além da crítica à mídia hegemônica, concentrada e manipuladora, os participantes formularam propostas concretas para o setor. No total, 6.101 sugestões foram apresentadas. O saldo, bastante positivo, é que milhares de ativistas passaram a militar na luta pela democratização da comunicação.
O saldo organizativo
Como festejou Laurindo Lalo Leal Filho, ouvidor da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na abertura da etapa paulista da Confecom, não há mais retorno neste rico processo de mobilização. “Botamos o pé na porta”. A partir desta primeira conferência, a tendência é que cresça a pressão e a organização da sociedade na luta pela democratização do setor. Vários estados já discutem a manutenção das comissões da “sociedade civil” que organizaram a conferência, como forma de se ampliar e dar maior organicidade a este movimento democratizante.
O saldo organizativo já se reflete em vários setores. As rádios comunitárias, historicamente tão criminalizadas, conquistaram novo patamar de legitimidade. Os blogueiros, antes tão dispersos, também debatem novas formas de organização. O Fórum de Mídia Livre (FML), que realizou o seu segundo encontro no início de dezembro, firma-se como um pólo aglutinador dos fazedores independentes de mídia. Até entre os “empresários progressistas”, que cavaram sua participação peitando os barões da mídia, já se discute uma forma própria de organização do setor.
Os avanços concretos
Mas as vitórias da Confecom não são apenas políticas – pedagógicas e organizativas. Elas podem se refletir também em avanços concretos, práticos, no processo de democratização dos meios de comunicação. Algumas propostas já poderão se tornar exeqüíveis a partir de iniciativas diretas do Poder Executivo, sem depender do Poder Legislativo num ano de campanha eleitoral. Na semana passada, por exemplo, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da Republica (Secom) anunciou que incluirá em seu plano de mídia as TVs comunitárias, bancando publicidade oficial, o que representa uma conquista dos cerca de 60 canais comunitários de sinal fechado do país.
A exemplo das outras 61 conferências realizadas pelo governo Lula, a Confecom não tem poder deliberativo. Ela sugere políticas públicas e regulamentações para os poderes constituídos. Neste sentido, as sinalizações também são positivas. As 59 propostas apresentadas pelo governo visam democratizar o setor, assimilando históricas reivindicações dos movimentos sociais. Para Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre de Brasília e integrante da Junta Diretiva da Telesur, “elas indicam um importante grau de sintonia entre governo, amplas parcelas do movimento sindical-social e segmentos anti-monopolistas do empresariado”.
Uma estratégia para avançar
Como se constata, a Confecom tem tudo para representar uma expressiva vitória dos movimentos sociais. Segundo Jonas Valente, membro do Coletivo Intervozes, “a etapa nacional, depois de um difícil desenrolar, pode colocar a Confecom como ponto de virada na história das comunicações brasileiras”. No mesmo rumo, Beto Almeida observa que a Confecom “não fará o ajuste final de contas com a ditadura midiática... Mas ela é uma etapa mais elevada desta longa caminhada, que deve ser aproveitada para alinhavar a sustentação e implementação de várias mudanças”.
Para fazer vingar as mudanças neste setor, o desafio agora é definir uma estratégica certeira. De forma resumida, ela deve priorizar as propostas essenciais, evitando-se a dispersão em mais de 6 mil sugestões; precisa unificar o campo popular e democrático, já que os barões da mídia farão de tudo para bancar seus interesses mercadológicos; precisa estabelecer uma aliança prioritária com os setores progressistas do governo Lula, já que a aprovação de qualquer proposta necessita de 60% dos votos; e deve explorar todas as contradições do meio empresarial, sem se submeter ao falso “nacionalismo” dos radiodifusores ou ao falso “pluralismo” das teles estrangeiras.
domingo, 13 de dezembro de 2009
As polêmicas e os limites do PL-29
A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) aprovou nesta quarta-feira (9) o Projeto de Lei número 29/2007, após quase três anos de empurra-empurra na Câmara Federal. Agora, ele será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e, caso seja ratificado, deverá ser encaminhado para discussão no Senado. O PL-29 trata de um tema nevrálgico, o da regulamentação da TV por assinatura – que hoje atinge apenas 7 milhões de domicílios no país.
O substitutivo aprovado, do deputado Paulo Lustosa (PMDB-CE), abre o lucrativo mercado para as empresas que operam serviços de telefonia – as teles, a maioria controlada por multinacionais; fixa cotas para a produção nacional e independente; regula a cadeia de produção; destina parte dos recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para a produção de conteúdo nacional: e cria uma fiscalização no setor por meio da Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Distintas reações ao projeto
O PL aprovado gerou distintas reações. O demo Paulo Bornhausen, autor do projeto original, não gostou da fixação das cotas para a produção nacional e do novo papel da Ancine. “O cidadão vai pagar a conta sem pedir”, chiou o neoliberal. Com a mesma visão mercadológica, sem qualquer compromisso com a nação, a Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura já deflagrou campanha publicitária contra o projeto. Seu alvo é a política de cotas por “defender a liberdade do consumidor de poder escolher que tipo de programação deseja adquirir”.
No extremo oposto, os defensores da cultura nacional acharam o projeto “razoável”. Para Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, “um país que deseja ter um futuro no cenário mundial deve ser necessariamente um grande centro produtor de obras audiovisuais e cinematográficas”. No mesmo rumo, o diretor da Associação Brasileira de Produtores de Audiovisual (ABPA), Roger Madruga, considerou que o “projeto não é o ideal, mas foi o possível. Ele se posiciona na questão do tripé fomento, cota e regulação”. Marcos Dantas, professor da UFRJ, avalia que o PL é melhor do que o original, mas critica o pequeno tempo destinado à produção nacional.
O substitutivo aprovado, do deputado Paulo Lustosa (PMDB-CE), abre o lucrativo mercado para as empresas que operam serviços de telefonia – as teles, a maioria controlada por multinacionais; fixa cotas para a produção nacional e independente; regula a cadeia de produção; destina parte dos recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para a produção de conteúdo nacional: e cria uma fiscalização no setor por meio da Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Distintas reações ao projeto
O PL aprovado gerou distintas reações. O demo Paulo Bornhausen, autor do projeto original, não gostou da fixação das cotas para a produção nacional e do novo papel da Ancine. “O cidadão vai pagar a conta sem pedir”, chiou o neoliberal. Com a mesma visão mercadológica, sem qualquer compromisso com a nação, a Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura já deflagrou campanha publicitária contra o projeto. Seu alvo é a política de cotas por “defender a liberdade do consumidor de poder escolher que tipo de programação deseja adquirir”.
No extremo oposto, os defensores da cultura nacional acharam o projeto “razoável”. Para Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, “um país que deseja ter um futuro no cenário mundial deve ser necessariamente um grande centro produtor de obras audiovisuais e cinematográficas”. No mesmo rumo, o diretor da Associação Brasileira de Produtores de Audiovisual (ABPA), Roger Madruga, considerou que o “projeto não é o ideal, mas foi o possível. Ele se posiciona na questão do tripé fomento, cota e regulação”. Marcos Dantas, professor da UFRJ, avalia que o PL é melhor do que o original, mas critica o pequeno tempo destinado à produção nacional.
PL-29: pequena história de uma farsa
O jornalista Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo e um nacionalista convicto, discorda do Projeto de Lei número 29, que regulamenta a televisão por assinatura no país. Na semana em que o PL foi aprovado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara Federal, ele publicou artigo alertando para a “invasão estrangeiro” no setor. Polêmico e bastante incisivo, o texto merece reflexões dos que defendem a cultura e a produção nacional:
O objetivo do Projeto de Lei nº 29/2007 (PL 29), desde o início, é legalizar a apropriação da NET pela Telmex. Todo o resto – cotas de meia hora por dia para a produção nacional, "incentivos" incertos ao audiovisual, etc. – são iscas para incautos, espargidas com a expectativa de que sirvam de cala-boca para que setores nacionais deixem passar a ilegalidade e a desnacionalização da TV por assinatura. O monopólio, como a máfia, sobretudo essa que tomou as telecomunicações do país, não conhece outra lógica senão a do suborno.
O PL 29 também "legalizaria" outro delito: a apropriação da TVA pela Telefónica. Mas quando o deputado Paulo Bornhausen (sobrenome que dispensa apresentações) apresentou o projeto, em 5 de fevereiro de 2007, esta última ainda não havia se concretizado.
Somente cinco meses depois, em 18 de julho de 2007, a Telefónica e a Abril obtiveram "anuência prévia" para a receptação da TVA pela primeira, na reunião nº 443 do Conselho Diretor da Anatel, por uma votação apertada (3 a 2), contra a análise do conselheiro Plínio de Aguiar Júnior - e graças ao voto de desempate do presidente da Anatel, o carcomido tucano Ronaldo Sardenberg. Além de Plínio, votou contra o conselheiro Pedro Jaime Ziller de Araújo.
Enquanto a Telefónica ainda pavimentava o caminho das pedras (é a expressão mais elegante que nos ocorre, leitor), a Telmex já havia obtido, quase três anos antes, a aprovação da Anatel para a apropriação da NET, em 6 de dezembro de 2004, através do Ato 48.245, ratificada em 15 de março de 2006 na reunião nº 385 do Conselho Diretor da Anatel.
O que importa nesse projeto, portanto, é passar o que interessa à Telmex, essa subsidiária "oculta" (nem tanto) da AT&T e controladora da Embratel – ela própria uma ex-estatal mexicana vendida sem dinheiro à vista, que tem como cabeça de proa um membro do bando de Carlos Salinas, prócer neoliberal conhecido por sua fulgurante carreira: de presidente do México a foragido.
A versão original do PL 29, entretanto, era impossível de ser aprovada pelo Congresso, porque era óbvio o seu objetivo. Por isso, foram adicionadas as iscas, introduzidas pelo deputado Jorge Bittar em dezembro de 2007 – mas, a cada versão do texto, essas iscas foram se tornando mais e mais raquíticas. Assim, chegou-se ao texto aprovado na semana passada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara - e que terá seus destaques votados, presumivelmente, nesta semana - de autoria do deputado Paulo Henrique Lustosa, relator do PL 29 nessa comissão.
O essencial - a “legalização” da propriedade estrangeira sobre a NET e a TVA – é o mesmo da versão Bornhausen. E as iscas, de raquíticas tornaram-se terminais. O relator acrescentou um adereço às fenomenais cotas de meia hora por dia para a produção nacional no "espaço qualificado" dos "canais de espaço qualificado" (artigo 16): se as empresas pedirem dispensa dessas cotas por "incapacidade técnica" (?), a Anatel terá 90 dias para analisar o pedido – ou a dispensa seria aprovada por decurso de prazo.
O deputado também aceitou subir o limite (isto é, o tempo) de publicidade na TV paga, igualando-o com o limite de publicidade na radiodifusão (TV aberta e rádio). Em suma, o PL 29 tenta agora também “legalizar” (e aumentar) a dupla renda das teles na TV paga: além do que obrigam o usuário a pagar, teriam direito a vender o mesmo tempo de publicidade da TV aberta – tempo que, nesta, somente existe porque os usuários não pagam para assisti-la.
Na versão anterior, eram proibidos contratos de exclusividade entre produtores de conteúdo e empresas de TV por assinatura. Ainda que mambembe, era uma limitação ao poder das empresas de impor preços e esfolar os produtores. Pela nova versão, são permitidos contratos de exclusividade, se os produtores quiserem assiná-los. Uma boa forma das empresas (e estamos falando da Telmex e Telefónica) coagirem produtores a assinarem contratos de exclusividade. Ou assinam, e aceitam os preços das teles, ou ficam com a produção encalhada e vão à falência.
O relator suprimiu a obrigação de dois canais de notícias nos pacotes da TV paga onde houver algum canal jornalístico. Pelo novo PL 29, quem não quiser, por exemplo, assistir só aos débeis mentais da Fox News, que pague por fora do pacote.
Além disso, o deputado resolveu explicitar que as empresas podem cobrar por pacotes com apenas canais da TV aberta, isto é, canais da TV não-paga. Hoje, as empresas cobram por isso sem que a lei o diga. Colocado na lei, para quem mora numa cidade como São Paulo, isso equivale a uma extorsão, pois é impossível sintonizar decentemente a TV aberta com uma antena.
A emenda das operadoras de celular (aliás, as mesmas açambarcadoras da TV paga), dando poderes à Anatel para, a qualquer momento, mudar a destinação do espectro eletromagnético da TV paga, também foi aceita. Com isso, as operadoras de TV via MMDS (que são empresas menores) ficariam ameaçadas por lei de ter sua parcela do espectro diminuída a qualquer momento (como já está acontecendo, mas contra a lei atual, porque a Anatel decidiu tirar das operadoras de TV via MMDS uma parte da faixa de freqüência de 2,5 Ghz, para destiná-la às operadoras de celular 3G). Até mesmo a emenda das teles para que ficasse explícito que só a Anatel pode "regular" o setor (isto é, protegê-las) foi aceita. As teles, naturalmente, querem que a Anatel, e somente a Anatel, tenha poderes sobre o setor.
1- FHC abre setor para controle estrangeiro
No Brasil, como em todos os países civilizados, a propriedade dos meios de comunicação sempre foi permitida somente a brasileiros e a empresas brasileiras. O motivo é evidente: meios de comunicação em mãos de estrangeiros, ou de empresas estrangeiras, são uma influência estranha sobre os interesses nacionais, não somente sobre os brasileiros individualmente, mas sobre a economia, a política e a cultura do país.
Entretanto, cinco dias após tomar posse em seu primeiro mandato, Fernando Henrique assinou a "Lei do Cabo" (lei nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995). Por ela, pela primeira vez na História do país, foi permitido a estrangeiros a propriedade, ainda que limitada, sobre um meio de comunicação. Em seu artigo 7º, diz essa lei:
"Art. 7º A concessão para o serviço de TV a Cabo será dada exclusivamente à pessoa jurídica de direito privado que tenha como atividade principal a prestação deste serviço e que tenha: I - sede no Brasil; II - pelo menos cinqüenta e um por cento do capital social, com direito a voto, pertencente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou a sociedade sediada no País, cujo controle pertença a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos".
A propriedade estrangeira nas empresas de TV a cabo, portanto, não pode ultrapassar 49% do capital votante. Os tucanos não queriam enfrentar o escândalo de entregar diretamente a TV por assinatura ao capital estrangeiro. Porém, 49% é sempre o limite da vigarice e, se o leitor nos permite a expressão, o limite ideal para a mala preta. Quando aplicado ao capital nacional, mesmo sem lei que o determine, o limite de 49% serve para que os recursos do Estado, vale dizer, do povo, sustentem algum parasita – veja, por exemplo, os casos da Eletropaulo/AES, Banco Votorantim ou Banco Panamericano. Quando é aplicado ao capital estrangeiro, serve para que ele facilmente transgrida a lei, e, depois, passe a mala preta para mudar a lei.
Assim, é evidente qual a intenção desse limite de 49% ao capital estrangeiro na Lei do Cabo. Porém, ao contrário dos carteiros, que não tocam na porta duas vezes, a mala preta passa infinitas vezes. Os tucanos levaram somente dois anos para desrespeitar a lei que eles mesmos confeccionaram. Em 1997, Fernando Henrique assinou o decreto nº 2.196, permitindo que empresas de TV paga via satélite (DTH - "Direct To Home") e via microondas (MMDS - "Multichannel Multipoint Distribution Service") fossem 100% estrangeiras. O decreto favorecia o monopólio de 97% da TV via DTH do magnata e gangster Rupert Murdoch. A TV via MMDS recebeu, por tabela, o mesmo tratamento.
O decreto era (e continua sendo) completamente ilegal, porque um decreto não pode mudar uma lei. O objetivo da lei do cabo era regular a TV por assinatura. Se falava apenas em TV a cabo era porque essa era a TV por assinatura que existia quando foi elaborada. Mas é evidente que o critério de propriedade não pode mudar porque a TV paga é por satélite ou por microondas, até porque o dono da TV cobra um preço dos usuários pelo fato de ser proprietário, e não porque transmita por satélite, microondas ou cabo. No entanto, a única coisa evidente para os tucanos é que, quando se trata de beneficiar o capital externo, vale qualquer coisa, inclusive esquartejar a lógica num leito de Procusto entreguista.
2- Em 2004, Globo vende NET para Telmex
A Globo não somente bajulou Fernando Henrique e o câmbio engessado de seu pupilo Gustavo Franco - que arrasou as empresas nacionais no primeiro mandato tucano - como acreditou neles. Não foi a primeira vez que a combinação de reacionarismo e servilismo com estupidez levou ao desastre. Quando o câmbio explodiu, a Globo estava afundada pelas dívidas em dólar. Depois de anos perpetrando calotes (aqueles que ela sempre acusa o povo de cometer), em 2004 a Globo vendeu a NET para a Telmex.
Porém, a lei do cabo não permite que uma empresa estrangeira, como a Telmex, tenha mais do que 49% da NET. E, para a Telmex, não bastava a palavra dos Marinho de que, após uma mudança na lei, passariam o controle da NET. O capo da Telmex, Carlos Slim, até por ser um aproveitador da propriedade alheia, nessas questões não é burro. Foi até simples a solução, além de inteiramente ilegal. Os nossos leitores mais assíduos devem se lembrar: foram contratados os advogados Barbosa Müssnich e Sérgio Bermudes – os mesmos que montaram a tomada da Brasil Telecom por Daniel Dantas. A engenharia de bandidos consistiu em:
1) A Telmex e a Globo fundaram uma empresa, a "GB Empreendimentos e Participações" (CNPJ 04.527.900/0001-42) e transferiram para ela 51% das ações com direito a voto da Net Serviços.
2) Desses 51% das ações votantes da Net Serviços em mãos da GB, a Globo ficou com 51% delas - isto é, 26,01% (51% de 51%) das ações votantes da Net Serviços.
3) A Telmex ficou com 49% - isto é, 24,99% (49% de 51%) das ações com direito a voto da Net Serviços.
4) Por fora da GB Empreendimentos e Participações, a Telmex adquiriu 37,5% das ações com direito a voto da Net Serviços.
5) Com as ações que tem através da GB (24,99%) e com as que tem por fora da GB (37,5%), a Telmex passou a controlar 62,49% das ações com direito a voto da Net.
6) Além disso, a Telmex ficou com 100% das ações preferenciais (sem direito a voto).
7) Em seguida, fizeram a Anatel aprovar essa ilegalidade, primeiro pelo Ato 48.245, de 06/12/2004, depois pela decisão da reunião nº 385 do Conselho Diretor da Anatel, de 15 de março de 2006.
3- “Acordo de acionistas” entre a Telefónica e a Abril
A Telefónica fez a mesma coisa para levar a TVA, somente que por um método algo mais complicado, talvez porque os negócios do Civita, da Abril, e os da Telefónica, sejam sempre mais enrolados, mesmo num meio onde a trapaça é a regra.
1) A Telefónica registrou uma empresa de fachada denominada "Navytree".
2) A Abril, até então proprietária da TVA, passou para a "Navytree" 49% das ações com direito a voto e 100% das ações preferenciais da TVA Sul (operadora a cabo em Curitiba, Foz do Iguaçu, Florianópolis e Camboriú).
3) Os outros 51% das ações com direito a voto da TVA Sul ficaram com uma empresa denominada Datalistas, pertencente à Abril.
4) Porém, 100% das ações preferenciais da Datalistas foram passadas para a "Navytree", de propriedade da Telefónica. Com isso, a empresa da Telefónica ficou com 66,7% do capital total da Datalistas.
5) Na análise 001/2007-GCPA, do conselheiro Plínio de Aguiar, constatou-se que, com esse artifício, a Telefónica ficou com 91,5% da TVA Sul.
6) Na compra da TVA São Paulo, além da "Navytree", aparece outra empresa de fachada, a "Lemontree", esta registrada pela Abril.
7) Para a "Navytree", da Telefónica, foram passadas 19,9% das ações com direito a voto da TVA São Paulo e 100% das ações preferenciais.
8) O resto das ações ficou com a "Lemontree", registrada pela Abril, dos Civitas. Porém, a "Navytree", da Telefónica, ficou com 100% das ações preferencias da "Lemontree".
9) Somando todas ações que foram passadas para a "Navytree", diretamente ou através da "Lemontree", a Telefónica ficou com 86,7% da TVA São Paulo.
Mas, a Telefónica, até por ser uma quadrilha, não ia confiar num semelhante, isto é, no Bob Civita, dono da Abril. Exigiu dele um explícito "acordo de acionistas", determinando que a gerência e a infra-estrutura da TVA Sul e da TVA São Paulo são da Telefónica, com "uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos". Além disso, como cita o conselheiro Plínio de Aguiar Júnior, o acordo estabelece “opção irrevogável e irretratável de compra com relação às ações” da TVA pela Telefónica (cf. Plínio de Aguiar Júnior, Análise 001/2007-GCPA, pág. 11).
Como frisa o conselheiro, há aqui duas ilegalidades flagrantes segundo a própria Anatel. Na síntese do jornalista Gustavo Gindre:
"De acordo com o Regulamento para Apuração de Controle e de Transferência de Controle em Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (a chamada Resolução 101, da Anatel), aprovado em 04 de fevereiro de 1999, tanto o 'uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos' quanto a 'existência de instrumento jurídico tendo por objeto a transferência de ações entre as prestadoras' caracterizam uma forma de 'controle vedado por disposição legal'. Portanto, segundo resolução da própria Anatel, o contrato de acionistas firmado entre os Civita e a Telefonica fere tanto a Lei da TV a Cabo quanto os contratos de renovação das concessões de telefonia fixa, porque transferem de fato o poder da Comercial Cabo e da TVA Sul para a Telefónica". (cf. Gustavo Gindre, "Empresas estrangeiras burlam a legislação para entrar no setor", Observatório do Direito à Comunicação, 14/11/2007 - grifos nossos).
O que não impediu a Anatel, com o voto de desempate de Sardenberg, de passar por cima do seu próprio Regulamento e Resolução. O conselheiro Plínio de Aguiar Júnior cita, em sua análise, o seguinte trecho do "acordo de acionistas":
“4.1 Os Acionistas concordam em sempre comparecer às assembléias gerais da Companhia e a exercer os direitos de voto inerentes às suas Ações de modo uniforme (...), bem como a Holding Cabo SP se compromete a fazer com que os membros do Conselho de Administração da Companhia por ela indicados sempre compareçam e votem nas reuniões do referido órgão exclusivamente (....) de acordo com o que for determinado em reuniões realizadas previamente a cada uma das assembleias gerais e/ou reuniões do Conselho de Administração da Companhia (“Reunião Prévia”) (cf. Plínio de Aguiar Júnior, Análise 001/2007-GCPA, pág. 12, grifos do autor da análise).
Não há como deixar de classificar essa fraude pelo devido nome: um acordo entre bandoleiros.
4- A exumação do PL-29 pelo deputado Jorge Bittar
O PL 29 do pequeno Bornhausen estava morto quando, em dezembro de 2007, o deputado Jorge Bittar o exumou. Basicamente o que Bittar fez foi estabelecer as iscas de que já falamos. Além disso, conseguiu transformar o projeto num emaranhado pseudo-conceitual, incompreensível para a maioria dos mortais – estranhamente, esses pseudo-conceitos mudavam a cada versão que Bittar fazia do PL 29. Na verdade, nada daquilo era sério. O objetivo continuava o mesmo: legalizar a ilegalidade na NET e na TVA, sobretudo na primeira. Ou, o que é a mesma coisa, contemplar os interesses da Telmex e da Telefónica na TV por assinatura.
Sintomaticamente, Bittar tramitou as suas versões do PL 29, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, em caráter conclusivo – isto é, tentou até o fim aprová-lo na Câmara sem que passasse pelo plenário, um recurso dos mais anti-democráticos, usado sempre para aprovar atentados contra o povo (vide o recente caso do projeto dos despejos sumários). Ou seja, Bittar tentava aprovar a maior mudança - desde a independência do país, há quase dois séculos - na legislação referente ao capital estrangeiro nos meios de comunicação, evitando que o plenário da Câmara discutisse o projeto.
Não deu certo. Sobretudo porque alguns setores que tinham apoiado o projeto, devido às cotas para a produção nacional e às promessas de mais recursos para o audiovisual, começaram a entender qual era a sua essência real, a cada vez que Bittar recuava diante das pressões de teles e monopólios de mídia para que diminuísse o tamanho das iscas. Assim, as cotas para a produção nacional, que já não eram grande coisa no substitutivo inicial de Bittar, acabaram reduzidas a três (3) horas e meia semanais, ou meia hora por dia – na verdade, menos do que a realidade atual, e ainda com um gordo tempo de carência antes de entrarem em vigor. A última versão de Bittar do PL 29, pouco antes que saísse da relatoria, era, na verdade, não muito diferente do substitutivo atual, do deputado Paulo Henrique Lustosa. Este piorou o projeto – mas a base para isso foi o substitutivo de Bittar.
Para justificar interesses, sempre aparece uma teoria para apresentar o que é mesquinho e anti-nacional como se fosse interesse da sociedade e do país. Nesse caso, apresentar o interesse da Telmex e da Telefónica como se fosse o interesse do Brasil.
A teoria que apareceu foi a de que a propriedade da TV paga, se nacional ou estrangeira, não tinha importância. O que importava era contemplar a produção nacional. Portanto, supõe-se, para garantir espaço para a produção nacional, temos de entregar os meios de comunicação aos estrangeiros... Obviamente, se a propriedade não for estrangeira, mas for, por exemplo, da Globo, além de algumas novelas que têm muito pouco de nacional, estaremos condenados a assistir a um enlatado de fora atrás do outro. Mas isso se dá exatamente porque a Globo, em relação à nação, está no campo dos colaboracionistas do capital estrangeiro, ainda que com algumas contradições.
Em sua modalidade mais sem-vergonha, exposta por Sardenberg, essa teoria era a de que o “negócio” (a propriedade) é uma coisa e o “conteúdo” é outra coisa – e uma nada tem a ver com a outra. Como se a propriedade não existisse exatamente para impor o conteúdo... Na atual sociedade, dizia um personagem de Máximo Gorky, “o homem é livre porque paga”. Ou seja, quem tem a propriedade manda. Quem não tem, obedece – ou é excluído. Fora isso, a alternativa é se revoltar – e não se conformar.
O objetivo do Projeto de Lei nº 29/2007 (PL 29), desde o início, é legalizar a apropriação da NET pela Telmex. Todo o resto – cotas de meia hora por dia para a produção nacional, "incentivos" incertos ao audiovisual, etc. – são iscas para incautos, espargidas com a expectativa de que sirvam de cala-boca para que setores nacionais deixem passar a ilegalidade e a desnacionalização da TV por assinatura. O monopólio, como a máfia, sobretudo essa que tomou as telecomunicações do país, não conhece outra lógica senão a do suborno.
O PL 29 também "legalizaria" outro delito: a apropriação da TVA pela Telefónica. Mas quando o deputado Paulo Bornhausen (sobrenome que dispensa apresentações) apresentou o projeto, em 5 de fevereiro de 2007, esta última ainda não havia se concretizado.
Somente cinco meses depois, em 18 de julho de 2007, a Telefónica e a Abril obtiveram "anuência prévia" para a receptação da TVA pela primeira, na reunião nº 443 do Conselho Diretor da Anatel, por uma votação apertada (3 a 2), contra a análise do conselheiro Plínio de Aguiar Júnior - e graças ao voto de desempate do presidente da Anatel, o carcomido tucano Ronaldo Sardenberg. Além de Plínio, votou contra o conselheiro Pedro Jaime Ziller de Araújo.
Enquanto a Telefónica ainda pavimentava o caminho das pedras (é a expressão mais elegante que nos ocorre, leitor), a Telmex já havia obtido, quase três anos antes, a aprovação da Anatel para a apropriação da NET, em 6 de dezembro de 2004, através do Ato 48.245, ratificada em 15 de março de 2006 na reunião nº 385 do Conselho Diretor da Anatel.
O que importa nesse projeto, portanto, é passar o que interessa à Telmex, essa subsidiária "oculta" (nem tanto) da AT&T e controladora da Embratel – ela própria uma ex-estatal mexicana vendida sem dinheiro à vista, que tem como cabeça de proa um membro do bando de Carlos Salinas, prócer neoliberal conhecido por sua fulgurante carreira: de presidente do México a foragido.
A versão original do PL 29, entretanto, era impossível de ser aprovada pelo Congresso, porque era óbvio o seu objetivo. Por isso, foram adicionadas as iscas, introduzidas pelo deputado Jorge Bittar em dezembro de 2007 – mas, a cada versão do texto, essas iscas foram se tornando mais e mais raquíticas. Assim, chegou-se ao texto aprovado na semana passada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara - e que terá seus destaques votados, presumivelmente, nesta semana - de autoria do deputado Paulo Henrique Lustosa, relator do PL 29 nessa comissão.
O essencial - a “legalização” da propriedade estrangeira sobre a NET e a TVA – é o mesmo da versão Bornhausen. E as iscas, de raquíticas tornaram-se terminais. O relator acrescentou um adereço às fenomenais cotas de meia hora por dia para a produção nacional no "espaço qualificado" dos "canais de espaço qualificado" (artigo 16): se as empresas pedirem dispensa dessas cotas por "incapacidade técnica" (?), a Anatel terá 90 dias para analisar o pedido – ou a dispensa seria aprovada por decurso de prazo.
O deputado também aceitou subir o limite (isto é, o tempo) de publicidade na TV paga, igualando-o com o limite de publicidade na radiodifusão (TV aberta e rádio). Em suma, o PL 29 tenta agora também “legalizar” (e aumentar) a dupla renda das teles na TV paga: além do que obrigam o usuário a pagar, teriam direito a vender o mesmo tempo de publicidade da TV aberta – tempo que, nesta, somente existe porque os usuários não pagam para assisti-la.
Na versão anterior, eram proibidos contratos de exclusividade entre produtores de conteúdo e empresas de TV por assinatura. Ainda que mambembe, era uma limitação ao poder das empresas de impor preços e esfolar os produtores. Pela nova versão, são permitidos contratos de exclusividade, se os produtores quiserem assiná-los. Uma boa forma das empresas (e estamos falando da Telmex e Telefónica) coagirem produtores a assinarem contratos de exclusividade. Ou assinam, e aceitam os preços das teles, ou ficam com a produção encalhada e vão à falência.
O relator suprimiu a obrigação de dois canais de notícias nos pacotes da TV paga onde houver algum canal jornalístico. Pelo novo PL 29, quem não quiser, por exemplo, assistir só aos débeis mentais da Fox News, que pague por fora do pacote.
Além disso, o deputado resolveu explicitar que as empresas podem cobrar por pacotes com apenas canais da TV aberta, isto é, canais da TV não-paga. Hoje, as empresas cobram por isso sem que a lei o diga. Colocado na lei, para quem mora numa cidade como São Paulo, isso equivale a uma extorsão, pois é impossível sintonizar decentemente a TV aberta com uma antena.
A emenda das operadoras de celular (aliás, as mesmas açambarcadoras da TV paga), dando poderes à Anatel para, a qualquer momento, mudar a destinação do espectro eletromagnético da TV paga, também foi aceita. Com isso, as operadoras de TV via MMDS (que são empresas menores) ficariam ameaçadas por lei de ter sua parcela do espectro diminuída a qualquer momento (como já está acontecendo, mas contra a lei atual, porque a Anatel decidiu tirar das operadoras de TV via MMDS uma parte da faixa de freqüência de 2,5 Ghz, para destiná-la às operadoras de celular 3G). Até mesmo a emenda das teles para que ficasse explícito que só a Anatel pode "regular" o setor (isto é, protegê-las) foi aceita. As teles, naturalmente, querem que a Anatel, e somente a Anatel, tenha poderes sobre o setor.
1- FHC abre setor para controle estrangeiro
No Brasil, como em todos os países civilizados, a propriedade dos meios de comunicação sempre foi permitida somente a brasileiros e a empresas brasileiras. O motivo é evidente: meios de comunicação em mãos de estrangeiros, ou de empresas estrangeiras, são uma influência estranha sobre os interesses nacionais, não somente sobre os brasileiros individualmente, mas sobre a economia, a política e a cultura do país.
Entretanto, cinco dias após tomar posse em seu primeiro mandato, Fernando Henrique assinou a "Lei do Cabo" (lei nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995). Por ela, pela primeira vez na História do país, foi permitido a estrangeiros a propriedade, ainda que limitada, sobre um meio de comunicação. Em seu artigo 7º, diz essa lei:
"Art. 7º A concessão para o serviço de TV a Cabo será dada exclusivamente à pessoa jurídica de direito privado que tenha como atividade principal a prestação deste serviço e que tenha: I - sede no Brasil; II - pelo menos cinqüenta e um por cento do capital social, com direito a voto, pertencente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou a sociedade sediada no País, cujo controle pertença a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos".
A propriedade estrangeira nas empresas de TV a cabo, portanto, não pode ultrapassar 49% do capital votante. Os tucanos não queriam enfrentar o escândalo de entregar diretamente a TV por assinatura ao capital estrangeiro. Porém, 49% é sempre o limite da vigarice e, se o leitor nos permite a expressão, o limite ideal para a mala preta. Quando aplicado ao capital nacional, mesmo sem lei que o determine, o limite de 49% serve para que os recursos do Estado, vale dizer, do povo, sustentem algum parasita – veja, por exemplo, os casos da Eletropaulo/AES, Banco Votorantim ou Banco Panamericano. Quando é aplicado ao capital estrangeiro, serve para que ele facilmente transgrida a lei, e, depois, passe a mala preta para mudar a lei.
Assim, é evidente qual a intenção desse limite de 49% ao capital estrangeiro na Lei do Cabo. Porém, ao contrário dos carteiros, que não tocam na porta duas vezes, a mala preta passa infinitas vezes. Os tucanos levaram somente dois anos para desrespeitar a lei que eles mesmos confeccionaram. Em 1997, Fernando Henrique assinou o decreto nº 2.196, permitindo que empresas de TV paga via satélite (DTH - "Direct To Home") e via microondas (MMDS - "Multichannel Multipoint Distribution Service") fossem 100% estrangeiras. O decreto favorecia o monopólio de 97% da TV via DTH do magnata e gangster Rupert Murdoch. A TV via MMDS recebeu, por tabela, o mesmo tratamento.
O decreto era (e continua sendo) completamente ilegal, porque um decreto não pode mudar uma lei. O objetivo da lei do cabo era regular a TV por assinatura. Se falava apenas em TV a cabo era porque essa era a TV por assinatura que existia quando foi elaborada. Mas é evidente que o critério de propriedade não pode mudar porque a TV paga é por satélite ou por microondas, até porque o dono da TV cobra um preço dos usuários pelo fato de ser proprietário, e não porque transmita por satélite, microondas ou cabo. No entanto, a única coisa evidente para os tucanos é que, quando se trata de beneficiar o capital externo, vale qualquer coisa, inclusive esquartejar a lógica num leito de Procusto entreguista.
2- Em 2004, Globo vende NET para Telmex
A Globo não somente bajulou Fernando Henrique e o câmbio engessado de seu pupilo Gustavo Franco - que arrasou as empresas nacionais no primeiro mandato tucano - como acreditou neles. Não foi a primeira vez que a combinação de reacionarismo e servilismo com estupidez levou ao desastre. Quando o câmbio explodiu, a Globo estava afundada pelas dívidas em dólar. Depois de anos perpetrando calotes (aqueles que ela sempre acusa o povo de cometer), em 2004 a Globo vendeu a NET para a Telmex.
Porém, a lei do cabo não permite que uma empresa estrangeira, como a Telmex, tenha mais do que 49% da NET. E, para a Telmex, não bastava a palavra dos Marinho de que, após uma mudança na lei, passariam o controle da NET. O capo da Telmex, Carlos Slim, até por ser um aproveitador da propriedade alheia, nessas questões não é burro. Foi até simples a solução, além de inteiramente ilegal. Os nossos leitores mais assíduos devem se lembrar: foram contratados os advogados Barbosa Müssnich e Sérgio Bermudes – os mesmos que montaram a tomada da Brasil Telecom por Daniel Dantas. A engenharia de bandidos consistiu em:
1) A Telmex e a Globo fundaram uma empresa, a "GB Empreendimentos e Participações" (CNPJ 04.527.900/0001-42) e transferiram para ela 51% das ações com direito a voto da Net Serviços.
2) Desses 51% das ações votantes da Net Serviços em mãos da GB, a Globo ficou com 51% delas - isto é, 26,01% (51% de 51%) das ações votantes da Net Serviços.
3) A Telmex ficou com 49% - isto é, 24,99% (49% de 51%) das ações com direito a voto da Net Serviços.
4) Por fora da GB Empreendimentos e Participações, a Telmex adquiriu 37,5% das ações com direito a voto da Net Serviços.
5) Com as ações que tem através da GB (24,99%) e com as que tem por fora da GB (37,5%), a Telmex passou a controlar 62,49% das ações com direito a voto da Net.
6) Além disso, a Telmex ficou com 100% das ações preferenciais (sem direito a voto).
7) Em seguida, fizeram a Anatel aprovar essa ilegalidade, primeiro pelo Ato 48.245, de 06/12/2004, depois pela decisão da reunião nº 385 do Conselho Diretor da Anatel, de 15 de março de 2006.
3- “Acordo de acionistas” entre a Telefónica e a Abril
A Telefónica fez a mesma coisa para levar a TVA, somente que por um método algo mais complicado, talvez porque os negócios do Civita, da Abril, e os da Telefónica, sejam sempre mais enrolados, mesmo num meio onde a trapaça é a regra.
1) A Telefónica registrou uma empresa de fachada denominada "Navytree".
2) A Abril, até então proprietária da TVA, passou para a "Navytree" 49% das ações com direito a voto e 100% das ações preferenciais da TVA Sul (operadora a cabo em Curitiba, Foz do Iguaçu, Florianópolis e Camboriú).
3) Os outros 51% das ações com direito a voto da TVA Sul ficaram com uma empresa denominada Datalistas, pertencente à Abril.
4) Porém, 100% das ações preferenciais da Datalistas foram passadas para a "Navytree", de propriedade da Telefónica. Com isso, a empresa da Telefónica ficou com 66,7% do capital total da Datalistas.
5) Na análise 001/2007-GCPA, do conselheiro Plínio de Aguiar, constatou-se que, com esse artifício, a Telefónica ficou com 91,5% da TVA Sul.
6) Na compra da TVA São Paulo, além da "Navytree", aparece outra empresa de fachada, a "Lemontree", esta registrada pela Abril.
7) Para a "Navytree", da Telefónica, foram passadas 19,9% das ações com direito a voto da TVA São Paulo e 100% das ações preferenciais.
8) O resto das ações ficou com a "Lemontree", registrada pela Abril, dos Civitas. Porém, a "Navytree", da Telefónica, ficou com 100% das ações preferencias da "Lemontree".
9) Somando todas ações que foram passadas para a "Navytree", diretamente ou através da "Lemontree", a Telefónica ficou com 86,7% da TVA São Paulo.
Mas, a Telefónica, até por ser uma quadrilha, não ia confiar num semelhante, isto é, no Bob Civita, dono da Abril. Exigiu dele um explícito "acordo de acionistas", determinando que a gerência e a infra-estrutura da TVA Sul e da TVA São Paulo são da Telefónica, com "uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos". Além disso, como cita o conselheiro Plínio de Aguiar Júnior, o acordo estabelece “opção irrevogável e irretratável de compra com relação às ações” da TVA pela Telefónica (cf. Plínio de Aguiar Júnior, Análise 001/2007-GCPA, pág. 11).
Como frisa o conselheiro, há aqui duas ilegalidades flagrantes segundo a própria Anatel. Na síntese do jornalista Gustavo Gindre:
"De acordo com o Regulamento para Apuração de Controle e de Transferência de Controle em Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (a chamada Resolução 101, da Anatel), aprovado em 04 de fevereiro de 1999, tanto o 'uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos' quanto a 'existência de instrumento jurídico tendo por objeto a transferência de ações entre as prestadoras' caracterizam uma forma de 'controle vedado por disposição legal'. Portanto, segundo resolução da própria Anatel, o contrato de acionistas firmado entre os Civita e a Telefonica fere tanto a Lei da TV a Cabo quanto os contratos de renovação das concessões de telefonia fixa, porque transferem de fato o poder da Comercial Cabo e da TVA Sul para a Telefónica". (cf. Gustavo Gindre, "Empresas estrangeiras burlam a legislação para entrar no setor", Observatório do Direito à Comunicação, 14/11/2007 - grifos nossos).
O que não impediu a Anatel, com o voto de desempate de Sardenberg, de passar por cima do seu próprio Regulamento e Resolução. O conselheiro Plínio de Aguiar Júnior cita, em sua análise, o seguinte trecho do "acordo de acionistas":
“4.1 Os Acionistas concordam em sempre comparecer às assembléias gerais da Companhia e a exercer os direitos de voto inerentes às suas Ações de modo uniforme (...), bem como a Holding Cabo SP se compromete a fazer com que os membros do Conselho de Administração da Companhia por ela indicados sempre compareçam e votem nas reuniões do referido órgão exclusivamente (....) de acordo com o que for determinado em reuniões realizadas previamente a cada uma das assembleias gerais e/ou reuniões do Conselho de Administração da Companhia (“Reunião Prévia”) (cf. Plínio de Aguiar Júnior, Análise 001/2007-GCPA, pág. 12, grifos do autor da análise).
Não há como deixar de classificar essa fraude pelo devido nome: um acordo entre bandoleiros.
4- A exumação do PL-29 pelo deputado Jorge Bittar
O PL 29 do pequeno Bornhausen estava morto quando, em dezembro de 2007, o deputado Jorge Bittar o exumou. Basicamente o que Bittar fez foi estabelecer as iscas de que já falamos. Além disso, conseguiu transformar o projeto num emaranhado pseudo-conceitual, incompreensível para a maioria dos mortais – estranhamente, esses pseudo-conceitos mudavam a cada versão que Bittar fazia do PL 29. Na verdade, nada daquilo era sério. O objetivo continuava o mesmo: legalizar a ilegalidade na NET e na TVA, sobretudo na primeira. Ou, o que é a mesma coisa, contemplar os interesses da Telmex e da Telefónica na TV por assinatura.
Sintomaticamente, Bittar tramitou as suas versões do PL 29, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, em caráter conclusivo – isto é, tentou até o fim aprová-lo na Câmara sem que passasse pelo plenário, um recurso dos mais anti-democráticos, usado sempre para aprovar atentados contra o povo (vide o recente caso do projeto dos despejos sumários). Ou seja, Bittar tentava aprovar a maior mudança - desde a independência do país, há quase dois séculos - na legislação referente ao capital estrangeiro nos meios de comunicação, evitando que o plenário da Câmara discutisse o projeto.
Não deu certo. Sobretudo porque alguns setores que tinham apoiado o projeto, devido às cotas para a produção nacional e às promessas de mais recursos para o audiovisual, começaram a entender qual era a sua essência real, a cada vez que Bittar recuava diante das pressões de teles e monopólios de mídia para que diminuísse o tamanho das iscas. Assim, as cotas para a produção nacional, que já não eram grande coisa no substitutivo inicial de Bittar, acabaram reduzidas a três (3) horas e meia semanais, ou meia hora por dia – na verdade, menos do que a realidade atual, e ainda com um gordo tempo de carência antes de entrarem em vigor. A última versão de Bittar do PL 29, pouco antes que saísse da relatoria, era, na verdade, não muito diferente do substitutivo atual, do deputado Paulo Henrique Lustosa. Este piorou o projeto – mas a base para isso foi o substitutivo de Bittar.
Para justificar interesses, sempre aparece uma teoria para apresentar o que é mesquinho e anti-nacional como se fosse interesse da sociedade e do país. Nesse caso, apresentar o interesse da Telmex e da Telefónica como se fosse o interesse do Brasil.
A teoria que apareceu foi a de que a propriedade da TV paga, se nacional ou estrangeira, não tinha importância. O que importava era contemplar a produção nacional. Portanto, supõe-se, para garantir espaço para a produção nacional, temos de entregar os meios de comunicação aos estrangeiros... Obviamente, se a propriedade não for estrangeira, mas for, por exemplo, da Globo, além de algumas novelas que têm muito pouco de nacional, estaremos condenados a assistir a um enlatado de fora atrás do outro. Mas isso se dá exatamente porque a Globo, em relação à nação, está no campo dos colaboracionistas do capital estrangeiro, ainda que com algumas contradições.
Em sua modalidade mais sem-vergonha, exposta por Sardenberg, essa teoria era a de que o “negócio” (a propriedade) é uma coisa e o “conteúdo” é outra coisa – e uma nada tem a ver com a outra. Como se a propriedade não existisse exatamente para impor o conteúdo... Na atual sociedade, dizia um personagem de Máximo Gorky, “o homem é livre porque paga”. Ou seja, quem tem a propriedade manda. Quem não tem, obedece – ou é excluído. Fora isso, a alternativa é se revoltar – e não se conformar.
O PT e a Conferência de Comunicação
O professor Marcos Dantas, da Escola de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é um dos principais intelectuais filiados ao PT engajado na luta pela democratização da mídia no Brasil. Ele entende como poucos como funciona este setor estratégico na atualidade e apresenta sempre uma visão de futuro sobre o tema. No artigo abaixo, ele conclama os ativistas do seu partido – mas seu alerta serve a todos os militantes de esquerda – sobre algumas batalhas principais em debate na Conferência Nacional de Comunicação. Vale conferir:
Falta menos de uma semana: no dia 14, começa a 1ª Conferência Nacional de Comunicação – 1 ª Confecom. Convocada pelo presidente Lula em janeiro passado, esta será a primeira vez em que a sociedade brasileira, empresários e não-empresários, juntamente com o governo, debaterão o presente e o futuro (não esquecendo o passado) das comunicações brasileiras.
O PT tem diretrizes para essa conferência. Aprovada em resolução da DN no dia 17 de setembro último, as diretrizes constituem uma orientação segura para a intervenção dos quadros petistas nesse encontro e deveriam estar, neste momento, sendo objeto de discussão e apropriação por parte de todos os delegados petistas à Confecom.
É sabido que uma conferência popular como as muitas que se realizam no Brasil – e a Confecom não será diferente – acabam se transformando em palco para a apresentação e defesa de centenas de teses e proposições segmentadas, particularistas, não raro paroquiais, próprias das condições diversificadas e plurais dos movimentos sociais.
Um programa alternativo sistêmico e global
Pensa-se muito nas partes, pouco se pensa no todo. No entanto, na Confecom, estará presente um forte grupo de interesse que só pensa no todo: o empresariado. Pelas características do capital e pelas características das comunicações, o empresariado vai intervir, com todo o seu poder, a favor de soluções sistêmicas e, sem trocadilho, globais.
Cabe justamente a um partido político de esquerda, pela sua condição de articulador político das lutas sociais e espaço programático da sua síntese, oferecer, também, para o movimento popular, e em seu nome, um programa alternativo sistêmico e global. O PT cumpriu o seu papel. A resolução da DN oferece aos militantes partidários uma segura e mesmo avançada orientação para a nossa intervenção na Confecom. Este texto buscará chamar atenção e comentar alguns dos seus principais pontos (o espaço não permite tratar de todos).
A resolução da DN entende, ao comentar o marco regulatório a ser construído pela Confecom, que este, hoje, é fragmentário, permite que as nossas comunicações estejam sob o comando de grandes conglomerados empresariais associados ao capital estrangeiro e que, diante da chamada “convergência de mídias”, esse controle pode mesmo vir a se ampliar.
O PT não cai no canto da sereia determinista que nos promete guiar para uma automática democratização das comunicações, só pelos efeitos mágicos das tecnologias digitais. Por isto, sugere à Confecom (logo, à militância petista) um conjunto de propostas bem concretas e sistêmicas visando construir um novo marco regulatório que possa, de fato, abrir espaço para a democratização das nossas comunicações. O PT avançou. Não nos sugere apenas formar algum “conselho” para seguir discutindo catarticamente. Sugere-nos propostas concretas a serem incorporadas em alguma futura legislação.
Limites à indústria de comunicação
O primeiro item dessa proposta diz que o novo marco regulatório deverá estabelecer “atribuições e limites para cada elo da indústria de comunicação (criação, produção, processamento, armazenamento, montagem, distribuição e entrega), impedindo que uma mesma empresa possa atuar nos mercados de conteúdo e infra-estrutura”. A letra g. acrescenta: “A distinção entre operação de rede e a produção/programação de conteúdos, inclusive de radiodifusão”.
Os delegados petistas à Confecom já pararam para pensar no que significam esses dois itens? Ao contrário do que parece, nas comunicações, produzir e programar não são necessariamente as mesmas coisas que emitir e transmitir. Uma produtora de filmes ou shows quase nunca é programadora. Uma empresa programadora pode, numa ponta, adquirir filmes, shows ou jogos de futebol das produtoras e organizá-los, ou programá-los, para emissão e transmissão, entregando essa programação para outra empresa que apenas cuidará dessa atividade. A emissão e transmissão tanto podem se dar pelo espectro de radiofreqüências (em FM, VHF, UHF etc.), quanto pelo cabo, pelo satélite, por banda-larga ou redes celulares.
Hoje, nos sistemas de cabo ou satélite, já existe, ao menos formalmente, essa separação entre produção/programação, de um lado, e emissão/transmissão, do outro. Os canais de TV por assinatura não são “donos” dos cabos ou satélites pelos quais chegam às nossas casas. Na internet também: o cabo pelo qual você acessa os serviços do seu provedor de acesso não é “propriedade” ou “concessão” desse provedor.
Separar produção de transmissão
O PT está propondo com todas as letras que essa regulamentação seja estendida também à radiodifusão aberta: que a empresa programadora não seja concessionária do canal (VHF ou UHF) de transmissão. Isto é possível? Claro que é, e já é assim na grande maioria dos países europeus. No Reino Unido, por exemplo, a famosa BBC não é uma emissora, embora pareça: os seus programas chegam aos lares britânicos através das freqüências, torres, cabos da Crown Castle.
O PT não está propondo uma mera “revisão dos critérios de concessão”. O PT está propondo uma radicalmente nova regra de organização do conjunto dos serviços de comunicações, com clara separação entre os produtores/programadores de conteúdos e os emissores/transportadores de sinal. Qual a vantagem disso para os movimentos populares e para a democracia?
Leiamos o que dizem os itens b. a f. da resolução da DN:
b) Políticas, normas e meios para assegurar pluralidade e diversidade de conteúdos;
c) Políticas, normas e meios para assegurar que a pluralidade e a diversidade cheguem aos terminais de acesso;
d) O fomento da produção privada não comercial ou pública não-estatal;
e) O fortalecimento dos meios e da produção público-estatal;
f) A proteção e o estímulo à produção comercial nacional;
A clara distinção entre os dois macro-setores da cadeia produtiva permite que venhamos a ter políticas de fomento, inclusive fiscais e regulatórias, para incrementar a produção e programação de interesse popular, sobretudo essa segmentada e particularista de tanto interesse de um sem número de movimentos sociais. Você quer “direitos”? Todos queremos.
Incentivo à produção não-comercial
Todos queremos o direito à fala. Pois é na produção/programação que garantimos esse direito à fala, pois aqui se encontra realmente aquela distinção entre “sistemas” que lemos (e defendemos) na Constituição brasileira. Ninguém liga rádio para ouvir chiados, ninguém liga televisão para ver chuviscos, ninguém assina um serviço celular para sair por aí com um penduricalho na orelha... O que interessa a você não é o meio, mas o conteúdo que o meio lhe permite acessar e, também, poder transmitir conteúdo que o meio lhe permite transmitir. Os movimentos populares, as comunidades, os produtores de cultura não precisam do, e em geral não têm condições de deter o controle técnico e financeiro dos meios. Precisam, sim, que lhes seja assegurado a possibilidade de transmitir o que quiserem transmitir por esses meios.
Para terem essa possibilidade, precisam, antes de mais nada, de apoio: recursos financeiros, incentivos, políticas federais, estaduais e municipais de fomento etc. Essas políticas (“eixo de conteúdos”) devem ser voltadas para o fortalecimento da produção privada não-comercial (ONGs, sindicatos, comunidades, associações populares as mais diversas, partidos políticos, igrejas etc.) e para o fortalecimento da produção estatal, entendendo que, numa verdadeira democracia, o Estado é público. Cabe também apoiar a produção comercial independente, sobretudo aquela de pequenas e médias produtoras de cultura.
O Estado, hoje, tanto no âmbito federal quanto no estadual e municipal, gasta milhões de reais com publicidade veiculada nos grandes e ricos meios empresariais de comunicação, bem como com financiamentos e incentivos fiscais a grandes produtores. Precisa orientar a maior parte dessa grana para os produtores populares, para canais estatais e para a pequena e média empresa nacional. Os grandes que se virem...
Recuperar o conceito de serviço público
Será necessário também espaço na programação, inclusive e principalmente dos programadores comerciais. Isto se faz com cotas, conforme já ensaiado no debate da PL-29, muito pouco entendido e menos aprofundado por certos setores da esquerda. Para x horas de programação diária, devem existir y horas de produtos nacionais, ou regionais, ou comunitários etc. Inclusive nas telas dos grandes portais. Por que não exigir que além de tanta bobagem, “celebridades”, esportes etc., as primeiras páginas dos Yahoo!, dos UOLs etc. abram também um certo espaço (a ser dimensionado) para orientar o navegante na direção de sítios, blogs e portais comunitários, populares, educacionais, etc.?
Em relação aos meios de transmissão (freqüências VHF, UHF, cabo, satélite e, também, no celular), a resolução da DN nos diz para defender na Confecom (letras h a j):
h) O conceito de rede em regime público para banda larga e telefonia celular;
i) A construção e a operação de uma infra-estrutura público-estatal nacional;
j) O estimulo a infra-estruturas público-estatais de base e alcance municipais;
Significa que, nos meios de transmissão, devemos basicamente recuperar o conceito de serviço público em todas as redes e infra-estrutura. Hoje em dia, esse conceito, pela legislação atual apenas se aplica à (velha) telefonia fixa e à (antiga) radiodifusão aberta. A nova regulamentação proposta pelo PT, ao conceder os meios (inclusive as radiofreqüências em VHF e UHF) para entidades exclusivas de infra-estrutura, permitirá regulamentá-los para atenderem aos “três sistemas”: haverá necessariamente uma ou mais de uma infra-estrutura de natureza pública (por radiofreqüências, cabo, satélite etc.) que deverá servir, em condições isonômicas e democráticas, à produção/programação privada não-comercial e à estatal, podendo também atender à comercial.
Por exemplo: se numa banda UHF de TV digital cabem oito programações simultâneas e paralelas, então o operador desse canal (que não poderá ser nenhum produtor/programador como é hoje) assegurará um terço das faixas para cada um dos “três sistemas”. Se no cabo da TV paga cabem 200 programações simultâneas (geralmente denominadas “canais”), então para cada 20 ou 30 ou 40 “canais”, 20% ou 30% ou 50% deverão ser não-comerciais ou público-estatais.
A serviço do desenvolvimento nacional
Princípio idêntico, consideradas as condições técnicas, podem ser também defendidos para o celular e a banda-larga. Aliás, se for para universalizar a banda-larga e, por ela, permitir a disseminação pelo país a fora de todo o lixo cultural consumista colonizador estadunidense, então será melhor não universalizar... Por isto, diz ainda a resolução da DN que caberá “estender a regulamentação de que trata os artigos 220 e 221 da Constituição para a as áreas de TV a Cabo, satélite, internet etc.”.
Hoje, esses artigos se aplicam apenas à radiodifusão aberta, entendida, aliás, como um sistema que integra produção/programação/transmissão. O PT defende, com razão, que esses artigos constitucionais devem ser aplicados a todos os novos meios que apareceram depois de 1988, quando não se falava nem em celular, nem em internet. Trata-se de defender que, no Brasil, as comunicações precisam estar a serviço do desenvolvimento nacional, do fortalecimento da nossa cultura, da mobilização e articulação política do nosso povo.
Na Confecom, respeitando obviamente o mandato que recebi da sociedade civil fluminense, eu buscarei encaminhar as resoluções da DN. E você, companheiro?
Falta menos de uma semana: no dia 14, começa a 1ª Conferência Nacional de Comunicação – 1 ª Confecom. Convocada pelo presidente Lula em janeiro passado, esta será a primeira vez em que a sociedade brasileira, empresários e não-empresários, juntamente com o governo, debaterão o presente e o futuro (não esquecendo o passado) das comunicações brasileiras.
O PT tem diretrizes para essa conferência. Aprovada em resolução da DN no dia 17 de setembro último, as diretrizes constituem uma orientação segura para a intervenção dos quadros petistas nesse encontro e deveriam estar, neste momento, sendo objeto de discussão e apropriação por parte de todos os delegados petistas à Confecom.
É sabido que uma conferência popular como as muitas que se realizam no Brasil – e a Confecom não será diferente – acabam se transformando em palco para a apresentação e defesa de centenas de teses e proposições segmentadas, particularistas, não raro paroquiais, próprias das condições diversificadas e plurais dos movimentos sociais.
Um programa alternativo sistêmico e global
Pensa-se muito nas partes, pouco se pensa no todo. No entanto, na Confecom, estará presente um forte grupo de interesse que só pensa no todo: o empresariado. Pelas características do capital e pelas características das comunicações, o empresariado vai intervir, com todo o seu poder, a favor de soluções sistêmicas e, sem trocadilho, globais.
Cabe justamente a um partido político de esquerda, pela sua condição de articulador político das lutas sociais e espaço programático da sua síntese, oferecer, também, para o movimento popular, e em seu nome, um programa alternativo sistêmico e global. O PT cumpriu o seu papel. A resolução da DN oferece aos militantes partidários uma segura e mesmo avançada orientação para a nossa intervenção na Confecom. Este texto buscará chamar atenção e comentar alguns dos seus principais pontos (o espaço não permite tratar de todos).
A resolução da DN entende, ao comentar o marco regulatório a ser construído pela Confecom, que este, hoje, é fragmentário, permite que as nossas comunicações estejam sob o comando de grandes conglomerados empresariais associados ao capital estrangeiro e que, diante da chamada “convergência de mídias”, esse controle pode mesmo vir a se ampliar.
O PT não cai no canto da sereia determinista que nos promete guiar para uma automática democratização das comunicações, só pelos efeitos mágicos das tecnologias digitais. Por isto, sugere à Confecom (logo, à militância petista) um conjunto de propostas bem concretas e sistêmicas visando construir um novo marco regulatório que possa, de fato, abrir espaço para a democratização das nossas comunicações. O PT avançou. Não nos sugere apenas formar algum “conselho” para seguir discutindo catarticamente. Sugere-nos propostas concretas a serem incorporadas em alguma futura legislação.
Limites à indústria de comunicação
O primeiro item dessa proposta diz que o novo marco regulatório deverá estabelecer “atribuições e limites para cada elo da indústria de comunicação (criação, produção, processamento, armazenamento, montagem, distribuição e entrega), impedindo que uma mesma empresa possa atuar nos mercados de conteúdo e infra-estrutura”. A letra g. acrescenta: “A distinção entre operação de rede e a produção/programação de conteúdos, inclusive de radiodifusão”.
Os delegados petistas à Confecom já pararam para pensar no que significam esses dois itens? Ao contrário do que parece, nas comunicações, produzir e programar não são necessariamente as mesmas coisas que emitir e transmitir. Uma produtora de filmes ou shows quase nunca é programadora. Uma empresa programadora pode, numa ponta, adquirir filmes, shows ou jogos de futebol das produtoras e organizá-los, ou programá-los, para emissão e transmissão, entregando essa programação para outra empresa que apenas cuidará dessa atividade. A emissão e transmissão tanto podem se dar pelo espectro de radiofreqüências (em FM, VHF, UHF etc.), quanto pelo cabo, pelo satélite, por banda-larga ou redes celulares.
Hoje, nos sistemas de cabo ou satélite, já existe, ao menos formalmente, essa separação entre produção/programação, de um lado, e emissão/transmissão, do outro. Os canais de TV por assinatura não são “donos” dos cabos ou satélites pelos quais chegam às nossas casas. Na internet também: o cabo pelo qual você acessa os serviços do seu provedor de acesso não é “propriedade” ou “concessão” desse provedor.
Separar produção de transmissão
O PT está propondo com todas as letras que essa regulamentação seja estendida também à radiodifusão aberta: que a empresa programadora não seja concessionária do canal (VHF ou UHF) de transmissão. Isto é possível? Claro que é, e já é assim na grande maioria dos países europeus. No Reino Unido, por exemplo, a famosa BBC não é uma emissora, embora pareça: os seus programas chegam aos lares britânicos através das freqüências, torres, cabos da Crown Castle.
O PT não está propondo uma mera “revisão dos critérios de concessão”. O PT está propondo uma radicalmente nova regra de organização do conjunto dos serviços de comunicações, com clara separação entre os produtores/programadores de conteúdos e os emissores/transportadores de sinal. Qual a vantagem disso para os movimentos populares e para a democracia?
Leiamos o que dizem os itens b. a f. da resolução da DN:
b) Políticas, normas e meios para assegurar pluralidade e diversidade de conteúdos;
c) Políticas, normas e meios para assegurar que a pluralidade e a diversidade cheguem aos terminais de acesso;
d) O fomento da produção privada não comercial ou pública não-estatal;
e) O fortalecimento dos meios e da produção público-estatal;
f) A proteção e o estímulo à produção comercial nacional;
A clara distinção entre os dois macro-setores da cadeia produtiva permite que venhamos a ter políticas de fomento, inclusive fiscais e regulatórias, para incrementar a produção e programação de interesse popular, sobretudo essa segmentada e particularista de tanto interesse de um sem número de movimentos sociais. Você quer “direitos”? Todos queremos.
Incentivo à produção não-comercial
Todos queremos o direito à fala. Pois é na produção/programação que garantimos esse direito à fala, pois aqui se encontra realmente aquela distinção entre “sistemas” que lemos (e defendemos) na Constituição brasileira. Ninguém liga rádio para ouvir chiados, ninguém liga televisão para ver chuviscos, ninguém assina um serviço celular para sair por aí com um penduricalho na orelha... O que interessa a você não é o meio, mas o conteúdo que o meio lhe permite acessar e, também, poder transmitir conteúdo que o meio lhe permite transmitir. Os movimentos populares, as comunidades, os produtores de cultura não precisam do, e em geral não têm condições de deter o controle técnico e financeiro dos meios. Precisam, sim, que lhes seja assegurado a possibilidade de transmitir o que quiserem transmitir por esses meios.
Para terem essa possibilidade, precisam, antes de mais nada, de apoio: recursos financeiros, incentivos, políticas federais, estaduais e municipais de fomento etc. Essas políticas (“eixo de conteúdos”) devem ser voltadas para o fortalecimento da produção privada não-comercial (ONGs, sindicatos, comunidades, associações populares as mais diversas, partidos políticos, igrejas etc.) e para o fortalecimento da produção estatal, entendendo que, numa verdadeira democracia, o Estado é público. Cabe também apoiar a produção comercial independente, sobretudo aquela de pequenas e médias produtoras de cultura.
O Estado, hoje, tanto no âmbito federal quanto no estadual e municipal, gasta milhões de reais com publicidade veiculada nos grandes e ricos meios empresariais de comunicação, bem como com financiamentos e incentivos fiscais a grandes produtores. Precisa orientar a maior parte dessa grana para os produtores populares, para canais estatais e para a pequena e média empresa nacional. Os grandes que se virem...
Recuperar o conceito de serviço público
Será necessário também espaço na programação, inclusive e principalmente dos programadores comerciais. Isto se faz com cotas, conforme já ensaiado no debate da PL-29, muito pouco entendido e menos aprofundado por certos setores da esquerda. Para x horas de programação diária, devem existir y horas de produtos nacionais, ou regionais, ou comunitários etc. Inclusive nas telas dos grandes portais. Por que não exigir que além de tanta bobagem, “celebridades”, esportes etc., as primeiras páginas dos Yahoo!, dos UOLs etc. abram também um certo espaço (a ser dimensionado) para orientar o navegante na direção de sítios, blogs e portais comunitários, populares, educacionais, etc.?
Em relação aos meios de transmissão (freqüências VHF, UHF, cabo, satélite e, também, no celular), a resolução da DN nos diz para defender na Confecom (letras h a j):
h) O conceito de rede em regime público para banda larga e telefonia celular;
i) A construção e a operação de uma infra-estrutura público-estatal nacional;
j) O estimulo a infra-estruturas público-estatais de base e alcance municipais;
Significa que, nos meios de transmissão, devemos basicamente recuperar o conceito de serviço público em todas as redes e infra-estrutura. Hoje em dia, esse conceito, pela legislação atual apenas se aplica à (velha) telefonia fixa e à (antiga) radiodifusão aberta. A nova regulamentação proposta pelo PT, ao conceder os meios (inclusive as radiofreqüências em VHF e UHF) para entidades exclusivas de infra-estrutura, permitirá regulamentá-los para atenderem aos “três sistemas”: haverá necessariamente uma ou mais de uma infra-estrutura de natureza pública (por radiofreqüências, cabo, satélite etc.) que deverá servir, em condições isonômicas e democráticas, à produção/programação privada não-comercial e à estatal, podendo também atender à comercial.
Por exemplo: se numa banda UHF de TV digital cabem oito programações simultâneas e paralelas, então o operador desse canal (que não poderá ser nenhum produtor/programador como é hoje) assegurará um terço das faixas para cada um dos “três sistemas”. Se no cabo da TV paga cabem 200 programações simultâneas (geralmente denominadas “canais”), então para cada 20 ou 30 ou 40 “canais”, 20% ou 30% ou 50% deverão ser não-comerciais ou público-estatais.
A serviço do desenvolvimento nacional
Princípio idêntico, consideradas as condições técnicas, podem ser também defendidos para o celular e a banda-larga. Aliás, se for para universalizar a banda-larga e, por ela, permitir a disseminação pelo país a fora de todo o lixo cultural consumista colonizador estadunidense, então será melhor não universalizar... Por isto, diz ainda a resolução da DN que caberá “estender a regulamentação de que trata os artigos 220 e 221 da Constituição para a as áreas de TV a Cabo, satélite, internet etc.”.
Hoje, esses artigos se aplicam apenas à radiodifusão aberta, entendida, aliás, como um sistema que integra produção/programação/transmissão. O PT defende, com razão, que esses artigos constitucionais devem ser aplicados a todos os novos meios que apareceram depois de 1988, quando não se falava nem em celular, nem em internet. Trata-se de defender que, no Brasil, as comunicações precisam estar a serviço do desenvolvimento nacional, do fortalecimento da nossa cultura, da mobilização e articulação política do nosso povo.
Na Confecom, respeitando obviamente o mandato que recebi da sociedade civil fluminense, eu buscarei encaminhar as resoluções da DN. E você, companheiro?
sábado, 12 de dezembro de 2009
Posições do governo para a Confecom
Reproduzo abaixo a entrevista de Ottoni Fernandes Júnior, secretário-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), concedida à repórter Lucia Berbert, da Tele.Síntese. Ela ajuda a mapear as posições do governo Lula na Confecom, confirmando que as suas propostas são, no essencial, avançadas. Ela também serve de relato sobre a “novela” na preparação desta tensa conferência, revelando a forte resistência dos barões da mídia.
A poucos dias da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 14, 15, 16 e 17 deste mês, no Centro de Convenções de Brasília, o governo ainda pretende avançar no debate de algumas propostas para o setor, que serão apreciadas no evento. É o que conta ao Tele.Síntese o secretário-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Ottoni Fernandes Júnior.
Ele ressalta que as propostas apresentadas pelo Poder Público até agora pedem a regulamentação e fiscalização do que já está definido na legislação, mas que ainda não foi normatizado. É o caso do tempo máximo de publicidade na TV aberta, limite de concessão de outorgas e garantia de divulgação de conteúdos regionais. E garante: o controle social da comunicação não é defendido pelo governo. Também se diz contrário a imposição de limites à internet.
Com o tema central “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”, a 1ª Confecom se desenvolverá em três eixos-temáticos: “Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”. Nas etapas regionais foram eleitos 1.680 delegados, sendo 40% representantes dos movimentos sociais, 40% das entidades empresariais e 20% do Poder Público. Outros 350 observadores de órgãos nacionais, internacionais e de pessoas da sociedade vão participar dos debates, mas sem direito a voto. Estão previstas ainda a realização de palestras sobre os eixos temáticos com o objetivo de enriquecer os debates. As propostas finais serão votadas na plenária da Confecom, marcada para o dia 17.
Tele.Síntese: O receio do controle social da comunicação ainda preocupa os empresários do setor. O governo pensa em propor algo semelhante na 1ª Conferência Nacional de Comunicação?
Fernandes Júnior – O governo nunca propôs o controle social da comunicação. Isso não está escrito em lugar algum. Não tem uma menção a controle social.
Fernandes Júnior: O que nós estamos propondo é só um início de propostas. Esta semana nós vamos evoluir em algumas propostas. Nós não queremos um papel de protagonista. Achamos que esse papel é da sociedade, mas o governo não vai ficar omisso. Ele vai tomar posições.
O que nós fizemos até agora, em primeiro lugar, foi um grande esforço para que as entidades empresariais, que acabaram saindo, não saíssem. O ministro (Franklin Martins) fez apelo, eu fiz apelo para Abert, ABTA, ANJ. Conversei com todas, falei que era importante os empresários participarem porque esse é um espaço de construção de uma nova proposta para o setor.
Tele.Síntese: Qual a importância da participação dos empresários, já que em conferências de outras áreas eles deixaram de participar?
Fernandes Júnior: Embora o evento não tenha caráter legislativo, ele vai informar as decisões do Congresso, as plataformas de candidatos. Nós comentamos que era um erro os empresários saírem porque eles deixavam de influir nesse debate. Nós deixamos claro aos empresários que o governo faria um papel de ser justamente um facilitador do diálogo entre as partes, entre sociedade civil organizada e empresarial. E se for pegar o testemunho do Pauletti [Telebrasil], do César e do Flávio Lara Resende [Abra], eu acho que eles estão muito satisfeitos de terem ficado, porque estão fazendo propostas, participaram de todas as conferências estaduais.
No começo, o diálogo com os movimentos sociais foi difícil. Acontece, não havia experiência entre as partes. Mas hoje o diálogo flui, busca-se o consenso. E o governo cumpriu justamente esse papel. No início ele foi o facilitador, ajudando no namoro. E hoje acho que tem um diálogo muito grande. Nas reuniões da comissão organizadora, muitas decisões que antes rachavam as partes, saem por consenso. E os empresários ganharam um espaço. Eles se organizaram nacionalmente para participar das conferências estaduais. Não teve nenhum problema nessas conferências.
Tele.Síntese: Não houve resistências nos estados?
Fernandes Júnior: No primeiro momento, na fase preparatória, algumas comissões organizadoras estaduais queriam evitar a presença dos empresários, mas isso foi superado. Em todos os lugares saiu a representação de 40% dos empresários, 40% da sociedade civil organizada e 20% do poder público municipal e estadual.
Em São Paulo, no começo, os pequenos empresários ligados aos movimentos sociais tiveram certa resistência, como Carta Capital e Vermelho. Mas houve o diálogo, se conciliaram. Então isso é uma demonstração de espírito democrático. Acho que está sendo uma grande experiência.
Tele.Síntese: E as propostas a serem apresentadas na plenária nacional, como serão organizadas?
Fernandes Júnior: O Ministério das Comunicações contratou a Fundação Getúlio Vargas para sistematizar as propostas. Tem cerca de 6.100. Algumas, na realidade, nem são propostas, são manifestações, não têm coisas substantivas, mais adjetivas. Essas vão ser colocadas numa categoria à parte.
Tele.Síntese: Como será a dinâmica dos trabalhos?
Fernandes Júnior: Nós vamos formar 15 grupos de trabalhos, cinco por cada eixo temático. [“Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”]
Tele.Síntese: Quais são as expectativas do governo com a Confecom?
Fernandes Júnior: No governo Lula já foram realizadas 61 conferências e as pessoas ainda não percebem a importância delas. O próprio SUS [Sistema Único de Saúde] nasceu na oitava conferência de saúde. É uma proposta que vem da base e foi assumida pelo governo Fernando Henrique, passou pelo Congresso Nacional e hoje é considerada uma referência mundial de articulação dos três níveis de governo. Então as pessoas não estão percebendo que, embora não tenha um caráter legislativo, ela vai influir junto aos legisladores, ao Congresso.
E mais, tem uma parte da conferência, posições, propostas que são aprovadas pelo plenário que vão ser objetos apenas de regulamentação, de uma portaria, de uma norma, e por isso é ruim que os empresários fiquem de fora, porque deixam de influir numa coisa que pode avançar para uma nova legislação.
Tele.Síntese: Voltando às propostas do governo, em que se baseiam?
Fernandes Júnior: O que nós temos de propostas, principalmente da Secom, não tratam ainda das questões macro de convergência, mas sim de regulamentar e fiscalizar decisões já tomadas ou na Constituição ou no Código de Telecomunicações. Como o limite do número de outorgas [de rádio e TV], a garantia de veiculação de conteúdo regional, a produção independente, o limite de hora de publicidade nas concessões de TV. Tudo isso já está na legislação, mas ninguém controla. O que nós estamos querendo é que se defina um órgão, se a Anatel ou outro, para regulamentar isso.
Quanto à questão de órgão regulador, nós ainda vamos discutir mais nesta semana com os representantes de todos os ministérios, mas a minha posição pessoal é contra qualquer tipo de órgão de controle de conteúdo naquilo que não for concessão. Nós não temos que nos meter na liberdade de imprensa dos veículos que não são concedidos. Por que a concessão de espaço eletromagnético é um bem público e precisamos garantir que a programação seja basicamente de jornalismo, entretenimento, informação cultural, limitar cultos religiosos em determinados horários. É isso que nós queremos. Um órgão que regulamente, fiscalize aquilo que já existe. Nós não somos contra a qualquer tipo de controle, de fiscalização sobre a manifestação de imprensa livre.
Tele.Síntese: Esse órgão pode ser a Ancine?
Fernandes Júnior: É uma possibilidade. Eu temo que a Ancine não tenha capacidade para cumprir essa função na TV aberta. Isso é um fator a discutir. Precisa ter um organismo. Hoje não tem. A Anatel não faz esse papel. O Ministério das Comunicações não faz esse papel.
O que precisa ficar bem claro é que esse trabalho de fiscalização será feito em concessão de espaço eletromagnético e nunca sobre a qualidade do conteúdo jornalístico ou mesmo do entretenimento. Eu sou contra a baixaria na TV, por exemplo, mas acho que só a sociedade organizada pode combater isso. Acho que tem que ter a classificação indicativa dos programas, sim. Acho que é um absurdo ter propaganda de bebidas alcoólicas num horário que criança esteja vendo televisão. Acho que isso deveria também ser fiscalizado e já existe proposta do Ministério da Justiça em relação a isso.
Então, essas propostas tratam do que já existe e não é regulado nem fiscalizado. E não é regulado porque não foi feito o regulamento. Tem um número grande de projetos na Câmara para regulamentar a produção independente e a produção regional, mas nada passou. Precisa organizar isso e a conferência pode fazer uma proposta de unificação deles. Depois tem um processo posterior de acompanhamento legislativo, por meio de uma comissão formada durante a Confecom, para poder avançar.
Tele.Síntese: A regulamentação da internet tem sido defendida por vários empresários. Qual a posição do governo sobre esse tema?
Fernandes Júnior: Eu sou radicalmente contra. Acho que a proposta do marco civil da internet feita pelo Ministério da Justiça, que trata basicamente da proteção do cibercrime. O caso dos provedores, para que eles tenham condições de fazer um rastreamento para evitar pedofilia, atentados contra a segurança do país, da sociedade, campanhas odiosas, preconceitos. Sou contra qualquer tipo de outro controle.
Tele.Síntese: Há um movimento, principalmente dos radiodifusores, de aplicar o artigo 222 da Constituição, que trata da propriedade dos veículos de comunicação, nos portais da internet que veiculam notícias. Você é a favor disso?
Fernandes Júnior: Sou contra isso. Acho que a internet tem que permanecer como um espaço liberado. É importante para diversificar. A internet tem a grande vantagem de, nesse aparente caos, refletir a sociedade nas suas múltiplas visões. É uma forma, no fundo, de democratizar a informação. Tem muito boato, tem muita lenda, mas tem informação. Não pode ter controle, é assim no mundo inteiro.
Toda vez que tem uma manifestação [contra problemas na internet] a Justiça resolve. A Justiça entrou no Orkut por causa de pedofilia e outros problemas. O próprio Google forneceu as informações necessárias para identificar os autores. Então cabe à justiça intervir, por exemplo, numa manifestação sectária, contra valores constitucionais, contra as liberdades. E tem acontecido. Nós temos mecanismos para isso. Não precisa adotar limites por cima porque ai vai matar a diversidade.
Tele.Síntese: E quais as perspectivas para a Confecom? Já são mais de seis mil propostas...
Fernandes Júnior: Eu acho que vamos chegar, depois de consolidar, a um número bem menor porque uma mesma organização, como a Telebrasil, por exemplo, entrou com propostas iguais em todas as regionais. Ao sistematizar, nós vamos organizar por eixo e uma só proposta, com pequenas variações, pode representar outras propostas. O que a FGV vai fazer é uma proposta unificadora, que vai receber um título breve e vai estar associada na internet a todas as propostas identificando o estado, a origem, e a pessoa vai poder ver todas as propostas e ver que foi atendida. Então com isso a gente acha que vai enxugar bastante.
A gente acha que, com esse trabalho, chegaremos a 1.500 a 2.000 propostas, que serão levadas para os grupos de discussão, que já vão passar um filtro muito grande, antes de ir para o plenário. De tal forma que a gente leve cerca de 200 a 100 propostas para o plenário, para que possam ser discutidas e votadas.
Tele.Síntese: E o que acontecerá depois? Já existe uma proposta para dar periodicidade à Confecom, como já existem para outras conferências?
Fernandes Júnior: Ainda não. Mas acho que devíamos seguir o modelo da saúde, que é de dois em dois anos. Mas essa é uma opinião pessoal. Vai caber ao próximo presidente ou presidenta da República definir.
A poucos dias da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 14, 15, 16 e 17 deste mês, no Centro de Convenções de Brasília, o governo ainda pretende avançar no debate de algumas propostas para o setor, que serão apreciadas no evento. É o que conta ao Tele.Síntese o secretário-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Ottoni Fernandes Júnior.
Ele ressalta que as propostas apresentadas pelo Poder Público até agora pedem a regulamentação e fiscalização do que já está definido na legislação, mas que ainda não foi normatizado. É o caso do tempo máximo de publicidade na TV aberta, limite de concessão de outorgas e garantia de divulgação de conteúdos regionais. E garante: o controle social da comunicação não é defendido pelo governo. Também se diz contrário a imposição de limites à internet.
Com o tema central “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”, a 1ª Confecom se desenvolverá em três eixos-temáticos: “Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”. Nas etapas regionais foram eleitos 1.680 delegados, sendo 40% representantes dos movimentos sociais, 40% das entidades empresariais e 20% do Poder Público. Outros 350 observadores de órgãos nacionais, internacionais e de pessoas da sociedade vão participar dos debates, mas sem direito a voto. Estão previstas ainda a realização de palestras sobre os eixos temáticos com o objetivo de enriquecer os debates. As propostas finais serão votadas na plenária da Confecom, marcada para o dia 17.
Tele.Síntese: O receio do controle social da comunicação ainda preocupa os empresários do setor. O governo pensa em propor algo semelhante na 1ª Conferência Nacional de Comunicação?
Fernandes Júnior – O governo nunca propôs o controle social da comunicação. Isso não está escrito em lugar algum. Não tem uma menção a controle social.
Fernandes Júnior: O que nós estamos propondo é só um início de propostas. Esta semana nós vamos evoluir em algumas propostas. Nós não queremos um papel de protagonista. Achamos que esse papel é da sociedade, mas o governo não vai ficar omisso. Ele vai tomar posições.
O que nós fizemos até agora, em primeiro lugar, foi um grande esforço para que as entidades empresariais, que acabaram saindo, não saíssem. O ministro (Franklin Martins) fez apelo, eu fiz apelo para Abert, ABTA, ANJ. Conversei com todas, falei que era importante os empresários participarem porque esse é um espaço de construção de uma nova proposta para o setor.
Tele.Síntese: Qual a importância da participação dos empresários, já que em conferências de outras áreas eles deixaram de participar?
Fernandes Júnior: Embora o evento não tenha caráter legislativo, ele vai informar as decisões do Congresso, as plataformas de candidatos. Nós comentamos que era um erro os empresários saírem porque eles deixavam de influir nesse debate. Nós deixamos claro aos empresários que o governo faria um papel de ser justamente um facilitador do diálogo entre as partes, entre sociedade civil organizada e empresarial. E se for pegar o testemunho do Pauletti [Telebrasil], do César e do Flávio Lara Resende [Abra], eu acho que eles estão muito satisfeitos de terem ficado, porque estão fazendo propostas, participaram de todas as conferências estaduais.
No começo, o diálogo com os movimentos sociais foi difícil. Acontece, não havia experiência entre as partes. Mas hoje o diálogo flui, busca-se o consenso. E o governo cumpriu justamente esse papel. No início ele foi o facilitador, ajudando no namoro. E hoje acho que tem um diálogo muito grande. Nas reuniões da comissão organizadora, muitas decisões que antes rachavam as partes, saem por consenso. E os empresários ganharam um espaço. Eles se organizaram nacionalmente para participar das conferências estaduais. Não teve nenhum problema nessas conferências.
Tele.Síntese: Não houve resistências nos estados?
Fernandes Júnior: No primeiro momento, na fase preparatória, algumas comissões organizadoras estaduais queriam evitar a presença dos empresários, mas isso foi superado. Em todos os lugares saiu a representação de 40% dos empresários, 40% da sociedade civil organizada e 20% do poder público municipal e estadual.
Em São Paulo, no começo, os pequenos empresários ligados aos movimentos sociais tiveram certa resistência, como Carta Capital e Vermelho. Mas houve o diálogo, se conciliaram. Então isso é uma demonstração de espírito democrático. Acho que está sendo uma grande experiência.
Tele.Síntese: E as propostas a serem apresentadas na plenária nacional, como serão organizadas?
Fernandes Júnior: O Ministério das Comunicações contratou a Fundação Getúlio Vargas para sistematizar as propostas. Tem cerca de 6.100. Algumas, na realidade, nem são propostas, são manifestações, não têm coisas substantivas, mais adjetivas. Essas vão ser colocadas numa categoria à parte.
Tele.Síntese: Como será a dinâmica dos trabalhos?
Fernandes Júnior: Nós vamos formar 15 grupos de trabalhos, cinco por cada eixo temático. [“Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”]
Tele.Síntese: Quais são as expectativas do governo com a Confecom?
Fernandes Júnior: No governo Lula já foram realizadas 61 conferências e as pessoas ainda não percebem a importância delas. O próprio SUS [Sistema Único de Saúde] nasceu na oitava conferência de saúde. É uma proposta que vem da base e foi assumida pelo governo Fernando Henrique, passou pelo Congresso Nacional e hoje é considerada uma referência mundial de articulação dos três níveis de governo. Então as pessoas não estão percebendo que, embora não tenha um caráter legislativo, ela vai influir junto aos legisladores, ao Congresso.
E mais, tem uma parte da conferência, posições, propostas que são aprovadas pelo plenário que vão ser objetos apenas de regulamentação, de uma portaria, de uma norma, e por isso é ruim que os empresários fiquem de fora, porque deixam de influir numa coisa que pode avançar para uma nova legislação.
Tele.Síntese: Voltando às propostas do governo, em que se baseiam?
Fernandes Júnior: O que nós temos de propostas, principalmente da Secom, não tratam ainda das questões macro de convergência, mas sim de regulamentar e fiscalizar decisões já tomadas ou na Constituição ou no Código de Telecomunicações. Como o limite do número de outorgas [de rádio e TV], a garantia de veiculação de conteúdo regional, a produção independente, o limite de hora de publicidade nas concessões de TV. Tudo isso já está na legislação, mas ninguém controla. O que nós estamos querendo é que se defina um órgão, se a Anatel ou outro, para regulamentar isso.
Quanto à questão de órgão regulador, nós ainda vamos discutir mais nesta semana com os representantes de todos os ministérios, mas a minha posição pessoal é contra qualquer tipo de órgão de controle de conteúdo naquilo que não for concessão. Nós não temos que nos meter na liberdade de imprensa dos veículos que não são concedidos. Por que a concessão de espaço eletromagnético é um bem público e precisamos garantir que a programação seja basicamente de jornalismo, entretenimento, informação cultural, limitar cultos religiosos em determinados horários. É isso que nós queremos. Um órgão que regulamente, fiscalize aquilo que já existe. Nós não somos contra a qualquer tipo de controle, de fiscalização sobre a manifestação de imprensa livre.
Tele.Síntese: Esse órgão pode ser a Ancine?
Fernandes Júnior: É uma possibilidade. Eu temo que a Ancine não tenha capacidade para cumprir essa função na TV aberta. Isso é um fator a discutir. Precisa ter um organismo. Hoje não tem. A Anatel não faz esse papel. O Ministério das Comunicações não faz esse papel.
O que precisa ficar bem claro é que esse trabalho de fiscalização será feito em concessão de espaço eletromagnético e nunca sobre a qualidade do conteúdo jornalístico ou mesmo do entretenimento. Eu sou contra a baixaria na TV, por exemplo, mas acho que só a sociedade organizada pode combater isso. Acho que tem que ter a classificação indicativa dos programas, sim. Acho que é um absurdo ter propaganda de bebidas alcoólicas num horário que criança esteja vendo televisão. Acho que isso deveria também ser fiscalizado e já existe proposta do Ministério da Justiça em relação a isso.
Então, essas propostas tratam do que já existe e não é regulado nem fiscalizado. E não é regulado porque não foi feito o regulamento. Tem um número grande de projetos na Câmara para regulamentar a produção independente e a produção regional, mas nada passou. Precisa organizar isso e a conferência pode fazer uma proposta de unificação deles. Depois tem um processo posterior de acompanhamento legislativo, por meio de uma comissão formada durante a Confecom, para poder avançar.
Tele.Síntese: A regulamentação da internet tem sido defendida por vários empresários. Qual a posição do governo sobre esse tema?
Fernandes Júnior: Eu sou radicalmente contra. Acho que a proposta do marco civil da internet feita pelo Ministério da Justiça, que trata basicamente da proteção do cibercrime. O caso dos provedores, para que eles tenham condições de fazer um rastreamento para evitar pedofilia, atentados contra a segurança do país, da sociedade, campanhas odiosas, preconceitos. Sou contra qualquer tipo de outro controle.
Tele.Síntese: Há um movimento, principalmente dos radiodifusores, de aplicar o artigo 222 da Constituição, que trata da propriedade dos veículos de comunicação, nos portais da internet que veiculam notícias. Você é a favor disso?
Fernandes Júnior: Sou contra isso. Acho que a internet tem que permanecer como um espaço liberado. É importante para diversificar. A internet tem a grande vantagem de, nesse aparente caos, refletir a sociedade nas suas múltiplas visões. É uma forma, no fundo, de democratizar a informação. Tem muito boato, tem muita lenda, mas tem informação. Não pode ter controle, é assim no mundo inteiro.
Toda vez que tem uma manifestação [contra problemas na internet] a Justiça resolve. A Justiça entrou no Orkut por causa de pedofilia e outros problemas. O próprio Google forneceu as informações necessárias para identificar os autores. Então cabe à justiça intervir, por exemplo, numa manifestação sectária, contra valores constitucionais, contra as liberdades. E tem acontecido. Nós temos mecanismos para isso. Não precisa adotar limites por cima porque ai vai matar a diversidade.
Tele.Síntese: E quais as perspectivas para a Confecom? Já são mais de seis mil propostas...
Fernandes Júnior: Eu acho que vamos chegar, depois de consolidar, a um número bem menor porque uma mesma organização, como a Telebrasil, por exemplo, entrou com propostas iguais em todas as regionais. Ao sistematizar, nós vamos organizar por eixo e uma só proposta, com pequenas variações, pode representar outras propostas. O que a FGV vai fazer é uma proposta unificadora, que vai receber um título breve e vai estar associada na internet a todas as propostas identificando o estado, a origem, e a pessoa vai poder ver todas as propostas e ver que foi atendida. Então com isso a gente acha que vai enxugar bastante.
A gente acha que, com esse trabalho, chegaremos a 1.500 a 2.000 propostas, que serão levadas para os grupos de discussão, que já vão passar um filtro muito grande, antes de ir para o plenário. De tal forma que a gente leve cerca de 200 a 100 propostas para o plenário, para que possam ser discutidas e votadas.
Tele.Síntese: E o que acontecerá depois? Já existe uma proposta para dar periodicidade à Confecom, como já existem para outras conferências?
Fernandes Júnior: Ainda não. Mas acho que devíamos seguir o modelo da saúde, que é de dois em dois anos. Mas essa é uma opinião pessoal. Vai caber ao próximo presidente ou presidenta da República definir.
Assinar:
Postagens (Atom)