Reproduzo artigo do teólogo Leonardo Boff, publicado no sítio da Adital:
Celebramos alegremente a vitória de Dilma Rousseff. E não deixamos de folgar também pela derrota de José Serra que não mereceu ganhar esta eleição dado o nivel indecente de sua campanha, embora os excessos tenham ocorrido nos dois lados. Os bispos conservadores que, à revelia da CNBB, se colocaram fora do jogo democrático e que manipularam a questão da descriminalização do aborto, mobilizando até o Papa em Roma, bem como os pastores evangélicos raivosamente partidizados, sairam desmoralizados.
Post festum, cabe uma reflexão distanciada do que poderá ser o governo de Dilma Rousseff. Esposamos a tese daqueles analistas que viram no governo Lula uma transição de paradigma: de um Estado privatizante, inspirado nos dogmas neoliberais para um Estado republicano que colocou o social em seu centro para atender as demandas da população mais destituída. Toda transição possui um lado de continuidade e outro de ruptura. A continuidade foi a manutenção do projeto macroeconômico para fornecer a base para a estabilidade política e exorcizar os fantasmas do sistema. E a ruptura foi a inauguração de substantivas políticas sociais destinadas à integração de milhões de brasileiros pobres, bem representadas pela Bolsa Familia entre outras.
Não se pode negar que, em parte, esta transição ocorreu pois, efetivamente, Lula incluiu socialmente uma França inteira dentro de uma situação de decência. Mas desde o começo, analistas apontavam a inadequação entre projeto econômico e o projeto social. Enquanto aquele recebe do Estado alguns bilhões de reais por ano, em forma de juros, este, o social, tem que se contentar com bem menos.
Não obtante esta disparidade, o fosso entre ricos e pobres diminuiu o que granjeou para Lula extraordinária aceitação.
Agora se coloca a questão: a Presidente aprofundará a transição, deslocando o acento em favor do social onde estão as maiorias ou manterá a equação que preserva o econômico, de viés monetarista, com as contradições denunciadas pelos movimentos sociais e pelo melhor da inteligentzia brasileira?
Estimo que, Dilma deu sinais de que vai se vergar para o lado do social-popular. Mas alguns problemas novos como aquecimento global devem ser impreterivelmente enfrentados. Vejo que a novel Presidente compreendeu a relevância da agenda ambiental, introduzida pela candidata Marina Silva. O PAC (Projeto de Aceleração do Crescimento) deve incorporar a nova consciência de que não seria responsável continuar as obras desconsiderando estes novos dados. E ainda no horizonte se anuncia nova crise econômica, pois os EUA resolveram exportar sua crise, desvalorizando o dólar e nos prejudicando sensivelmente.
Dilma Rousseff marcará seu governo com identidade própria se realizar mais fortemente a agenda que elegeu Lula: a ética e as reformas estruturais. A ética somente será resgatada se houver total transparência nas práticas políticas e não se repita a mercantilização das relações partidárias (“mensalão”).
As reformas estruturais é a dívida que o governo Lula nos deixou. Não teve condições, por falta de base parlamentar segura, de fazer nenhuma das reformas prometidas: a política, a fiscal e a agrária. Se quiser resgatar o perfil originário do PT, Dilma deverá implementar uma reforma política. Será dificil, devido os interesses corporativos dos partidos, em grande parte, vazios de ideologia e famintos de benefícios. A reforma fiscal deve estabelecer uma equidade mínima entre os contribuintes, pois até agora poupava os ricos e onerava pesadamente os assalariados. A reforma agrária não é satisfeita apenas com assentamentos. Deve ser integral e popular levando democracia para o campo e aliviando a favelização das cidades.
Estimo que o mais importante é o salto de consciência que a Presidente deve dar, caso tomar a sério as consequências funestas e até letais da situação mudada da Terra em crise sócio-ecológica. O Brasil será chave na adaptação e no mitigamento pelo fato de deter os principais fatores ecológicos que podem equilibrar o sistema-Terra. Ele poderá ser a primeira potência mundial nos trópicos, não imperial mas cordial e corresponsável pelo destino comum. Esse pacote de questões constitui um desafio da maior gravidade, que a novel Presidente irá enfrentar. Ela possui competência e coragem para estar à altura destes reptos. Que não lhe falte a iluminação e a força do Espírito Criador.
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4 comentários:
Miro, embora já tenha 28 anos, não faz muito tempo que passei a me interessar mais profundamente por questões políticas de nosso país. Tudo começou creio que em 2008, quando a Editora Abril me ofereceu 3 meses grátis de assinatura da revista Veja.
Naturalmente eu já conhecia a revista, de salas de espera em consultórios odontológicos, mas nunca a havia lido de cabo a rabo. Quando tive essa oportunidade, já na 2ª edição eu disse: "nem de graça". As seguintes foram para o lixo sem tirar o plástico, de tão enojada que fiquei com a evidente manipulação da informação.
Foi então que comecei a procurar na internet fontes de informação mais isentas, e comecei a acompanhar o seu blog, o do PHA, o do Nassif, o do Marco Aurélio Mello e outros.
Apesar disso, meu blog pessoal sempre tratou de assuntos alheios à política. Pelo menos até as vésperas dessa eleição, quando o sentimento de revolta com a indecência da campanha de Serra e o preconceito que eu sofro aqui no Paraná, por manifestar um pensamento esquerdista, fizeram com que eu me sentisse obrigada a assumir publicamente minha ideologia.
Sou grata a você e aos demais que fizeram parte desse meu processo de amadurecimento (antes tarde do que nunca, certo?).
Ficaria muito feliz se você pudesse ler meu texto de homenagem à vitória! http://inspira-acao.blogspot.com/
Um abraço!
Acho todas as reformas citadas de extrema importância para o país. No entanto, acho que ainda falta inserir a educação no centro da política governamental.
Analise perfeita no meu ponto de vista.
Analise perfeita no meu ponto de vista.
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