Reproduzo artigo de Wanderley Caixe, publicado no blog Escrevinhador:
Nunca é ético tripudiar sobre o vencido. Nas vitórias, recomenda-se uma certa condescendência com quem perdeu. Por isso, para aqueles de coração aberto, ofereço aqui algumas sugestões de votos de solidariedade para com os derrotados, neste momento em que estão lambendo suas feridas.
Em primeiro lugar, pode-se escolher a solidariedade com o tucano vencido, porque é fácil imaginar a dor de cabeça que o forte impacto de uma bolinha de papel lhe deve ter causado, moral e fisicamente; ou o arrependimento que deve estar sentindo por não ter deixado a outro (um mineiro, talvez) a ingrata missão de opor-se a um projeto de aprovação popular.
A solidaridade ao candidato pode e deve estender-se a muita gente próxima a ele, que deve ter passado noites insones, ao longo do período eleitoral, imaginando a candidata vencedora a executar criancinhas em praça pública, em cerimônias de aborto coletivo…
Igualmente humanitária seria a posição de solidariedade que se dirigisse para os políticos vencidos na derrota dos tucanos. Ela poderia destinar-se, por exemplo, a uma série de ex-senadores (tucanos ou agregados), a maioria deles do Norte ou Nordeste, caciques que, de repente, se descobriram sem tribos, e que, até agora, não devem estar entendendo como conseguiram perder as eleições depois de tentar destruir, sem tréguas, a figura de um presidente com 82% de aplauso do povo.
Um voto especial, nesse âmbito, pode ir, seguramente, para o Sr. César Maia, que, na voz das urnas, encontrou ressonância equivalente às vozes que vemos diuturnamente ecoar na “Cidade da Música”, elefante branco que marcou a sua gestão na Prefeitura carioca…
Outra que merece essa mão estendida é a mídia corporativa desse país, esse poderosíssimo poder de fazer cabeças, mas injustamente não levada em consideração no pleito presidencial pela maioria dos eleitores, apesar dos esforços éticos e aéticos, factuais ou ficcionais, que levou a efeito para tentar eleger o candidato que perdeu.
E, nesse caso específico, a solidariedade deve abranger os valentes profissionais que compõem essa mídia, entre eles alguns comentaristas políticos e economistas de nomeada ”especialistas”, que devem até agora estar se interrogando sobre como, onde e por quê erraram, já que fizeram certinho o dever de casa (ou melhor, o dever “da casa” onde trabalham)… Deve ser horrível fazer jornalismo em um país em que as pessoas se atrevem a ter juízo próprio…
Por falar nisso, não se deve esquecer uma possível solidariedade aos leitores que escrevem cartas nessas publicações midiáticas – em sua esmagadora maioria, legitimos representantes de uma elite que, raivosa, a julgar pela forma como se manifesta, tem imensa dificuldade em conviver bem com a melhor repartição do pão que sobra em fartas mesas, com o maior movimento de gente nos aeroportos, com a maior presença de “estranhos” nas universidades, enfim, com a felicidade melhor distribuída…Imagino como estejam tristes pelo fato de não ter sido ainda desta vez que se reinstaurou entre nós o nirvana dos privilegiados…
Também há a possibilidade de se ser solidário a algumas entidades religiosas (instituições ou seitas, não importa)que, não se pode negar, cumpriram direitinho – embora sem êxito, no final das contas (que pena!) - o seu papel de aterrorizar os eleitores com assuntos que não deveriam ter composto o cardápio eleitoral. Um destaque especial pode ser conferido ao Papa, que fez todo o esforço possível para que o obscurantismo prevalecesse, mas que não encontrou, entre os seus fiéis, tanta devoção à causa quanto julgava, apesar das recomendadas lavagens cerebrais eclesiásticas.
Há ainda a solidariedade aos verdes – cuja “onda”, afinal de contas, acabou por não gerar mais que uns gatos pingados no Congresso - e aos de outras colorações que, por não terem uma posição firmada sobre coisa alguma, encontraram grande dificuldade para se manterem em cima de muros, em posição desconfortável que, quem sabe, ainda lhes poderá trazer, no futuro, outros problemas de desvio na coluna ideológica. Aqui excluo, em nome da verdade, o Sr Fernando Gabeira, que, embora verde, jamais se omitiu e deixou claríssima sua posição de aproximação retrógrada com a turma da direita
Pode ser que, tocados por essa onda de solidariedade, alguns desses derrotados venham a experimentar uma crise de consciência ou uma correção de rumos. Não sou muito otimista quanto a isso. A julgar pelo tom da “saudação” do candidato derrotado no discurso que se seguiu à proclamação dos resultados, penso que Dilma e as forças vitoriosas não devem desprezar as potencialidades venenosamente vingativas desse pessoal. E devem, desde já, prevenir-se com o antídoto infalível – porque já testado e comprovado – da continuidade dos projetos de redenção social como tônica do governo.
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sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Dilma e o legado do governo Lula
Por Altamiro Borges
A eleição no Brasil se deu num quadro de relativa estabilidade econômica. A crise capitalista mundial de 2008/2009 atingiu o país numa situação distinta de outras recessões recentes que geraram explosões de desemprego e corrosão salarial. Não houve um tsunami, como torcia a oposição neoliberal-conservadora, mas também não foi uma suave “marolinha”, como afirmou o presidente Lula. A economia brasileira encolheu 0,2% em 2009, ceifando milhares de empregos. As empresas também utilizaram a crise para fazer terrorismo, cortando salários e direitos sociais.
Mas, objetivamente, o Brasil demorou a entrar na crise e revelou surpreendente capacidade para sair rapidamente dela. O governo Lula projeta crescimento de 7% na economia em 2010. Como na depressão de 1929, quando Getúlio Vargas apostou na industrialização e na superação da condição de nação arcaica, a atual crise também pode abrir uma nova “janela de oportunidades”. Para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a robusta retomada do crescimento já projeta o Brasil como a quinta economia mundial, com melhores condições para enfrentar seus gargalos estruturais e os graves problemas sociais. Cada um por cento de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) representa cerca de 400 mil novos empregos com carteira assinada.
Quadro mais favorável às lutas
A rápida retomada da economia é saudada pelos trabalhadores e cria um quadro mais favorável às lutas sociais. Somente no primeiro semestre de 2010 foram criados 1,473 milhão de empregos com carteira assinada – o melhor resultado desde o início do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 1992. A estimativa é que o ano se encerre com a criação de mais de 2,5 milhões de novos postos de trabalho, o que aquece o mercado interno, reforça a produção e o comércio e eleva a renda dos assalariados num circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.
Dado surpreendente da vitalidade da economia é que em pleno auge da crise mundial a renda do trabalho não despencou. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), 93% das categorias obtiveram aumento real ou igual à inflação em 2009. O crescimento econômico também garantiu aumento da arrecadação tributária, o que garante a manutenção e ampliação dos programas sociais, maior investimento do estado na infra-estrutura e desmascara as falácias neoliberais sobre déficit na Previdência Social como forma de se opor ao reajuste das aposentarias e pensões e ao fim do fator previdenciário.
Razões do crescimento econômico
A surpreendente retomada da economia nacional decorre de vários fatores. Não é expressão de pura sorte ou dádiva divina, como dizem os invejosos neoliberais. O sindicalismo brasileiro, que lutou e arrancou a política de aumento real do salário mínimo, é um dos responsáveis pela atual reação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova que a valorização do mínimo foi decisiva para aquecer o mercado interno, atenuando os estragos da crise mundial.
Já os programas sociais implantados pelo atual governo, que também derivam da pressão dos movimentos populares por saídas emergências para a fome e miséria, tiveram papel de destaque, principalmente nas regiões interioranas do país. O Bolsa Família é hoje um fator de dinamização das economias locais. Ele saltou de um atendimento de 3,6 milhões de famílias, em 2003, para 12,3 milhões, em 2009. Para Marcelo Neri, economista da FGV/RJ, a valorização do salário mínimo e os programas sociais foram os responsáveis pela contenção da crise.
“Foi uma ‘pequena grande década’. A melhora da renda hoje é muita mais sustentável”, confessa Neri, um crítico do atual governo. Essa melhora da renda garantiu maior consumo, o que forçou maior produção e gerou mais empregos. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais no Brasil. A renda média no país cresceu 5,3% ao ano; no Nordeste, o ritmo de crescimento foi “chinês”, de 7,3% - segundo a FGV.
Bancos públicos e política externa
A rápida reação à crise mundial também decorreu da existência de potentes estatais, como a Petrobras, e de musculosos bancos públicos, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES – que não foram privatizados no reinado de FHC graças à intensa resistência social. Eles garantiram a circulação de dinheiro no mercado interno, a chamada liquidez, num momento de sumiço dos recursos externos e de chantagens da ditadura financeira.
Diferentemente das gestões neoliberais, o governo também usou medidas anticíclicas, reduzindo impostos, para aquecer a economia interna. Por último, vale realçar o papel da política externa. Fugindo da armadilha do “alinhamento automático aos EUA”, o Brasil diversificou seu comércio exterior e fortaleceu o Mercosul e as relações Sul-Sul. Caso mantida a política anterior, quando o país dependia em quase 30% do comércio com os EUA, o desastre seria inevitável. A política externa soberana e altiva foi decisiva para salvar o Brasil da grave crise capitalista internacional.
Graves problemas estruturais
Estas conquistas, porém, não superam os graves problemas estruturais do país. Elas devem ser comemoradas, mas não podem nos embriagar ou acomodar. Afinal, o Brasil ainda é um país extremamente injusto. O capital financeiro mantém seus privilégios. Mesmo na crise, os bancos registraram as mais altas taxas de lucros das Américas, segundo a consultoria Economática, devido aos estratosféricos juros (153% nos cheques especiais), às taxas escorchantes dos serviços bancários (alta de 328% no ano passado) e à brutal exploração dos bancários.
Já a estrutura agrária é uma das mais atrasadas do mundo, com 1% dos latifundiários controlando 48% das terras agricultáveis. E a renda do trabalho ainda é ridícula. Pesquisa da OIT revela que um em cada quatro brasileiros ganha menos de US$ 75 por mês e que a cobertura do seguro-desemprego atende menos de 10% das vítimas. Mesmo reconhecendo que houve melhoria na distribuição de renda – a pobreza caiu de 43%, em 2003, para 25,8%, em 2008 –, a OIT garante que o Brasil ainda é um dos países de pior distribuição de renda e riqueza do planeta.
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A eleição no Brasil se deu num quadro de relativa estabilidade econômica. A crise capitalista mundial de 2008/2009 atingiu o país numa situação distinta de outras recessões recentes que geraram explosões de desemprego e corrosão salarial. Não houve um tsunami, como torcia a oposição neoliberal-conservadora, mas também não foi uma suave “marolinha”, como afirmou o presidente Lula. A economia brasileira encolheu 0,2% em 2009, ceifando milhares de empregos. As empresas também utilizaram a crise para fazer terrorismo, cortando salários e direitos sociais.
Mas, objetivamente, o Brasil demorou a entrar na crise e revelou surpreendente capacidade para sair rapidamente dela. O governo Lula projeta crescimento de 7% na economia em 2010. Como na depressão de 1929, quando Getúlio Vargas apostou na industrialização e na superação da condição de nação arcaica, a atual crise também pode abrir uma nova “janela de oportunidades”. Para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a robusta retomada do crescimento já projeta o Brasil como a quinta economia mundial, com melhores condições para enfrentar seus gargalos estruturais e os graves problemas sociais. Cada um por cento de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) representa cerca de 400 mil novos empregos com carteira assinada.
Quadro mais favorável às lutas
A rápida retomada da economia é saudada pelos trabalhadores e cria um quadro mais favorável às lutas sociais. Somente no primeiro semestre de 2010 foram criados 1,473 milhão de empregos com carteira assinada – o melhor resultado desde o início do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 1992. A estimativa é que o ano se encerre com a criação de mais de 2,5 milhões de novos postos de trabalho, o que aquece o mercado interno, reforça a produção e o comércio e eleva a renda dos assalariados num circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.
Dado surpreendente da vitalidade da economia é que em pleno auge da crise mundial a renda do trabalho não despencou. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), 93% das categorias obtiveram aumento real ou igual à inflação em 2009. O crescimento econômico também garantiu aumento da arrecadação tributária, o que garante a manutenção e ampliação dos programas sociais, maior investimento do estado na infra-estrutura e desmascara as falácias neoliberais sobre déficit na Previdência Social como forma de se opor ao reajuste das aposentarias e pensões e ao fim do fator previdenciário.
Razões do crescimento econômico
A surpreendente retomada da economia nacional decorre de vários fatores. Não é expressão de pura sorte ou dádiva divina, como dizem os invejosos neoliberais. O sindicalismo brasileiro, que lutou e arrancou a política de aumento real do salário mínimo, é um dos responsáveis pela atual reação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova que a valorização do mínimo foi decisiva para aquecer o mercado interno, atenuando os estragos da crise mundial.
Já os programas sociais implantados pelo atual governo, que também derivam da pressão dos movimentos populares por saídas emergências para a fome e miséria, tiveram papel de destaque, principalmente nas regiões interioranas do país. O Bolsa Família é hoje um fator de dinamização das economias locais. Ele saltou de um atendimento de 3,6 milhões de famílias, em 2003, para 12,3 milhões, em 2009. Para Marcelo Neri, economista da FGV/RJ, a valorização do salário mínimo e os programas sociais foram os responsáveis pela contenção da crise.
“Foi uma ‘pequena grande década’. A melhora da renda hoje é muita mais sustentável”, confessa Neri, um crítico do atual governo. Essa melhora da renda garantiu maior consumo, o que forçou maior produção e gerou mais empregos. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais no Brasil. A renda média no país cresceu 5,3% ao ano; no Nordeste, o ritmo de crescimento foi “chinês”, de 7,3% - segundo a FGV.
Bancos públicos e política externa
A rápida reação à crise mundial também decorreu da existência de potentes estatais, como a Petrobras, e de musculosos bancos públicos, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES – que não foram privatizados no reinado de FHC graças à intensa resistência social. Eles garantiram a circulação de dinheiro no mercado interno, a chamada liquidez, num momento de sumiço dos recursos externos e de chantagens da ditadura financeira.
Diferentemente das gestões neoliberais, o governo também usou medidas anticíclicas, reduzindo impostos, para aquecer a economia interna. Por último, vale realçar o papel da política externa. Fugindo da armadilha do “alinhamento automático aos EUA”, o Brasil diversificou seu comércio exterior e fortaleceu o Mercosul e as relações Sul-Sul. Caso mantida a política anterior, quando o país dependia em quase 30% do comércio com os EUA, o desastre seria inevitável. A política externa soberana e altiva foi decisiva para salvar o Brasil da grave crise capitalista internacional.
Graves problemas estruturais
Estas conquistas, porém, não superam os graves problemas estruturais do país. Elas devem ser comemoradas, mas não podem nos embriagar ou acomodar. Afinal, o Brasil ainda é um país extremamente injusto. O capital financeiro mantém seus privilégios. Mesmo na crise, os bancos registraram as mais altas taxas de lucros das Américas, segundo a consultoria Economática, devido aos estratosféricos juros (153% nos cheques especiais), às taxas escorchantes dos serviços bancários (alta de 328% no ano passado) e à brutal exploração dos bancários.
Já a estrutura agrária é uma das mais atrasadas do mundo, com 1% dos latifundiários controlando 48% das terras agricultáveis. E a renda do trabalho ainda é ridícula. Pesquisa da OIT revela que um em cada quatro brasileiros ganha menos de US$ 75 por mês e que a cobertura do seguro-desemprego atende menos de 10% das vítimas. Mesmo reconhecendo que houve melhoria na distribuição de renda – a pobreza caiu de 43%, em 2003, para 25,8%, em 2008 –, a OIT garante que o Brasil ainda é um dos países de pior distribuição de renda e riqueza do planeta.
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O AI-5 digital e a democracia tucana
Reproduzo artigo de Luiz Carvalho, publicado no sítio da CUT:
No início de outubro, em um Congresso Nacional esvaziado enquanto o Brasil discute as eleições, o Projeto de Lei (PL) 84/99 do senador Eduardo Azeredo, do PSDB de José Serra, foi aprovado em duas comissões na Câmara.
Também conhecido como “AI-5 digital”, uma referência ao Ato Institucional nº 5 que o regime militar baixou em 1968 para fechar o parlamento e acabar com a liberdade de expressão, o PL permite violar os direitos civis, transfere para a sociedade a responsabilidade sobre a segurança na internet que deveria ser das empresas e ataca a inclusão digital.
O projeto de Azeredo passa também a tratar como crime sujeito a prisão de até três anos a transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação. Isso pode incluir desde baixar músicas até a mera citação de trechos de uma matéria em um blog.
Conheça os principais pontos do projeto do Azeredo.
1. Quebra de sigilo
Ironicamente, o PL do parlamentar ligado ao partido que se diz vítima de uma suposta quebra de sigilo nas eleições, determina que os dados dos internautas possam ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. Na prática, será possível quebrar o sigilo de qualquer pessoa sem autorização da Justiça, ao contrário do que diz a Constituição.
2. Internet para ricos
Azeredo quer ainda que os provedores de acesso à Internet e de conteúdo (serviços de e-mail , publicadores de blog e o Google) guardem o registro de toda a navegação de cada usuário por três anos, com a origem, a hora e a data da conexão.
Além de exemplo de violação à privacidade, o projeto deixa claro: para os tucanos, internet é para quem pode pagar, já que nas redes sem fio que algumas cidades já estão implementando para aumentar a inclusão digital, várias pessoas navegam com o mesmo número de IP (o endereço na internet).
3. Ajudinha aos banqueiros
Um dos argumentos do deputado ficha suja reeleito em 2010 – responde a ação penal por peculato e lavagem ou ocultação de bem –, é que o rastreamento das pessoas que utilizam a internet ajudará a acabar com as fraudes bancárias. Seria mais eficaz que os bancos fossem obrigados a adotar uma assinatura digital nas transações para todos os clientes. Mas, isso geraria mais custos aos bancos e o parlamentar não quer se indispor com eles.
O que acontece agora?
Atualmente, o “PL Azeredo” tramita na Câmara de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e aguarda a posição do relator Júlio Semeghini, do PSDB-RJ.
A má notícia é que foi esse deputado que garantiu, em outubro de 2009, que o projeto aguardaria o desenrolar dos debates para seguir tramitando. Mas, Semeghini fez o contrário do prometido e tocou o projeto adiante.
Com a provável aprovação, a última alternativa para evitar que vire lei e acabe com a democracia digital no Brasil será o veto do próximo presidente.
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No início de outubro, em um Congresso Nacional esvaziado enquanto o Brasil discute as eleições, o Projeto de Lei (PL) 84/99 do senador Eduardo Azeredo, do PSDB de José Serra, foi aprovado em duas comissões na Câmara.
Também conhecido como “AI-5 digital”, uma referência ao Ato Institucional nº 5 que o regime militar baixou em 1968 para fechar o parlamento e acabar com a liberdade de expressão, o PL permite violar os direitos civis, transfere para a sociedade a responsabilidade sobre a segurança na internet que deveria ser das empresas e ataca a inclusão digital.
O projeto de Azeredo passa também a tratar como crime sujeito a prisão de até três anos a transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação. Isso pode incluir desde baixar músicas até a mera citação de trechos de uma matéria em um blog.
Conheça os principais pontos do projeto do Azeredo.
1. Quebra de sigilo
Ironicamente, o PL do parlamentar ligado ao partido que se diz vítima de uma suposta quebra de sigilo nas eleições, determina que os dados dos internautas possam ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. Na prática, será possível quebrar o sigilo de qualquer pessoa sem autorização da Justiça, ao contrário do que diz a Constituição.
2. Internet para ricos
Azeredo quer ainda que os provedores de acesso à Internet e de conteúdo (serviços de e-mail , publicadores de blog e o Google) guardem o registro de toda a navegação de cada usuário por três anos, com a origem, a hora e a data da conexão.
Além de exemplo de violação à privacidade, o projeto deixa claro: para os tucanos, internet é para quem pode pagar, já que nas redes sem fio que algumas cidades já estão implementando para aumentar a inclusão digital, várias pessoas navegam com o mesmo número de IP (o endereço na internet).
3. Ajudinha aos banqueiros
Um dos argumentos do deputado ficha suja reeleito em 2010 – responde a ação penal por peculato e lavagem ou ocultação de bem –, é que o rastreamento das pessoas que utilizam a internet ajudará a acabar com as fraudes bancárias. Seria mais eficaz que os bancos fossem obrigados a adotar uma assinatura digital nas transações para todos os clientes. Mas, isso geraria mais custos aos bancos e o parlamentar não quer se indispor com eles.
O que acontece agora?
Atualmente, o “PL Azeredo” tramita na Câmara de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e aguarda a posição do relator Júlio Semeghini, do PSDB-RJ.
A má notícia é que foi esse deputado que garantiu, em outubro de 2009, que o projeto aguardaria o desenrolar dos debates para seguir tramitando. Mas, Semeghini fez o contrário do prometido e tocou o projeto adiante.
Com a provável aprovação, a última alternativa para evitar que vire lei e acabe com a democracia digital no Brasil será o veto do próximo presidente.
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O obsceno poder da imprensa chilena
Reproduzo artigo de Paul Walder, publicado na revista Punto Final e traduzido pelo sítio Carta Maior (Katarina Peixoto):
As correntes de opinião se expressam já modeladas e canalizadas e, na medida em que são difundidas, se reforçam e se consolidam. A máquina midiática de amplificação e reiteração consegue colocar na agenda uma informação e transformá-la em uma espécie de evento nacional. A estrutura do “duopólio” mostra aqui seus acordos e sua colusão, como se fosse um cartel. Ainda que o objeto do cartel não seja os preços ou o mercado de publicidade. O consenso está nos conteúdos. Então, uma voz única é escutada em todo o país.
Não é preciso dispor de uma análise exaustiva de conteúdos para fazer esta afirmação. As informações relacionadas com o frustrado pedido de extradição, desde a Argentina, de Sergio Galvarino Apablaza nos lembrou daquela imprensa “monolítica” da ditadura. Uma só voz, uma versão e uma opinião. Sem debate, sem reflexão. Sem pluralismo, que é o mesmo que sem liberdade de expressão. Uma só voz, a da UDI (Unión Democrata Independiente, partido governista), influindo, ordenando consciências, mobilizando toda a classe política em torno de uma única verdade. O país unido; lemos, escutamos, sob a causa dos “direitos humanos”. O duopólio abraçado e sob uma única bandeira. A televisão, como sempre, sobe no mesmo carro.
É o provincianismo em sua pior expressão. Porque é a ignorância manipulada e conduzida. Hoje é o governo argentino, personalizado na presidenta Cristina Fernández, outro dia é Hugo Chávez. Há algumas décadas era o comunismo internacional e, numa determinada ocasião, foi um foguete sinalizador brasileiro. Os meios de comunicação chilenos, tal como ouvimos durante mais de uma década, estão aí (supostamente) para mostrar a verdade. Mas sua versão da realidade é o lugar dos interesses do poder.
Este não é o único caso de desvio informativo no Chile atual. A recente cobertura do conflito chileno-mapuche ou o chamado “caso bombas” têm a mesma inspiração e os mesmos efeitos: uma só versão informativa, uma realidade polarizada, um mundo reduzido e infantilizado, uma divisão esquemática entre bons e maus. A estrutura da telenovela, do reality show das pseudo reportagens se reproduz também na imprensa diária.
Este é o poder da imprensa em sua pior dimensão: a concentração e a colusão. Um poder que forma e deforma, que exibe e oculta. Um poder onipresente que modela as idéias ao sabor dos mais profundos e ocultos interesses. Do outro lado da máquina, está o espectador, o consumidor massivo, vulnerável pela desinformação. Só repete a voz de seu senhor em meio a sua ignorância.
Felizmente, há uma massa crítica de leitores e consumidores de televisão que levantaram sua voz para exigir um direito mínimo, o de estar bem informado, de não ser manipulado e enfraquecido pelo engano. Há algumas semanas, dezenas de estudantes universitários se reuniram em frente ao canal 13 para protestar contra a manipulação de sua cobertura informativa. O protesto foi uma reação cidadã ao silêncio informativo que caracterizou as primeiras semanas da greve de fome dos presos mapuches.
Outra iniciativa cidadã contra o artificial status quo midiático envolveu a Televisão Nacional do Chile que, ao contrário dos meios privados, deveria ter a obrigação de manter um equilíbrio informativo, não segundo os interesses comerciais do mercado, e tampouco de caráter político, mas sim por meio de uma interpretação e cobertura de eventos com real significado social e político. Pensando nisso, um grupo de pessoas criou o Observatório Cidadão da TVN, que semanalmente compara informações emitidas por outros meios com as que efetivamente a TVN apresenta ou com as que são omitidas pelo canal público, mas divulgadas por numerosas agências. Os resultados, que podem ser vistos no jornal digital Clarín do Chile (www.elclarin.cl), são surpreendentes.
Novas gerações de jornalistas já colocaram em marcha campanhas paralelas, cuja força se soma às anteriores e estão colaborando para gerar uma visão e uma consciência mais crítica sobre a atuação dos meios de comunicação. Uma destas ações, impulsionada pela Rede de Meios dos Povos, aponta a máquina midiático-institucional que criminaliza legítimos protestos sociais. Tal como ocorreu durante a ditadura, os meios julgam e condenam, organizando o espectro social sob uma única e muito enviesada visão. As coberturas jornalísticas da TVN, do Canal 13, do El Mercúrio e de La Tercera denunciam os setores mobilizados da sociedade, com o uso freqüente e arbitrário de qualificativos como “criminoso”, “delinqüente”, “antisocial” e “terrorista” para se referir a manifestantes e ativistas. O tratamento dado à comunidade mapuche e aos grupos de jovens que são contra o atual sistema é eloqüente a respeito dessa prática.
Mas há arbitrariedades cometidas pelos meios de comunicação que, em qualquer outro mercado, deveriam tomar a forma de uma denúncia. Existem práticas de colusão entre os meios e instituições provedoras dos conteúdos que acabam sendo empregadas como ferramenta acusatória a grupos e pessoas. Assim, pode-se destruir caprichosamente um cidadão e essa injustiça permanecerá completamente impune. Estamos muito longe de regular e legislar sobre estes abusos e distorções. Os meios concentrados e fundidos com os interesses políticos e econômicos se converteram em um poder onipresente que só responde a esses interesses e a si mesmo. Se há alguma saída, ela passa pelo desenvolvimento de uma consciência crítica que nos permita enfrentar a manipulação e a ignorância.
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As correntes de opinião se expressam já modeladas e canalizadas e, na medida em que são difundidas, se reforçam e se consolidam. A máquina midiática de amplificação e reiteração consegue colocar na agenda uma informação e transformá-la em uma espécie de evento nacional. A estrutura do “duopólio” mostra aqui seus acordos e sua colusão, como se fosse um cartel. Ainda que o objeto do cartel não seja os preços ou o mercado de publicidade. O consenso está nos conteúdos. Então, uma voz única é escutada em todo o país.
Não é preciso dispor de uma análise exaustiva de conteúdos para fazer esta afirmação. As informações relacionadas com o frustrado pedido de extradição, desde a Argentina, de Sergio Galvarino Apablaza nos lembrou daquela imprensa “monolítica” da ditadura. Uma só voz, uma versão e uma opinião. Sem debate, sem reflexão. Sem pluralismo, que é o mesmo que sem liberdade de expressão. Uma só voz, a da UDI (Unión Democrata Independiente, partido governista), influindo, ordenando consciências, mobilizando toda a classe política em torno de uma única verdade. O país unido; lemos, escutamos, sob a causa dos “direitos humanos”. O duopólio abraçado e sob uma única bandeira. A televisão, como sempre, sobe no mesmo carro.
É o provincianismo em sua pior expressão. Porque é a ignorância manipulada e conduzida. Hoje é o governo argentino, personalizado na presidenta Cristina Fernández, outro dia é Hugo Chávez. Há algumas décadas era o comunismo internacional e, numa determinada ocasião, foi um foguete sinalizador brasileiro. Os meios de comunicação chilenos, tal como ouvimos durante mais de uma década, estão aí (supostamente) para mostrar a verdade. Mas sua versão da realidade é o lugar dos interesses do poder.
Este não é o único caso de desvio informativo no Chile atual. A recente cobertura do conflito chileno-mapuche ou o chamado “caso bombas” têm a mesma inspiração e os mesmos efeitos: uma só versão informativa, uma realidade polarizada, um mundo reduzido e infantilizado, uma divisão esquemática entre bons e maus. A estrutura da telenovela, do reality show das pseudo reportagens se reproduz também na imprensa diária.
Este é o poder da imprensa em sua pior dimensão: a concentração e a colusão. Um poder que forma e deforma, que exibe e oculta. Um poder onipresente que modela as idéias ao sabor dos mais profundos e ocultos interesses. Do outro lado da máquina, está o espectador, o consumidor massivo, vulnerável pela desinformação. Só repete a voz de seu senhor em meio a sua ignorância.
Felizmente, há uma massa crítica de leitores e consumidores de televisão que levantaram sua voz para exigir um direito mínimo, o de estar bem informado, de não ser manipulado e enfraquecido pelo engano. Há algumas semanas, dezenas de estudantes universitários se reuniram em frente ao canal 13 para protestar contra a manipulação de sua cobertura informativa. O protesto foi uma reação cidadã ao silêncio informativo que caracterizou as primeiras semanas da greve de fome dos presos mapuches.
Outra iniciativa cidadã contra o artificial status quo midiático envolveu a Televisão Nacional do Chile que, ao contrário dos meios privados, deveria ter a obrigação de manter um equilíbrio informativo, não segundo os interesses comerciais do mercado, e tampouco de caráter político, mas sim por meio de uma interpretação e cobertura de eventos com real significado social e político. Pensando nisso, um grupo de pessoas criou o Observatório Cidadão da TVN, que semanalmente compara informações emitidas por outros meios com as que efetivamente a TVN apresenta ou com as que são omitidas pelo canal público, mas divulgadas por numerosas agências. Os resultados, que podem ser vistos no jornal digital Clarín do Chile (www.elclarin.cl), são surpreendentes.
Novas gerações de jornalistas já colocaram em marcha campanhas paralelas, cuja força se soma às anteriores e estão colaborando para gerar uma visão e uma consciência mais crítica sobre a atuação dos meios de comunicação. Uma destas ações, impulsionada pela Rede de Meios dos Povos, aponta a máquina midiático-institucional que criminaliza legítimos protestos sociais. Tal como ocorreu durante a ditadura, os meios julgam e condenam, organizando o espectro social sob uma única e muito enviesada visão. As coberturas jornalísticas da TVN, do Canal 13, do El Mercúrio e de La Tercera denunciam os setores mobilizados da sociedade, com o uso freqüente e arbitrário de qualificativos como “criminoso”, “delinqüente”, “antisocial” e “terrorista” para se referir a manifestantes e ativistas. O tratamento dado à comunidade mapuche e aos grupos de jovens que são contra o atual sistema é eloqüente a respeito dessa prática.
Mas há arbitrariedades cometidas pelos meios de comunicação que, em qualquer outro mercado, deveriam tomar a forma de uma denúncia. Existem práticas de colusão entre os meios e instituições provedoras dos conteúdos que acabam sendo empregadas como ferramenta acusatória a grupos e pessoas. Assim, pode-se destruir caprichosamente um cidadão e essa injustiça permanecerá completamente impune. Estamos muito longe de regular e legislar sobre estes abusos e distorções. Os meios concentrados e fundidos com os interesses políticos e econômicos se converteram em um poder onipresente que só responde a esses interesses e a si mesmo. Se há alguma saída, ela passa pelo desenvolvimento de uma consciência crítica que nos permita enfrentar a manipulação e a ignorância.
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Movimentos sociais levantam suas bandeiras
Reproduzo artigo de Pedro Carrano, publicado no sítio da Radioagência NP:
Qual deve ser a postura do movimento popular e sindical, e quais as bandeiras centrais no governo Dilma, recém-eleita presidente do país? A ofensiva conservadora que marcou as eleições de 2010, as reivindicações da classe não cumpridas durante o governo Lula e a base econômica deixada pelo atual governo são alguns dos pontos de partida para as lutas dos movimentos sociais, de acordo com as reflexões de suas lideranças.
Para o integrante da coordenação nacional do MST, Gilmar Mauro, o resultado eleitoral não quer dizer apenas uma derrota de José Serra (PSDB), mas da grande mídia como um todo. Mauro avisa que os movimentos sociais terão uma relação de autonomia com o próximo governo, com quem as organizações devem confrontar suas reivindicações. A reforma agrária, por exemplo, não foi pautada na campanha eleitoral deste ano e deve voltar à agenda.
Sobre a questão agrária, Mauro enfatiza que o debate se dá em três frentes: sobre o uso do solo e recursos naturais, que não devem ser transformados em mercadorias, sobre o tipo de alimentos que a população está consumindo, e a serviço de quem serão usadas as tecnologias no campo.
“Eu acho que a reforma agrária é uma das coisas mais modernas do mundo na atualidade. Mas uma reforma agrária vai ter que alterar o modelo agrícola, o modelo de produção, o tipo de comida, o tipo de tecnologia, e esse debate vamos ter que fazer o debate com a sociedade. Esperamos que o governo Dilma possa ajudar, no sentido de favorecer, de criar espaços para que esse debate ocorra e que a sociedade participe da discussão de uma verdadeira reforma agrária que altere a estrutura fundiária no Brasil e o modelo de produção no Brasil.”
A postura do movimento negro será de apoio crítico e pressão permanente em defesa de políticas públicas. Esta é a posição da Uneafro, de acordo com Douglas Belchior, do conselho geral da organização. Para ele, Dilma terá que revisar as políticas de segurança pública que vitimam a população negra em todos os estados. O aprofundamento das políticas de acesso à educação e a pressão pelo Estatuto de Igualdade Racial são pontos estratégicos na avaliação da entidade.
“O movimento negro deve ter uma postura de luta permanente e vamos ocupar as ruas. Também vamos ocupar as universidades no sentido de pressionar para que o governo haja e preste serviço ao povo brasileiro e não para os latifundiários, para os racistas, empresários e banqueiros.”
A base econômica construída nos oito anos de governo Lula resultou na geração de empregos e estancou a flexibilização do trabalho no período Fernando Henrique Cardoso (FHC) é o que analisa o sindicalista Milton Viário, da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul e da CUT. Ele enxerga que o momento é de pautar a plataforma unificada dos trabalhadores, construída em 2010 pelo movimento social e sindical. No campo sindical, maior democracia e condições de trabalho, jornada de 40 horas e o fim do fato previdenciário são pontos centrais nesse projeto.
“Nós vamos ter condições melhores para apresentar a plataforma da classe trabalhadora, voltada basicamente no desenvolvimento econômico. Portanto, ampliando a atividade produtiva, mas reivindicando fortemente a geração de empregos de qualidade, empregos aonde se possa ter uma melhor remuneração, empregos aonde se possa ter de fato uma qualificação profissional e que haja a especialização do trabalho.”
A deputada federal recém-eleita pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) de São Paulo, Luiza Erundina, aponta que o governo Dilma terá que enfrentar o desafio de maior democratização do Estado brasileiro. O que, de acordo com ela, passa por dois caminhos: reforma política e democratização dos meios de comunicação.
“A reforma política que já tem um acúmulo no Congresso, tem uma frente parlamentar pela reforma política com participação popular. Já tem inclusive um Projeto de Lei de iniciativa popular que está na Comissão de Legislação Participativa e já responde a questões importantes, estruturais do sistema de comunicação. Tem, por exemplo, a reforma Tributária como mecanismo de distribuição de renda.”
Na mesma linha da democratização da mídia como bandeira central para a luta da esquerda, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, avalia que a pressão a partir as bandeiras nascidas no processo das Conferências de Comunicação devem ser pautadas desde janeiro de 2011.
“Este é um ponto da agenda, o debate que as organizações sociais vão ter que estar muito organizadas, mobilizadas, pressionando o governo. Não pensem que vai ser fácil. Eu lembro que a primeira Conferência de Comunicação só saiu no último ano do governo Lula. Era um governo em disputa. E, portanto, nós temos que continuar debatendo isso. O próximo governo da Dilma Roussef também será um governo de disputa.”
A luta das mulheres tem dimensão importante em 2011. Darli Sampaio, da Casa do Trabalhador de Curitiba, acredita que o debate ideológico sobre a questão do aborto nas eleições agora deve ter o efeito contrário. Uma vez que as organizações devem pressionar para obter avanços neste tema. De acordo com ela, a união civil dos homossexuais e os desafios da inserção da mulher no mundo da política também são desafios no debate de gênero.
“Do ponto de vista da organização das mulheres, tem uma pauta já que ela não se esgota, porque as questões não estão resolvidas. Por exemplo, a discussão sobre a questão de gênero, que abarca polêmicas que nós vimos agora no período da campanha, que diz respeito à questão do aborto, aliás, a forma desrespeitosa com que essa discussão foi travada no debate político. O Movimento de Mulheres entende que aborto é uma questão de saúde pública.”
Na avaliação de Luiza Erundina, há um espaço no Estado brasileiro para a politização a partir do governo, mesmo o Estado tendo um caráter de classe.
“É exatamente a forma de governar. É mais do que os resultados, é a forma de dividir o poder, a relação com a sociedade civil. Fatos que leva a uma mudança de cultura política na forma de governar, um governo democrático, além de popular, no sentido de priorizar os interesses da maioria da população. Também ser um governo voltado, desde o primeiro momento, sobre todas as questões estratégicas, a participação popular organizada e politizada. Lamentavelmente não tivemos isso num governo Lula.”
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Qual deve ser a postura do movimento popular e sindical, e quais as bandeiras centrais no governo Dilma, recém-eleita presidente do país? A ofensiva conservadora que marcou as eleições de 2010, as reivindicações da classe não cumpridas durante o governo Lula e a base econômica deixada pelo atual governo são alguns dos pontos de partida para as lutas dos movimentos sociais, de acordo com as reflexões de suas lideranças.
Para o integrante da coordenação nacional do MST, Gilmar Mauro, o resultado eleitoral não quer dizer apenas uma derrota de José Serra (PSDB), mas da grande mídia como um todo. Mauro avisa que os movimentos sociais terão uma relação de autonomia com o próximo governo, com quem as organizações devem confrontar suas reivindicações. A reforma agrária, por exemplo, não foi pautada na campanha eleitoral deste ano e deve voltar à agenda.
Sobre a questão agrária, Mauro enfatiza que o debate se dá em três frentes: sobre o uso do solo e recursos naturais, que não devem ser transformados em mercadorias, sobre o tipo de alimentos que a população está consumindo, e a serviço de quem serão usadas as tecnologias no campo.
“Eu acho que a reforma agrária é uma das coisas mais modernas do mundo na atualidade. Mas uma reforma agrária vai ter que alterar o modelo agrícola, o modelo de produção, o tipo de comida, o tipo de tecnologia, e esse debate vamos ter que fazer o debate com a sociedade. Esperamos que o governo Dilma possa ajudar, no sentido de favorecer, de criar espaços para que esse debate ocorra e que a sociedade participe da discussão de uma verdadeira reforma agrária que altere a estrutura fundiária no Brasil e o modelo de produção no Brasil.”
A postura do movimento negro será de apoio crítico e pressão permanente em defesa de políticas públicas. Esta é a posição da Uneafro, de acordo com Douglas Belchior, do conselho geral da organização. Para ele, Dilma terá que revisar as políticas de segurança pública que vitimam a população negra em todos os estados. O aprofundamento das políticas de acesso à educação e a pressão pelo Estatuto de Igualdade Racial são pontos estratégicos na avaliação da entidade.
“O movimento negro deve ter uma postura de luta permanente e vamos ocupar as ruas. Também vamos ocupar as universidades no sentido de pressionar para que o governo haja e preste serviço ao povo brasileiro e não para os latifundiários, para os racistas, empresários e banqueiros.”
A base econômica construída nos oito anos de governo Lula resultou na geração de empregos e estancou a flexibilização do trabalho no período Fernando Henrique Cardoso (FHC) é o que analisa o sindicalista Milton Viário, da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul e da CUT. Ele enxerga que o momento é de pautar a plataforma unificada dos trabalhadores, construída em 2010 pelo movimento social e sindical. No campo sindical, maior democracia e condições de trabalho, jornada de 40 horas e o fim do fato previdenciário são pontos centrais nesse projeto.
“Nós vamos ter condições melhores para apresentar a plataforma da classe trabalhadora, voltada basicamente no desenvolvimento econômico. Portanto, ampliando a atividade produtiva, mas reivindicando fortemente a geração de empregos de qualidade, empregos aonde se possa ter uma melhor remuneração, empregos aonde se possa ter de fato uma qualificação profissional e que haja a especialização do trabalho.”
A deputada federal recém-eleita pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) de São Paulo, Luiza Erundina, aponta que o governo Dilma terá que enfrentar o desafio de maior democratização do Estado brasileiro. O que, de acordo com ela, passa por dois caminhos: reforma política e democratização dos meios de comunicação.
“A reforma política que já tem um acúmulo no Congresso, tem uma frente parlamentar pela reforma política com participação popular. Já tem inclusive um Projeto de Lei de iniciativa popular que está na Comissão de Legislação Participativa e já responde a questões importantes, estruturais do sistema de comunicação. Tem, por exemplo, a reforma Tributária como mecanismo de distribuição de renda.”
Na mesma linha da democratização da mídia como bandeira central para a luta da esquerda, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, avalia que a pressão a partir as bandeiras nascidas no processo das Conferências de Comunicação devem ser pautadas desde janeiro de 2011.
“Este é um ponto da agenda, o debate que as organizações sociais vão ter que estar muito organizadas, mobilizadas, pressionando o governo. Não pensem que vai ser fácil. Eu lembro que a primeira Conferência de Comunicação só saiu no último ano do governo Lula. Era um governo em disputa. E, portanto, nós temos que continuar debatendo isso. O próximo governo da Dilma Roussef também será um governo de disputa.”
A luta das mulheres tem dimensão importante em 2011. Darli Sampaio, da Casa do Trabalhador de Curitiba, acredita que o debate ideológico sobre a questão do aborto nas eleições agora deve ter o efeito contrário. Uma vez que as organizações devem pressionar para obter avanços neste tema. De acordo com ela, a união civil dos homossexuais e os desafios da inserção da mulher no mundo da política também são desafios no debate de gênero.
“Do ponto de vista da organização das mulheres, tem uma pauta já que ela não se esgota, porque as questões não estão resolvidas. Por exemplo, a discussão sobre a questão de gênero, que abarca polêmicas que nós vimos agora no período da campanha, que diz respeito à questão do aborto, aliás, a forma desrespeitosa com que essa discussão foi travada no debate político. O Movimento de Mulheres entende que aborto é uma questão de saúde pública.”
Na avaliação de Luiza Erundina, há um espaço no Estado brasileiro para a politização a partir do governo, mesmo o Estado tendo um caráter de classe.
“É exatamente a forma de governar. É mais do que os resultados, é a forma de dividir o poder, a relação com a sociedade civil. Fatos que leva a uma mudança de cultura política na forma de governar, um governo democrático, além de popular, no sentido de priorizar os interesses da maioria da população. Também ser um governo voltado, desde o primeiro momento, sobre todas as questões estratégicas, a participação popular organizada e politizada. Lamentavelmente não tivemos isso num governo Lula.”
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010
O significado da vitória de Dilma
Por Altamiro Borges
A vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais possui uma dimensão histórica, transcendental. Ela revela os avanços da democracia brasileira e abre uma nova fase na luta por mudanças no país. Após eleger Lula – retirante nordestino, metalúrgico, acidentado, líder grevista e preso pela ditadura militar –, num fato inédito na história, o povo brasileiro repete a façanha e escolhe a primeira mulher presidenta da República. A cultura machista, preconceituosa e tacanha, sofreu a maior derrota da sua longa existência.
Dilma teve 55.752.493 de votos, o que equivale a 56,05% dos votos válidos – contra 43.711.299 de votos dados ao demotucano José Serra (43,95%). A vitória comprova o prestígio do governo Lula, que goza atualmente de 83% de popularidade. Noutro fato inédito, é a primeira vez na história republicana que um presidente consegue fazer o seu sucessor. Mas a eleição de Dilma não revela apenas a capacidade de transferência de votos do atual governante. Ela indica a elevação do nível de consciência dos brasileiros.
O povo reconheceu na ex-ministra uma pessoa que teve o papel de liderança no atual governo, encabeçando seu ministério de maior peso e seus principais projetos – o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida e a descoberta do pré-sal. Com a sua vitória, novos horizontes se abrem para a luta dos trabalhadores por seus direitos imediatos e futuros. A derrota de José Serra, candidato das elites e do atraso, expressão do receituário neoliberal regressivo e destrutivo, representa uma vitória dos brasileiros e mais um passo no prolongado processo de acumulação de forças na luta pela superação da miséria e da exploração capitalista.
Mudança da correlação de forças
Além da eleição presidencial, os brasileiros também escolheram os novos governadores das 27 unidades da federação (26 estados e Distrito Federal), 54 senadores (que se unirão aos 27 eleitos em 2.006), 513 deputados federais e 1.059 deputados estaduais. Neste democrático processo de renovação, ocorreu uma guinada relativa na correlação de forças políticas no Brasil. As forças de direita, ligadas às elites da cidade e do campo, sofreram uma queda na sua representação. Já os candidatos vinculados às lutas sociais ganharam maior espaço no cenário político.
No caso do Senado, a mudança foi mais sensível. Inimigos jurados do sindicalismo e dos direitos trabalhistas foram surrados nas urnas – como Arthur Virgilio (AM), o valentão que ameaçou dar “uma surra no Lula”, o jagunço Tasso Jereissati (CE) e Marco Maciel (PE), eterno senador e duas vezes vice de FHC, entre outros notórios direitistas. Já na Câmara Federal, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) constatou a redução da bancada dos ruralistas e o ligeiro aumento do número de deputados oriundos do movimento sindical.
Na disputa aos governos estaduais, os tucanos ampliaram sua força, elegendo oito governadores, mas os setores de esquerda também elevaram a sua presença, em especial o PT e o PSB – que elegeram, respectivamente, cinco e seis governadores. Em síntese, a eleição de outubro alterou, mesmo que timidamente, o tabuleiro político, tornando-o mais favorável à luta por mudanças no país. As elites empresariais, porém, ainda preservam ampla maioria no Congresso Nacional.
Radicalização da forças de direita
As eleições também serviram para evidenciar uma nova ofensiva da direita, mais radicalizada e perigosa. Sem ter como defender o legado neoliberal de FHC, que jogou milhões de brasileiros no desemprego e na miséria e quase destruiu a nação, as forças direitistas apelaram para o discurso conservador mais tacanho e raivoso. Na total ausência de propostas concretas, os demotucanos usaram antigos e arraigados preconceitos, religiosos e morais, para promover uma das campanhas eleitorais mais sujas da história do país.
Uma onda de boatos difamatórios, que circulou pela internet e nas igrejas e templos, contaminou o processo político, estimulando o ódio e a divisão da sociedade. Grupos fascistas, como a Tradição, Família e Propriedade (TFP) e a seita Opus Dei, foram ressuscitados para defender José Serra e para promover ataques caluniosos. Setores religiosos conservadores financiaram publicações e usaram os espaços da fé popular na campanha, num nítido caso de crime eleitoral.
Este tipo de campanha, que apela aos piores preconceitos, não é novidade do Brasil. É importado das nações que vivem um processo de fascistização política, como na Europa, com a perseguição racista aos imigrantes, e nos EUA, com o surgimento do Tea Party, grupo de extrema-direita do Partido Republicano. Ele também traz à lembrança o período da preparação do golpe militar de 1964 no Brasil, com suas “marchas com Deus”, financiadas por empresários e insufladas pelos EUA. Este tipo de campanha fascistóide indica uma tendência de radicalização da luta de classes no país.
Papel nefasto da mídia
Por último, nesta avaliação preliminar, vale destacar o papel cada vez mais influente da mídia no processo eleitoral. Vários especialistas apontam que os jornais, as revistas e as emissoras de TV e rádio se comportaram como partido político, transformando-se em comitês eleitorais de José Serra. O jornal Estadão foi o único que assumiu explicitamente, em editorial, seu apoio ao candidato demotucano. Já o jornal Folha, a revista Veja e a TV Globo, entre outros veículos, usaram velhos padrões de manipulação para ludibriar a sociedade.
Críticas ao governo Lula, mesmo que justas, viraram manchetes e foram bombardeadas durante toda a campanha – como nos casos da quebra do sigilo fiscal e das irregularidades na Casa Civil. Já o candidato Serra foi totalmente blindado, com a mídia ocultando suas falhas na administração de São Paulo ou seus podres de campanha, como o caixa-dois organizado por Paulo Preto, ex-diretor do Dersa.
Contra Dilma Rousseff, a imprensa inventou uma falsa ficha policial, acusou-a de ser favorável ao aborto, culpou-a até pelo apagão elétrico herdado do presidente FHC. Contra Serra, tudo foi abafado ou omitido. A TV Globo, maior império midiático do país, nada falou sobre o aborto de sua mulher, Monica Serra, relatado por ex-alunas, e tentou esconder as suspeitas de maracutaias nas obras viárias em São Paulo.
A manipulação da mídia nestas eleições foi vergonhosa, criminosa, e coloca na ordem do dia o debate sobre o novo marco regulatório das comunicações no país – a exemplo do que já foi feito até nos EUA e Europa e que hoje é discutido na Argentina, Venezuela e em outros países da América Latina. Não dá mais para tolerar a ditadura midiática! É urgente democratizar os meios de comunicação no país, pondo fim aos monopólios e estimulando a pluralidade informativa.
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A vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais possui uma dimensão histórica, transcendental. Ela revela os avanços da democracia brasileira e abre uma nova fase na luta por mudanças no país. Após eleger Lula – retirante nordestino, metalúrgico, acidentado, líder grevista e preso pela ditadura militar –, num fato inédito na história, o povo brasileiro repete a façanha e escolhe a primeira mulher presidenta da República. A cultura machista, preconceituosa e tacanha, sofreu a maior derrota da sua longa existência.
Dilma teve 55.752.493 de votos, o que equivale a 56,05% dos votos válidos – contra 43.711.299 de votos dados ao demotucano José Serra (43,95%). A vitória comprova o prestígio do governo Lula, que goza atualmente de 83% de popularidade. Noutro fato inédito, é a primeira vez na história republicana que um presidente consegue fazer o seu sucessor. Mas a eleição de Dilma não revela apenas a capacidade de transferência de votos do atual governante. Ela indica a elevação do nível de consciência dos brasileiros.
O povo reconheceu na ex-ministra uma pessoa que teve o papel de liderança no atual governo, encabeçando seu ministério de maior peso e seus principais projetos – o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida e a descoberta do pré-sal. Com a sua vitória, novos horizontes se abrem para a luta dos trabalhadores por seus direitos imediatos e futuros. A derrota de José Serra, candidato das elites e do atraso, expressão do receituário neoliberal regressivo e destrutivo, representa uma vitória dos brasileiros e mais um passo no prolongado processo de acumulação de forças na luta pela superação da miséria e da exploração capitalista.
Mudança da correlação de forças
Além da eleição presidencial, os brasileiros também escolheram os novos governadores das 27 unidades da federação (26 estados e Distrito Federal), 54 senadores (que se unirão aos 27 eleitos em 2.006), 513 deputados federais e 1.059 deputados estaduais. Neste democrático processo de renovação, ocorreu uma guinada relativa na correlação de forças políticas no Brasil. As forças de direita, ligadas às elites da cidade e do campo, sofreram uma queda na sua representação. Já os candidatos vinculados às lutas sociais ganharam maior espaço no cenário político.
No caso do Senado, a mudança foi mais sensível. Inimigos jurados do sindicalismo e dos direitos trabalhistas foram surrados nas urnas – como Arthur Virgilio (AM), o valentão que ameaçou dar “uma surra no Lula”, o jagunço Tasso Jereissati (CE) e Marco Maciel (PE), eterno senador e duas vezes vice de FHC, entre outros notórios direitistas. Já na Câmara Federal, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) constatou a redução da bancada dos ruralistas e o ligeiro aumento do número de deputados oriundos do movimento sindical.
Na disputa aos governos estaduais, os tucanos ampliaram sua força, elegendo oito governadores, mas os setores de esquerda também elevaram a sua presença, em especial o PT e o PSB – que elegeram, respectivamente, cinco e seis governadores. Em síntese, a eleição de outubro alterou, mesmo que timidamente, o tabuleiro político, tornando-o mais favorável à luta por mudanças no país. As elites empresariais, porém, ainda preservam ampla maioria no Congresso Nacional.
Radicalização da forças de direita
As eleições também serviram para evidenciar uma nova ofensiva da direita, mais radicalizada e perigosa. Sem ter como defender o legado neoliberal de FHC, que jogou milhões de brasileiros no desemprego e na miséria e quase destruiu a nação, as forças direitistas apelaram para o discurso conservador mais tacanho e raivoso. Na total ausência de propostas concretas, os demotucanos usaram antigos e arraigados preconceitos, religiosos e morais, para promover uma das campanhas eleitorais mais sujas da história do país.
Uma onda de boatos difamatórios, que circulou pela internet e nas igrejas e templos, contaminou o processo político, estimulando o ódio e a divisão da sociedade. Grupos fascistas, como a Tradição, Família e Propriedade (TFP) e a seita Opus Dei, foram ressuscitados para defender José Serra e para promover ataques caluniosos. Setores religiosos conservadores financiaram publicações e usaram os espaços da fé popular na campanha, num nítido caso de crime eleitoral.
Este tipo de campanha, que apela aos piores preconceitos, não é novidade do Brasil. É importado das nações que vivem um processo de fascistização política, como na Europa, com a perseguição racista aos imigrantes, e nos EUA, com o surgimento do Tea Party, grupo de extrema-direita do Partido Republicano. Ele também traz à lembrança o período da preparação do golpe militar de 1964 no Brasil, com suas “marchas com Deus”, financiadas por empresários e insufladas pelos EUA. Este tipo de campanha fascistóide indica uma tendência de radicalização da luta de classes no país.
Papel nefasto da mídia
Por último, nesta avaliação preliminar, vale destacar o papel cada vez mais influente da mídia no processo eleitoral. Vários especialistas apontam que os jornais, as revistas e as emissoras de TV e rádio se comportaram como partido político, transformando-se em comitês eleitorais de José Serra. O jornal Estadão foi o único que assumiu explicitamente, em editorial, seu apoio ao candidato demotucano. Já o jornal Folha, a revista Veja e a TV Globo, entre outros veículos, usaram velhos padrões de manipulação para ludibriar a sociedade.
Críticas ao governo Lula, mesmo que justas, viraram manchetes e foram bombardeadas durante toda a campanha – como nos casos da quebra do sigilo fiscal e das irregularidades na Casa Civil. Já o candidato Serra foi totalmente blindado, com a mídia ocultando suas falhas na administração de São Paulo ou seus podres de campanha, como o caixa-dois organizado por Paulo Preto, ex-diretor do Dersa.
Contra Dilma Rousseff, a imprensa inventou uma falsa ficha policial, acusou-a de ser favorável ao aborto, culpou-a até pelo apagão elétrico herdado do presidente FHC. Contra Serra, tudo foi abafado ou omitido. A TV Globo, maior império midiático do país, nada falou sobre o aborto de sua mulher, Monica Serra, relatado por ex-alunas, e tentou esconder as suspeitas de maracutaias nas obras viárias em São Paulo.
A manipulação da mídia nestas eleições foi vergonhosa, criminosa, e coloca na ordem do dia o debate sobre o novo marco regulatório das comunicações no país – a exemplo do que já foi feito até nos EUA e Europa e que hoje é discutido na Argentina, Venezuela e em outros países da América Latina. Não dá mais para tolerar a ditadura midiática! É urgente democratizar os meios de comunicação no país, pondo fim aos monopólios e estimulando a pluralidade informativa.
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Veja bajula Dilma. É muito cínica!
Por Altamiro Borges
Das três, uma ou todas juntas: ou a revista Veja acha que seu leitor é um imbecil – no que tem parte de razão; ou ela gosta de fazer provocações; ou ela é oportunista e está atrás de anúncios publicitários. Após satanizar Dilma Rousseff, o panfleto direitista da famíglia Civita publicou às pressas uma edição extra para bajular a presidenta eleita.
Já na apresentação, a maior caradura: “Uma vitória de todos os brasileiros”. Que brasileiros cara pálida – ou melhor, filhote do Tio Sam? Nos dois meses finais da disputa eleitoral, a revista Veja estampou sete capas raivosas contra a candidata. Na véspera do eletrizante segundo turno, ela até acusou a ex-ministra de pressionar o secretário de Direitos Humanos para produzir dossiês contra José Serra. Não apresentou provas da acusação, nem sequer o áudio da suposta escuta telefônica.
Falsidade ideológica
Seus colunistas, sempre presos à coleira da famíglia Civita, acusaram a candidata de tudo o que é imaginável e inimaginável. Ou ela era “frágil, uma marionete do Lula”, ou ela era “autoritária e arrogante”, o inverso do conciliador Lula, e “romperia com o presidente”. No geral, todos eles rosnaram que “Dilma é incompetente”, “não tem habilidade política”, é uma “mera burocrata”.
Agora, a edição especial – que deveria ser processada por falsidade ideológica ou por desrespeito ao consumidor – “comemora a eleição de Dilma Rousseff”. A revista também traz os principais trechos do seu primeiro discurso após o anúncio do resultado do pleito. “O pronunciamento, feito na noite de domingo, mostrou uma presidente eleita senhora do lugar que agora ocupa e com plena consciência das prioridades políticas, econômicas e sociais do país”.
Medo da regulamentação do setor
Na escolha dos principais trechos, a Veja novamente tenta se travestir de baluarte da democracia. “Dilma reafirmou o respeito irrestrito à liberdade de expressão e seu reconhecimento de que ‘as críticas do jornalismo livre ajudam o país e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório’. Um grande começo”. A revistinha fascistóide morre mesmo de medo do avanço no debate sobre a democratização dos meios de comunicação no país.
Dilma Rousseff deve tomar muito cuidado com as bajulações da famíglia Civita. Agora, ela posa de civilizada. Mercenária, quer arrancar fartos anúncios publicitários. Direitista convicta, deseja enquadrar o futuro governo no figurino neoliberal. Ela perdeu a eleição, mas almeja ser vitoriosa política e comercialmente. Caso não consiga, apostará na desestabilização golpista, como já fez com Lula. E, na próxima campanha eleitoral, será novamente o cabo-eleitoral da direita.
Reação dos fiéis seguidores
Já os seus fanáticos leitores da TFP (Tradição, Família e Propriedade), do Opus Dei, das seitas fundamentalistas e da classe “mérdia” individualista e egoísta não precisam ficar preocupados. A revista Veja não mudou de lado. Não se converteu ao esquerdismo. Continuará destilando seu ódio ao sindicalismo, ao MST e a qualquer proposta mais progressista no Brasil e no mundo.
Mas não custa fazer uma sugestão a estes seres tão inteligentes: por que vocês, leitores fiéis, não cancelam de imediato a assinatura da Veja. Seria um alerta à famíglia Civita. Ajudaria a manter a revista como o principal partido da direita no país e como a sucursal rastaqüera dos interesses do império no Brasil. Além disso, garantiria o emprego de seus colunistas de coleira.
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Das três, uma ou todas juntas: ou a revista Veja acha que seu leitor é um imbecil – no que tem parte de razão; ou ela gosta de fazer provocações; ou ela é oportunista e está atrás de anúncios publicitários. Após satanizar Dilma Rousseff, o panfleto direitista da famíglia Civita publicou às pressas uma edição extra para bajular a presidenta eleita.
Já na apresentação, a maior caradura: “Uma vitória de todos os brasileiros”. Que brasileiros cara pálida – ou melhor, filhote do Tio Sam? Nos dois meses finais da disputa eleitoral, a revista Veja estampou sete capas raivosas contra a candidata. Na véspera do eletrizante segundo turno, ela até acusou a ex-ministra de pressionar o secretário de Direitos Humanos para produzir dossiês contra José Serra. Não apresentou provas da acusação, nem sequer o áudio da suposta escuta telefônica.
Falsidade ideológica
Seus colunistas, sempre presos à coleira da famíglia Civita, acusaram a candidata de tudo o que é imaginável e inimaginável. Ou ela era “frágil, uma marionete do Lula”, ou ela era “autoritária e arrogante”, o inverso do conciliador Lula, e “romperia com o presidente”. No geral, todos eles rosnaram que “Dilma é incompetente”, “não tem habilidade política”, é uma “mera burocrata”.
Agora, a edição especial – que deveria ser processada por falsidade ideológica ou por desrespeito ao consumidor – “comemora a eleição de Dilma Rousseff”. A revista também traz os principais trechos do seu primeiro discurso após o anúncio do resultado do pleito. “O pronunciamento, feito na noite de domingo, mostrou uma presidente eleita senhora do lugar que agora ocupa e com plena consciência das prioridades políticas, econômicas e sociais do país”.
Medo da regulamentação do setor
Na escolha dos principais trechos, a Veja novamente tenta se travestir de baluarte da democracia. “Dilma reafirmou o respeito irrestrito à liberdade de expressão e seu reconhecimento de que ‘as críticas do jornalismo livre ajudam o país e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório’. Um grande começo”. A revistinha fascistóide morre mesmo de medo do avanço no debate sobre a democratização dos meios de comunicação no país.
Dilma Rousseff deve tomar muito cuidado com as bajulações da famíglia Civita. Agora, ela posa de civilizada. Mercenária, quer arrancar fartos anúncios publicitários. Direitista convicta, deseja enquadrar o futuro governo no figurino neoliberal. Ela perdeu a eleição, mas almeja ser vitoriosa política e comercialmente. Caso não consiga, apostará na desestabilização golpista, como já fez com Lula. E, na próxima campanha eleitoral, será novamente o cabo-eleitoral da direita.
Reação dos fiéis seguidores
Já os seus fanáticos leitores da TFP (Tradição, Família e Propriedade), do Opus Dei, das seitas fundamentalistas e da classe “mérdia” individualista e egoísta não precisam ficar preocupados. A revista Veja não mudou de lado. Não se converteu ao esquerdismo. Continuará destilando seu ódio ao sindicalismo, ao MST e a qualquer proposta mais progressista no Brasil e no mundo.
Mas não custa fazer uma sugestão a estes seres tão inteligentes: por que vocês, leitores fiéis, não cancelam de imediato a assinatura da Veja. Seria um alerta à famíglia Civita. Ajudaria a manter a revista como o principal partido da direita no país e como a sucursal rastaqüera dos interesses do império no Brasil. Além disso, garantiria o emprego de seus colunistas de coleira.
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quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Os cinco derrotados nas eleições
Por Altamiro Borges
A eleição de Dilma Rousseff tem uma dimensão histórica. Após eleger o operário Lula, num fato inédito, o povo brasileiro repete a façanha e agora elege a primeira mulher presidenta da República. A cultura machista sofre a maior derrota da sua existência.
Mas os derrotados nesta eleição histórica foram muitos. Listo os cinco principais:
1- O bloco neoliberal-conservador. Serra representava o retorno às políticas de FHC, que devastaram o estado, a nação e o trabalho – com suas privatizações, subserviência aos EUA, desemprego e criminalização dos movimentos sociais. O povo deu uma surra nos demotucanos na sucessão e ainda expulsou alguns de seus líderes do Legislativo.
2- A direita fascistóide. Serra reagrupou o que há de mais reacionário na sociedade. Dos golpistas da TFP e Opus Dei, aos milicos de pijama e aos fundamentalistas das igrejas. Estes setores babaram ódio, espalharam calúnias e preconceitos, exploraram o atraso. Mas o povo não se deixou contaminar e garantiu 12 milhões a mais para Dilma.
3- Mídia golpista. As sete famílias que monopolizam o setor e que manipulam corações e mentes bombardearam Dilma. TV Globo, Veja, Folha e Estadão, entre outros, viraram cabos-eleitorais de Serra. A mídia, principal partido da direita e inimiga das lutas sociais e das mudanças, sofreu dura derrota. Espera-se, agora, que percam audiência e tiragem.
4- Ruralistas escravocratas. Apesar de Lula ter cedido aos barões do agronegócio, eles garantiram as maiores votações para Serra. Para eles, Dilma representa a possibilidade de se avançar na reforma agrária, na punição do trabalho escravo e infantil e na defesa do meio ambiente. É bom que Dilma fique esperta e não cometa o mesmo erro de Lula.
5- Imperialismo. Apesar do teatro diplomático, os EUA detestavam a política externa de Lula, expressa na rejeição ao golpe em Honduras, na busca pela solução pacífica com o Irã, no apoio aos governos progressistas da América Latina e à integração regional. The Economist e Financial Time inclusive explicitaram apoio a Serra. Mas o império não conseguiu abortar a continuidade da política externa soberana.
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A eleição de Dilma Rousseff tem uma dimensão histórica. Após eleger o operário Lula, num fato inédito, o povo brasileiro repete a façanha e agora elege a primeira mulher presidenta da República. A cultura machista sofre a maior derrota da sua existência.
Mas os derrotados nesta eleição histórica foram muitos. Listo os cinco principais:
1- O bloco neoliberal-conservador. Serra representava o retorno às políticas de FHC, que devastaram o estado, a nação e o trabalho – com suas privatizações, subserviência aos EUA, desemprego e criminalização dos movimentos sociais. O povo deu uma surra nos demotucanos na sucessão e ainda expulsou alguns de seus líderes do Legislativo.
2- A direita fascistóide. Serra reagrupou o que há de mais reacionário na sociedade. Dos golpistas da TFP e Opus Dei, aos milicos de pijama e aos fundamentalistas das igrejas. Estes setores babaram ódio, espalharam calúnias e preconceitos, exploraram o atraso. Mas o povo não se deixou contaminar e garantiu 12 milhões a mais para Dilma.
3- Mídia golpista. As sete famílias que monopolizam o setor e que manipulam corações e mentes bombardearam Dilma. TV Globo, Veja, Folha e Estadão, entre outros, viraram cabos-eleitorais de Serra. A mídia, principal partido da direita e inimiga das lutas sociais e das mudanças, sofreu dura derrota. Espera-se, agora, que percam audiência e tiragem.
4- Ruralistas escravocratas. Apesar de Lula ter cedido aos barões do agronegócio, eles garantiram as maiores votações para Serra. Para eles, Dilma representa a possibilidade de se avançar na reforma agrária, na punição do trabalho escravo e infantil e na defesa do meio ambiente. É bom que Dilma fique esperta e não cometa o mesmo erro de Lula.
5- Imperialismo. Apesar do teatro diplomático, os EUA detestavam a política externa de Lula, expressa na rejeição ao golpe em Honduras, na busca pela solução pacífica com o Irã, no apoio aos governos progressistas da América Latina e à integração regional. The Economist e Financial Time inclusive explicitaram apoio a Serra. Mas o império não conseguiu abortar a continuidade da política externa soberana.
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Os conselhos fortalecem a democracia
Reproduzo artigo de Bia Barbosa, Jonas Valente, Pedro Caribé e João Brant, integrantes do Coletivo Intervozes, publicado no jornal Folha de S.Paulo:
A aprovação do Conselho Estadual de Comunicação pela Assembleia Legislativa do Ceará foi a senha para uma nova ofensiva da mídia comercial contra a regulamentação do setor e iniciativas análogas em debate em outros Estados.
O argumento é o de que os conselhos seriam órgãos de censura da mídia pelo governo.
A afirmação confunde e esconde o objetivo real dessas estruturas, que já existem em áreas vitais para o desenvolvimento, como saúde e educação, garantindo a participação da população na elaboração das políticas públicas para tais setores e a fiscalização da prestação do serviço público de acordo com a legislação.
Ao contrário do que bradam os grupos de comunicação, e até mesmo a OAB, os conselhos visam a ampliação do exercício da liberdade de expressão, e não sua restrição; portanto, nada têm de inconstitucionais. Não se trata de censurar conteúdos, muito menos de definir a atuação da imprensa.
Ao criá-los, os Estados não definem novas regras para a radiodifusão, o que seria prerrogativa da União, mas apoiam a aplicação dos princípios constitucionais e leis já existentes, muitas vezes ignorados por concessionárias de rádio e TV.
Os conselhos tratam das políticas estaduais, como o desenvolvimento da precária radiodifusão pública e comunitária local, o acesso da população à banda larga, e de critérios democráticos de distribuição das verbas publicitárias governamentais, feitas, em geral, de forma pouco transparente.
Em parceria com o Poder Executivo federal, podem ainda, por exemplo, fazer audiências para ouvir a população no momento de renovação de uma outorga de TV. Ou encaminhar ao Ministério Público denúncias de discriminação, que se multiplicam em programas policialescos exibidos à luz do dia.
Assim, os conselhos nada mais são do que espaços para a sociedade brasileira, representada em sua diversidade, participar da construção de políticas públicas de comunicação, acompanhar a prestação desse serviço e cobrar das devidas instâncias a responsabilização por violações das regras do setor.
Tratar a legítima reivindicação da população de se fazer ouvir nesses processos como ameaça à liberdade de imprensa é movimento daqueles que, pouco afeitos à sua responsabilidade social, querem manter privilégios em um campo marcado pela concentração de propriedade, homogeneização cultural e desrespeito à legislação.
O que a sociedade reivindica é justamente o exercício direto da liberdade de expressão por todos os segmentos, e não apenas pelos poucos que detêm o controle dos meios e impõem suas ideias à opinião pública como se fossem porta-vozes de uma diversidade que ignoram e omitem. Essa é a real censura à liberdade de expressão no país.
Ao questionar esse modelo, a Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu milhares de representantes de organizações sociais, governos (não apenas o federal) e empresários que compreenderam a importância do debate democrático com a população, aprovou, em votação quase unânime, a criação de um conselho nacional e de conselhos estaduais.
Infelizmente, a cobertura sobre o tema tem distorcido as propostas e censurado visões favoráveis aos conselhos, o que comprova que setores dos meios de comunicação interditam o debate quando ele toca em seus interesses comerciais.
É sintomático que aqueles que se arvoram no papel de informar censurem o contraditório e defendam um ambiente desprovido de obrigações legais e mecanismos de fiscalização. A regulação da comunicação está consolidada em todas as democracias como baliza de Estados efetivamente plurais.
Se nesses países, com sistemas de comunicação mais desenvolvidos, iniciativas como essa não são consideradas ameaças à liberdade de expressão, por que aqui deveriam ser?
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A aprovação do Conselho Estadual de Comunicação pela Assembleia Legislativa do Ceará foi a senha para uma nova ofensiva da mídia comercial contra a regulamentação do setor e iniciativas análogas em debate em outros Estados.
O argumento é o de que os conselhos seriam órgãos de censura da mídia pelo governo.
A afirmação confunde e esconde o objetivo real dessas estruturas, que já existem em áreas vitais para o desenvolvimento, como saúde e educação, garantindo a participação da população na elaboração das políticas públicas para tais setores e a fiscalização da prestação do serviço público de acordo com a legislação.
Ao contrário do que bradam os grupos de comunicação, e até mesmo a OAB, os conselhos visam a ampliação do exercício da liberdade de expressão, e não sua restrição; portanto, nada têm de inconstitucionais. Não se trata de censurar conteúdos, muito menos de definir a atuação da imprensa.
Ao criá-los, os Estados não definem novas regras para a radiodifusão, o que seria prerrogativa da União, mas apoiam a aplicação dos princípios constitucionais e leis já existentes, muitas vezes ignorados por concessionárias de rádio e TV.
Os conselhos tratam das políticas estaduais, como o desenvolvimento da precária radiodifusão pública e comunitária local, o acesso da população à banda larga, e de critérios democráticos de distribuição das verbas publicitárias governamentais, feitas, em geral, de forma pouco transparente.
Em parceria com o Poder Executivo federal, podem ainda, por exemplo, fazer audiências para ouvir a população no momento de renovação de uma outorga de TV. Ou encaminhar ao Ministério Público denúncias de discriminação, que se multiplicam em programas policialescos exibidos à luz do dia.
Assim, os conselhos nada mais são do que espaços para a sociedade brasileira, representada em sua diversidade, participar da construção de políticas públicas de comunicação, acompanhar a prestação desse serviço e cobrar das devidas instâncias a responsabilização por violações das regras do setor.
Tratar a legítima reivindicação da população de se fazer ouvir nesses processos como ameaça à liberdade de imprensa é movimento daqueles que, pouco afeitos à sua responsabilidade social, querem manter privilégios em um campo marcado pela concentração de propriedade, homogeneização cultural e desrespeito à legislação.
O que a sociedade reivindica é justamente o exercício direto da liberdade de expressão por todos os segmentos, e não apenas pelos poucos que detêm o controle dos meios e impõem suas ideias à opinião pública como se fossem porta-vozes de uma diversidade que ignoram e omitem. Essa é a real censura à liberdade de expressão no país.
Ao questionar esse modelo, a Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu milhares de representantes de organizações sociais, governos (não apenas o federal) e empresários que compreenderam a importância do debate democrático com a população, aprovou, em votação quase unânime, a criação de um conselho nacional e de conselhos estaduais.
Infelizmente, a cobertura sobre o tema tem distorcido as propostas e censurado visões favoráveis aos conselhos, o que comprova que setores dos meios de comunicação interditam o debate quando ele toca em seus interesses comerciais.
É sintomático que aqueles que se arvoram no papel de informar censurem o contraditório e defendam um ambiente desprovido de obrigações legais e mecanismos de fiscalização. A regulação da comunicação está consolidada em todas as democracias como baliza de Estados efetivamente plurais.
Se nesses países, com sistemas de comunicação mais desenvolvidos, iniciativas como essa não são consideradas ameaças à liberdade de expressão, por que aqui deveriam ser?
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A censura e os conselhos de comunicação
Reproduzo artigo da jornalista Elaine Tavares:
Um tema bastante complexo tem tomado o imaginário brasileiro através das usinas ideológicas da classe média, as revistas semanais, e os telejornais das grandes redes: a censura. O motivo de tal questão ter vindo à baila é a proposta de institucionalização dos Conselhos Municipais e Estaduais de Comunicação. Jornalistas, comentaristas, analistas e palpiteiros tem se referido a esse assunto de forma rasa e redutora, o que é bastante prejudicial para a formação do juízo das pessoas sobre o que é verdadeiramente censura.
Para falar sobre esse assunto vou me remeter ao livro da historiadora Beatriz Kushnir, lançado em 2004, mas ainda pouco conhecido na área da comunicação. É o “Cães de Guarda – jornalista e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”. O trabalho tem uma importância tremenda porque, com ele, Beatriz desvela o outro lado da imprensa nos anos de chumbo, tempo da ditadura brasileira. Ali, é possível caminhar pelas intrincadas veredas do processo de censura que tomou conta do país depois do Ato Institucional número 5, em 1968, e ver o quanto a categoria dos jornalistas também colaborou para que a censura se fizesse real, seja através dos profissionais que assumiram o cargo de censores ou dos que assumiram a função de polícia.
O livro de Kushnir talvez não seja tão conhecido porque é justamente uma chaga aberta a sangrar, mostrando que não só os donos dos grandes meios foram coniventes com as barbaridades do regime militar, mas também muitos profissionais do jornalismo colaboraram de forma ativa. Naqueles dias, a censura era concreta e cotidiana. Palavras eram proibidas de serem pronunciadas, notícias sobre fatos de interesse público como uma epidemia de malária eram proibidas, informações sobre as arbitrariedades do regime, torturas, assassinatos e desaparecimentos então, nem pensar. Havia um setor que cuidava da censura aos meios de comunicação, aos artistas e a qualquer outro sujeito que usasse a palavra. A censura era uma imposição do estado ditatorial e impedia a livre expressão das idéias. Ela permeava todas as instâncias da vida, uma vez que também as reuniões eram proibidas. Um grupo com mais de três pessoas já era considerado motim.
No campo do jornalismo ela se expressou com a obrigatoriedade de revisão prévia das notícias feita pelos censores que, como revela o trabalho de Beatriz, tinha entre eles um número expressivo de jornalistas. As pessoas que se prestaram a esse papel eram contratadas como funcionários públicos e tinham curso superior, desfazendo-se então a idéia corrente de que os censores eram criaturas ignorantes e incapazes. Não o eram. No mais das vezes chegavam a ser “treinados” nas universidades, que ofereciam cursos sobre como censurar. O governo investiu muitos recursos neste tipo de capacitação. Vários dos censores foram entrevistados por Beatriz e a maioria tinha consolidada a certeza de que estava realmente ajudando a manter a moral e os bons costumes.
O livro de Beatriz também desvela como a censura explícita e realizada diretamente pelos funcionários públicos vai se transformando em autocensura. Os donos dos grandes jornais se mostravam incomodados pela intromissão governamental, mas não era muito em relação ao conteúdo noticioso, uma vez que a maioria dos empresários da comunicação apoiou o golpe e conspirava das mesmas idéias. Houve uma certa rusga, mas logo tudo foi se acomodando, e tanto, que os grandes jornais contratavam censores, aposentados ou não, para fazerem a pré-triagem. Ou seja, eles eram pagos pelo jornal para adequar as notícias ao gosto dos censores, para impedir que os jornais sofressem atrasos ou cortes. Isso foi gestando uma cultura de autocensura nos jornalistas, que acabaram incorporando a idéia de que certas coisas, temas, palavras e assuntos eram proibidos. Tudo se ajustou. A TV Globo, conta Beatriz, teve um funcionário deste tipo até os anos 90, ou seja, sobreviveu ao próprio regime militar.
Informações desta natureza dão conta do caráter conservador do jornalismo de massa brasileiro, ficando para a resistência – pequena, alternativa e quase ineficaz – o território do jornalismo crítico. A coisa ficou tão contaminada nas grandes redações que, no início dos anos 70, os jornalistas contratados para noticiar a vida, distorcida pelas lentes da censura, eram também policiais. Ou seja, desfaziam-se os limites da repressão e da notícia. Só era noticiado aquilo que interessava ao regime e os jornalistas eram eles mesmos os cães de guarda. Arrepiante relato.
A herança policialesca
Não foi sem razão que esta forma de autocensura acabou se irradiado pelos demais meios de comunicação. No geral, os donos da imprensa nacional compõem uma meia dúzia de famílias que, de forma capilar, acabam se reproduzindo em todos os estados da federação. Em cada um deles se pode observar o monopólio de um determinado grupo, que tem ligações muito próximas dos “jornalões” e TVs do eixo Rio-São Paulo. E, como os donos são sempre parte das elites locais, a forma de enxergar o mundo passa pelas lentes conservadoras e muitas vezes oligarcas.
Quando a ditadura militar terminou, o processo de censura estava consolidado. Mesmo com a volta da chamada democracia, nos veículos de comunicação os temas proibidos pelos militares continuavam proibidos. Basta lembrar a cobertura dos fatos que envolviam o MST. Ainda na metade dos anos 90, falar de sem-terra era aberração. E, quando estes temas puderam ser mostrados, a faceta policialesca do jornalismo seguiu de dentes arreganhados. Gente em luta logo era enquadrada nas caixinhas de “bandidos”, “baderneiros”, “invasores” e, agora, em pleno século XXI, “terroristas”.
Isso mostra que o terrível momento da censura e toda a sua organização institucional e empresarial, tão bem narrados por Beatriz Kushnir, ainda não acabou. Se assim fosse por que teríamos as matérias da Veja? Ou os editoriais raivosos do Jornal Nacional? Por que causa tanto medo à elite que domina os meios de comunicação um Conselho de Comunicação que junte movimentos sociais, sindicatos e gente do povo? Por que a idéia de ter gente “comum” discutindo a comunicação é apresentada como a possibilidade da censura? Por que regular a atividade de comunicação está sendo chamada de censura?
Na verdade, toda essa algaravia de que o Conselho vai trazer a censura é o exercício da má-fé dos mesmos de sempre, os que, inclusive, sustentaram todo o processo de censura nos anos de chumbo. A chamada “imprensa livre” não quer controle, não quer ninguém metendo o bedelho na sua extração de mais-valia ideológica, como bem já analisou o pensador venezuelano Ludovico Silva. A proposta do movimento social organizado não é a da censura. Não é esconder temas, proibir palavras, impedir que a vida real se expresse nos meios. Pelo contrário, o que foi construído pelos movimentos ao longo desta infindável transição para a democracia é a proposta de controle social, algo absolutamente natural num espaço que se diz democrático. As gentes têm sim o direito de opinar sobre o que sai na TV e no rádio. Estes setores são concessões públicas e a sede do poder é o povo. As pessoas têm sim o direito de estudar, discutir e deliberar sobre a programação e os horários de exibição de determinados conteúdos. Isso não é censura. Censura é o que os donos da maioria dos meios fazem hoje ao ocultar fatos, ao não contextualizar os acontecimentos, ao obscurecer a verdade. Isso é censura! O exercício do poder de veto de uma elite, dona dos meios.
Por isso que num momento como esse, de profunda desinformação provocada pelos mesmos meios, seria bem importante a leitura do livro de Beatriz Kushnir. Porque ela dá nome e sobrenome aos donos dos meios e aos jornalistas que colaboraram com a ditadura e com a censura. Porque mostra que ser jornalista não significa, em última instância, ser crítico. Não o era, naqueles dias, com grande parte dos jornalistas formados à facão, nas redações e na vida, e continua assim hoje, com os jornalistas formados em cursos na maioria medíocres e colaboracionistas em igual medida, articulados mais com os empresários do que com os trabalhadores.
Beatriz desvela esse universo desconhecido do período da ditadura militar que vai de 68 a 88 (quando da Constituinte), e isso é bom, porque, afinal, a imprensa só fala bem de si mesma, e os jornalistas críticos não têm onde escrever. Então, estas histórias muitas vezes só podem ser contadas assim, quando são objetos de dissertações ou teses. No caso da Beatriz avançou, virou livro e está aí para ser devorado.
Na história, o jornalismo sempre serviu às elites
É claro que um trabalho de gênese acadêmica tem suas limitações. Ele precisa de recortes, é o que pede a academia, tão pouco afeita a totalizações. Nesse caso, da discussão do jornalismo colaboracionista em tempos da ditadura militar, faltou um pouco da história do próprio jornalismo. Porque se a gente mergulha nessa história vai perceber que o papel da imprensa não é, nem nunca foi fiscalizar o poder. De que a imprensa não é, nem nunca foi um “quarto” poder. Ela é braço forte do poder instituído pelos poderosos, pelas elites.
O jornalismo como profissão, como espaço de divulgação diária de notícias sobre o mundo, nasceu com o capitalismo. Não que não houvesse jornalismo antes, se considerarmos jornalismo o ato de noticiar algo sobre o mundo. Os desenhos pré-históricos são notícias, as tábuas da mesopotâmia são notícias, as pedras chinesas são notícias, a bíblia, o alcorão, os vedas, a ilíada. Tudo isso são notícias. Mas o jornalismo, tal como o conhecemos hoje, como espaço da informação diária, ela própria virada em mercadoria, é cria do capitalismo. Os jornais diários são criados para o anúncio das mercadorias. Os textos são assessórios.
Assim, se é o capitalismo que cria o jornalismo, o que podemos esperar desta prática humana? Nada mais nada menos que ela trabalhe para a consolidação daquilo que é o próprio sistema que a engendra. Se for assim, é da natureza do jornalismo ser colaboracionista do sistema. Do status quo. Por isso, durante a ditadura iniciada em 64, assim como no Estado Novo, boa parte do jornalismo esteve a serviço do sistema. Então, o que o trabalho da Beatriz nos revela é pura e simplesmente o jornalismo sendo ele mesmo.
Ao longo da história do jornalismo nós vamos observar que o que sempre esteve em questão foi a liberdade de expressão dos donos do poder. As situações de crítica ou do jornalismo assumindo a frente de denúncias, desvendando maracutaias, etc, sempre foram coisas pontuais, espaço específico de alguns “jornalistas”, hereges, os fora da casinha. Pessoas, seres humanos comprometidos com uma outra visão. E também, ao longo da história podemos perceber que quando estes jornalistas tiveram poder, é porque de alguma maneira estavam ajudando seus patrões a ganharem dinheiro, ou porque estava acontecendo alguma mudança de temperatura do mundo, como por exemplo, no período da abolição.
E os dias atuais?
Vamos nos remeter ao hoje. Qual a diferença entre o jornalismo entreguista e colaboracionista dos anos de chumbo e o de hoje? Qual a diferença do jornalismo praticado pelos Frias/Caldeira naqueles dias, e o praticado pela Globo hoje, ou qualquer outro, Diário Catarinense, Record, etc??? Como eles noticiam as FARC, os fatos na Venezuela, na Bolívia, em Cuba? Como são as manchetes? Que denúncias aparecem na televisão, se não aquelas que são levantadas pelos repórteres/policiais, que sobem os morros no carro da polícia? Quem são os terroristas de hoje, apontados com nome e sobrenome na televisão? Nada mudou. É da natureza do jornalismo ser parceiro do sistema.
Agora, mesmo diante desta realidade e justamente porque o jornalismo é feito por pessoas, ele pode escapulir de seu leito. O jornalismo, então, pode ser crítico. Sim, pode. Assim como o direito pode ser crítico, a arquitetura, a história, a medicina. Todos os saberes podem ser críticos se as pessoas forem formadas para isso, se aprenderem a fazer uso da criticidade. Mas, como sê-lo se a escola é formatadora de uma mentalidade conservadora, se a universidade é hoje um dos espaços mais atrasados, de colonialismo mental, de reprodução do mesmo?
Há um autor gaucho que formulou seu pensamento mais original em Santa Catarina, na Universidade Federal: Adelmo Genro Filho. Ele criou o que chamou de “teoria marxista do jornalismo”. Também compreendeu que o jornalismo é filho dileto do poder instituído, do capitalismo, mas, igualmente percebeu que o jornalismo não é um “ente”, algo imobilizado, cristalizado. Ele é praticado por pessoas. E estas são passíveis da dialética. Portanto, o jornalismo apresenta brechas. E os jornalistas críticos podem e devem mergulhar nessas brechas, trazendo para os leitores/ouvintes/espectadores um texto que possa caminhar da singularidade do fato até a universalidade de toda a atmosfera que envolve aquele acontecimento singular. Isso tira o maniqueísmo do processo jornalístico e ele pode ser crítico em qualquer tipo de sistema. Adelmo é pouco conhecido na universidade, talvez por sua teoria ser “marxista”, o que só consolida o atraso da academia.
No caso da ditadura militar brasileira, foi o jornalismo alternativo que usou do expediente de ser crítico. E hoje, igualmente é o alternativo que combate o jornalismo chapa branca, que se entrega aos dominantes. Mas, já não mais apenas como o jornalismo, tal qual o conhecemos, e sim como uma proposta original, nascida das entranhas do que deveria ser, de fato, a sede do poder, ou seja: o povo organizado. É a proposta da soberania comunicacional, na qual está inserida a ideia de um conselho de comunicação democrático, onde as gentes sejam protagônicas.
A soberania comunicacional
Por isso que não trabalhamos mais com a ideia de democratização da comunicação, que era válida nos anos 90, mas que, agora, encontra seus limites. Democratizar implica em melhorar o que aí está. E não é isso que queremos. Nossa proposta é a de soberania comunicacional, algo que pressupõe o novo, o absolutamente novo. O jornalismo reinventado, o jornalismo assumido pelas gentes organizadas. Porque as pessoas sabem que o jornalismo que aí está não lhes diz respeito. Por isso foi tão difícil aos jornalistas, e eu diria que foi impossível, fazer as gentes compreenderem porque o STF devia manter a exigência do diploma para o exercício da profissão. As pessoas não se reconhecem no jornalismo dos grandes meios, não se vêem. Sabem que não os representa. E isso provocou uma profunda derrota aos trabalhadores do jornalismo, vitória para os patrões, que agora poderão explorar mais.
Mas, é por conta de não se reconhecerem no jornalismo oficial, dos grandes meios, que os movimentos sociais estão se apropriando das técnicas de comunicação para contar suas histórias. Querem produzir conteúdo, controlar os meios, decidir o que é importante ou não. Querem exercer a soberania. Uma grande batalha com a corporação, mas que precisa ser pensada e compreendida. A luta contra o capital pressupõe a parceria com o povo. Sem as maiorias os jornalistas que estão fora do sistema de colaboração tampouco poderão avançar.
Não é sem razão que o sistema de poder, a se ver ameaçado pelo povo, a verdadeira sede do poder, revê suas estratégias e as legaliza, como vimos no livro de Beatriz Kushnir “Os cães de guarda”, no qual ela mostra como a ditadura ia criando as leis que determinavam a censura, amparando “legalmente” os desmandos de um governo ilegalmente constituído. Por isso, não causa surpresa, hoje, a decisão jurídica definida pelo STF no que diz respeito à profissão do jornalismo. Os empresários temem a opinião pública bem informada, tal como já alertava George Orwell, no seu prefácio ao livro “Revolução dos Bichos”. Assim, com medo do povo informado e caminhando para a soberania, os donos dos meios inviabilizam a presença da massa crítica nas redações dos seus veículos. Desregulamentar a profissão é diminuir ainda mais a chance de qualquer pensamento crítico nos meios de comunicação de massa, porque, afinal, mesmo levando em conta a formação colonizada, sempre há a possibilidade de alguém escapar. Agora, sem lei que os ampare, sem exigência de formação, será mais fácil contar com os colaboracionistas, os que se autocensuram em nome da manutenção do emprego. Jogada de mestre.
Uma olhada no acórdão do STF e lá está: “os jornalistas são os que se dedicam profissionalmente ao pleno exercício da liberdade de expressão. Estão ligados e não podem ser pensados separadamente, então a regulamentação da profissão vai contra o direito inalienável de expressão”. Ora, que relações perigosas da justiça com o empresariado provocam uma fala como essa?
O jornalismo é uma profissão, a liberdade de expressão não depende do jornalismo. Qualquer ser humano pode escrever uma carta, pintar um muro, fazer um desenho, gritar na praça. O jornalismo é uma profissão que, por acaso, usa a palavra. Mas, agora, desregulamentado, se prestará ainda mais ao jogo obsceno na censura velada. E aí estamos de novo no mesmo mundo de 68, 69, 70. A proposta dos conselhos de comunicação, com a participação de outros setores da sociedade organizada, não garante nada, nem democratização, nem soberania. Isso pode ser visto em outros conselhos já existentes como o da saúde e o da educação. Mas é um espaço importante de organização, de compreensão. Ou seja, é espaço “perigoso”, que pode provocar esclarecimentos, que pode fazer as gentes avançarem para o desejo de soberania. Por isso esse é um tema tão atacado. As elites têm medo do povo e isso é muito bom. Não é à toa, portanto, que os dignos representantes da elite nacional falem tão mal do conselho, e se esganicem falando que eles trarão a censura. Porque, na verdade, é o contrário. O povo não trará a censura e sim o esclarecimento. E isso é coisa difícil de engolir.
Então, não surpreende que nas redações continuem vicejando os cães de guarda, mais do que nunca. Aos jornalistas críticos estão relegadas as margens, o alternativo. Com a diferença de que, agora, estes e as gentes, juntos, poderão avançar no rumo da soberania comunicacional, construindo com os movimentos organizados um outro tipo de estado, que não este, e uma outra forma de organizar a vida, que não a capitalista.
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Um tema bastante complexo tem tomado o imaginário brasileiro através das usinas ideológicas da classe média, as revistas semanais, e os telejornais das grandes redes: a censura. O motivo de tal questão ter vindo à baila é a proposta de institucionalização dos Conselhos Municipais e Estaduais de Comunicação. Jornalistas, comentaristas, analistas e palpiteiros tem se referido a esse assunto de forma rasa e redutora, o que é bastante prejudicial para a formação do juízo das pessoas sobre o que é verdadeiramente censura.
Para falar sobre esse assunto vou me remeter ao livro da historiadora Beatriz Kushnir, lançado em 2004, mas ainda pouco conhecido na área da comunicação. É o “Cães de Guarda – jornalista e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”. O trabalho tem uma importância tremenda porque, com ele, Beatriz desvela o outro lado da imprensa nos anos de chumbo, tempo da ditadura brasileira. Ali, é possível caminhar pelas intrincadas veredas do processo de censura que tomou conta do país depois do Ato Institucional número 5, em 1968, e ver o quanto a categoria dos jornalistas também colaborou para que a censura se fizesse real, seja através dos profissionais que assumiram o cargo de censores ou dos que assumiram a função de polícia.
O livro de Kushnir talvez não seja tão conhecido porque é justamente uma chaga aberta a sangrar, mostrando que não só os donos dos grandes meios foram coniventes com as barbaridades do regime militar, mas também muitos profissionais do jornalismo colaboraram de forma ativa. Naqueles dias, a censura era concreta e cotidiana. Palavras eram proibidas de serem pronunciadas, notícias sobre fatos de interesse público como uma epidemia de malária eram proibidas, informações sobre as arbitrariedades do regime, torturas, assassinatos e desaparecimentos então, nem pensar. Havia um setor que cuidava da censura aos meios de comunicação, aos artistas e a qualquer outro sujeito que usasse a palavra. A censura era uma imposição do estado ditatorial e impedia a livre expressão das idéias. Ela permeava todas as instâncias da vida, uma vez que também as reuniões eram proibidas. Um grupo com mais de três pessoas já era considerado motim.
No campo do jornalismo ela se expressou com a obrigatoriedade de revisão prévia das notícias feita pelos censores que, como revela o trabalho de Beatriz, tinha entre eles um número expressivo de jornalistas. As pessoas que se prestaram a esse papel eram contratadas como funcionários públicos e tinham curso superior, desfazendo-se então a idéia corrente de que os censores eram criaturas ignorantes e incapazes. Não o eram. No mais das vezes chegavam a ser “treinados” nas universidades, que ofereciam cursos sobre como censurar. O governo investiu muitos recursos neste tipo de capacitação. Vários dos censores foram entrevistados por Beatriz e a maioria tinha consolidada a certeza de que estava realmente ajudando a manter a moral e os bons costumes.
O livro de Beatriz também desvela como a censura explícita e realizada diretamente pelos funcionários públicos vai se transformando em autocensura. Os donos dos grandes jornais se mostravam incomodados pela intromissão governamental, mas não era muito em relação ao conteúdo noticioso, uma vez que a maioria dos empresários da comunicação apoiou o golpe e conspirava das mesmas idéias. Houve uma certa rusga, mas logo tudo foi se acomodando, e tanto, que os grandes jornais contratavam censores, aposentados ou não, para fazerem a pré-triagem. Ou seja, eles eram pagos pelo jornal para adequar as notícias ao gosto dos censores, para impedir que os jornais sofressem atrasos ou cortes. Isso foi gestando uma cultura de autocensura nos jornalistas, que acabaram incorporando a idéia de que certas coisas, temas, palavras e assuntos eram proibidos. Tudo se ajustou. A TV Globo, conta Beatriz, teve um funcionário deste tipo até os anos 90, ou seja, sobreviveu ao próprio regime militar.
Informações desta natureza dão conta do caráter conservador do jornalismo de massa brasileiro, ficando para a resistência – pequena, alternativa e quase ineficaz – o território do jornalismo crítico. A coisa ficou tão contaminada nas grandes redações que, no início dos anos 70, os jornalistas contratados para noticiar a vida, distorcida pelas lentes da censura, eram também policiais. Ou seja, desfaziam-se os limites da repressão e da notícia. Só era noticiado aquilo que interessava ao regime e os jornalistas eram eles mesmos os cães de guarda. Arrepiante relato.
A herança policialesca
Não foi sem razão que esta forma de autocensura acabou se irradiado pelos demais meios de comunicação. No geral, os donos da imprensa nacional compõem uma meia dúzia de famílias que, de forma capilar, acabam se reproduzindo em todos os estados da federação. Em cada um deles se pode observar o monopólio de um determinado grupo, que tem ligações muito próximas dos “jornalões” e TVs do eixo Rio-São Paulo. E, como os donos são sempre parte das elites locais, a forma de enxergar o mundo passa pelas lentes conservadoras e muitas vezes oligarcas.
Quando a ditadura militar terminou, o processo de censura estava consolidado. Mesmo com a volta da chamada democracia, nos veículos de comunicação os temas proibidos pelos militares continuavam proibidos. Basta lembrar a cobertura dos fatos que envolviam o MST. Ainda na metade dos anos 90, falar de sem-terra era aberração. E, quando estes temas puderam ser mostrados, a faceta policialesca do jornalismo seguiu de dentes arreganhados. Gente em luta logo era enquadrada nas caixinhas de “bandidos”, “baderneiros”, “invasores” e, agora, em pleno século XXI, “terroristas”.
Isso mostra que o terrível momento da censura e toda a sua organização institucional e empresarial, tão bem narrados por Beatriz Kushnir, ainda não acabou. Se assim fosse por que teríamos as matérias da Veja? Ou os editoriais raivosos do Jornal Nacional? Por que causa tanto medo à elite que domina os meios de comunicação um Conselho de Comunicação que junte movimentos sociais, sindicatos e gente do povo? Por que a idéia de ter gente “comum” discutindo a comunicação é apresentada como a possibilidade da censura? Por que regular a atividade de comunicação está sendo chamada de censura?
Na verdade, toda essa algaravia de que o Conselho vai trazer a censura é o exercício da má-fé dos mesmos de sempre, os que, inclusive, sustentaram todo o processo de censura nos anos de chumbo. A chamada “imprensa livre” não quer controle, não quer ninguém metendo o bedelho na sua extração de mais-valia ideológica, como bem já analisou o pensador venezuelano Ludovico Silva. A proposta do movimento social organizado não é a da censura. Não é esconder temas, proibir palavras, impedir que a vida real se expresse nos meios. Pelo contrário, o que foi construído pelos movimentos ao longo desta infindável transição para a democracia é a proposta de controle social, algo absolutamente natural num espaço que se diz democrático. As gentes têm sim o direito de opinar sobre o que sai na TV e no rádio. Estes setores são concessões públicas e a sede do poder é o povo. As pessoas têm sim o direito de estudar, discutir e deliberar sobre a programação e os horários de exibição de determinados conteúdos. Isso não é censura. Censura é o que os donos da maioria dos meios fazem hoje ao ocultar fatos, ao não contextualizar os acontecimentos, ao obscurecer a verdade. Isso é censura! O exercício do poder de veto de uma elite, dona dos meios.
Por isso que num momento como esse, de profunda desinformação provocada pelos mesmos meios, seria bem importante a leitura do livro de Beatriz Kushnir. Porque ela dá nome e sobrenome aos donos dos meios e aos jornalistas que colaboraram com a ditadura e com a censura. Porque mostra que ser jornalista não significa, em última instância, ser crítico. Não o era, naqueles dias, com grande parte dos jornalistas formados à facão, nas redações e na vida, e continua assim hoje, com os jornalistas formados em cursos na maioria medíocres e colaboracionistas em igual medida, articulados mais com os empresários do que com os trabalhadores.
Beatriz desvela esse universo desconhecido do período da ditadura militar que vai de 68 a 88 (quando da Constituinte), e isso é bom, porque, afinal, a imprensa só fala bem de si mesma, e os jornalistas críticos não têm onde escrever. Então, estas histórias muitas vezes só podem ser contadas assim, quando são objetos de dissertações ou teses. No caso da Beatriz avançou, virou livro e está aí para ser devorado.
Na história, o jornalismo sempre serviu às elites
É claro que um trabalho de gênese acadêmica tem suas limitações. Ele precisa de recortes, é o que pede a academia, tão pouco afeita a totalizações. Nesse caso, da discussão do jornalismo colaboracionista em tempos da ditadura militar, faltou um pouco da história do próprio jornalismo. Porque se a gente mergulha nessa história vai perceber que o papel da imprensa não é, nem nunca foi fiscalizar o poder. De que a imprensa não é, nem nunca foi um “quarto” poder. Ela é braço forte do poder instituído pelos poderosos, pelas elites.
O jornalismo como profissão, como espaço de divulgação diária de notícias sobre o mundo, nasceu com o capitalismo. Não que não houvesse jornalismo antes, se considerarmos jornalismo o ato de noticiar algo sobre o mundo. Os desenhos pré-históricos são notícias, as tábuas da mesopotâmia são notícias, as pedras chinesas são notícias, a bíblia, o alcorão, os vedas, a ilíada. Tudo isso são notícias. Mas o jornalismo, tal como o conhecemos hoje, como espaço da informação diária, ela própria virada em mercadoria, é cria do capitalismo. Os jornais diários são criados para o anúncio das mercadorias. Os textos são assessórios.
Assim, se é o capitalismo que cria o jornalismo, o que podemos esperar desta prática humana? Nada mais nada menos que ela trabalhe para a consolidação daquilo que é o próprio sistema que a engendra. Se for assim, é da natureza do jornalismo ser colaboracionista do sistema. Do status quo. Por isso, durante a ditadura iniciada em 64, assim como no Estado Novo, boa parte do jornalismo esteve a serviço do sistema. Então, o que o trabalho da Beatriz nos revela é pura e simplesmente o jornalismo sendo ele mesmo.
Ao longo da história do jornalismo nós vamos observar que o que sempre esteve em questão foi a liberdade de expressão dos donos do poder. As situações de crítica ou do jornalismo assumindo a frente de denúncias, desvendando maracutaias, etc, sempre foram coisas pontuais, espaço específico de alguns “jornalistas”, hereges, os fora da casinha. Pessoas, seres humanos comprometidos com uma outra visão. E também, ao longo da história podemos perceber que quando estes jornalistas tiveram poder, é porque de alguma maneira estavam ajudando seus patrões a ganharem dinheiro, ou porque estava acontecendo alguma mudança de temperatura do mundo, como por exemplo, no período da abolição.
E os dias atuais?
Vamos nos remeter ao hoje. Qual a diferença entre o jornalismo entreguista e colaboracionista dos anos de chumbo e o de hoje? Qual a diferença do jornalismo praticado pelos Frias/Caldeira naqueles dias, e o praticado pela Globo hoje, ou qualquer outro, Diário Catarinense, Record, etc??? Como eles noticiam as FARC, os fatos na Venezuela, na Bolívia, em Cuba? Como são as manchetes? Que denúncias aparecem na televisão, se não aquelas que são levantadas pelos repórteres/policiais, que sobem os morros no carro da polícia? Quem são os terroristas de hoje, apontados com nome e sobrenome na televisão? Nada mudou. É da natureza do jornalismo ser parceiro do sistema.
Agora, mesmo diante desta realidade e justamente porque o jornalismo é feito por pessoas, ele pode escapulir de seu leito. O jornalismo, então, pode ser crítico. Sim, pode. Assim como o direito pode ser crítico, a arquitetura, a história, a medicina. Todos os saberes podem ser críticos se as pessoas forem formadas para isso, se aprenderem a fazer uso da criticidade. Mas, como sê-lo se a escola é formatadora de uma mentalidade conservadora, se a universidade é hoje um dos espaços mais atrasados, de colonialismo mental, de reprodução do mesmo?
Há um autor gaucho que formulou seu pensamento mais original em Santa Catarina, na Universidade Federal: Adelmo Genro Filho. Ele criou o que chamou de “teoria marxista do jornalismo”. Também compreendeu que o jornalismo é filho dileto do poder instituído, do capitalismo, mas, igualmente percebeu que o jornalismo não é um “ente”, algo imobilizado, cristalizado. Ele é praticado por pessoas. E estas são passíveis da dialética. Portanto, o jornalismo apresenta brechas. E os jornalistas críticos podem e devem mergulhar nessas brechas, trazendo para os leitores/ouvintes/espectadores um texto que possa caminhar da singularidade do fato até a universalidade de toda a atmosfera que envolve aquele acontecimento singular. Isso tira o maniqueísmo do processo jornalístico e ele pode ser crítico em qualquer tipo de sistema. Adelmo é pouco conhecido na universidade, talvez por sua teoria ser “marxista”, o que só consolida o atraso da academia.
No caso da ditadura militar brasileira, foi o jornalismo alternativo que usou do expediente de ser crítico. E hoje, igualmente é o alternativo que combate o jornalismo chapa branca, que se entrega aos dominantes. Mas, já não mais apenas como o jornalismo, tal qual o conhecemos, e sim como uma proposta original, nascida das entranhas do que deveria ser, de fato, a sede do poder, ou seja: o povo organizado. É a proposta da soberania comunicacional, na qual está inserida a ideia de um conselho de comunicação democrático, onde as gentes sejam protagônicas.
A soberania comunicacional
Por isso que não trabalhamos mais com a ideia de democratização da comunicação, que era válida nos anos 90, mas que, agora, encontra seus limites. Democratizar implica em melhorar o que aí está. E não é isso que queremos. Nossa proposta é a de soberania comunicacional, algo que pressupõe o novo, o absolutamente novo. O jornalismo reinventado, o jornalismo assumido pelas gentes organizadas. Porque as pessoas sabem que o jornalismo que aí está não lhes diz respeito. Por isso foi tão difícil aos jornalistas, e eu diria que foi impossível, fazer as gentes compreenderem porque o STF devia manter a exigência do diploma para o exercício da profissão. As pessoas não se reconhecem no jornalismo dos grandes meios, não se vêem. Sabem que não os representa. E isso provocou uma profunda derrota aos trabalhadores do jornalismo, vitória para os patrões, que agora poderão explorar mais.
Mas, é por conta de não se reconhecerem no jornalismo oficial, dos grandes meios, que os movimentos sociais estão se apropriando das técnicas de comunicação para contar suas histórias. Querem produzir conteúdo, controlar os meios, decidir o que é importante ou não. Querem exercer a soberania. Uma grande batalha com a corporação, mas que precisa ser pensada e compreendida. A luta contra o capital pressupõe a parceria com o povo. Sem as maiorias os jornalistas que estão fora do sistema de colaboração tampouco poderão avançar.
Não é sem razão que o sistema de poder, a se ver ameaçado pelo povo, a verdadeira sede do poder, revê suas estratégias e as legaliza, como vimos no livro de Beatriz Kushnir “Os cães de guarda”, no qual ela mostra como a ditadura ia criando as leis que determinavam a censura, amparando “legalmente” os desmandos de um governo ilegalmente constituído. Por isso, não causa surpresa, hoje, a decisão jurídica definida pelo STF no que diz respeito à profissão do jornalismo. Os empresários temem a opinião pública bem informada, tal como já alertava George Orwell, no seu prefácio ao livro “Revolução dos Bichos”. Assim, com medo do povo informado e caminhando para a soberania, os donos dos meios inviabilizam a presença da massa crítica nas redações dos seus veículos. Desregulamentar a profissão é diminuir ainda mais a chance de qualquer pensamento crítico nos meios de comunicação de massa, porque, afinal, mesmo levando em conta a formação colonizada, sempre há a possibilidade de alguém escapar. Agora, sem lei que os ampare, sem exigência de formação, será mais fácil contar com os colaboracionistas, os que se autocensuram em nome da manutenção do emprego. Jogada de mestre.
Uma olhada no acórdão do STF e lá está: “os jornalistas são os que se dedicam profissionalmente ao pleno exercício da liberdade de expressão. Estão ligados e não podem ser pensados separadamente, então a regulamentação da profissão vai contra o direito inalienável de expressão”. Ora, que relações perigosas da justiça com o empresariado provocam uma fala como essa?
O jornalismo é uma profissão, a liberdade de expressão não depende do jornalismo. Qualquer ser humano pode escrever uma carta, pintar um muro, fazer um desenho, gritar na praça. O jornalismo é uma profissão que, por acaso, usa a palavra. Mas, agora, desregulamentado, se prestará ainda mais ao jogo obsceno na censura velada. E aí estamos de novo no mesmo mundo de 68, 69, 70. A proposta dos conselhos de comunicação, com a participação de outros setores da sociedade organizada, não garante nada, nem democratização, nem soberania. Isso pode ser visto em outros conselhos já existentes como o da saúde e o da educação. Mas é um espaço importante de organização, de compreensão. Ou seja, é espaço “perigoso”, que pode provocar esclarecimentos, que pode fazer as gentes avançarem para o desejo de soberania. Por isso esse é um tema tão atacado. As elites têm medo do povo e isso é muito bom. Não é à toa, portanto, que os dignos representantes da elite nacional falem tão mal do conselho, e se esganicem falando que eles trarão a censura. Porque, na verdade, é o contrário. O povo não trará a censura e sim o esclarecimento. E isso é coisa difícil de engolir.
Então, não surpreende que nas redações continuem vicejando os cães de guarda, mais do que nunca. Aos jornalistas críticos estão relegadas as margens, o alternativo. Com a diferença de que, agora, estes e as gentes, juntos, poderão avançar no rumo da soberania comunicacional, construindo com os movimentos organizados um outro tipo de estado, que não este, e uma outra forma de organizar a vida, que não a capitalista.
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Auschwitz brasileira: você vai?
Reproduzo artigo enviado pelo internauta Mauro Carrara:
Durante a II Guerra Mundial, milhões de judeus foram enviados a campos de concentração e extermínio pelo governo nazista de Adolf Hitler. No entanto, no principal complexo da morte, Auschwitz-Birkenau, na Polônia, foram encarcerados também membros da resistência democrática, intelectuais, artistas, religiosos, elementos considerados anti-sociais, ciganos e homossexuais.
Cidadãos alemães, poloneses, franceses, italianos, russos e de outras nacionalidades, inclusive crianças e idosos, encontraram ali a angústia de seus últimos dias. Pelo menos 2 milhões de seres humanos foram mortos nessas instalações. Muitos pereceram nas câmaras de gás, envenenados pelo pesticida Zyklon B.
Não por acaso, o sistema remete à campanha informal “afogue um nordestino”, em curso nas redes sociais virtuais brasileiras, movida por militantes da candidatura derrotada de José Serra à presidência da República.
A autora da proposta é a estudante de Direito paulista Mayara Petruso, para quem os nordestinos são “vagabundos” que “fazem filho” para receber benefícios do programa Bolsa Família.
De acordo com os seguidores do grupo, como Maxi Franzoi, ativo no Twitter, a perseguição é legítima. Segundo o jovem, as nordestinas “nem banho tomam” e não há chuveiros instalados na região.
A campanha de perseguição aos diferentes movida pela juventude tucana, porém, alcança outros grupos minoritários divergentes.
Amarela azeda e aleijado FDP
Na comunidade Brasil (1,3 milhão de membros), da rede Orkut, por exemplo, a professora sansei Marina Okuhara, procurava argumentar civilizadamente em favor das políticas de distribuição de renda no Brasil quando foi chamada de “amarela azeda”, “vaca oriental sem bunda” e intimada a deixar o Brasil e se mudar para a “Coreia do Norte”.
Agressões e graves ameaças também têm sido registradas contra nortistas (os “índios burros”, como escreveu um simpatizante de José Serra no Twitter), cariocas, mineiros, bolivianos, homossexuais, deficientes físicos, negros e obesos.
Na rede Orkut, o termo “aleijado filho da puta tem que virar sabão” foi utilizado várias vezes, entre risadas escritas, contra um estudante portador de necessidades especiais que defendia a candidatura de Dilma Rousseff.
Nas rotulagens padronizadas por esses grupos, cariocas são “traficantes e prostitutas”, mineiros são “comedores de pão de queijo vendidos”, bolivianos são “sub-raça que infecta São Paulo”, homossexuais são “pecadores aidéticos” a serem eliminados, deficientes são “estorvos”, negros são “indolentes” (embora muitos revoltosos afirmem até mesmo conversar “normalmente” com eles) e obesos compõem a “escória da raça”.
O último tipo de classificação gerou até mesmo um novo “esporte” universitário. Na Unesp, um grupo de alunos instituiu o chamado “Rodeio das Gordas”, que também ganhou uma comunidade na rede Orkut e inúmeras adesões no Twitter.
Durante uma festa, os rapazes saltavam sobre as costas das garotas consideradas obesas e as dominavam por estrangulamento. Diante do desespero das vítimas, os “cowboys” berravam: “pula, pula, gorda bandida”.
Logicamente, os esquerdistas recebem um tratamento especial na Internet. Nomeados “comunistas de merda”, devem se transferir para Cuba ou para o Vietnã. Frequentemente recebem ameaças físicas.
O Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães, por exemplo, registrou logo após as eleições um “aviso” do gênero, escrito por um certo Ruiz:
- Vocês estão fudidos, nem que a gente tenha que quebrar vocês na rua… só no taco de baseball e se vier é melhor cair dentro neném, que aqui não tem perdão
Esses movimentos têm umbilical relação com as campanhas movidas pelas tropas de choque virtuais da candidatura do PSDB à presidência. Um olhar mais atento atestará que os animadores das gangues da intolerância estiveram empenhados na propaganda tucana.
Sabe-se, portanto, de onde vem essa educação para a hostilidade. Os exemplos de cima são muitos e variados, capazes de gerar e consolidar uma cultura de intransigência e ódio.
Em 2005, num evento com empresários, por exemplo, o político catarinense Jorge Bornhausen, do atual DEM, foi questionado sobre um suposto desencanto com a política. E respondeu da seguinte forma:
- Desencantado? Pelo contrário. Estou é encantado, porque estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos.
Em 2006, numa entrevista ao SPTV, da Rede Globo, o então candidato tucano ao governo paulista foi interrogado pelos apresentadores sobre as causas do péssimo desempenho da educação no Estado mais rico do país.
Sem titubear, Serra colocou a culpa nos migrantes e ainda deturpou os dados sobre movimentação populacional interna, alegando que “muita gente continua chegando” a São Paulo.
Com a derrota nas urnas no dia 31 de Outubro, os guerreiros do atraso, influenciados pela TPF, pela Opus Dei, pela Tribuna Nacional, pelos monarquistas e pela ala reacionária e golpista do episcopado brasileiro, revelam-se decididos a manter a cruzada pela desestabilização do país.
Portanto, muito cuidado, especialmente se você ousou votar em Dilma, se está entre os 49% de gaúchos e 46% de paulistas “vermelhos”, se simpatiza com a esquerda, se tem princípios humanistas, se segue a lição do verdadeiro Cristo, se é nordestino, se é nortista, se é carioca, se é mineiro, se ainda vive de maneira humilde, se foi beneficiado pelo Prouni, se é oriental, se é afro-descendente, se é ameríndio, se sua família tem origem em outro país latino, se é contrário à entrega de Itaipu e Petrobrás aos amigos de FHC e também se ganhou uns quilinhos a mais...
Em cada esquina virtual, tem uma Auschwitz a sua espera. E o Hélio Bicudo continua calado.
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Durante a II Guerra Mundial, milhões de judeus foram enviados a campos de concentração e extermínio pelo governo nazista de Adolf Hitler. No entanto, no principal complexo da morte, Auschwitz-Birkenau, na Polônia, foram encarcerados também membros da resistência democrática, intelectuais, artistas, religiosos, elementos considerados anti-sociais, ciganos e homossexuais.
Cidadãos alemães, poloneses, franceses, italianos, russos e de outras nacionalidades, inclusive crianças e idosos, encontraram ali a angústia de seus últimos dias. Pelo menos 2 milhões de seres humanos foram mortos nessas instalações. Muitos pereceram nas câmaras de gás, envenenados pelo pesticida Zyklon B.
Não por acaso, o sistema remete à campanha informal “afogue um nordestino”, em curso nas redes sociais virtuais brasileiras, movida por militantes da candidatura derrotada de José Serra à presidência da República.
A autora da proposta é a estudante de Direito paulista Mayara Petruso, para quem os nordestinos são “vagabundos” que “fazem filho” para receber benefícios do programa Bolsa Família.
De acordo com os seguidores do grupo, como Maxi Franzoi, ativo no Twitter, a perseguição é legítima. Segundo o jovem, as nordestinas “nem banho tomam” e não há chuveiros instalados na região.
A campanha de perseguição aos diferentes movida pela juventude tucana, porém, alcança outros grupos minoritários divergentes.
Amarela azeda e aleijado FDP
Na comunidade Brasil (1,3 milhão de membros), da rede Orkut, por exemplo, a professora sansei Marina Okuhara, procurava argumentar civilizadamente em favor das políticas de distribuição de renda no Brasil quando foi chamada de “amarela azeda”, “vaca oriental sem bunda” e intimada a deixar o Brasil e se mudar para a “Coreia do Norte”.
Agressões e graves ameaças também têm sido registradas contra nortistas (os “índios burros”, como escreveu um simpatizante de José Serra no Twitter), cariocas, mineiros, bolivianos, homossexuais, deficientes físicos, negros e obesos.
Na rede Orkut, o termo “aleijado filho da puta tem que virar sabão” foi utilizado várias vezes, entre risadas escritas, contra um estudante portador de necessidades especiais que defendia a candidatura de Dilma Rousseff.
Nas rotulagens padronizadas por esses grupos, cariocas são “traficantes e prostitutas”, mineiros são “comedores de pão de queijo vendidos”, bolivianos são “sub-raça que infecta São Paulo”, homossexuais são “pecadores aidéticos” a serem eliminados, deficientes são “estorvos”, negros são “indolentes” (embora muitos revoltosos afirmem até mesmo conversar “normalmente” com eles) e obesos compõem a “escória da raça”.
O último tipo de classificação gerou até mesmo um novo “esporte” universitário. Na Unesp, um grupo de alunos instituiu o chamado “Rodeio das Gordas”, que também ganhou uma comunidade na rede Orkut e inúmeras adesões no Twitter.
Durante uma festa, os rapazes saltavam sobre as costas das garotas consideradas obesas e as dominavam por estrangulamento. Diante do desespero das vítimas, os “cowboys” berravam: “pula, pula, gorda bandida”.
Logicamente, os esquerdistas recebem um tratamento especial na Internet. Nomeados “comunistas de merda”, devem se transferir para Cuba ou para o Vietnã. Frequentemente recebem ameaças físicas.
O Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães, por exemplo, registrou logo após as eleições um “aviso” do gênero, escrito por um certo Ruiz:
- Vocês estão fudidos, nem que a gente tenha que quebrar vocês na rua… só no taco de baseball e se vier é melhor cair dentro neném, que aqui não tem perdão
Esses movimentos têm umbilical relação com as campanhas movidas pelas tropas de choque virtuais da candidatura do PSDB à presidência. Um olhar mais atento atestará que os animadores das gangues da intolerância estiveram empenhados na propaganda tucana.
Sabe-se, portanto, de onde vem essa educação para a hostilidade. Os exemplos de cima são muitos e variados, capazes de gerar e consolidar uma cultura de intransigência e ódio.
Em 2005, num evento com empresários, por exemplo, o político catarinense Jorge Bornhausen, do atual DEM, foi questionado sobre um suposto desencanto com a política. E respondeu da seguinte forma:
- Desencantado? Pelo contrário. Estou é encantado, porque estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos.
Em 2006, numa entrevista ao SPTV, da Rede Globo, o então candidato tucano ao governo paulista foi interrogado pelos apresentadores sobre as causas do péssimo desempenho da educação no Estado mais rico do país.
Sem titubear, Serra colocou a culpa nos migrantes e ainda deturpou os dados sobre movimentação populacional interna, alegando que “muita gente continua chegando” a São Paulo.
Com a derrota nas urnas no dia 31 de Outubro, os guerreiros do atraso, influenciados pela TPF, pela Opus Dei, pela Tribuna Nacional, pelos monarquistas e pela ala reacionária e golpista do episcopado brasileiro, revelam-se decididos a manter a cruzada pela desestabilização do país.
Portanto, muito cuidado, especialmente se você ousou votar em Dilma, se está entre os 49% de gaúchos e 46% de paulistas “vermelhos”, se simpatiza com a esquerda, se tem princípios humanistas, se segue a lição do verdadeiro Cristo, se é nordestino, se é nortista, se é carioca, se é mineiro, se ainda vive de maneira humilde, se foi beneficiado pelo Prouni, se é oriental, se é afro-descendente, se é ameríndio, se sua família tem origem em outro país latino, se é contrário à entrega de Itaipu e Petrobrás aos amigos de FHC e também se ganhou uns quilinhos a mais...
Em cada esquina virtual, tem uma Auschwitz a sua espera. E o Hélio Bicudo continua calado.
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Homenagem a Carlos Marighella
Reproduzo convite enviado pelo amigo Pedro Estevam da Rocha Pomar:
Há 41 anos, em 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella tombou na Alameda Casa Branca, em São Paulo, assassinado pelo delegado Sérgio Fleury e outros capangas da ditadura militar.
No Partido Comunista (PCB), ao qual dedicou mais de 30 anos de vida, e pelo qual foi deputado federal constituinte em 1946, ou na Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que fundou para combater a ditadura, Marighella não tinha outros objetivos senão a libertação da classe trabalhadora, o combate ao imperialismo norte-americano, a luta pelo socialismo.
Na manhã desta quinta-feira, 4 de novembro de 2010, a partir das 11 horas, a memória de Marighella será homenageada por amigos, familiares e camaradas de luta.
Contamos com o comparecimento de todos!
Viva o companheiro Carlos Marighella!
Ato de homenagem: quinta-feira, 4 de novembro, às 11 h, na Alameda Casa Branca, 700.
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Há 41 anos, em 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella tombou na Alameda Casa Branca, em São Paulo, assassinado pelo delegado Sérgio Fleury e outros capangas da ditadura militar.
No Partido Comunista (PCB), ao qual dedicou mais de 30 anos de vida, e pelo qual foi deputado federal constituinte em 1946, ou na Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que fundou para combater a ditadura, Marighella não tinha outros objetivos senão a libertação da classe trabalhadora, o combate ao imperialismo norte-americano, a luta pelo socialismo.
Na manhã desta quinta-feira, 4 de novembro de 2010, a partir das 11 horas, a memória de Marighella será homenageada por amigos, familiares e camaradas de luta.
Contamos com o comparecimento de todos!
Viva o companheiro Carlos Marighella!
Ato de homenagem: quinta-feira, 4 de novembro, às 11 h, na Alameda Casa Branca, 700.
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Anauê, José Serra!
Reproduzo artigo de Alipio Freire, publicado no jornal Brasil de Fato:
Ser derrotado nas urnas numa eleição, não é tudo.
O mais grave é passar para a História como um fascista.
Sim, lamentamos, mas é exatamente isto o que ocorrerá com o candidato derrotado José Serra.
Se os rumos que pretendeu imprimir à disputa eleitoral não são suficientes para que nos mantenhamos d/espertos, a eloqüência das alianças forjadas para além dos partidos institucionais (DEM e PPS) e da grande mídia comercial falam por si.
Como é público, o candidato derrotado esteve reunido com representantes e militantes do grupo paramilitar fascista Comando de Caça aos Comunistas – o CCC, e da organização ultradireitista Tradição Família e Propriedade – TFP. Ambos participaram da conspiração e do golpe de 1964, e foram dos mais ferozes defensores da ditadura, opondo-se até o final, a qualquer abertura.
Na documentação da gráfica do Cambuci (S. Paulo), onde foram descobertos milhões de panfletos que tentavam desmoralizar e criminalizar a então ainda candidata Dilma Rousseff, está clara toda a ligação do candidato derrotado com membros do Partido Integralista, Monarquista e a ultradireita católica.
Pesquisa realizada pelo jornalista Tony Chastinet e publicada por Rodrigo Vianna com o título de “Dilma é alvo de grupos de extrema-direita e neonazistas” em seu blog, deixa clara a promiscuidade entre o candidato derrotado e os neonazistas.
Quando tudo isto tem, ainda, como pano de fundo, os discursos dirigidos pelo candidato derrotado ao Clube Militar e ao Clube do Pijama, aludindo a uma “república sindical”, e outros jargões que antecederam ao golpe de 1964; as manifestações dos membros desses dois clubes; e as declarações feitas nos EUA pelo doutor Nelson Jobim de que poderia ser ministro da Defesa de qualquer dos dois candidatos... é como se houvesse algo de podre na Dinamarca. De quem já fraudou uma Constituição; derrubou um avião matando cerca de 200 pessoas para se tornar ministro da Defesa; que já tentou um golpe contra o Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, esperamos tudo, menos que tenha viajado para os EUA para praticar esportes de outono...
De um candidato que se alia a toda essa escória, podemos esperar sempre o pior.
Fiquemos atentos: o candidato derrotado pode estar “cavando” um “terceiro turno”.
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Ser derrotado nas urnas numa eleição, não é tudo.
O mais grave é passar para a História como um fascista.
Sim, lamentamos, mas é exatamente isto o que ocorrerá com o candidato derrotado José Serra.
Se os rumos que pretendeu imprimir à disputa eleitoral não são suficientes para que nos mantenhamos d/espertos, a eloqüência das alianças forjadas para além dos partidos institucionais (DEM e PPS) e da grande mídia comercial falam por si.
Como é público, o candidato derrotado esteve reunido com representantes e militantes do grupo paramilitar fascista Comando de Caça aos Comunistas – o CCC, e da organização ultradireitista Tradição Família e Propriedade – TFP. Ambos participaram da conspiração e do golpe de 1964, e foram dos mais ferozes defensores da ditadura, opondo-se até o final, a qualquer abertura.
Na documentação da gráfica do Cambuci (S. Paulo), onde foram descobertos milhões de panfletos que tentavam desmoralizar e criminalizar a então ainda candidata Dilma Rousseff, está clara toda a ligação do candidato derrotado com membros do Partido Integralista, Monarquista e a ultradireita católica.
Pesquisa realizada pelo jornalista Tony Chastinet e publicada por Rodrigo Vianna com o título de “Dilma é alvo de grupos de extrema-direita e neonazistas” em seu blog, deixa clara a promiscuidade entre o candidato derrotado e os neonazistas.
Quando tudo isto tem, ainda, como pano de fundo, os discursos dirigidos pelo candidato derrotado ao Clube Militar e ao Clube do Pijama, aludindo a uma “república sindical”, e outros jargões que antecederam ao golpe de 1964; as manifestações dos membros desses dois clubes; e as declarações feitas nos EUA pelo doutor Nelson Jobim de que poderia ser ministro da Defesa de qualquer dos dois candidatos... é como se houvesse algo de podre na Dinamarca. De quem já fraudou uma Constituição; derrubou um avião matando cerca de 200 pessoas para se tornar ministro da Defesa; que já tentou um golpe contra o Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, esperamos tudo, menos que tenha viajado para os EUA para praticar esportes de outono...
De um candidato que se alia a toda essa escória, podemos esperar sempre o pior.
Fiquemos atentos: o candidato derrotado pode estar “cavando” um “terceiro turno”.
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A derrota do pró-imperialismo neoliberal
Reproduzo artigo do professor João Quartim de Moraes, publicado no sítio Vermelho:
Chico Buarque sintetizou com insuperável concisão, num ato em apoio à candidatura Dilma Rousseff, os dois princípios complementares da política externa da tucanagem: falar fino com os Estados Unidos, falar grosso com a Bolívia e o Paraguai. São princípios tradicionais da direita liberal, sempre subserviente ao “colosso do Norte”, como dizem carinhosamente, sempre arrogante porém com os povos em luta.
Dentre as maneiras de tentar justificar a servidão voluntária ao “colosso”, é especialmente insidiosa uma que está exposta em peçonhenta revista do plutocrata Civita. No momento em que, após ter submetido o Afeganistão a um holocausto balístico em que massacrou indiscriminadamente a população civil, como já havia feito tantas vezes no passado, o Pentágono preparava a invasão do Iraque, Veja (nº 1.791, de 26 de fevereiro de 2003) ofereceu a seguinte explicação para a indignação da melhor parcela da humanidade perante esta escalada de atrocidades:
"Os americanos são ainda odiados por um motivo mais prosaico: porque há décadas vivem uma era de prosperidade sem igual na história humana. Num planeta em que 45% das pessoas subsistem com menos de 2 dólares por dia, os americanos são os beneficiários de uma opulência que agride os brios dos países retardatários. Além disso, os Estados Unidos têm valores, como a democracia e a liberdade absoluta de manifestação de idéias e crenças, que chocam todos aqueles que aprovam regimes totalitários, entre eles os radicais islâmicos. Os EUA, como país, resultaram da convivência das diferenças. O individualismo de seu povo é uma característica cujos resultados são assombrosamente positivos. Isso produz ressentimento".
Tenham ou não haurido de Nietzsche essa denúncia do “ressentimento”, os poodles do truste Abril apenas expressam seus valores vulgares e sua indigência político-cultural. Só no grotesco Castelo de Caras, a revista dos cafonas endinheirados e dos basbaques que os admiram, é possível falar em “era de prosperidade sem igual na história humana” sem cair no ridículo. Em Wall Street, viveiro do dólar gerando dólar, prosperam os Madoffs e outros canalhas; enquanto isso, na periferia do imperialismo, quando se ouve um gringo do Pentágono cacarejar “democracy, democracy” (pronuncia-se “dimócraci”), todos vão logo correndo se entocar, porque os mísseis costumam vir logo atrás.
Ronald Reagan, pioneiro da Cruzada neoliberal de recolonização do planeta, justificava o apoio militar que concedia aos talebãs em luta contra os comunistas afegãos, argumentando que eles “não eram terroristas e sim guerrilheiros da liberdade”. Os “democratas-ocidentais”, sob o comando de Bush pai, de Clinton e de Bush filho prosseguiram na Cruzada assassina contra o que chamam “Eixo do Mal”, composto na verdade pelos países que se recusam a lamber as botas do Pentágono e de seus sócios da OTAN.
No Iraque, o holocausto começou antes mesmo da invasão e ocupação do país pelos mercenários do mentecapto G.W.Bush. O embargo econômico decretado contra aquele país pelo “democrat” Clinton e executado por sua secretária de Estado, Madeleine Albright, fez cerca de 500 mil crianças morreram de fome. Quando lhe pediram para explicar essa monstruosidade, a secretária respondeu: “é um preço que nós pagamos pela democracia”. Nós quem, harpia?
No mesmo momento, Veja incumbia-se do trabalho rasteiro de ajudar a satanizar Saddam Hussein. Entre outras safadezas pró-imperialistas, publicou matéria intitulada “Chumbo na chuteira” (nº 1.612, de 25 de agosto de 1999). Dizendo basear-se no jornal britânico The Sunday Times, acusa Udai, filho de Saddam Hussein, de mandar espancar e até torturar jogadores da equipe nacional do Iraque quando perdiam partidas importantes. Em princípio, uma denúncia pode ser verdadeira ou falsa. Mas considerando que a mediática imperialista, inclusive a britânica, divulgou toda sorte de pretextos mentirosos para se apoderar do petróleo iraquiano, não dá para acreditar na raivosa compilação da revista do Mister Civita. De qualquer modo, a tropa da Veja deve ter exultado mais adiante, quando Udai, junto com o irmão Qusai, foram executados à queima roupa pelos pistoleiros do Pentágono. O pai foi em seguida enforcado, após um simulacro de processo mais grotesco do que o dos nazistas. Tudo em nome da “democracy”, claro.
Não é só a tucanagem, porém que fala fino com os Estados Unidos e grosso com os recalcitrantes da periferia. Havíamos já deplorado que Marina Silva (a nova maneira do capital fazer política) tenha escolhido exatamente a hora em que o Cartel da Otan ameaça incendiar o Irã para declamar em Washington, no dia 24 de abril passado, a ladainha que os gringos queriam ouvir: "O Brasil é a única democracia ocidental que tem dado audiência para o Ahmadinejad. A própria China não tem dado, nem a Rússia".
A declaração, além de eleitoreira (caçando votos anti-Lula na faixa pró-imperialista que come na mão da Rede Globo), é ideologicamente sintomática: auto-identificação subalterna com a “democracia ocidental” (a “dimócraci”), subserviência aos interesses da Casa Branca e alusão pejorativa à “própria” China. Entre as espécies verdes com quem Marina se identifica estão, pelo visto, os papagaios de pirata da mediática capitalista.
Coerente com sua opção pró-imperialista, a candidata do PV chamou para seu principal assessor econômico o ultra-liberal Eduardo Giannetti da Fonseca. Sem medo de desfiar as mais surradas trivialidades do receituário econômico da direita, o assessor alertou seu bando (em entrevista reproduzida em Estadão.com de 23 de agosto passado): “com Dilma, vemos um avanço de um estatismo e dirigismo na economia, o governo criando estatais de seguros, telefonia, e os bancos estatais promovendo uma marcha forçada de crescimento”.
Terrível, não? Explicou também a propósito da competitividade das exportações brasileiras que "é reduzindo o custo Brasil que vamos resolver esse problema, não é com administração de câmbio". A expressão “custo Brasil” já denota o sabujo, para o qual a culpa é sempre do Brasil. Ademais, só a um imbecil escapa que com o dólar, digamos a 2,5 reais é mais fácil exportar do que com um dólar a 1,7 reais. Enfim, revelando um traço profundo dos verdes, de que seus eleitores bem intencionados não se deram conta, é pela direita que Giannetti discorda dos tucanos: "Juros são sintoma, não são causa do nosso problema", disse ele contrapondo-se às “críticas duras” que Serra fez contra o Banco Central, questionando sua autonomia. Como todos os ultra-liberais, o assessor de Marina quer um Banco Central independente das orientações políticas do governo e dos legisladores eleitos pelo sufrágio universal.
Nesse aspecto importante, Serra é, como diz o caboclo, menos pior que Marina. Ia terminar meu pequeno artigo mensal com essa não sectária ponderação quando, sacudindo a poeira de meu vasto e um tanto caótico arquivo de jornais, deparei-me na primeira página do Estadão/Mesquitão de 22 de maio de 1996, sob o título “Light é privatizada em leilão recorde”, com uma foto de figurões sorridentes, felizes. No centro da foto está Serra, rindo ao bater o martelo.
Na seção de economia do mesmo jornal, mais esclarecimentos sob o título “Estatal francesa compra Light por preço mínimo”. O candidato à presidência duas vezes derrotado partilha com FHC a responsabilidade de ter entregue a um Estado estrangeiro, a preço vil, um setor estratégico de nossa economia. Felizmente, o eleitor brasileiro derrotou tucanos e papagaios de pirata.
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Chico Buarque sintetizou com insuperável concisão, num ato em apoio à candidatura Dilma Rousseff, os dois princípios complementares da política externa da tucanagem: falar fino com os Estados Unidos, falar grosso com a Bolívia e o Paraguai. São princípios tradicionais da direita liberal, sempre subserviente ao “colosso do Norte”, como dizem carinhosamente, sempre arrogante porém com os povos em luta.
Dentre as maneiras de tentar justificar a servidão voluntária ao “colosso”, é especialmente insidiosa uma que está exposta em peçonhenta revista do plutocrata Civita. No momento em que, após ter submetido o Afeganistão a um holocausto balístico em que massacrou indiscriminadamente a população civil, como já havia feito tantas vezes no passado, o Pentágono preparava a invasão do Iraque, Veja (nº 1.791, de 26 de fevereiro de 2003) ofereceu a seguinte explicação para a indignação da melhor parcela da humanidade perante esta escalada de atrocidades:
"Os americanos são ainda odiados por um motivo mais prosaico: porque há décadas vivem uma era de prosperidade sem igual na história humana. Num planeta em que 45% das pessoas subsistem com menos de 2 dólares por dia, os americanos são os beneficiários de uma opulência que agride os brios dos países retardatários. Além disso, os Estados Unidos têm valores, como a democracia e a liberdade absoluta de manifestação de idéias e crenças, que chocam todos aqueles que aprovam regimes totalitários, entre eles os radicais islâmicos. Os EUA, como país, resultaram da convivência das diferenças. O individualismo de seu povo é uma característica cujos resultados são assombrosamente positivos. Isso produz ressentimento".
Tenham ou não haurido de Nietzsche essa denúncia do “ressentimento”, os poodles do truste Abril apenas expressam seus valores vulgares e sua indigência político-cultural. Só no grotesco Castelo de Caras, a revista dos cafonas endinheirados e dos basbaques que os admiram, é possível falar em “era de prosperidade sem igual na história humana” sem cair no ridículo. Em Wall Street, viveiro do dólar gerando dólar, prosperam os Madoffs e outros canalhas; enquanto isso, na periferia do imperialismo, quando se ouve um gringo do Pentágono cacarejar “democracy, democracy” (pronuncia-se “dimócraci”), todos vão logo correndo se entocar, porque os mísseis costumam vir logo atrás.
Ronald Reagan, pioneiro da Cruzada neoliberal de recolonização do planeta, justificava o apoio militar que concedia aos talebãs em luta contra os comunistas afegãos, argumentando que eles “não eram terroristas e sim guerrilheiros da liberdade”. Os “democratas-ocidentais”, sob o comando de Bush pai, de Clinton e de Bush filho prosseguiram na Cruzada assassina contra o que chamam “Eixo do Mal”, composto na verdade pelos países que se recusam a lamber as botas do Pentágono e de seus sócios da OTAN.
No Iraque, o holocausto começou antes mesmo da invasão e ocupação do país pelos mercenários do mentecapto G.W.Bush. O embargo econômico decretado contra aquele país pelo “democrat” Clinton e executado por sua secretária de Estado, Madeleine Albright, fez cerca de 500 mil crianças morreram de fome. Quando lhe pediram para explicar essa monstruosidade, a secretária respondeu: “é um preço que nós pagamos pela democracia”. Nós quem, harpia?
No mesmo momento, Veja incumbia-se do trabalho rasteiro de ajudar a satanizar Saddam Hussein. Entre outras safadezas pró-imperialistas, publicou matéria intitulada “Chumbo na chuteira” (nº 1.612, de 25 de agosto de 1999). Dizendo basear-se no jornal britânico The Sunday Times, acusa Udai, filho de Saddam Hussein, de mandar espancar e até torturar jogadores da equipe nacional do Iraque quando perdiam partidas importantes. Em princípio, uma denúncia pode ser verdadeira ou falsa. Mas considerando que a mediática imperialista, inclusive a britânica, divulgou toda sorte de pretextos mentirosos para se apoderar do petróleo iraquiano, não dá para acreditar na raivosa compilação da revista do Mister Civita. De qualquer modo, a tropa da Veja deve ter exultado mais adiante, quando Udai, junto com o irmão Qusai, foram executados à queima roupa pelos pistoleiros do Pentágono. O pai foi em seguida enforcado, após um simulacro de processo mais grotesco do que o dos nazistas. Tudo em nome da “democracy”, claro.
Não é só a tucanagem, porém que fala fino com os Estados Unidos e grosso com os recalcitrantes da periferia. Havíamos já deplorado que Marina Silva (a nova maneira do capital fazer política) tenha escolhido exatamente a hora em que o Cartel da Otan ameaça incendiar o Irã para declamar em Washington, no dia 24 de abril passado, a ladainha que os gringos queriam ouvir: "O Brasil é a única democracia ocidental que tem dado audiência para o Ahmadinejad. A própria China não tem dado, nem a Rússia".
A declaração, além de eleitoreira (caçando votos anti-Lula na faixa pró-imperialista que come na mão da Rede Globo), é ideologicamente sintomática: auto-identificação subalterna com a “democracia ocidental” (a “dimócraci”), subserviência aos interesses da Casa Branca e alusão pejorativa à “própria” China. Entre as espécies verdes com quem Marina se identifica estão, pelo visto, os papagaios de pirata da mediática capitalista.
Coerente com sua opção pró-imperialista, a candidata do PV chamou para seu principal assessor econômico o ultra-liberal Eduardo Giannetti da Fonseca. Sem medo de desfiar as mais surradas trivialidades do receituário econômico da direita, o assessor alertou seu bando (em entrevista reproduzida em Estadão.com de 23 de agosto passado): “com Dilma, vemos um avanço de um estatismo e dirigismo na economia, o governo criando estatais de seguros, telefonia, e os bancos estatais promovendo uma marcha forçada de crescimento”.
Terrível, não? Explicou também a propósito da competitividade das exportações brasileiras que "é reduzindo o custo Brasil que vamos resolver esse problema, não é com administração de câmbio". A expressão “custo Brasil” já denota o sabujo, para o qual a culpa é sempre do Brasil. Ademais, só a um imbecil escapa que com o dólar, digamos a 2,5 reais é mais fácil exportar do que com um dólar a 1,7 reais. Enfim, revelando um traço profundo dos verdes, de que seus eleitores bem intencionados não se deram conta, é pela direita que Giannetti discorda dos tucanos: "Juros são sintoma, não são causa do nosso problema", disse ele contrapondo-se às “críticas duras” que Serra fez contra o Banco Central, questionando sua autonomia. Como todos os ultra-liberais, o assessor de Marina quer um Banco Central independente das orientações políticas do governo e dos legisladores eleitos pelo sufrágio universal.
Nesse aspecto importante, Serra é, como diz o caboclo, menos pior que Marina. Ia terminar meu pequeno artigo mensal com essa não sectária ponderação quando, sacudindo a poeira de meu vasto e um tanto caótico arquivo de jornais, deparei-me na primeira página do Estadão/Mesquitão de 22 de maio de 1996, sob o título “Light é privatizada em leilão recorde”, com uma foto de figurões sorridentes, felizes. No centro da foto está Serra, rindo ao bater o martelo.
Na seção de economia do mesmo jornal, mais esclarecimentos sob o título “Estatal francesa compra Light por preço mínimo”. O candidato à presidência duas vezes derrotado partilha com FHC a responsabilidade de ter entregue a um Estado estrangeiro, a preço vil, um setor estratégico de nossa economia. Felizmente, o eleitor brasileiro derrotou tucanos e papagaios de pirata.
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Serra plantou ódio; país colhe preconceito
Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:
O vídeo que reproduzo abaixo é de revirar o estômago. Mas faz um bem danado: lança luz sobre um Brasil que muitas vezes não gostamos de ver. O Brasil do ódio.
http://www.youtube.com/watch?v=tCORsD-hx0w
A campanha conservadora movida pelos tucanos, a misturar religião e política, trouxe à tona o lodo que estava guardado no fundo da represa. A lama surgiu na forma de ódio e preconceito. Muita gente gosta de afirmar: no Brasil não há ódio entre irmãos, há tolerância religiosa. Serra jogou isso fora. A turma que o apoiava infestou a internet com calúnias. E, agora, passada a eleição, o twitter e outras redes sociais são tomadas por manifestações odiosas.
Como se vê no vídeo acima, não foi só a tal Mayara (estudante de Direito!!!) que declarou ódio aos nordestinos. Há muitos outros. Com nome, assinatura. É fácil identificar um por um. E processar a todos! O Ministério Público deveria agir. A Polícia Federal deveria agir.
E nós devemos estar preparados, porque Serra fez dessas feras da direita a nova militância tucana. Jogou no lixo a história de Montoro e Covas. Serra cavou a trincheira na direita. E o Brasil agora colhe o resultado da campanha odiosa feita por Serra.
Desde domingo, muita gente já fez as contas e mostrou: Dilma ganharia de Serra com ou sem os votos do Nordeste. Não dei destaque a isso porque acho que é – de certa forma – uma rendição ao pensamento conservador. Em vez de dizer que Dilma ganhou “mesmo sem o Nordeste”, deveríamos dizer: ganhou – também – por causa dos nordestinos. E qual o problema?
E deveríamos lembrar: Dilma ganhou também com o voto de quase 60% dos mineiros e dos moradores do Estado do Rio. E ganhou com quase metade dos votos de paulistas e gaúchos.
Parte da imprensa – que, como Serra, não aceita a derrota e tenta desqualificar a vitoriosa - insiste no mapinha ”Estados vermelhos no Norte/Nordeste x Estados azuis no Sul/Sudeste”. O interessante é ver a votação por municípios, e não por Estados: há imensas manchas vermelhas nesse Sul/Sudeste que alguns gostariam de ver todo azulzinho.
No Sul e no Sudeste há muita gente que diz: “não ao ódio”. Se essa turma de mauricinhos idiotas quiser brincar de separatismo, vai ter que enfrentar não apenas o bravo povo nordestino. Vai ter que enfrentar gente do Sul e Sudeste que não aceita dividir o Brasil.
Serra do bem tentou lançar o Brasil no abismo. Não conseguiu. Mas deu combustível para esses idiotas. Caberá a nós enfrentá-los. Com a lei e a força dos argumentos.
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O vídeo que reproduzo abaixo é de revirar o estômago. Mas faz um bem danado: lança luz sobre um Brasil que muitas vezes não gostamos de ver. O Brasil do ódio.
http://www.youtube.com/watch?v=tCORsD-hx0w
A campanha conservadora movida pelos tucanos, a misturar religião e política, trouxe à tona o lodo que estava guardado no fundo da represa. A lama surgiu na forma de ódio e preconceito. Muita gente gosta de afirmar: no Brasil não há ódio entre irmãos, há tolerância religiosa. Serra jogou isso fora. A turma que o apoiava infestou a internet com calúnias. E, agora, passada a eleição, o twitter e outras redes sociais são tomadas por manifestações odiosas.
Como se vê no vídeo acima, não foi só a tal Mayara (estudante de Direito!!!) que declarou ódio aos nordestinos. Há muitos outros. Com nome, assinatura. É fácil identificar um por um. E processar a todos! O Ministério Público deveria agir. A Polícia Federal deveria agir.
E nós devemos estar preparados, porque Serra fez dessas feras da direita a nova militância tucana. Jogou no lixo a história de Montoro e Covas. Serra cavou a trincheira na direita. E o Brasil agora colhe o resultado da campanha odiosa feita por Serra.
Desde domingo, muita gente já fez as contas e mostrou: Dilma ganharia de Serra com ou sem os votos do Nordeste. Não dei destaque a isso porque acho que é – de certa forma – uma rendição ao pensamento conservador. Em vez de dizer que Dilma ganhou “mesmo sem o Nordeste”, deveríamos dizer: ganhou – também – por causa dos nordestinos. E qual o problema?
E deveríamos lembrar: Dilma ganhou também com o voto de quase 60% dos mineiros e dos moradores do Estado do Rio. E ganhou com quase metade dos votos de paulistas e gaúchos.
Parte da imprensa – que, como Serra, não aceita a derrota e tenta desqualificar a vitoriosa - insiste no mapinha ”Estados vermelhos no Norte/Nordeste x Estados azuis no Sul/Sudeste”. O interessante é ver a votação por municípios, e não por Estados: há imensas manchas vermelhas nesse Sul/Sudeste que alguns gostariam de ver todo azulzinho.
No Sul e no Sudeste há muita gente que diz: “não ao ódio”. Se essa turma de mauricinhos idiotas quiser brincar de separatismo, vai ter que enfrentar não apenas o bravo povo nordestino. Vai ter que enfrentar gente do Sul e Sudeste que não aceita dividir o Brasil.
Serra do bem tentou lançar o Brasil no abismo. Não conseguiu. Mas deu combustível para esses idiotas. Caberá a nós enfrentá-los. Com a lei e a força dos argumentos.
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Microcrédito, banda larga e educação
Reproduzo artigo de Luiz Carlos Azenha, publicado no blog Viomundo:
Fiquei satisfeito com a confirmação de que a futura presidente Dilma Roussef vai criar o ministério das micro e pequenas empresas. Nas minhas andanças por aí, como repórter, noto ao mesmo tempo a desinformação sobre programas já existentes e a falta de acesso de muitos pequenos empreendedores ao capital necessário para tocar seus próprios negócios. Falo de gente que ascendeu socialmente graças aos programas sociais do governo Lula e aos aumentos do salário mínimo, mas que precisa de um pequeno empurrão (na forma de empréstimos com juros baixos) para montar empreendimentos, colaborar com a criação de empregos e a competição em uma sociedade capitalista que privilegia poucos com o dinheiro barato do BNDES.
No Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, alguns participantes se disseram interessados em transformar a militância digital — quase sempre atividade paralela ao emprego ou atividade profissional remunerada — em atividade autosustentável. Porém, reclamaram da impossibilidade de ter acesso aos meios básicos para tocar suas atividades: um bom computador, uma boa câmera de vídeo, acessórios, dinheiro para pagar cursos, participação em eventos e conferências, viagens e outros gastos.
O que me leva à outra meta, também democratizante, que parece estar entre as prioridades do futuro governo: a universalização da banda larga. Como muitos de nós dissemos no Encontro de Blogueiros, queremos mais mídia, mais informação, mais vozes — nunca menos. Em breve anunciaremos detalhes de nossa proposta para formar uma cooperativa de blogueiros para vender “page views” em conjunto no mercado publicitário.
O microcrédito e a banda larga universalizada estão longe de ser reivindicações que atendem a um pequeno grupo de militantes digitais. Servem a toda a sociedade brasileira, na medida em que estimulam a competição e reduzem os custos não só da produção de conteúdo informativo e de entretenimento, mas de qualquer pequeno e médio empresário interessado em montar um negócio. Quanto maior for a interconexão entre os brasileiros, maior será o fluxo de informação e conhecimento entre os cidadãos. Maior será a eficácia do governo eletrônico, em todas as esferas. Maior será a transparência. Maior será a possibilidade de usar a rede para reduzir as viagens e os gastos em transporte, incentivar o trabalho e o ensino à distância.
Em um dos programas da série Nova África, em Cabo Verde, retratamos como a interligação entre todos os hospitais do arquipélago com os profissionais de sáude e os usuários ajudou a controlar a primeira epidemia de dengue. Os dados sobre os novos casos eram tabulados e colocados na rede em tempo real. A partir das informações, os esforços para combater o vetor da doença eram concentrados nos locais do país onde surgiam os novos casos. Houve redução do número de casos e da mortalidade. Foi um projeto piloto implantado por uma brasileira ligada a um organismo internacional. Uso este pequeno exemplo apenas para deixar claro que a universalização da banda larga tem o poder de multiplicar o potencial de cada cidadão conectado. Aliás, não é isso o que temos visto na blogosfera brasileira, quando ela se entrega a elucidar fatos, desfazer mentiras, disseminar informação e opinião banida da grande mídia comercial?
Aqui abro parênteses para sugerir a setores da esquerda brasileira que abandonem a ideia ultrapassada do “controle social da mídia”. É uma ideia do século 20 que persiste no século 21. As novas tecnologias da informação e as redes sociais sugerem justamente o contrário: é preciso defender a atomização da produção de conteúdo e o trabalho colaborativo na produção de informação e opinião.
Sim, precisamos de regulamentação das concessões de rádio e TV, como a que existe nos Estados Unidos, no Canadá, na França, na Itália, no Reino Unido, na Alemanha. Precisamos de regulamentação para o direito de resposta. Precisamos de regulamentação para a propriedade cruzada. Precisamos reforçar o campo público da comunicação (rádios e TVs educativas) e incentivar as rádios e TVs comunitárias. Precisamos de incentivo à produção de conteúdo local e regional. Precisamos incentivar a pulverização das verbas publicitárias oficiais em todos os campos — municipal, estadual e federal.
“Controle social da mídia” sugere, no entanto, ainda que este não seja o objetivo, controle sobre o conteúdo que tem o potencial de ter efeito prático inverso ao que pretendemos: mais vozes, mais opiniões, mais mídia. A banda larga, as novas tecnologias de informação e as redes sociais permitem, pela crítica e o questionamento, uma forma muito mais moderna e democrática de se opor ao “pensamento único”.
Finalmente, chegamos à questão da educação. Durante a campanha, a então candidata Dilma não detalhou sua proposta. Parece haver um amplo consenso na sociedade brasileira de que o país não se modernizará sem amplo investimento na educação pública de qualidade, da pré-escola à pós-graduação. Estou certo de que ficou claro para o eleitorado a relação entre a renda do pré-sal e a possibilidade de fazer os investimentos de que a educação brasileira tanto carece.
Olhando os mapas eleitorais da eleição de domingo, me parece claro que embora Dilma Rousseff deva grande parte de sua vitória à diferença conquistada no Nordeste, ela também venceu (por pequena margem) na região mais desenvolvida do país, o Sudeste. Mas também ficou claro que a coalizão governista perdeu em importantes centros, devido a uma parcial desconexão com a classe média urbana brasileira.
Atribuo isso a três fatores: 1) à insistência de alguns setores do PT e da esquerda de considerarem a questão da corrupção um “mal menor” ou “moralismo burguês”; o fato concreto, porém, é que as pessoas que pagam a mais elevada carga tributária querem e tem direito à transparência nos negócios do governo, ao gasto público de qualidade e à honestidade no trato do dinheiro público; 2) à falta de vocalização articulada sobre as vantagens que há, para todos os brasileiros, de promover a inclusão social como forma de promover o mercado interno — que tirou o Brasil da crise –, reduzir a violência e promover o bem-estar geral; 3) à falta de um projeto que, para além de combater a miséria, acene para os jovens brasileiros com as perspectivas abertas pelo pré-sal na produção de empregos de alta qualificação e de Ciência e tecnologia nacionais associadas à engenharia, à agricultura, à informatica e à biotecnologia. Perguntem ao neurocientista Miguel Nicolelis, da Duke University, ou ao agora deputado federal Newton Lima, ex-reitor da Universidade Federal de São Carlos, que tive o prazer de ajudar a eleger (com meu voto).
Citei acima não apenas três prioridades importantes, mas quase consensuais na sociedade brasileira. Tendo em vista que a futura presidente Dilma Rousseff será líder de um governo de coalizão, é razoavelmente óbvio que fica mais fácil tocar adiante projetos quase consensuais, assim como é aconselhável, sempre — dada a História do Brasil — ocupar o centro político. Para tantas outras questões, não menos importantes, mas com o potencial de criar dissensão, não custa lembrar que o caminho mais conveniente é travar a disputa política no Congresso.
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Fiquei satisfeito com a confirmação de que a futura presidente Dilma Roussef vai criar o ministério das micro e pequenas empresas. Nas minhas andanças por aí, como repórter, noto ao mesmo tempo a desinformação sobre programas já existentes e a falta de acesso de muitos pequenos empreendedores ao capital necessário para tocar seus próprios negócios. Falo de gente que ascendeu socialmente graças aos programas sociais do governo Lula e aos aumentos do salário mínimo, mas que precisa de um pequeno empurrão (na forma de empréstimos com juros baixos) para montar empreendimentos, colaborar com a criação de empregos e a competição em uma sociedade capitalista que privilegia poucos com o dinheiro barato do BNDES.
No Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, alguns participantes se disseram interessados em transformar a militância digital — quase sempre atividade paralela ao emprego ou atividade profissional remunerada — em atividade autosustentável. Porém, reclamaram da impossibilidade de ter acesso aos meios básicos para tocar suas atividades: um bom computador, uma boa câmera de vídeo, acessórios, dinheiro para pagar cursos, participação em eventos e conferências, viagens e outros gastos.
O que me leva à outra meta, também democratizante, que parece estar entre as prioridades do futuro governo: a universalização da banda larga. Como muitos de nós dissemos no Encontro de Blogueiros, queremos mais mídia, mais informação, mais vozes — nunca menos. Em breve anunciaremos detalhes de nossa proposta para formar uma cooperativa de blogueiros para vender “page views” em conjunto no mercado publicitário.
O microcrédito e a banda larga universalizada estão longe de ser reivindicações que atendem a um pequeno grupo de militantes digitais. Servem a toda a sociedade brasileira, na medida em que estimulam a competição e reduzem os custos não só da produção de conteúdo informativo e de entretenimento, mas de qualquer pequeno e médio empresário interessado em montar um negócio. Quanto maior for a interconexão entre os brasileiros, maior será o fluxo de informação e conhecimento entre os cidadãos. Maior será a eficácia do governo eletrônico, em todas as esferas. Maior será a transparência. Maior será a possibilidade de usar a rede para reduzir as viagens e os gastos em transporte, incentivar o trabalho e o ensino à distância.
Em um dos programas da série Nova África, em Cabo Verde, retratamos como a interligação entre todos os hospitais do arquipélago com os profissionais de sáude e os usuários ajudou a controlar a primeira epidemia de dengue. Os dados sobre os novos casos eram tabulados e colocados na rede em tempo real. A partir das informações, os esforços para combater o vetor da doença eram concentrados nos locais do país onde surgiam os novos casos. Houve redução do número de casos e da mortalidade. Foi um projeto piloto implantado por uma brasileira ligada a um organismo internacional. Uso este pequeno exemplo apenas para deixar claro que a universalização da banda larga tem o poder de multiplicar o potencial de cada cidadão conectado. Aliás, não é isso o que temos visto na blogosfera brasileira, quando ela se entrega a elucidar fatos, desfazer mentiras, disseminar informação e opinião banida da grande mídia comercial?
Aqui abro parênteses para sugerir a setores da esquerda brasileira que abandonem a ideia ultrapassada do “controle social da mídia”. É uma ideia do século 20 que persiste no século 21. As novas tecnologias da informação e as redes sociais sugerem justamente o contrário: é preciso defender a atomização da produção de conteúdo e o trabalho colaborativo na produção de informação e opinião.
Sim, precisamos de regulamentação das concessões de rádio e TV, como a que existe nos Estados Unidos, no Canadá, na França, na Itália, no Reino Unido, na Alemanha. Precisamos de regulamentação para o direito de resposta. Precisamos de regulamentação para a propriedade cruzada. Precisamos reforçar o campo público da comunicação (rádios e TVs educativas) e incentivar as rádios e TVs comunitárias. Precisamos de incentivo à produção de conteúdo local e regional. Precisamos incentivar a pulverização das verbas publicitárias oficiais em todos os campos — municipal, estadual e federal.
“Controle social da mídia” sugere, no entanto, ainda que este não seja o objetivo, controle sobre o conteúdo que tem o potencial de ter efeito prático inverso ao que pretendemos: mais vozes, mais opiniões, mais mídia. A banda larga, as novas tecnologias de informação e as redes sociais permitem, pela crítica e o questionamento, uma forma muito mais moderna e democrática de se opor ao “pensamento único”.
Finalmente, chegamos à questão da educação. Durante a campanha, a então candidata Dilma não detalhou sua proposta. Parece haver um amplo consenso na sociedade brasileira de que o país não se modernizará sem amplo investimento na educação pública de qualidade, da pré-escola à pós-graduação. Estou certo de que ficou claro para o eleitorado a relação entre a renda do pré-sal e a possibilidade de fazer os investimentos de que a educação brasileira tanto carece.
Olhando os mapas eleitorais da eleição de domingo, me parece claro que embora Dilma Rousseff deva grande parte de sua vitória à diferença conquistada no Nordeste, ela também venceu (por pequena margem) na região mais desenvolvida do país, o Sudeste. Mas também ficou claro que a coalizão governista perdeu em importantes centros, devido a uma parcial desconexão com a classe média urbana brasileira.
Atribuo isso a três fatores: 1) à insistência de alguns setores do PT e da esquerda de considerarem a questão da corrupção um “mal menor” ou “moralismo burguês”; o fato concreto, porém, é que as pessoas que pagam a mais elevada carga tributária querem e tem direito à transparência nos negócios do governo, ao gasto público de qualidade e à honestidade no trato do dinheiro público; 2) à falta de vocalização articulada sobre as vantagens que há, para todos os brasileiros, de promover a inclusão social como forma de promover o mercado interno — que tirou o Brasil da crise –, reduzir a violência e promover o bem-estar geral; 3) à falta de um projeto que, para além de combater a miséria, acene para os jovens brasileiros com as perspectivas abertas pelo pré-sal na produção de empregos de alta qualificação e de Ciência e tecnologia nacionais associadas à engenharia, à agricultura, à informatica e à biotecnologia. Perguntem ao neurocientista Miguel Nicolelis, da Duke University, ou ao agora deputado federal Newton Lima, ex-reitor da Universidade Federal de São Carlos, que tive o prazer de ajudar a eleger (com meu voto).
Citei acima não apenas três prioridades importantes, mas quase consensuais na sociedade brasileira. Tendo em vista que a futura presidente Dilma Rousseff será líder de um governo de coalizão, é razoavelmente óbvio que fica mais fácil tocar adiante projetos quase consensuais, assim como é aconselhável, sempre — dada a História do Brasil — ocupar o centro político. Para tantas outras questões, não menos importantes, mas com o potencial de criar dissensão, não custa lembrar que o caminho mais conveniente é travar a disputa política no Congresso.
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A grave crise de identidade do jornalismo
Reproduzo matéria publicada no sítio Carta Maior com base em informações do espanhol El Periódico:
No dia 27 de agosto, Ignácio Ramonet desafiou, desde a tribuna do Pequeno Palácio da Música, em Barcelona, a todos aqueles que defendem que o jornalismo – e o jornalista – já não são necessários, e que afirmam que a informação circula mais livre, mais abundante e mais transparente do que nunca. Frente a estes, sentenciou que não: que “a massa de informação oculta supera o imaginável em muitos temas“, que “na democracia a batalha pela liberdade de expressão nunca está definitivamente terminada”, e que os jornalistas devem existir porque uma de suas tarefas é “ampliar os limites dessa liberdade”.
A entrega do oitavo prêmio Antonio Asensio de Jornalismo, homenagem concedida pelo grupo Zeta em memória de seu fundador, foi – e provavelmente muitos antecipavam que, sendo Ramonet o premiado, seria assim – reivindicativa: uma tranqüila, mas robusta, reivindicação do jornalismo.
Ramonet é diretor da edição espanhola do Le Monde Diplomatique e figura proeminente da esquerda. Em seu discurso, o presidente do grupo Zeta, José Montilla, lembrou que o prêmio foi outorgado a ele “enquanto jornalista e ativista, por seu trabalho no Le Monde Diplomatique, mas também por suas iniciativas sociais”.
Ramonet citou a divulgação de documentos do Pentágono feito pelo Wikileaks como exemplo do jornalismo com rótulo: o rótulo do necessário. “Ultimamente alguns grandes conglomerados de comunicação de dimensão continental e mesmo planetária querem converter o jornalismo em um entretenimento domesticado, em uma tediosa simplificação da realidade. O importante se dilui no trivial e o sensacionalismo substitui a explicação. Felizmente, mesmo neste novo contexto, podem surgir forças resistentes, como o Wikileaks está demonstrando”.
Sem dizê-lo, porém, Ramonet insinuou que Wikileaks é mais a exceção e menos a regra. “A imprensa escrita”, assinalou, “vive um dos momentos mais difíceis, e o jornalismo atravessa uma grave crise de identidade. Digo isso sem nostalgia, porque não creio que tenha existido uma idade de ouro do jornalismo. Fazer jornalismo de qualidade jamais foi fácil, sempre comportou riscos e ameaças: o poder político e o poder do dinheiro, e freqüentemente os dois, sempre trataram de coagir sua liberdade”.
Frente a este estado de coisas, “o jornalista deve reafirmar sua vontade de saber e compreender para poder transmitir”, disse ainda Ramonet. “Quando todos os meios de deixam arrastar pela velocidade e pela instantaneidade, o jornalista deve considerar que o importante é frear, desacelerar, conceder-se tempo para a dúvida, a análise e a reflexão. A informação é algo muito sério, porque de sua qualidade depende a qualidade da democracia”. E fez um último chamamento: “Ainda existem muitas injustiças no mundo que justificam uma concepção do jornalismo a favor de mais liberdade, justiça e democracia”.
A fala de Ramonet não foi um discurso isolado. O seu diagnóstico sobre o estado das coisas no jornalismo coincidiu, em termos gerais, com as palavras de Montilla, que disse que “as novas tecnologias não deveriam supor a desaparição da profissão jornalística” e defendeu profissionais rigorosos e com independência de critérios. Na mesma linha, o presidente da comissão executiva do grupo Zeta, Juan Llopart, falou dos “momentos incertos e confusos que vive o jornalismo” (provocados, em parte, para ele, pela “vertiginosa revolução tecnológica”) e reivindicou o rigor intelectual, o profissionalismo e o compromisso nas salas de redação. Valores que, concluiu, Ramonet representa.
Tradução: Katarina Peixoto
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No dia 27 de agosto, Ignácio Ramonet desafiou, desde a tribuna do Pequeno Palácio da Música, em Barcelona, a todos aqueles que defendem que o jornalismo – e o jornalista – já não são necessários, e que afirmam que a informação circula mais livre, mais abundante e mais transparente do que nunca. Frente a estes, sentenciou que não: que “a massa de informação oculta supera o imaginável em muitos temas“, que “na democracia a batalha pela liberdade de expressão nunca está definitivamente terminada”, e que os jornalistas devem existir porque uma de suas tarefas é “ampliar os limites dessa liberdade”.
A entrega do oitavo prêmio Antonio Asensio de Jornalismo, homenagem concedida pelo grupo Zeta em memória de seu fundador, foi – e provavelmente muitos antecipavam que, sendo Ramonet o premiado, seria assim – reivindicativa: uma tranqüila, mas robusta, reivindicação do jornalismo.
Ramonet é diretor da edição espanhola do Le Monde Diplomatique e figura proeminente da esquerda. Em seu discurso, o presidente do grupo Zeta, José Montilla, lembrou que o prêmio foi outorgado a ele “enquanto jornalista e ativista, por seu trabalho no Le Monde Diplomatique, mas também por suas iniciativas sociais”.
Ramonet citou a divulgação de documentos do Pentágono feito pelo Wikileaks como exemplo do jornalismo com rótulo: o rótulo do necessário. “Ultimamente alguns grandes conglomerados de comunicação de dimensão continental e mesmo planetária querem converter o jornalismo em um entretenimento domesticado, em uma tediosa simplificação da realidade. O importante se dilui no trivial e o sensacionalismo substitui a explicação. Felizmente, mesmo neste novo contexto, podem surgir forças resistentes, como o Wikileaks está demonstrando”.
Sem dizê-lo, porém, Ramonet insinuou que Wikileaks é mais a exceção e menos a regra. “A imprensa escrita”, assinalou, “vive um dos momentos mais difíceis, e o jornalismo atravessa uma grave crise de identidade. Digo isso sem nostalgia, porque não creio que tenha existido uma idade de ouro do jornalismo. Fazer jornalismo de qualidade jamais foi fácil, sempre comportou riscos e ameaças: o poder político e o poder do dinheiro, e freqüentemente os dois, sempre trataram de coagir sua liberdade”.
Frente a este estado de coisas, “o jornalista deve reafirmar sua vontade de saber e compreender para poder transmitir”, disse ainda Ramonet. “Quando todos os meios de deixam arrastar pela velocidade e pela instantaneidade, o jornalista deve considerar que o importante é frear, desacelerar, conceder-se tempo para a dúvida, a análise e a reflexão. A informação é algo muito sério, porque de sua qualidade depende a qualidade da democracia”. E fez um último chamamento: “Ainda existem muitas injustiças no mundo que justificam uma concepção do jornalismo a favor de mais liberdade, justiça e democracia”.
A fala de Ramonet não foi um discurso isolado. O seu diagnóstico sobre o estado das coisas no jornalismo coincidiu, em termos gerais, com as palavras de Montilla, que disse que “as novas tecnologias não deveriam supor a desaparição da profissão jornalística” e defendeu profissionais rigorosos e com independência de critérios. Na mesma linha, o presidente da comissão executiva do grupo Zeta, Juan Llopart, falou dos “momentos incertos e confusos que vive o jornalismo” (provocados, em parte, para ele, pela “vertiginosa revolução tecnológica”) e reivindicou o rigor intelectual, o profissionalismo e o compromisso nas salas de redação. Valores que, concluiu, Ramonet representa.
Tradução: Katarina Peixoto
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terça-feira, 2 de novembro de 2010
Conselhos, inverdades e desinformação
Reproduzo artigo do professor Venício Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
A aprovação, no último 19 de outubro, do Projeto de Indicação nº 72.10, que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS) pela Assembléia Legislativa do Ceará (e que ainda depende da sanção do governador do estado), detonou o último ciclo de inverdades e desinformação relativas às liberdades de expressão e de imprensa no país.
Nos últimos meses, esta tem sido a estratégia da grande mídia e de seus aliados – desta vez, inclusive, a OAB nacional – que, sem divulgar texto e/ou discutir o mérito das propostas, trata de satanizar qualquer tentativa do Estado e da cidadania de exercer seu direito de cobrar dos concessionários do serviço público de radiodifusão o simples cumprimento de normas e princípios já inscritos na Constituição de 1988.
Origem
Ao contrário do que se alardeia, os Conselhos de Comunicação não são uma invenção da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A idéia surgiu formalmente em encontro nacional de jornalistas promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), com o objetivo de discutir propostas a serem apresentadas no processo constituinte, em 1986. Lá se vão, portanto, mais de 24 anos.
Posteriormente, a idéia fez parte de Emenda Popular apresentada ao Congresso Constituinte, subscrita, além da Fenaj, pela Central Única dos Trabalhadores, pela Central Geral dos Trabalhadores, pela Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, pela Federação das Associações de Servidores das Universidades do Brasil, pela União Nacional dos Estudantes, pela Federação Brasileira de Trabalhadores em Telecomunicações, pela Associação dos Empregados da Embratel, pela Federação Nacional dos Engenheiros, pela Federação Nacional dos Arquitetos e pela Federação Nacional dos Médicos. Além disso, assinaram a Emenda Popular os então líderes do PT Luiz Inácio Lula da Silva; do PDT, Brandão Monteiro; do PCB, Roberto Freire; do PC do B, Haroldo Lima, e do PSB, Beth Azize.
A proposta original – que tinha como modelo a Federal Communications Commission (FCC) americana – foi objeto de controvérsia ao longo de todo o processo constituinte e acabou reduzida à versão finalmente aprovada como artigo 224 da Constituição, que diz:
Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo [Capítulo V, "Da Comunicação Social", do Título VIII "Da Ordem Social"], o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Em 30 de dezembro de 1991, o então presidente Fernando Collor sancionou a lei nº 8389, cujo projeto original foi de autoria do jornalista, professor e senador Pompeu de Souza (PMDB-DF), já falecido, que instituiu o Conselho de Comunicação Social (CCS).
Apesar disso, resistências articuladas pelos mesmos interesses que ainda hoje se opõem à iniciativa fizeram que sua instalação fosse postergada por mais de onze anos, até 2002. Instalado, o CCS funcionou durante quatro anos e desde dezembro de 2006 não mais se reuniu.
Conselhos municipais e estaduais
Desde que a Constituição de 1988 foi promulgada, várias iniciativas de criação de conselhos semelhantes ao CCS surgiram tanto em nível municipal como estadual. O primeiro Conselho Municipal de Comunicação (CMC) foi criado na Prefeitura Municipal de Porto Alegre por meio do decreto nº 9426, assinado pelo então prefeito Olívio Dutra, em 5 de maio de 1989.
Uma pesquisa realizada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em 2009, indica que também a cidade de Goiânia (GO) chegou a ter um CMC instalado. Juiz de Fora (MG) e Anápolis (GO) prevêem a criação destes conselhos.
Em nível estadual, algumas constituições ou leis orgânicas contemplam a criação dos Conselhos Estaduais de Comunicação Social (CECS). É o caso de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Paraíba, Pará, Amapá, Amazonas e Goiás. No estado do Rio de Janeiro existe uma lei que trata do assunto (lei nº 4.849/2006) e, em São Paulo, o decreto nº 42.209, de 15 de setembro de 1997, também prevê a criação de um CECS (ver "Conselhos de Comunicação são ignorados", revista MídiaComDemocracia, pág. 8).
No Distrito Federal, a Lei Orgânica aprovada em 8 de junho de 1993 prevê:
Art. 261. O Poder Público manterá o Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal, integrado por representantes de entidades da sociedade civil e órgãos governamentais vinculados ao Poder Executivo, conforme previsto em legislação complementar.
Parágrafo único. O Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal dará assessoramento ao Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de comunicação social.
Na campanha eleitoral de 1994, por iniciativa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, o assunto foi discutido em debate com os candidatos a governador e todos se comprometeram a cumprir o que já constava da Lei Orgânica. O candidato Cristóvam Buarque, depois governador (1995-1998), comprometeu-se, se eleito, a enviar projeto neste sentido à Câmara Distrital em até 90 dias após sua posse. O projeto não foi enviado e, até hoje, não existe CECS no Distrito Federal.
Em resumo: apesar de estar na Constituição da República e em várias constituições e leis orgânicas estaduais e municipais, não existe um único Conselho de Comunicação funcionando no país.
Por que será?
Prática democrática
Como se pode constatar, a idéia dos Conselhos de Comunicação não surgiu na 1ª Confecom e a iniciativa cearense não é sequer a primeira. Trata-se de norma constitucional.
Para não tornar este artigo demasiadamente longo, omito a transcrição do texto da Lei nº 8389/1991, que institui o Conselho de Comunicação Social previsto no artigo 224 da Constituição, e do Projeto de Indicação nº 72.10, aprovado pela Assembléia Legislativa do Ceará. Convido, no entanto, o eventual leitor(a) a comparar os dois textos com o capítulo "Da Comunicação Social" da Constituição de 1988.
Quem se der ao trabalho verá que a grande mídia e seus aliados, ao satanizarem a iniciativa cearense, tentam, ainda uma vez mais, evitar a prática democrática legítima da cidadania que participa diretamente na gestão da coisa pública e defende seus interesses, prevista na Constituição de 1988. No caso, interesses em relação aos concessionários do serviço público de radiodifusão.
Nada mais, nada menos do que isso.
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A aprovação, no último 19 de outubro, do Projeto de Indicação nº 72.10, que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS) pela Assembléia Legislativa do Ceará (e que ainda depende da sanção do governador do estado), detonou o último ciclo de inverdades e desinformação relativas às liberdades de expressão e de imprensa no país.
Nos últimos meses, esta tem sido a estratégia da grande mídia e de seus aliados – desta vez, inclusive, a OAB nacional – que, sem divulgar texto e/ou discutir o mérito das propostas, trata de satanizar qualquer tentativa do Estado e da cidadania de exercer seu direito de cobrar dos concessionários do serviço público de radiodifusão o simples cumprimento de normas e princípios já inscritos na Constituição de 1988.
Origem
Ao contrário do que se alardeia, os Conselhos de Comunicação não são uma invenção da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A idéia surgiu formalmente em encontro nacional de jornalistas promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), com o objetivo de discutir propostas a serem apresentadas no processo constituinte, em 1986. Lá se vão, portanto, mais de 24 anos.
Posteriormente, a idéia fez parte de Emenda Popular apresentada ao Congresso Constituinte, subscrita, além da Fenaj, pela Central Única dos Trabalhadores, pela Central Geral dos Trabalhadores, pela Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, pela Federação das Associações de Servidores das Universidades do Brasil, pela União Nacional dos Estudantes, pela Federação Brasileira de Trabalhadores em Telecomunicações, pela Associação dos Empregados da Embratel, pela Federação Nacional dos Engenheiros, pela Federação Nacional dos Arquitetos e pela Federação Nacional dos Médicos. Além disso, assinaram a Emenda Popular os então líderes do PT Luiz Inácio Lula da Silva; do PDT, Brandão Monteiro; do PCB, Roberto Freire; do PC do B, Haroldo Lima, e do PSB, Beth Azize.
A proposta original – que tinha como modelo a Federal Communications Commission (FCC) americana – foi objeto de controvérsia ao longo de todo o processo constituinte e acabou reduzida à versão finalmente aprovada como artigo 224 da Constituição, que diz:
Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo [Capítulo V, "Da Comunicação Social", do Título VIII "Da Ordem Social"], o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Em 30 de dezembro de 1991, o então presidente Fernando Collor sancionou a lei nº 8389, cujo projeto original foi de autoria do jornalista, professor e senador Pompeu de Souza (PMDB-DF), já falecido, que instituiu o Conselho de Comunicação Social (CCS).
Apesar disso, resistências articuladas pelos mesmos interesses que ainda hoje se opõem à iniciativa fizeram que sua instalação fosse postergada por mais de onze anos, até 2002. Instalado, o CCS funcionou durante quatro anos e desde dezembro de 2006 não mais se reuniu.
Conselhos municipais e estaduais
Desde que a Constituição de 1988 foi promulgada, várias iniciativas de criação de conselhos semelhantes ao CCS surgiram tanto em nível municipal como estadual. O primeiro Conselho Municipal de Comunicação (CMC) foi criado na Prefeitura Municipal de Porto Alegre por meio do decreto nº 9426, assinado pelo então prefeito Olívio Dutra, em 5 de maio de 1989.
Uma pesquisa realizada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em 2009, indica que também a cidade de Goiânia (GO) chegou a ter um CMC instalado. Juiz de Fora (MG) e Anápolis (GO) prevêem a criação destes conselhos.
Em nível estadual, algumas constituições ou leis orgânicas contemplam a criação dos Conselhos Estaduais de Comunicação Social (CECS). É o caso de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Paraíba, Pará, Amapá, Amazonas e Goiás. No estado do Rio de Janeiro existe uma lei que trata do assunto (lei nº 4.849/2006) e, em São Paulo, o decreto nº 42.209, de 15 de setembro de 1997, também prevê a criação de um CECS (ver "Conselhos de Comunicação são ignorados", revista MídiaComDemocracia, pág. 8).
No Distrito Federal, a Lei Orgânica aprovada em 8 de junho de 1993 prevê:
Art. 261. O Poder Público manterá o Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal, integrado por representantes de entidades da sociedade civil e órgãos governamentais vinculados ao Poder Executivo, conforme previsto em legislação complementar.
Parágrafo único. O Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal dará assessoramento ao Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de comunicação social.
Na campanha eleitoral de 1994, por iniciativa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, o assunto foi discutido em debate com os candidatos a governador e todos se comprometeram a cumprir o que já constava da Lei Orgânica. O candidato Cristóvam Buarque, depois governador (1995-1998), comprometeu-se, se eleito, a enviar projeto neste sentido à Câmara Distrital em até 90 dias após sua posse. O projeto não foi enviado e, até hoje, não existe CECS no Distrito Federal.
Em resumo: apesar de estar na Constituição da República e em várias constituições e leis orgânicas estaduais e municipais, não existe um único Conselho de Comunicação funcionando no país.
Por que será?
Prática democrática
Como se pode constatar, a idéia dos Conselhos de Comunicação não surgiu na 1ª Confecom e a iniciativa cearense não é sequer a primeira. Trata-se de norma constitucional.
Para não tornar este artigo demasiadamente longo, omito a transcrição do texto da Lei nº 8389/1991, que institui o Conselho de Comunicação Social previsto no artigo 224 da Constituição, e do Projeto de Indicação nº 72.10, aprovado pela Assembléia Legislativa do Ceará. Convido, no entanto, o eventual leitor(a) a comparar os dois textos com o capítulo "Da Comunicação Social" da Constituição de 1988.
Quem se der ao trabalho verá que a grande mídia e seus aliados, ao satanizarem a iniciativa cearense, tentam, ainda uma vez mais, evitar a prática democrática legítima da cidadania que participa diretamente na gestão da coisa pública e defende seus interesses, prevista na Constituição de 1988. No caso, interesses em relação aos concessionários do serviço público de radiodifusão.
Nada mais, nada menos do que isso.
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