terça-feira, 2 de novembro de 2010

Conselhos, inverdades e desinformação

Reproduzo artigo do professor Venício Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

A aprovação, no último 19 de outubro, do Projeto de Indicação nº 72.10, que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS) pela Assembléia Legislativa do Ceará (e que ainda depende da sanção do governador do estado), detonou o último ciclo de inverdades e desinformação relativas às liberdades de expressão e de imprensa no país.

Nos últimos meses, esta tem sido a estratégia da grande mídia e de seus aliados – desta vez, inclusive, a OAB nacional – que, sem divulgar texto e/ou discutir o mérito das propostas, trata de satanizar qualquer tentativa do Estado e da cidadania de exercer seu direito de cobrar dos concessionários do serviço público de radiodifusão o simples cumprimento de normas e princípios já inscritos na Constituição de 1988.

Origem

Ao contrário do que se alardeia, os Conselhos de Comunicação não são uma invenção da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A idéia surgiu formalmente em encontro nacional de jornalistas promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), com o objetivo de discutir propostas a serem apresentadas no processo constituinte, em 1986. Lá se vão, portanto, mais de 24 anos.

Posteriormente, a idéia fez parte de Emenda Popular apresentada ao Congresso Constituinte, subscrita, além da Fenaj, pela Central Única dos Trabalhadores, pela Central Geral dos Trabalhadores, pela Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, pela Federação das Associações de Servidores das Universidades do Brasil, pela União Nacional dos Estudantes, pela Federação Brasileira de Trabalhadores em Telecomunicações, pela Associação dos Empregados da Embratel, pela Federação Nacional dos Engenheiros, pela Federação Nacional dos Arquitetos e pela Federação Nacional dos Médicos. Além disso, assinaram a Emenda Popular os então líderes do PT Luiz Inácio Lula da Silva; do PDT, Brandão Monteiro; do PCB, Roberto Freire; do PC do B, Haroldo Lima, e do PSB, Beth Azize.

A proposta original – que tinha como modelo a Federal Communications Commission (FCC) americana – foi objeto de controvérsia ao longo de todo o processo constituinte e acabou reduzida à versão finalmente aprovada como artigo 224 da Constituição, que diz:

Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo [Capítulo V, "Da Comunicação Social", do Título VIII "Da Ordem Social"], o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.

Em 30 de dezembro de 1991, o então presidente Fernando Collor sancionou a lei nº 8389, cujo projeto original foi de autoria do jornalista, professor e senador Pompeu de Souza (PMDB-DF), já falecido, que instituiu o Conselho de Comunicação Social (CCS).

Apesar disso, resistências articuladas pelos mesmos interesses que ainda hoje se opõem à iniciativa fizeram que sua instalação fosse postergada por mais de onze anos, até 2002. Instalado, o CCS funcionou durante quatro anos e desde dezembro de 2006 não mais se reuniu.

Conselhos municipais e estaduais

Desde que a Constituição de 1988 foi promulgada, várias iniciativas de criação de conselhos semelhantes ao CCS surgiram tanto em nível municipal como estadual. O primeiro Conselho Municipal de Comunicação (CMC) foi criado na Prefeitura Municipal de Porto Alegre por meio do decreto nº 9426, assinado pelo então prefeito Olívio Dutra, em 5 de maio de 1989.

Uma pesquisa realizada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em 2009, indica que também a cidade de Goiânia (GO) chegou a ter um CMC instalado. Juiz de Fora (MG) e Anápolis (GO) prevêem a criação destes conselhos.

Em nível estadual, algumas constituições ou leis orgânicas contemplam a criação dos Conselhos Estaduais de Comunicação Social (CECS). É o caso de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Paraíba, Pará, Amapá, Amazonas e Goiás. No estado do Rio de Janeiro existe uma lei que trata do assunto (lei nº 4.849/2006) e, em São Paulo, o decreto nº 42.209, de 15 de setembro de 1997, também prevê a criação de um CECS (ver "Conselhos de Comunicação são ignorados", revista MídiaComDemocracia, pág. 8).

No Distrito Federal, a Lei Orgânica aprovada em 8 de junho de 1993 prevê:

Art. 261. O Poder Público manterá o Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal, integrado por representantes de entidades da sociedade civil e órgãos governamentais vinculados ao Poder Executivo, conforme previsto em legislação complementar.

Parágrafo único. O Conselho de Comunicação Social do Distrito Federal dará assessoramento ao Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de comunicação social.


Na campanha eleitoral de 1994, por iniciativa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, o assunto foi discutido em debate com os candidatos a governador e todos se comprometeram a cumprir o que já constava da Lei Orgânica. O candidato Cristóvam Buarque, depois governador (1995-1998), comprometeu-se, se eleito, a enviar projeto neste sentido à Câmara Distrital em até 90 dias após sua posse. O projeto não foi enviado e, até hoje, não existe CECS no Distrito Federal.

Em resumo: apesar de estar na Constituição da República e em várias constituições e leis orgânicas estaduais e municipais, não existe um único Conselho de Comunicação funcionando no país.

Por que será?

Prática democrática

Como se pode constatar, a idéia dos Conselhos de Comunicação não surgiu na 1ª Confecom e a iniciativa cearense não é sequer a primeira. Trata-se de norma constitucional.

Para não tornar este artigo demasiadamente longo, omito a transcrição do texto da Lei nº 8389/1991, que institui o Conselho de Comunicação Social previsto no artigo 224 da Constituição, e do Projeto de Indicação nº 72.10, aprovado pela Assembléia Legislativa do Ceará. Convido, no entanto, o eventual leitor(a) a comparar os dois textos com o capítulo "Da Comunicação Social" da Constituição de 1988.

Quem se der ao trabalho verá que a grande mídia e seus aliados, ao satanizarem a iniciativa cearense, tentam, ainda uma vez mais, evitar a prática democrática legítima da cidadania que participa diretamente na gestão da coisa pública e defende seus interesses, prevista na Constituição de 1988. No caso, interesses em relação aos concessionários do serviço público de radiodifusão.

Nada mais, nada menos do que isso.

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3 comentários:

Rodrigo Sérvulo da Cunha disse...

MUDANÇA DE HÁBITO

http://midiacaricata.blogspot.com/2010/11/mudanca-de-habito.html

SAUDAÇÕES DEMOCRÁTICAS

Rodrigo Sérvulo da Cunha disse...

VÍDEO REPUGNANTE: A XENOFOBIA AVANÇA!

http://midiacaricata.blogspot.com/2010/11/video-repugnante-xenofobia-avanca.html

SAUDAÇÕES DEMOCRÁTICAS

ZéPinto disse...

Miro,

A blogosfera tem que começar a reagir imediatamente contra isso aqui:

" Democracia tucana

Na calada da noite, avança projeto de deputado do PSDB para censurar internet e quebrar sigilo de internautas

Por: Luiz Carvalho, no site da Cut

27/10/2010

No início de outubro, em um Congresso Nacional esvaziado enquanto o Brasil discute as eleições, o Projeto de Lei (PL) 84/99 do senador Eduardo Azeredo, do PSDB de José Serra, foi aprovado em duas comissões na Câmara.

Também conhecido como “AI-5 digital”, uma referência ao Ato Institucional nº 5 que o regime militar baixou em 1968 para fechar o parlamento e acabar com a liberdade de expressão, o PL permite violar os direitos civis, transfere para a sociedade a responsabilidade sobre a segurança na internet que deveria ser das empresas e ataca a inclusão digital.

O projeto de Azeredo passa também a tratar como crime sujeito a prisão de até três anos a transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação. Isso pode incluir desde baixar músicas até a mera citação de trechos de uma matéria em um blog.

Conheça os principais pontos do projeto do Azeredo.

1. Quebra de sigilo
Ironicamente, o PL do parlamentar ligado ao partido que se diz vítima de uma suposta quebra de sigilo nas eleições, determina que os dados dos internautas possam ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. Na prática, será possível quebrar o sigilo de qualquer pessoa sem autorização da Justiça, ao contrário do que diz a Constituição.

2. Internet para ricos
Azeredo quer ainda que os provedores de acesso à Internet e de conteúdo (serviços de e-mail , publicadores de blog e o Google) guardem o registro de toda a navegação de cada usuário por três anos, com a origem, a hora e a data da conexão.

Além de exemplo de violação à privacidade, o projeto deixa claro: para os tucanos, internet é para quem pode pagar, já que nas redes sem fio que algumas cidades já estão implementando para aumentar a inclusão digital, várias pessoas navegam com o mesmo número de IP (o endereço na internet).

3. Ajudinha aos banqueiros – Um dos argumentos do deputado ficha suja reeleito em 2010 – responde a ação penal por peculato e lavagem ou ocultação de bem –, é que o rastreamento das pessoas que utilizam a internet ajudará a acabar com as fraudes bancárias. Seria mais eficaz que os bancos fossem obrigados a adotar uma assinatura digital nas transações para todos os clientes. Mas, isso geraria mais custos aos bancos e o parlamentar não quer se indispor com eles.

O que acontece agora?
Atualmente, o “PL Azeredo” tramita na Câmara de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e aguarda a posição do relator Júlio Semeghini, do PSDB-RJ.

A má notícia é que foi esse deputado que garantiu, em outubro de 2009, que o projeto aguardaria o desenrolar dos debates para seguir tramitando. Mas, Semeghini fez o contrário do prometido e tocou o projeto adiante.

Com a provável aprovação, a última alternativa para evitar que vire lei e acabe com a democracia digital no Brasil será o veto do próximo presidente.
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