Reproduzo artigo de Wálter Maierovitch, publicado no sítio da revista CartaCapital:
No meio da semana passada o presidente francês Nicolas Sarkozy e o primeiro ministro britânico David Cameron realizaram a concorrida Conferência de Londres.
Na verdade, foi um “oba-oba” para discussão sobre uma “via de saída” para o tirano Muammar Kadafi.
Sarkozy e Cameron, quando acertaram a realização da conferência, já tinham escolhido até o lugar na parede da lareira para a pele do leão-raís líbio.
A dupla, no entanto, esqueceu que Kadafi continua vivo. E na região da Tripolitânia, ainda Kadafi é considerado o raís (chefe, em árabe).
Ontem, como este blog Sem Fronteiras noticiou em primeira mão, as forças da Aliança Atlântica (Otan-Nato) bombarderam bairros de Trípoli. E 40 civis morreram, como denunciou o mais alto representante do Vaticano na capital da Líbia: monsenhor Martinelli, do Vicariato Apostólico de Trípoli.
Hoje, no quartel-general da missão da Otan-Nato para cumprimento da Resolução 1973 das Nações Unidas, chegou a notícia do bombardeamento noturno de ontem em Zawia e Argobe, situadas a 15 km de distância de Brega: as vizinhas cidades de Brega e Ras Lanuf têm importância estratégica pela existência dos dois maiores e mais importantes terminais petrolíferos da região da Cirenaica.
O “raid” noturno em Zawaia e Argobe resultou em tragédia com a morte, nas suas residências, de 7 civis e ferimentos graves em outros 25.
Atenção: entre os mortos e feridos em Zawia e Argobe a média de idade varia entre 12 e 20 anos de idade.
Na primeira tragédia de 40 vítimas fatais – na quinta-feira, 31, e em bairros de Trípole sob bombardeamento pelas “forças humanitárias” da Otan-Nato –, figuraram várias crianças.
No momento, fala-se em suspensão dos bombardeamentos. A Alemanha, em face do ocorrido, pede a imediata suspensão das ações militares das forças de coalizão na Líbia.
Pano rápido
Tudo se passa em três momentos relevantes:
1. O ministro líbio do Petróleo, Hukri Ghanem, desmente que renunciará e declara fidelidade a Kadafi.
2. O ministro da Defesa dos EUA, depois das bolas foras chutadas pelo presidente Obama e a secretária Hillari Clinton, trabalha para jogar água fria na tese estapafúrdia da mencionada dupla. Obama e a Clinton falaram que estudavam a tese de armar os rebeldes (depois os assessores, com disparate semelhante, mudaram a tese para fornecimento, em substituição, de peças de armas de fogo). Por evidente, não é apropriada pensar em armas rebeldes por quem integra uma coalizão voltada a perpetrar ações humanitárias.
3. O delfim de Kadafi – que estudou na Alemanha e se autoproclamava artista plástico em exposições pagas com dinheiro do povo líbio –, mandou enviados a Londres para tratar de uma eventual divisão da Líbia em dois países: Trípoli-Fezzen (para Kadafi ou para ele Said) e a Cirenaica para os rebeldes. Rebeldes liderados por um Conselho presidido pelo ex-ministro da Justiça de Kadafi, que, depois de perder poder na ditadura, aderiu à revolta em Bengasi.
domingo, 3 de abril de 2011
A revista Época e o mensalão requentado
Reproduzo artigo de Miguel do Rosário, publicado em seu blog:
A revista Época se esforçou. A capa desta semana, assinada pelo ex-garoto prodígio da Veja e bolsista do Millenium, Diego Escosteguy, traz aquela linguagem entre barroca e cínica que se tornou marca registrada nas reportagens sobre o mensalão. A matéria, com base no relatório da Polícia Federal enfim concluído, traz uma ou duas novidades, as quais, porém, são tão ansiosa e descaradamente aditivadas com molho velho que perdem todo o sabor. A imagem que me vem é a de uma sopa guardada há semanas na geladeira, a qual lançamos dentro uma cenoura cortada para que pareça fresca.
A escassez de fatos novos no relatório da PF decorre do fato de que o mensalão foi o escândalo mais devassado da história política brasileira. Tivemos várias CPIs, com quebra de sigilos telefônicos e bancários. A imprensa deslocou o grosso de seus efetivos para investigar todos os ângulos do episódio. E a pressão midiático-política da oposição, que chegou a ameaçar a estabilidade institucional, conseguiu, desde o início das investigações, monitorar, vazar e divulgar os resultados parciais dos relatórios da Polícia Federal. Pesquisando rapidamente na internet, descobre-se que praticamente todas as informações apresentadas na matéria já eram do conhecimento público desde 2005, embora sem a credibilidade conferida pela investigação profissional.
Entretanto, o que mais chama atenção na reportagem é sua falta de clareza. O texto lança mão de todas as aquelas velhas estratégias de manipular a informação que vimos tão diabolicamente desenvolvidas no escândalo do mensalão. Existe o ilícito, mas em vez de esclarecer o leitor sobre suas causas, consequências e natureza, a reportagem o confunde, deixando nele apenas um mal estar difuso, uma indignação mal resolvida.
Por exemplo, um trecho da matéria, subtitulado Outras revelações, traz os seguintes quadros:
Temos aí algumas novidades interessantes, que poderiam nos dar uma ideia melhor de onde surgiu o famigerado Marcos Valério, que tinha, segundo a PF, contratos de publicidade com a Petrobrás na era fernandista, e com o governo de Aécio Neves, já durante a era Lula. Mesmo a nota "Lobby no BC", confusa e juridicamente inócua, amarra o Banco Rural ao empréstimo concedido pelo governo FHC ao sistema financeiro, o Proer, através do qual o governo repassou aos bancos o equivalente hoje a mais de 115 bilhões de reais. Ou seja, recheia-se o escândalo da era Lula com maionese tucana.
A matéria inicia com um quadro onde figura aquela linguagem pirracenta que também ganhou notoriedade na cobertura do assunto.
O relatório da PF não prova que o mensalão existiu. Ele apenas confirma o que realmente aconteceu, e que ninguém negou: caixa 2 de campanha eleitoral. Não há, contudo, nos documentos da PF, e quanto mais no trecho sublinhado, qualquer fato comprobatório de que o governo pagou parlamentares para votarem desta ou daquela forma.
O início da matéria, por sua vez, é presunçoso e faz um pre-julgamento:
"Era uma vez, numa terra não tão distante, um governo que resolveu botar o Congresso no bolso".
Lendo a matéria até o final, o que vemos é que, ao contrário, o relatório da PF desmente a tese do mensalão, visto que aponta apenas 28 parlamentares como receptadores de recursos de Marcos Valério. Como se pode botar um Congresso de 513 deputados "no bolso" dando dinheiro a somente 28 dentre eles? Sem contar que a maioria pertencia à base governista e muitos receberam quantias irrisórias, como o professor Luizinho, que virou "mensaleiro" após um assessor sacar 15 mil reais do valerioduto.
Outro item nebuloso da matéria, e que a Época, em vez de tentar esclarecer, joga ainda mais fumaça, é a participação de Daniel Dantas. Esse era para ser o grande "gancho" da matéria, ainda mais considerando que falamos de um indivíduo já condenado pela justiça em três países, Brasil, EUA e Inglaterra.
Segundo o relatório, Dantas teria assinado contratos, através de empresas que controlava, como a Telecom, no valor de R$ 50 milhões com empresas de publicidade de Marcos Valério. Meses depois estourava o escândalo do mensalão. A própria Polícia o aponta como um dos principais financiadores do esquema, mas a revista, sempre tão cínica e maldosa, prefere fazer dessa vez uma interpretação cândida, de que "apenas R$ 3,6 milhões" foram efetivamente repassados.
A Época engole todas as pastilhas de LSD de uma vez só e inclui, como que fazendo parte do "mensalão do PT", uma lista de personalidades que receberam dinheiro das empresas de Valério, mesmo que estas pessoas não tenham nada a ver com a campanha política de 2002 (não a campanha petista, ao menos):
•Pimenta da Veiga, do PSDB, ex-ministro de FHC, recebeu R$ 300 mil
•Gilberto Mansur, jornalista.
•Domingo Guimarães (genro de Marco Maciel).
•Jaqueline Roriz, deputada (PMN-DF).
•Mario Calixto (senador PMDB-RO).
Uma das novidades apresentadas como "quentes", e como elo entre o "mensalão" e a campanha de Lula é a "descoberta" que Freud Godoy, ex-segurança de Lula, recebeu R$ 98 mil de Marcos Valério, e que o pagamento se deu para saldar uma dívida que o PT tinha com Godoy por seu trabalho na campanha. Já se sabia que Godoy recebera 98 mil de Valério desde 2006. E não é novidade nenhuma que o "mensalão" foi para pagar a campanha de Lula em 2002, o que na verdade apenas comprova a tese, admitida pelo PT e pelo próprio Lula, que chegou a ir a TV pedir desculpas, de que se trata de caixa 2 eleitoral, e não pagamento de propina a políticos para votarem em favor do governo.
O interessante é que, à proporção em que se torna cada vez mais claro que o "mensalão" foi um esquema de caixa 2 da campanha eleitoral de 2002, mais a mídia se aferra à tese de "compra de políticos". Não estou diminuindo a gravidade do crime de caixa 2, mas apenas botando os pingos nos is.
Essa matéria da Época não traz nenhuma novidade consistente. Mas tem uma função: tentar ressuscitar o clamor popular, ou pelo menos uma faísca daquele fogaréu que vimos em 2005, e influenciar o voto dos ministros do STF quando estes julgarem o caso este ano.
Reparem nesse trecho:
"O mensalão não foi uma farsa. Não foi uma ficção. Não foi “algo feito sistematicamente no Brasil”, como chegou a dizer o ex-presidente. O mensalão, como já demonstravam as investigações da CPI dos Correios e do Ministério Público e agora se confirma cabalmente com o relatório da PF, consiste no mais amplo (cinco partidos, dezenas de parlamentares), mais complexo (centenas de contas bancárias, uso de doleiros, laranjas) e mais grave (compra maciça de apoio político no Congresso) esquema de corrupção já descoberto no país".
Pode-se ver, no entanto, uma mudança no tom da mídia. Se antes ela falava do mensalão com arrogância e sarcasmo, hoje nota-se-lhe uma postura defensiva. A repetição de negativas é de quem teme perder o controle sobre a narrativa desse escândalo, como de fato está perdendo. Ninguém nega o caixa 2. O que vem sendo questionado é se houve compra do voto no Congresso. Como é possível que o governo comprasse o voto de 513 parlamentares? E para quê? Repare que os mesmos inquisidores que mencionam a compra de votos como um crime de gravidade apocalíptica jamais especularam sobre que votações ocorreram no período que justificassem tamanho esforço e risco. E qual o sentido de comprar apoio de deputados que já votavam em linha com o governo? Lembro que alguém fez uma tabela em que mostrava que, durante o período em que os acusados recebiam o dinheiro do mensalão, o índice de vitórias do governo no Congresso na verdade caiu. A informação foi logo abafada, porque ela não ajuda a dar verossimilhança à narrativa midiática.
Outro exemplo de manipulação da mesma reportagem:
"A metamorfose ambulante
"Ao longo de seu governo, o ex-presidente Lula mudou sua retórica sobre o escândalo. Passou da indignação à negação: 'Não interessa se foi A, B ou C, todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas" - Lula, em dezembro de 2005, sobre o episódio do escândalo do mensalão.
'Mensalão é uma farsa' - Lula, em conversa com José Dirceu durante o café da manhã no Palácio da Alvorada em 18 de novembro de 2010. Na ocasião, o ex-presidente avisou que quando deixasse o governo iria trabalhar para desmontar o mensalão".
Não há contradição entre as duas falas do presidente. Ele nunca negou que houve caixa 2. A "farsa" a que ele se refere (e a revista finge não entender) é a versão segundo a qual o governo subornou parlamentares para impor vitórias no Congresso Nacional.
Minha esperança é que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue os acusados com toda a severidade possível, condenando os réus do mensalão por seus crimes, se entenderem que estes ocorreram, mas que aja com justiça e isenção, sem se deixar levar pelas manipulações de uma imprensa comprometida não com a verdade dos fatos mas com as versões que produziu sobre eles, às quais agora se sente na obrigação de bancar até o fim.
"O PIG vai tentar derrubar Dilma"
Reproduzo entrevista concedida pelo jornalista Paulo Henrique Amorim à revista Nordeste VinteUm:
O jornalista Paulo Henrique Amorim é, indiscutivelmente, uma figura polêmica. Bastou ser anunciado como o palestrante do I Ciclo de Debates Nordeste VinteUm/2011, realizado em fevereiro, na capital cearense, para despertar o interesse de estudantes de comunicação, profissionais de mídia, políticos e curiosos, que disputaram espaço no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) para ouvi-lo falar sobre "Mídia: regulação e democracia".
O evento faz parte da estratégia do PH de disseminar, em suas andanças pelo país, ideais de liberdade de expressão e democratização da informação. Pode-se dizer que é uma autêntica cruzada nacional contra o Partido da Imprensa Golpista (PIG), expressão que ele confessa ter sido uma apropriação indébita de uma ideia do deputado Fernando Ferro (PT de Pernambuco), num desabafo contra os grandes veículos de mídia nacionais.
Formado em Sociologia e Política, este carioca, filho de nordestino, é hoje uma das principais estrelas da Rede Record de Televisão e tem no currículo passagens pelo Jornal do Brasil, Rede Manchete, Editora Abril, Rede Globo, TV Bandeirantes, TV Cultura e os sites Zaz, Terra, UOL e iG. Mas é no blog Conversa Afiada que PH Amorim combate o que órgãos da imprensa, blogs políticos e ele próprio tacham de PIG.
Segundo Paulo Henrique Amorim, fazem parte do PIG os conglomerados Globo, Folha e Estadão. “A Veja não está nesta categoria, pois é uma categoria à parte. Ela não é um órgão de comunicação, mas um detrito de maré baixa”, disse ele durante o Ciclo de Debates. Foi assim, afiado, que o jornalista concedeu entrevista exclusiva à Nordeste VinteUm, na qual comenta aspectos do governo Lula, expectativas para o governo Dilma, os 27 processos que responde por parte do banqueiro Daniel Dantas “e assemelhados”, além da urgência da chamada “Ley de Medios”, o marco regulatório, que pretende criar mecanismos para combater a concentração midiática do País.
Paulo Henrique Amorim, qual a principal influência que o PIG exerce no Brasil?
Formar a agenda (os assuntos discutidos no País), mas ele não tem mais o poder de determinar o curso dos acontecimentos. Seu poder se reduziu bastante. No entanto, ainda diz o que deve ser discutido. O que se comentava na Globo é que o Roberto Marinho costumava dizer que “o importante não é o que eu dou, o importante é o que eu não dou”. Ou seja, ao definir o que “dar”, o que noticiar e o que não noticiar, ele tomava uma atitude política. E é assim que a Globo formula a agenda do País. Não discute certos assuntos para discutir outros. Esse é um poder muito forte. Agora repito: é bom esclarecer que o PIG já foi mais forte. A capacidade de influenciar já foi bem maior. Hoje é uma capacidade decrescente.
Dê um exemplo.
Outra dia, enquanto eu navegava no Blog da Dilma, vi que o Daniel (jornalista Daniel Bezerra, criador do blog) teve uma solução muito inteligente: noticiar a festa dos 90 anos da Folha (jornal Folha de São Paulo) como o pré-velório da Folha. A Folha de São Paulo já foi muito mais importante e incisiva do que é hoje. No entanto, quando ela determina o que pode e o que não pode chegar ao conhecimento da opinião pública, ela tem o poder de abafar, ou seja, o PIG abafa, não deixa que o Brasil discuta o Brasil.
Tem um navegante no meu blog Conversa Afiada que diz sempre: “O Brasil não sai na Globo”. O Brasil não vê o que está acontecendo no Nordeste, não vê o que está acontecendo em matéria de obras de infraestrutura, o que está acontecendo com a ascensão social. O Brasil não vê que em 8 anos, durante o governo Lula, foi feito em matéria de redução da pobreza o que teoricamente teria que ser feito em 25. O Brasil fez um esforço espetacular para reduzir a pobreza e conseguirá atingir o objetivo da presidenta Dilma Rousseff, que é acabar com a miséria.
Esse debate não é um debate que se trava no PIG. Por isso que ele ainda tem esse poder discriminatório. O PIG pauta as rádios do interior, jornais do interior e outros portais. Mas com o aumento do consumo de computadores – no ano passado houve um aumento de 23% na venda de computadores no Brasil, o que é espantoso –, o poder do PIG diminui progressivamente. Contudo, não há como negar que esse poder ainda é considerável.
E como você assiste ao insistente preconceito de outras regiões contra o Nordeste?
Sou filho de um baiano e casado com uma baiana. Nasci no Rio de Janeiro, moro em São Paulo. Aqui sou testemunha do preconceito muitas vezes explícito contra o nordestino. A elite paulista é uma elite separatista, que gostaria que São Paulo se desligasse do resto do Brasil. Isso é produto do preconceito e nasce em boa parte do preconceito das próprias elites nordestinas contra os próprios nordestinos. Faz parte de uma estratégia econômica, que é tornar o nordestino a mão de obra escrava.
Isso assusta muito. Assusta inclusive essa classe média ascendente, quando ela descobre que o mecânico da oficina em que ela vai consertar o carro pode ter um carro melhor do que o dela. Aí ela fica desesperada e, se aparece um cara dizendo que isso é por causa da Dilma, e que a Dilma é a favor do aborto, essa classe vai lá e vota na Marina Silva. Agora, quanto mais instituições, como a revista Nordeste VinteUm e o Ciclo de Debates do qual tive a honra de participar, sacudirem a poeira e mostrarem a contribuição do Nordeste para o Brasil, melhor.
Eu estava conversando com minha mulher (jornalista Geórgia Pinheiro – diretora do blog Conversa Afiada) e disse: “Olha, existem três grandes brasileiros de curso internacional: Josué de Castro, Celso Furtado e Paulo Freire. Três nordestinos. O pensamento neoliberal, a direita brasileira do Sudeste e a direita paulista não produziram sequer um quadro brasileiro de trânsito internacional. Fernando Henrique Cardoso é um blefe. José Serra não escreveu um único livro. E o engraçado é que tem a fama de ser um economista competente. Nem diploma de economista ele tem. Eu costumo dizer que esses tucanos de São Paulo, se não fosse o PIG, não passariam de Resende, aquela cidade que divide o estado do Rio de Janeiro e o de São Paulo. Eles ficariam presos lá.
Durante o Ciclo de Debates Nordeste VinteUm, você afirmou que, apesar dos avanços em vários aspectos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não enfrentou o PIG. Acredita que com a presidenta Dilma Rousseff será diferente?
Eu tenho mais fé do que esperança. Os americanos têm um ditado: “O que é, é o que você vê”. Perceba: a presidenta Dilma manteve o ministro da Defesa Nelson Jobim, que no Conversa Afiada chamo de ministro Nelson “John Bim”, pois ele é um informante da embaixada americana, como mostrou o site Wikileaks. Ela tem no Ministério da Justiça um advogado do Daniel Dantas, que é o ministro José Eduardo Cardozo, conhecido pela turma do Dantas como “Zé”.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, trata a questão da “Ley de Medios” quase como se fosse uma coisa pornográfica. Ele trata com muito pudor, muito recato, muita dificuldade. E finalmente a presidenta foi à tal festa dos 90 anos da Folha. O “pré-velório”. Se quiser, ela tem várias explicações plausíveis para isso. Por exemplo: que ela é chefe de Estado. Mas como chefe de Estado ela não pode esquecer que a Folha inventou uma ficha policial falsa dela. A Folha fraudou uma ficha policial da presidenta e isso é uma questão de Estado. Então eu acho que a ida dela à festa da Folha é um mau indício, que se soma aos outros que acabei de mencionar. Pode ser o perfil do Lula. Eu espero estar redondamente enganado e que ela a certa altura diga: “Olha, eu fui à festa da Folha, vou à festa da Globo, pois defendo a liberdade de expressão, a liberdade de expressão é intocável. E agora vou fazer a regulação da mídia”. Espero que eu esteja redondamente enganado e ela redondamente certa.
E caso não ocorra o marco regulatório, o que esperar?
Se não houver marco regulatório, o PIG vai tentar derrubar a Dilma com muita eficiência. O PIG e o Jornal Nacional vão operar a sucessão da presidenta Dilma Rousseff com uma fúria indescritível. Nós ainda não vimos nada. Essa campanha sórdida e calhorda, como disse o grande cearense Ciro Gomes, ao se referir à “campanha contra o aborto” desfechada pelo José Serra durante as eleições, será ultrapassada em “calhordice”.
A Dilma vai sofrer se não houver o marco regulatório. O que também poderá ser uma consequência lamentável é que se não houver um sistema mais aberto, transparente, livre e democrático de comunicação será muito fácil manipular a classe C na sua rápida ascendência, levando-a a uma plataforma moralista e paranoica. A nossa sorte é que “quem nasceu para José Serra nunca será Carlos Lacerda (renomado jornalista e político brasileiro)”, frase boa e que não é minha, é do Brizola Neto (blogueiro).
O Serra nunca será o Lacerda. Mas sempre será possível tentar explorar o lado paranoico moralista de toda a classe média. E o Lula oportunizou a criação de uma gigantesca classe média. Se o PIG continuar tendo a importância que tem através, inclusive, da manipulação que a Globo protagoniza, é possível que essa classe média do Lula se torne “Berlusconiana” (referência a Sílvio Berlusconi – empresário e primeiro-ministro da Itália), ou seja, ela caia no conto do vigário da “calhordice”.
Paulo Henrique, você se arrepende de ter trabalhado na Rede Globo e na revista Veja?
Não. Na Veja eu trabalhei com a equipe pioneira dirigida pelo Mino Carta, que é o maior jornalista brasileiro. Foi com quem aprendi o “bê-á-bá” dessa profissão. E me orgulho muito de ter feito parte daquela equipe. Aprendi ali e procuro até hoje me guiar por algumas instruções elementares que o Mino transmitia para aquela equipe de jovens que tinham a faca entre os dentes, tentando fazer o melhor jornalismo possível do Brasil.
Eu fui trabalhar na Globo porque saí do jornalismo escrito, percebi que o jornalismo escrito era decadente, com salários cada vez menores. Eu saí da direção de redação do Jornal do Brasil, fui mandado embora, e fui trabalhar na TV Manchete, que também estava em crise. Ela comprou, através do chefe do escritório em Brasília, o Alexandre “Maluf” Garcia (jornalista Alexandre Garcia, hoje comentarista da Rede Globo), a candidatura do Paulo Maluf. Mas o Maluf perdeu e a Manchete ficou órfã, foi quando eu fui convidado para trabalhar na Globo. Fui para fazer uma coluna de economia, fiquei pouco tempo nessa função e fui então dirigir o escritório da Globo em Nova York, um dos períodos mais estimulantes da minha vida de repórter.
Qual sua avaliação sobre o efeito prático das Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão? (As ADOs são tentativas do professor Fábio Konder Comparato para que o Supremo Tribunal Federal julgue “por omissão” o Congresso Nacional por não legislar sobre três capítulos da Constituição de 1988 que tratam da Comunicação).
O efeito prático disso é nulo. Digamos que o Supremo acate a argumentação do emérito professor Comparato e diga que de fato o Congresso se omitiu. Isso talvez não provoque nem mesmo um piscar de olhos no presidente do Senado, José Sarney, por exemplo, que dividiu a presidência da República com o Roberto Marinho.
Bom, você é conhecido por dizer o que pensa. Como enfrenta os 27 processos que possui?
Pagando. Na verdade, sou processado por Daniel Dantas e seus assemelhados. Pessoas que são ligadas afetivamente, financeiramente e ideologicamente a ele. E tenho vários motivos para acreditar, assim como meus dois advogados, que Daniel Dantas articulou uma ofensiva de processos contra mim para me calar pelo bolso. Isso não vai acontecer porque não tem como me calar pelo bolso, inclusive porque, graças a Deus, que me beijou na testa, eu tenho fonte de renda que me assegura a possibilidade de, com dificuldade, comendo o pão que o diabo amassou, pagar os advogados.
O que poderia dizer sobre a suposta conexão do Daniel Dantas com o PIG?
O Daniel Dantas e o PIG têm uma relação carnal. O “Sistema Dantas de Comunicação” literalmente remunera órgãos de comunicação, colunistas e instituições jornalísticas que, na verdade, são lobistas e organizações de grupos de pressão. E tudo isso fica atrás do biombo da imprensa. Existe um sistema invisível subterrâneo que me permite supor que a relação do Dantas com órgãos de imprensa e jornalistas seja uma relação muito profunda.
O Dantas inovou no Brasil, como disse o delegado Protógenes Queiroz ao longo das investigações da Satiagraha (operação da Polícia Federal Brasileira contra o desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro, resultando na prisão de banqueiros, diretores de banco e investidores, em 2008). Ele inovou porque não comprou só o dono do órgão de imprensa; ele comprou também os jornalistas. Botou dinheiro em cima e embaixo, é o que diz a Satiagraha. Ele tem uma cobertura benévola, é tratado com tapete vermelho. Dão a ele o tratamento que Fernando Henrique Cardoso lhe dá. FHC chama ele de brilhante. É assim que o PIG trata o Dantas.
O delegado Protógenes Queiroz agora é deputado federal. Arrisca uma opinião?
Uma coisa é você fazer jornalismo escrito e fazer televisão. Nesse raciocínio, uma coisa é você ser delegado de polícia e ser deputado federal. Nem todo mundo que faz jornal escrito consegue fazer televisão. Nem todo delegado consegue ser deputado federal. Então, vamos ver se ele consegue se tornar um eficiente deputado federal. Eu faço votos.
As primeiras manifestações dele são alvissareiras. Ele tem alguns projetos interessantes: reforma do código de processo penal, por exemplo. Alguns, ele já transformou em projeto de lei, como aumentar a punição para os criminosos de colarinho branco. Agora, daí a isso prosperar e progredir na tramitação da Câmara, há uma grande distância. Espero que ele reproduza o brilho e o empenho da qualidade do trabalho dele como delegado.
E qual a relação do Daniel Dantas com o PT (Partido dos Trabalhadores)?
O ministro José Eduardo Cardozo, que é do PT de São Paulo, trabalhou para Dantas. Ele advogou para o Dantas e chegou a ir à Itália a fim de defender os interesses do seu cliente junto à “turma”. Imagino que seja um pessoal de “padrões morais elevadíssimos” a turma do Sílvio Berlusconi, que o Dantas tinha lá uma divergência. No meu blog Conversa Afiada, eu falo sobre isso. (No blog, PH Amorim afirma que passou a receber informações de alguém que se identifica como “Stanley Burburinho II”, um “especialista” em “camas de gato”. Alguns documentos destacam que José Eduardo Cardozo tinha um canal direto com Humberto Braz (ex-presidente da Brasil Telecom), condenado à prisão por corrupção com Daniel Dantas na Operação Satiagraha. Mais recentemente, PH Amorim publicou texto no Conversa Afiada sobre o que considera a “tucanização” do PT. “Como diz o Mino Carta, o mensalão ainda está por provar-se. Tem cara de ‘caixa dois’ de campanha e não de mensalidade. Porém, está claro que o PT tucanizou-se, DEMOnizou-se e entrou no jogo do financiamento ilegal de campanhas. Como fez Eduardo Azeredo, em Minas, ex-presidente nacional dos tucanos. E se repetiu nos escândalos do Arruda, do DEMO, de Brasília, aquele que, segundo Alexandre Maluf Garcia, formaria com “Cerra” a chapa vitoriosa ‘vote num careca e leve dois’. O que se impõe ao PT é fazer a mea culpa. Errei, sim! E só readmitir o Delúbio depois de julgado. Delúbio e José Dirceu são o valerioduto pelo qual o dinheiro de Daniel Dantas engordou o PT. As empresas de Dantas em Minas faziam contratos milionários de publicidade no valerioduto e o dinheiro chegava ao PT. Como, no passado, chegava ao PSDB. O passador de bola apanhado no ato de passar bola contaminou todo o sistema político brasileiro. E o PT não terá autoridade moral para falar em honestidade, transparência ou reforma eleitoral enquanto não abrir as contas do Delúbio com aquele a quem chamava, na CPI dos Correios, de ‘dr. Carlinhos’. Carlinhos, como se sabe, foi cunhado de Daniel Dantas e até hoje é seu abre-alas. O Carlinhos é amigo íntimo do ex-senador Heráclito Fortes, que o povo do Piauí preferiu desempregar (...). Se o PT readmitir Delúbio na reunião do diretório nacional, em abril, aplicará a Lei da Anistia a Daniel Dantas e a seu fiel escudeiro, o dr. Carlinhos. E viva o Brasil!
Você se define um blogueiro ansioso. Como avalia o papel das novas mídias?
Eu sou um beneficiário delas. Criei uma nova natureza, um outro Paulo Henrique Amorim, fazendo o meu blog Conversa Afiada. Eu, que era um jornalista limitado no ambiente do jornalismo escrito e depois no jornalismo de televisão, com o tempo, graças a Deus, me tornei também um jornalista de internet. É uma nova natureza e um novo espaço no qual espero permanecer até me aposentar daqui a muitos e muitos anos.
Paulo Henrique, apesar de ressaltar a importância do papel das novas mídias, você destaca que sozinhas elas não fazem revolução. Poderia explicar melhor?
Temos que colocar a internet, as novas mídias e as redes sociais na devida perspectiva. Elas são muito importantes para transmitir informação, esclarecer, divulgar verdades, destampar panelas, dar espaço à indignação da crítica, para a irreverência, para o bom humor. Elas têm um papel muito grande de aglutinação. Para combinar encontros, reuniões, passeatas e assim por diante. Agora isso não faz revolução. O que faz a revolução é a articulação política.
Não podemos transformar as mídias sociais nos novos protagonistas. Isso seria muito bom para a indústria de telecomunicação. Seria muito bom para o pessoal da telefonia móvel, para os donos do Google e Facebook, todo mundo acreditar que eles agora são mágicos, que são capazes de reinventar a história. Isso é uma balela. Só faz eles ficarem mais ricos. Também não é verdade que eles sejam o novo Lawrence da Arábia, que eles chegam lá no Oriente Médio e o redesenham como fez o coronel inglês no início do século passado. Não é verdade. O que faz revolução, o que faz a mudança, é a sociedade, é a articulação, é o germe do partido político.
E o futuro da banda larga?
Brilhante, que pode ser usado para a educação, para a distribuição da informação. Agora, de novo, não é a fórmula mágica.
O jornalista Paulo Henrique Amorim é, indiscutivelmente, uma figura polêmica. Bastou ser anunciado como o palestrante do I Ciclo de Debates Nordeste VinteUm/2011, realizado em fevereiro, na capital cearense, para despertar o interesse de estudantes de comunicação, profissionais de mídia, políticos e curiosos, que disputaram espaço no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) para ouvi-lo falar sobre "Mídia: regulação e democracia".
O evento faz parte da estratégia do PH de disseminar, em suas andanças pelo país, ideais de liberdade de expressão e democratização da informação. Pode-se dizer que é uma autêntica cruzada nacional contra o Partido da Imprensa Golpista (PIG), expressão que ele confessa ter sido uma apropriação indébita de uma ideia do deputado Fernando Ferro (PT de Pernambuco), num desabafo contra os grandes veículos de mídia nacionais.
Formado em Sociologia e Política, este carioca, filho de nordestino, é hoje uma das principais estrelas da Rede Record de Televisão e tem no currículo passagens pelo Jornal do Brasil, Rede Manchete, Editora Abril, Rede Globo, TV Bandeirantes, TV Cultura e os sites Zaz, Terra, UOL e iG. Mas é no blog Conversa Afiada que PH Amorim combate o que órgãos da imprensa, blogs políticos e ele próprio tacham de PIG.
Segundo Paulo Henrique Amorim, fazem parte do PIG os conglomerados Globo, Folha e Estadão. “A Veja não está nesta categoria, pois é uma categoria à parte. Ela não é um órgão de comunicação, mas um detrito de maré baixa”, disse ele durante o Ciclo de Debates. Foi assim, afiado, que o jornalista concedeu entrevista exclusiva à Nordeste VinteUm, na qual comenta aspectos do governo Lula, expectativas para o governo Dilma, os 27 processos que responde por parte do banqueiro Daniel Dantas “e assemelhados”, além da urgência da chamada “Ley de Medios”, o marco regulatório, que pretende criar mecanismos para combater a concentração midiática do País.
Paulo Henrique Amorim, qual a principal influência que o PIG exerce no Brasil?
Formar a agenda (os assuntos discutidos no País), mas ele não tem mais o poder de determinar o curso dos acontecimentos. Seu poder se reduziu bastante. No entanto, ainda diz o que deve ser discutido. O que se comentava na Globo é que o Roberto Marinho costumava dizer que “o importante não é o que eu dou, o importante é o que eu não dou”. Ou seja, ao definir o que “dar”, o que noticiar e o que não noticiar, ele tomava uma atitude política. E é assim que a Globo formula a agenda do País. Não discute certos assuntos para discutir outros. Esse é um poder muito forte. Agora repito: é bom esclarecer que o PIG já foi mais forte. A capacidade de influenciar já foi bem maior. Hoje é uma capacidade decrescente.
Dê um exemplo.
Outra dia, enquanto eu navegava no Blog da Dilma, vi que o Daniel (jornalista Daniel Bezerra, criador do blog) teve uma solução muito inteligente: noticiar a festa dos 90 anos da Folha (jornal Folha de São Paulo) como o pré-velório da Folha. A Folha de São Paulo já foi muito mais importante e incisiva do que é hoje. No entanto, quando ela determina o que pode e o que não pode chegar ao conhecimento da opinião pública, ela tem o poder de abafar, ou seja, o PIG abafa, não deixa que o Brasil discuta o Brasil.
Tem um navegante no meu blog Conversa Afiada que diz sempre: “O Brasil não sai na Globo”. O Brasil não vê o que está acontecendo no Nordeste, não vê o que está acontecendo em matéria de obras de infraestrutura, o que está acontecendo com a ascensão social. O Brasil não vê que em 8 anos, durante o governo Lula, foi feito em matéria de redução da pobreza o que teoricamente teria que ser feito em 25. O Brasil fez um esforço espetacular para reduzir a pobreza e conseguirá atingir o objetivo da presidenta Dilma Rousseff, que é acabar com a miséria.
Esse debate não é um debate que se trava no PIG. Por isso que ele ainda tem esse poder discriminatório. O PIG pauta as rádios do interior, jornais do interior e outros portais. Mas com o aumento do consumo de computadores – no ano passado houve um aumento de 23% na venda de computadores no Brasil, o que é espantoso –, o poder do PIG diminui progressivamente. Contudo, não há como negar que esse poder ainda é considerável.
E como você assiste ao insistente preconceito de outras regiões contra o Nordeste?
Sou filho de um baiano e casado com uma baiana. Nasci no Rio de Janeiro, moro em São Paulo. Aqui sou testemunha do preconceito muitas vezes explícito contra o nordestino. A elite paulista é uma elite separatista, que gostaria que São Paulo se desligasse do resto do Brasil. Isso é produto do preconceito e nasce em boa parte do preconceito das próprias elites nordestinas contra os próprios nordestinos. Faz parte de uma estratégia econômica, que é tornar o nordestino a mão de obra escrava.
Isso assusta muito. Assusta inclusive essa classe média ascendente, quando ela descobre que o mecânico da oficina em que ela vai consertar o carro pode ter um carro melhor do que o dela. Aí ela fica desesperada e, se aparece um cara dizendo que isso é por causa da Dilma, e que a Dilma é a favor do aborto, essa classe vai lá e vota na Marina Silva. Agora, quanto mais instituições, como a revista Nordeste VinteUm e o Ciclo de Debates do qual tive a honra de participar, sacudirem a poeira e mostrarem a contribuição do Nordeste para o Brasil, melhor.
Eu estava conversando com minha mulher (jornalista Geórgia Pinheiro – diretora do blog Conversa Afiada) e disse: “Olha, existem três grandes brasileiros de curso internacional: Josué de Castro, Celso Furtado e Paulo Freire. Três nordestinos. O pensamento neoliberal, a direita brasileira do Sudeste e a direita paulista não produziram sequer um quadro brasileiro de trânsito internacional. Fernando Henrique Cardoso é um blefe. José Serra não escreveu um único livro. E o engraçado é que tem a fama de ser um economista competente. Nem diploma de economista ele tem. Eu costumo dizer que esses tucanos de São Paulo, se não fosse o PIG, não passariam de Resende, aquela cidade que divide o estado do Rio de Janeiro e o de São Paulo. Eles ficariam presos lá.
Durante o Ciclo de Debates Nordeste VinteUm, você afirmou que, apesar dos avanços em vários aspectos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não enfrentou o PIG. Acredita que com a presidenta Dilma Rousseff será diferente?
Eu tenho mais fé do que esperança. Os americanos têm um ditado: “O que é, é o que você vê”. Perceba: a presidenta Dilma manteve o ministro da Defesa Nelson Jobim, que no Conversa Afiada chamo de ministro Nelson “John Bim”, pois ele é um informante da embaixada americana, como mostrou o site Wikileaks. Ela tem no Ministério da Justiça um advogado do Daniel Dantas, que é o ministro José Eduardo Cardozo, conhecido pela turma do Dantas como “Zé”.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, trata a questão da “Ley de Medios” quase como se fosse uma coisa pornográfica. Ele trata com muito pudor, muito recato, muita dificuldade. E finalmente a presidenta foi à tal festa dos 90 anos da Folha. O “pré-velório”. Se quiser, ela tem várias explicações plausíveis para isso. Por exemplo: que ela é chefe de Estado. Mas como chefe de Estado ela não pode esquecer que a Folha inventou uma ficha policial falsa dela. A Folha fraudou uma ficha policial da presidenta e isso é uma questão de Estado. Então eu acho que a ida dela à festa da Folha é um mau indício, que se soma aos outros que acabei de mencionar. Pode ser o perfil do Lula. Eu espero estar redondamente enganado e que ela a certa altura diga: “Olha, eu fui à festa da Folha, vou à festa da Globo, pois defendo a liberdade de expressão, a liberdade de expressão é intocável. E agora vou fazer a regulação da mídia”. Espero que eu esteja redondamente enganado e ela redondamente certa.
E caso não ocorra o marco regulatório, o que esperar?
Se não houver marco regulatório, o PIG vai tentar derrubar a Dilma com muita eficiência. O PIG e o Jornal Nacional vão operar a sucessão da presidenta Dilma Rousseff com uma fúria indescritível. Nós ainda não vimos nada. Essa campanha sórdida e calhorda, como disse o grande cearense Ciro Gomes, ao se referir à “campanha contra o aborto” desfechada pelo José Serra durante as eleições, será ultrapassada em “calhordice”.
A Dilma vai sofrer se não houver o marco regulatório. O que também poderá ser uma consequência lamentável é que se não houver um sistema mais aberto, transparente, livre e democrático de comunicação será muito fácil manipular a classe C na sua rápida ascendência, levando-a a uma plataforma moralista e paranoica. A nossa sorte é que “quem nasceu para José Serra nunca será Carlos Lacerda (renomado jornalista e político brasileiro)”, frase boa e que não é minha, é do Brizola Neto (blogueiro).
O Serra nunca será o Lacerda. Mas sempre será possível tentar explorar o lado paranoico moralista de toda a classe média. E o Lula oportunizou a criação de uma gigantesca classe média. Se o PIG continuar tendo a importância que tem através, inclusive, da manipulação que a Globo protagoniza, é possível que essa classe média do Lula se torne “Berlusconiana” (referência a Sílvio Berlusconi – empresário e primeiro-ministro da Itália), ou seja, ela caia no conto do vigário da “calhordice”.
Paulo Henrique, você se arrepende de ter trabalhado na Rede Globo e na revista Veja?
Não. Na Veja eu trabalhei com a equipe pioneira dirigida pelo Mino Carta, que é o maior jornalista brasileiro. Foi com quem aprendi o “bê-á-bá” dessa profissão. E me orgulho muito de ter feito parte daquela equipe. Aprendi ali e procuro até hoje me guiar por algumas instruções elementares que o Mino transmitia para aquela equipe de jovens que tinham a faca entre os dentes, tentando fazer o melhor jornalismo possível do Brasil.
Eu fui trabalhar na Globo porque saí do jornalismo escrito, percebi que o jornalismo escrito era decadente, com salários cada vez menores. Eu saí da direção de redação do Jornal do Brasil, fui mandado embora, e fui trabalhar na TV Manchete, que também estava em crise. Ela comprou, através do chefe do escritório em Brasília, o Alexandre “Maluf” Garcia (jornalista Alexandre Garcia, hoje comentarista da Rede Globo), a candidatura do Paulo Maluf. Mas o Maluf perdeu e a Manchete ficou órfã, foi quando eu fui convidado para trabalhar na Globo. Fui para fazer uma coluna de economia, fiquei pouco tempo nessa função e fui então dirigir o escritório da Globo em Nova York, um dos períodos mais estimulantes da minha vida de repórter.
Qual sua avaliação sobre o efeito prático das Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão? (As ADOs são tentativas do professor Fábio Konder Comparato para que o Supremo Tribunal Federal julgue “por omissão” o Congresso Nacional por não legislar sobre três capítulos da Constituição de 1988 que tratam da Comunicação).
O efeito prático disso é nulo. Digamos que o Supremo acate a argumentação do emérito professor Comparato e diga que de fato o Congresso se omitiu. Isso talvez não provoque nem mesmo um piscar de olhos no presidente do Senado, José Sarney, por exemplo, que dividiu a presidência da República com o Roberto Marinho.
Bom, você é conhecido por dizer o que pensa. Como enfrenta os 27 processos que possui?
Pagando. Na verdade, sou processado por Daniel Dantas e seus assemelhados. Pessoas que são ligadas afetivamente, financeiramente e ideologicamente a ele. E tenho vários motivos para acreditar, assim como meus dois advogados, que Daniel Dantas articulou uma ofensiva de processos contra mim para me calar pelo bolso. Isso não vai acontecer porque não tem como me calar pelo bolso, inclusive porque, graças a Deus, que me beijou na testa, eu tenho fonte de renda que me assegura a possibilidade de, com dificuldade, comendo o pão que o diabo amassou, pagar os advogados.
O que poderia dizer sobre a suposta conexão do Daniel Dantas com o PIG?
O Daniel Dantas e o PIG têm uma relação carnal. O “Sistema Dantas de Comunicação” literalmente remunera órgãos de comunicação, colunistas e instituições jornalísticas que, na verdade, são lobistas e organizações de grupos de pressão. E tudo isso fica atrás do biombo da imprensa. Existe um sistema invisível subterrâneo que me permite supor que a relação do Dantas com órgãos de imprensa e jornalistas seja uma relação muito profunda.
O Dantas inovou no Brasil, como disse o delegado Protógenes Queiroz ao longo das investigações da Satiagraha (operação da Polícia Federal Brasileira contra o desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro, resultando na prisão de banqueiros, diretores de banco e investidores, em 2008). Ele inovou porque não comprou só o dono do órgão de imprensa; ele comprou também os jornalistas. Botou dinheiro em cima e embaixo, é o que diz a Satiagraha. Ele tem uma cobertura benévola, é tratado com tapete vermelho. Dão a ele o tratamento que Fernando Henrique Cardoso lhe dá. FHC chama ele de brilhante. É assim que o PIG trata o Dantas.
O delegado Protógenes Queiroz agora é deputado federal. Arrisca uma opinião?
Uma coisa é você fazer jornalismo escrito e fazer televisão. Nesse raciocínio, uma coisa é você ser delegado de polícia e ser deputado federal. Nem todo mundo que faz jornal escrito consegue fazer televisão. Nem todo delegado consegue ser deputado federal. Então, vamos ver se ele consegue se tornar um eficiente deputado federal. Eu faço votos.
As primeiras manifestações dele são alvissareiras. Ele tem alguns projetos interessantes: reforma do código de processo penal, por exemplo. Alguns, ele já transformou em projeto de lei, como aumentar a punição para os criminosos de colarinho branco. Agora, daí a isso prosperar e progredir na tramitação da Câmara, há uma grande distância. Espero que ele reproduza o brilho e o empenho da qualidade do trabalho dele como delegado.
E qual a relação do Daniel Dantas com o PT (Partido dos Trabalhadores)?
O ministro José Eduardo Cardozo, que é do PT de São Paulo, trabalhou para Dantas. Ele advogou para o Dantas e chegou a ir à Itália a fim de defender os interesses do seu cliente junto à “turma”. Imagino que seja um pessoal de “padrões morais elevadíssimos” a turma do Sílvio Berlusconi, que o Dantas tinha lá uma divergência. No meu blog Conversa Afiada, eu falo sobre isso. (No blog, PH Amorim afirma que passou a receber informações de alguém que se identifica como “Stanley Burburinho II”, um “especialista” em “camas de gato”. Alguns documentos destacam que José Eduardo Cardozo tinha um canal direto com Humberto Braz (ex-presidente da Brasil Telecom), condenado à prisão por corrupção com Daniel Dantas na Operação Satiagraha. Mais recentemente, PH Amorim publicou texto no Conversa Afiada sobre o que considera a “tucanização” do PT. “Como diz o Mino Carta, o mensalão ainda está por provar-se. Tem cara de ‘caixa dois’ de campanha e não de mensalidade. Porém, está claro que o PT tucanizou-se, DEMOnizou-se e entrou no jogo do financiamento ilegal de campanhas. Como fez Eduardo Azeredo, em Minas, ex-presidente nacional dos tucanos. E se repetiu nos escândalos do Arruda, do DEMO, de Brasília, aquele que, segundo Alexandre Maluf Garcia, formaria com “Cerra” a chapa vitoriosa ‘vote num careca e leve dois’. O que se impõe ao PT é fazer a mea culpa. Errei, sim! E só readmitir o Delúbio depois de julgado. Delúbio e José Dirceu são o valerioduto pelo qual o dinheiro de Daniel Dantas engordou o PT. As empresas de Dantas em Minas faziam contratos milionários de publicidade no valerioduto e o dinheiro chegava ao PT. Como, no passado, chegava ao PSDB. O passador de bola apanhado no ato de passar bola contaminou todo o sistema político brasileiro. E o PT não terá autoridade moral para falar em honestidade, transparência ou reforma eleitoral enquanto não abrir as contas do Delúbio com aquele a quem chamava, na CPI dos Correios, de ‘dr. Carlinhos’. Carlinhos, como se sabe, foi cunhado de Daniel Dantas e até hoje é seu abre-alas. O Carlinhos é amigo íntimo do ex-senador Heráclito Fortes, que o povo do Piauí preferiu desempregar (...). Se o PT readmitir Delúbio na reunião do diretório nacional, em abril, aplicará a Lei da Anistia a Daniel Dantas e a seu fiel escudeiro, o dr. Carlinhos. E viva o Brasil!
Você se define um blogueiro ansioso. Como avalia o papel das novas mídias?
Eu sou um beneficiário delas. Criei uma nova natureza, um outro Paulo Henrique Amorim, fazendo o meu blog Conversa Afiada. Eu, que era um jornalista limitado no ambiente do jornalismo escrito e depois no jornalismo de televisão, com o tempo, graças a Deus, me tornei também um jornalista de internet. É uma nova natureza e um novo espaço no qual espero permanecer até me aposentar daqui a muitos e muitos anos.
Paulo Henrique, apesar de ressaltar a importância do papel das novas mídias, você destaca que sozinhas elas não fazem revolução. Poderia explicar melhor?
Temos que colocar a internet, as novas mídias e as redes sociais na devida perspectiva. Elas são muito importantes para transmitir informação, esclarecer, divulgar verdades, destampar panelas, dar espaço à indignação da crítica, para a irreverência, para o bom humor. Elas têm um papel muito grande de aglutinação. Para combinar encontros, reuniões, passeatas e assim por diante. Agora isso não faz revolução. O que faz a revolução é a articulação política.
Não podemos transformar as mídias sociais nos novos protagonistas. Isso seria muito bom para a indústria de telecomunicação. Seria muito bom para o pessoal da telefonia móvel, para os donos do Google e Facebook, todo mundo acreditar que eles agora são mágicos, que são capazes de reinventar a história. Isso é uma balela. Só faz eles ficarem mais ricos. Também não é verdade que eles sejam o novo Lawrence da Arábia, que eles chegam lá no Oriente Médio e o redesenham como fez o coronel inglês no início do século passado. Não é verdade. O que faz revolução, o que faz a mudança, é a sociedade, é a articulação, é o germe do partido político.
E o futuro da banda larga?
Brilhante, que pode ser usado para a educação, para a distribuição da informação. Agora, de novo, não é a fórmula mágica.
Bancos dos EUA e a grana do narcotráfico
Reproduzo artigo de David Brooks, do jornal La Jornada, publicado no sítio Carta Maior:
Alguns dos principais bancos e financeiras estadunidenses, entre eles Wells Fargo, Bank of América, Citigroup, American Express e Western Union, lucraram durante anos com a lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico e só pagam multas mínimas, sem que nenhum executivo seja encarcerado quando as autoridades conseguem detectar o negócio ilícito.
Em múltiplos casos fiscalizados durante os últimos anos, estes bancos estadunidenses confessaram não ter cumprido as leis e regulamentos federais para controlar a lavagem de dinheiro, ao participarem das transferências de bilhões de dólares em fundos ilícitos provenientes do narcotráfico mexicano.
Esse é o caso do Wachovia Corp, antes o sexto banco do país, comprado pelo Wells Fargo em 2008 e agora o banco com mais sucursais nos Estados Unidos. O Wells Fargo admitiu perante um tribunal que o Wachovia não vigiou nem informou sobre as atividades suspeitas de lavagem de dinheiro por narcotraficantes, incluindo quantias para a compra de pelo menos quatro aviões nos Estados Unidos, que transportaram um total de 22 toneladas de cocaína. O outro banco envolvido na transferência de fundos com os quais se comprou um desses aviões – um DC-9 que em seguida foi confiscado no México com toneladas de cocaína – foi o Bank of America, reportou o Bloomberg News.
Tudo isso foi revelado num acordo judicial do banco com procuradores federais, em março de 2010. Nos documentos judiciais do caso lidos pelo La Jornada, Wachovia admitiu que não fez o suficiente para detectar fundos ilícitos sob sua administração, na casa de mais de 378,4 bilhões de dólares, em seus negócios com casas de câmbio mexicanas, entre maio de 2004 e maio de 2007.
Desse total, Wachovia processou ao menos 373,6 bilhões em transferências eletrônicas, mais 4,7 bilhões em traslados de dinheiro em espécie e outros 47 bilhões em depósitos de cheques internacionais. Nem todos esses fundos estão vinculados ao narcotráfico, mas segundo as investigações do Departamento de Justiça bilhões não foram sujeitos à fiscalização exigida pela lei, e centenas de bilhões de dólares desses fundos estavam diretamente ligados ao narcotráfico.
Wachovia, violação recorde
Pelo volume total de fundos que não estiveram sujeitos à fiscalização antilavagem de dinheiro, o caso do Wachovia se tornou a maior violação da Lei de Sigilo Bancário na história. Essa lei obriga os bancos a reportarem às autoridades toda transferência de fundos em espécie em valores acima de 10 mil dólares, assim como a informar sobre atividade suspeita de lavagem de dinheiro.
O procurador federal no caso, Jeffrey Sloman, declarou em março, ao anunciar o acordo com Wells Fargo: “A desatenção flagrante de nossas leis bancárias por Wachovia permitiu uma virtual carta branca aos cartéis internacionais de cocaína para financiar suas operações, ao lavarem ao menos 110 milhões de dólares em lucros com a droga”.
Não é que ninguém tenha notado. O próprio banco admitiu perante o Tribunal que já desde 2004 o Wachovia reconheceu o risco. Mas apesar das advertências permaneceu no negócio, segundo os documentos lidos por La Jornada.
Esse negócio era a administração e traslado de fundos de pelo menos 22 casas de câmbio no México que tinham contas no Wachovia. Um exemplo citado nos documentos é o da Casa de Câmbio Puebla S/A, cujos gerentes criaram empresas fictícias para os cartéis e, segundo o Departamento de Justiça, conseguiram lavar uns 720 milhões de dólares, por meio de bancos estadunidenses.
De fato, foi o caso da Casa de Câmbio Puebla que detonou esta investigação das autoridades federais. Desde 2005 algunas transferências de fundos do Wachovia já estavam sob investigação, em suas sucursais em Miami, a partir do México, por meio de casas de câmbio, e estes fundos eram utilizados para comprar aviões destinados ao narcotráfico, informam os documentos judiciais do caso.
Por outro lado, durante esse período o diretor da unidade antilavagem de dinheiro de Wachovia em Londres, Martin Woods, suspeitava que narcotraficantes utilizavam o banco para mover quantias. Ele informou a seus chefes, que lhe ordenaram a deixar o assunto de lado, e por isso renunciou ao seu postos reportou a Bloomberg. Woods disse a essa agência que “é a lavagem de dinheiro dos cartéis pelos bancos que financia a tragédia... Se não se vê a correlação entre a lavagem de dinheiro pelos bancos e as 22 mil pessoas assassinadas no México não se entende o que está em jogo”.
Depois de ser acusado de violar a lei, Wells Fargo, agora dono do Wachovia, comprometeu-se num tribunal federal de Miami a reformar seus sistemas de vigilância. Pagou 160 milhões de dólares em multa e, caso cumpra suas promessas feitas às autoridades federais, estas deixarão os encargos contra o banco em março de 2011.
Esta prática é comum nestes casos e se chama acordo de fiscalização diferida. Por meio dele um banco paga uma multa, coopera com a investigação e se compromete a não violar a lei, mais.
Nenhum empregado recusou a propina
Em sua reportagem a Bloomberg enumera vários outros casos em que bancos pagaram multas e mudaram suas práticas, mas não enfrentaram nenhuma consequência penal importante por suas ações. É o caso da American Express Bank International de Miami, que pagou multas em 1994 e em 2007, do Bank of America, cujas sucursais em Oklahoma City foram utilizadas para comprar aviões para narcotraficantes, bem como as contas em suas sucursais de Atlanta, Chicago e Brownsville, Texas; e também há casos documentados sob investigação sobre o uso de sucursais no México de bancos estrangeiros como o Citigroup, HSBC e Santander.
Outro caso é o do Western Union, que no começo deste ano pagou 94 milhões de dólares para encerrar uma investigação criminal e civil do procurador geral do Arizona, depois que numa operação agentes à paisana da polícia estadual, disfarçados de narcotraficantes, conseguiram subornar, em várias ocasiões, empregados da empresa para trasladar dinheiro de maneira ilícita. Em 20 escritórios diferentes do Western Union, nenhum empregado jamais recusou a propina para permitirem envios de quantias atribuídas a laranjas.
Calcula-se que quase 30 bilhões de dólares em dinheiro vivo se mova de um lado a outro da fronteira mexicana com os Estados Unidos. E uma parte desses recursos é depositada em bancos de ambos os países e em bancos internacionais, a partir dos quais os fundos podem ser trasladados por todo o sistema financeiro internacional.
* Tradução: Katarina Peixoto.
Alguns dos principais bancos e financeiras estadunidenses, entre eles Wells Fargo, Bank of América, Citigroup, American Express e Western Union, lucraram durante anos com a lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico e só pagam multas mínimas, sem que nenhum executivo seja encarcerado quando as autoridades conseguem detectar o negócio ilícito.
Em múltiplos casos fiscalizados durante os últimos anos, estes bancos estadunidenses confessaram não ter cumprido as leis e regulamentos federais para controlar a lavagem de dinheiro, ao participarem das transferências de bilhões de dólares em fundos ilícitos provenientes do narcotráfico mexicano.
Esse é o caso do Wachovia Corp, antes o sexto banco do país, comprado pelo Wells Fargo em 2008 e agora o banco com mais sucursais nos Estados Unidos. O Wells Fargo admitiu perante um tribunal que o Wachovia não vigiou nem informou sobre as atividades suspeitas de lavagem de dinheiro por narcotraficantes, incluindo quantias para a compra de pelo menos quatro aviões nos Estados Unidos, que transportaram um total de 22 toneladas de cocaína. O outro banco envolvido na transferência de fundos com os quais se comprou um desses aviões – um DC-9 que em seguida foi confiscado no México com toneladas de cocaína – foi o Bank of America, reportou o Bloomberg News.
Tudo isso foi revelado num acordo judicial do banco com procuradores federais, em março de 2010. Nos documentos judiciais do caso lidos pelo La Jornada, Wachovia admitiu que não fez o suficiente para detectar fundos ilícitos sob sua administração, na casa de mais de 378,4 bilhões de dólares, em seus negócios com casas de câmbio mexicanas, entre maio de 2004 e maio de 2007.
Desse total, Wachovia processou ao menos 373,6 bilhões em transferências eletrônicas, mais 4,7 bilhões em traslados de dinheiro em espécie e outros 47 bilhões em depósitos de cheques internacionais. Nem todos esses fundos estão vinculados ao narcotráfico, mas segundo as investigações do Departamento de Justiça bilhões não foram sujeitos à fiscalização exigida pela lei, e centenas de bilhões de dólares desses fundos estavam diretamente ligados ao narcotráfico.
Wachovia, violação recorde
Pelo volume total de fundos que não estiveram sujeitos à fiscalização antilavagem de dinheiro, o caso do Wachovia se tornou a maior violação da Lei de Sigilo Bancário na história. Essa lei obriga os bancos a reportarem às autoridades toda transferência de fundos em espécie em valores acima de 10 mil dólares, assim como a informar sobre atividade suspeita de lavagem de dinheiro.
O procurador federal no caso, Jeffrey Sloman, declarou em março, ao anunciar o acordo com Wells Fargo: “A desatenção flagrante de nossas leis bancárias por Wachovia permitiu uma virtual carta branca aos cartéis internacionais de cocaína para financiar suas operações, ao lavarem ao menos 110 milhões de dólares em lucros com a droga”.
Não é que ninguém tenha notado. O próprio banco admitiu perante o Tribunal que já desde 2004 o Wachovia reconheceu o risco. Mas apesar das advertências permaneceu no negócio, segundo os documentos lidos por La Jornada.
Esse negócio era a administração e traslado de fundos de pelo menos 22 casas de câmbio no México que tinham contas no Wachovia. Um exemplo citado nos documentos é o da Casa de Câmbio Puebla S/A, cujos gerentes criaram empresas fictícias para os cartéis e, segundo o Departamento de Justiça, conseguiram lavar uns 720 milhões de dólares, por meio de bancos estadunidenses.
De fato, foi o caso da Casa de Câmbio Puebla que detonou esta investigação das autoridades federais. Desde 2005 algunas transferências de fundos do Wachovia já estavam sob investigação, em suas sucursais em Miami, a partir do México, por meio de casas de câmbio, e estes fundos eram utilizados para comprar aviões destinados ao narcotráfico, informam os documentos judiciais do caso.
Por outro lado, durante esse período o diretor da unidade antilavagem de dinheiro de Wachovia em Londres, Martin Woods, suspeitava que narcotraficantes utilizavam o banco para mover quantias. Ele informou a seus chefes, que lhe ordenaram a deixar o assunto de lado, e por isso renunciou ao seu postos reportou a Bloomberg. Woods disse a essa agência que “é a lavagem de dinheiro dos cartéis pelos bancos que financia a tragédia... Se não se vê a correlação entre a lavagem de dinheiro pelos bancos e as 22 mil pessoas assassinadas no México não se entende o que está em jogo”.
Depois de ser acusado de violar a lei, Wells Fargo, agora dono do Wachovia, comprometeu-se num tribunal federal de Miami a reformar seus sistemas de vigilância. Pagou 160 milhões de dólares em multa e, caso cumpra suas promessas feitas às autoridades federais, estas deixarão os encargos contra o banco em março de 2011.
Esta prática é comum nestes casos e se chama acordo de fiscalização diferida. Por meio dele um banco paga uma multa, coopera com a investigação e se compromete a não violar a lei, mais.
Nenhum empregado recusou a propina
Em sua reportagem a Bloomberg enumera vários outros casos em que bancos pagaram multas e mudaram suas práticas, mas não enfrentaram nenhuma consequência penal importante por suas ações. É o caso da American Express Bank International de Miami, que pagou multas em 1994 e em 2007, do Bank of America, cujas sucursais em Oklahoma City foram utilizadas para comprar aviões para narcotraficantes, bem como as contas em suas sucursais de Atlanta, Chicago e Brownsville, Texas; e também há casos documentados sob investigação sobre o uso de sucursais no México de bancos estrangeiros como o Citigroup, HSBC e Santander.
Outro caso é o do Western Union, que no começo deste ano pagou 94 milhões de dólares para encerrar uma investigação criminal e civil do procurador geral do Arizona, depois que numa operação agentes à paisana da polícia estadual, disfarçados de narcotraficantes, conseguiram subornar, em várias ocasiões, empregados da empresa para trasladar dinheiro de maneira ilícita. Em 20 escritórios diferentes do Western Union, nenhum empregado jamais recusou a propina para permitirem envios de quantias atribuídas a laranjas.
Calcula-se que quase 30 bilhões de dólares em dinheiro vivo se mova de um lado a outro da fronteira mexicana com os Estados Unidos. E uma parte desses recursos é depositada em bancos de ambos os países e em bancos internacionais, a partir dos quais os fundos podem ser trasladados por todo o sistema financeiro internacional.
* Tradução: Katarina Peixoto.
Padre Miguel D´Escoto defende a Líbia
Reproduzo entrevista concedida pelo padre sandinista Miguel D'Escoto à Telesur:
O governo líbio nomeou o ex-chanceler da Nicarágua Padre Miguel D’Escoto como representante do país norte-africano na Organização das Nações Unidas (ONU). Na decisão, anunciada na terça-feira, 29, por meio de uma carta enviada ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o governo líbio destaca que D’Escoto está autorizado a falar em nome do povo líbio ante os órgãos das Nações Unidas. A decisão se deu logo após os Estados Unidos negarem visto de entrada no país a Ali Abdussalam, nomeado representante do governo líbio na ONU em 4 de março. Abaixo, a entrevista de D’Escoto à Telesur.
Está conosco Miguel d´Escoto Brockmann, representante da Líbia na ONU, e gostaríamos de lhe perguntar: uma vez conhecida a decisão de sua nomeação, por que aceitou esta indicação e o que significará este desafio?
A última parte desta pergunta... Significa que a Líbia, um país soberano e um Estado Membro da Organização das Nações Unidas, tem um representante, e que neste momento, tão tremendamente crítico em seu desenvolvimento como país soberano, se estava negando, contra todos os princípios, ter um representante.
Por que aceitei? Porque esta é uma situação intolerável, e como cristão, como revolucionário, compreendo perfeitamente que a solidariedade implica, inclusive, a disposição de colocar-se no caminho do perigo, a correr riscos e eu o estou fazendo, porque creio que é minha obrigação como cristão, como sandinista, como revolucionário, com respeito ao país irmão da Jamahiria Árabe Líbia Popular Socialista.
Senhor d´Escoto, em relação ao seu prestígio, a aceitação desta representação não lhe possibilitaria ser vítima de ataques e críticas?
Depende ante os olhos de quem. Ante os olhos dos que defendem o direito de uma minoria ditatorial, imperialista, isso não lhes vai cair bem. Porém ante os olhos daquela parte da opinião pública, que eu diria é a imensa maioria, e ante os olhos dos povos, que é o que a mim mais me interessa, isto se vê de outra forma...
Já estou recebendo retroalimentações das bases; inclusive acabo de receber uma mensagem de uma senhora que é da Nicarágua, está com seus 84 anos, e me manda dizer que é muito bom que tenha aceitado, porque o que está fazendo este país [os Estados Unidos], do qual ela agora é cidadã, lhe parece inaceitável. Aí tens em parte a resposta a tua pergunta... Depende a quem lhe pergunte, a reação irá variar. Se é uma pessoa com ética, moral, com princípios e com solidariedade vai gostar do que estou fazendo. Senão, não vai gostar.
Qual a sua leitura do fato de que neguem entrada a um diplomata na sede da ONU, como ocorreu com o representante da Líbia? Existem antecedentes a respeito?
Eu não sei, não conheço, não recordo neste momento nenhum antecedente. Porém, isso claramente põe em evidencia o que venho dizendo, inclusive o que disse ao retirar-me da presidência da Assembleia Geral da ONU há dois anos, quando disse que estas Nações Unidas já necessitam mais do que reformas! Que se converteu, não somente numa Organização totalmente sem função, incapaz de cumprir os objetivos pelos quais foi criada, mas que agora é pior... Não somente é disfuncional, é uma arma mortal em mãos do agressor imperialista e seus sequazes. Esta é a realidade, e isso traz consequências.
Agora, senhor d´Escoto, quanto a esta delegação, gostaríamos de aprofundar um pouco, qual é o próximo passo, quais são as características do processo e qual será o seu papel como tal?
Eu venho aqui para defender um povo inocente, que está sendo bombardeado pelo cinismo e a crueldade de uns países, uma ínfima minoria, os que pretende ser os donos do mundo. O que vamos estar impulsionando é o imediato cessar-fogo. E cessar-fogo, obviamente, não é o mesmo que se render; cessar-fogo implica que as duas partes têm que cessar-fogo. E isso implica também, que não se pode seguir armando os rebeldes... Isso é uma intromissão nos assuntos internos de um estado soberano! É contra as normas do Direito Internacional e contra a Carta da ONU; porém se está convertendo, de fato, na prática da ONU. Por isso tem que reinventada esta Organização.
Vamos estar impulsionando o imediato cessar-fogo e iniciar um processo de diálogo entre o governo e os rebeldes armados pela coalizão de estados europeus e Estados Unidos; de alguns estados europeus, não todos, porém quase todos. O desarme e o cessar fogo é para ambas as partes. E o embargo sobre a entrada de armas também deve deter o fluxo de armas dos Estados Unidos e dos países europeus, muitas das quais vêm através do Egito... Isso tem que ser detido de imediato!
Diante das declarações do presidente Obama, nas quais afirmou que não descarta armar aos rebeldes líbios. Pode se ver nisso uma violação dos princípios do Direito Internacional, o fato de imiscuir-se nos assuntos internos de outros países?
Obviamente é tudo isso que acabas dizer, porém é mais: uma solene hipocrisia! Porque estão, têm estado armando os rebeldes. Não é que não descartem num tempo futuro prover de armas os rebeldes, já estão fazendo! E não somente isso... estão intervindo no conflito entre rebeldes armados e os representantes legítimos do povo líbio; estão interferindo nesta luta. Já fizeram! Assim é que isso de que não descarta que no futuro o façam é pura hipocrisia e demagogia!
Precisamente, muitos estávamos esperançosos de que já não ia ser a característica desta administração; muitos estávamos dando o benefício da dúvida, porém agora estamos convencidos de que o império é o império e sua direção, sua política, não depende de quem seja presidente, porque aqui, neste país [encontra-se nos EUA], quem manda é o complexo industrial militar.
Qual a sua opinião sobre países como a Suécia, que mesmo sem ser parte da OTAN se somaram ao ataque contra a Líbia? O que se pode interpretar deste tipo de situação?
Para mim, isso resulta realmente triste porque me recordo como admirávamos a Suécia, nos tempos de Olof Palme. Na Nicarágua, foi uma espécie de herói para nós. Nosso principal Centro de Convenções leva seu nome, porém isso está muito distante do que a Suécia é hoje em dia... um país, também, desgraçadamente, lambe-botas do império. Realmente, me da muita pena ver o papel da Suécia de hoje.
Finalmente, senhor d´Escoto, segundo a experiência ao longo de sua carreira, que solução se poderia obter nesta situação? Quais os panoramas possíveis?
Esta Organização, eu o disse quando pela primeira vez assumi a presidência da Assembleia Geral, cheira a naftalina. Isso se sentia por qualquer um, em todas as partes... Cheira a formol, à morte! Conseguimos reativar um pouco, injetar um pouquinho de vida, e interesse, porém novamente caiu nesse estado de inação sobre o que tem que atuar, e deixando-se sempre controlar pelos interesses de um estado, que nem sequer podemos dizer que há pertencido às Nações Unidas.
Tem estado presente, porém não há pertencido, e me refiro aos Estados Unidos da América. Por que? Porque pertencer é algo mais que estar aqui representado no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral. Pertencer é compartilhar ideais e princípios, e os Estados Unidos sempre tem lutado contra... Nunca aceitou o império do direito nas relações internacionais, sempre acreditou na lei da selva, quer dizer, no direito do mais forte.
Os Estados Unidos falam de democracia e se opõem a qualquer tentativa de democratizar esta instituição, que é a pior das ditaduras em todo o mundo. Por isso, logo estaremos também apresentando uma proposta sobre a reinvenção das Nações Unidas... Faz muitíssima falta! E todo este drama que estamos vivendo hoje, creio que mais do que tudo, está ajudando. Oxalá que assim seja, que se preste a uma boa leitura; que isto esteja ajudando as pessoas a se conscientizarem, que as Nações Unidas não podem seguir como estão hoje em dia; tem que ser como os princípios que estão implicitamente - e alguns explicitamente - expressos na Carta da ONU, inclusive a atual. E têm de ser respeitados!
Isso é o que acredito. E te agradeço muito a ti e a Telesur por haver me concedido esta entrevista.
* Tradução: Leonardo Severo.
O governo líbio nomeou o ex-chanceler da Nicarágua Padre Miguel D’Escoto como representante do país norte-africano na Organização das Nações Unidas (ONU). Na decisão, anunciada na terça-feira, 29, por meio de uma carta enviada ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o governo líbio destaca que D’Escoto está autorizado a falar em nome do povo líbio ante os órgãos das Nações Unidas. A decisão se deu logo após os Estados Unidos negarem visto de entrada no país a Ali Abdussalam, nomeado representante do governo líbio na ONU em 4 de março. Abaixo, a entrevista de D’Escoto à Telesur.
Está conosco Miguel d´Escoto Brockmann, representante da Líbia na ONU, e gostaríamos de lhe perguntar: uma vez conhecida a decisão de sua nomeação, por que aceitou esta indicação e o que significará este desafio?
A última parte desta pergunta... Significa que a Líbia, um país soberano e um Estado Membro da Organização das Nações Unidas, tem um representante, e que neste momento, tão tremendamente crítico em seu desenvolvimento como país soberano, se estava negando, contra todos os princípios, ter um representante.
Por que aceitei? Porque esta é uma situação intolerável, e como cristão, como revolucionário, compreendo perfeitamente que a solidariedade implica, inclusive, a disposição de colocar-se no caminho do perigo, a correr riscos e eu o estou fazendo, porque creio que é minha obrigação como cristão, como sandinista, como revolucionário, com respeito ao país irmão da Jamahiria Árabe Líbia Popular Socialista.
Senhor d´Escoto, em relação ao seu prestígio, a aceitação desta representação não lhe possibilitaria ser vítima de ataques e críticas?
Depende ante os olhos de quem. Ante os olhos dos que defendem o direito de uma minoria ditatorial, imperialista, isso não lhes vai cair bem. Porém ante os olhos daquela parte da opinião pública, que eu diria é a imensa maioria, e ante os olhos dos povos, que é o que a mim mais me interessa, isto se vê de outra forma...
Já estou recebendo retroalimentações das bases; inclusive acabo de receber uma mensagem de uma senhora que é da Nicarágua, está com seus 84 anos, e me manda dizer que é muito bom que tenha aceitado, porque o que está fazendo este país [os Estados Unidos], do qual ela agora é cidadã, lhe parece inaceitável. Aí tens em parte a resposta a tua pergunta... Depende a quem lhe pergunte, a reação irá variar. Se é uma pessoa com ética, moral, com princípios e com solidariedade vai gostar do que estou fazendo. Senão, não vai gostar.
Qual a sua leitura do fato de que neguem entrada a um diplomata na sede da ONU, como ocorreu com o representante da Líbia? Existem antecedentes a respeito?
Eu não sei, não conheço, não recordo neste momento nenhum antecedente. Porém, isso claramente põe em evidencia o que venho dizendo, inclusive o que disse ao retirar-me da presidência da Assembleia Geral da ONU há dois anos, quando disse que estas Nações Unidas já necessitam mais do que reformas! Que se converteu, não somente numa Organização totalmente sem função, incapaz de cumprir os objetivos pelos quais foi criada, mas que agora é pior... Não somente é disfuncional, é uma arma mortal em mãos do agressor imperialista e seus sequazes. Esta é a realidade, e isso traz consequências.
Agora, senhor d´Escoto, quanto a esta delegação, gostaríamos de aprofundar um pouco, qual é o próximo passo, quais são as características do processo e qual será o seu papel como tal?
Eu venho aqui para defender um povo inocente, que está sendo bombardeado pelo cinismo e a crueldade de uns países, uma ínfima minoria, os que pretende ser os donos do mundo. O que vamos estar impulsionando é o imediato cessar-fogo. E cessar-fogo, obviamente, não é o mesmo que se render; cessar-fogo implica que as duas partes têm que cessar-fogo. E isso implica também, que não se pode seguir armando os rebeldes... Isso é uma intromissão nos assuntos internos de um estado soberano! É contra as normas do Direito Internacional e contra a Carta da ONU; porém se está convertendo, de fato, na prática da ONU. Por isso tem que reinventada esta Organização.
Vamos estar impulsionando o imediato cessar-fogo e iniciar um processo de diálogo entre o governo e os rebeldes armados pela coalizão de estados europeus e Estados Unidos; de alguns estados europeus, não todos, porém quase todos. O desarme e o cessar fogo é para ambas as partes. E o embargo sobre a entrada de armas também deve deter o fluxo de armas dos Estados Unidos e dos países europeus, muitas das quais vêm através do Egito... Isso tem que ser detido de imediato!
Diante das declarações do presidente Obama, nas quais afirmou que não descarta armar aos rebeldes líbios. Pode se ver nisso uma violação dos princípios do Direito Internacional, o fato de imiscuir-se nos assuntos internos de outros países?
Obviamente é tudo isso que acabas dizer, porém é mais: uma solene hipocrisia! Porque estão, têm estado armando os rebeldes. Não é que não descartem num tempo futuro prover de armas os rebeldes, já estão fazendo! E não somente isso... estão intervindo no conflito entre rebeldes armados e os representantes legítimos do povo líbio; estão interferindo nesta luta. Já fizeram! Assim é que isso de que não descarta que no futuro o façam é pura hipocrisia e demagogia!
Precisamente, muitos estávamos esperançosos de que já não ia ser a característica desta administração; muitos estávamos dando o benefício da dúvida, porém agora estamos convencidos de que o império é o império e sua direção, sua política, não depende de quem seja presidente, porque aqui, neste país [encontra-se nos EUA], quem manda é o complexo industrial militar.
Qual a sua opinião sobre países como a Suécia, que mesmo sem ser parte da OTAN se somaram ao ataque contra a Líbia? O que se pode interpretar deste tipo de situação?
Para mim, isso resulta realmente triste porque me recordo como admirávamos a Suécia, nos tempos de Olof Palme. Na Nicarágua, foi uma espécie de herói para nós. Nosso principal Centro de Convenções leva seu nome, porém isso está muito distante do que a Suécia é hoje em dia... um país, também, desgraçadamente, lambe-botas do império. Realmente, me da muita pena ver o papel da Suécia de hoje.
Finalmente, senhor d´Escoto, segundo a experiência ao longo de sua carreira, que solução se poderia obter nesta situação? Quais os panoramas possíveis?
Esta Organização, eu o disse quando pela primeira vez assumi a presidência da Assembleia Geral, cheira a naftalina. Isso se sentia por qualquer um, em todas as partes... Cheira a formol, à morte! Conseguimos reativar um pouco, injetar um pouquinho de vida, e interesse, porém novamente caiu nesse estado de inação sobre o que tem que atuar, e deixando-se sempre controlar pelos interesses de um estado, que nem sequer podemos dizer que há pertencido às Nações Unidas.
Tem estado presente, porém não há pertencido, e me refiro aos Estados Unidos da América. Por que? Porque pertencer é algo mais que estar aqui representado no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral. Pertencer é compartilhar ideais e princípios, e os Estados Unidos sempre tem lutado contra... Nunca aceitou o império do direito nas relações internacionais, sempre acreditou na lei da selva, quer dizer, no direito do mais forte.
Os Estados Unidos falam de democracia e se opõem a qualquer tentativa de democratizar esta instituição, que é a pior das ditaduras em todo o mundo. Por isso, logo estaremos também apresentando uma proposta sobre a reinvenção das Nações Unidas... Faz muitíssima falta! E todo este drama que estamos vivendo hoje, creio que mais do que tudo, está ajudando. Oxalá que assim seja, que se preste a uma boa leitura; que isto esteja ajudando as pessoas a se conscientizarem, que as Nações Unidas não podem seguir como estão hoje em dia; tem que ser como os princípios que estão implicitamente - e alguns explicitamente - expressos na Carta da ONU, inclusive a atual. E têm de ser respeitados!
Isso é o que acredito. E te agradeço muito a ti e a Telesur por haver me concedido esta entrevista.
* Tradução: Leonardo Severo.
Todos ao lançamento da frente parlamentar
Reproduzo convocatória para o ato de lançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação:
O ano de 2011 será fundamental para a democratização das comunicações no país. Com a nomeação de Paulo Bernardo no Ministério das Comunicações, a presidenta Dilma Rousseff dá sinal de que deseja priorizar políticas públicas para a área e iniciar um grande debate nacional em busca de uma reforma na legislação das comunicações.
Seria fundamental que sindicatos, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e as cidadãs e cidadãos aproveitassem o momento para colocar a comunicação como uma das grandes pautas do momento para a consolidação de uma verdadeira democracia no Brasil.
Sigamos os exemplos de experiências vitoriosas de mobilização pela reforma do sistema de mídia na América do Sul, como ocorreu na Argentina, onde a sociedade organizada conseguiu ser um ator decisivo na proposta de reforma da “Ley de Medios”. É necessário resgatarmos as propostas da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), nos organizarmos em cada Estado e lutarmos por uma nova comunicação.
Precisamos de pluralidade na mídia, do fortalecimento dos canais públicos e comunitários, de transparência e democracia nas concessões de rádio e TV, da universalização da banda larga, do respeito aos direitos humanos, de qualidade e acessibilidade aos serviços de telefonia, de liberdade e autonomia na internet. Precisamos de audiências e debates que discutam com a sociedade a mudança na antiquada e autoritária legislação brasileira.
Precisamos somar forças no parlamento, onde será necessário muita mobilização e pressão para aprovar as alterações nas leis da comunicação a nosso favor. Assim, convocamos as entidades e as cidadãs e cidadãos à somarem esforços com os/as parlamentares que defendem a democracia nas comunicações para o lançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular no dia 19 de abril, 14 h, na Câmara dos Deputados (Auditório Nereu Ramos), em Brasília.
Será o momento de mostrarmos a nossa força aos donos/as da mídia e àqueles/as que boicotam o debate público sobre o tema. Vamos fazer um ato plural, massivo, que retome o espirito da Confecom. É importante lembrar também que pela manhã do mesmo dia 19 haverá uma plenária da sociedade civil para discutir estratégias do nosso movimento.
Assinam
- Forum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC);
- Intervozes;
- Centro de Estudos Barão de Itararé;
- MNDH;
- ANDI;
- Fittel;
- Ciranda;
- Viração;
- Arpub;
- Marcos Dantas;
- Comunicativistas;
- AMARC;
- Lapcom;
- Campanha pela Ética na TV;
- Artigo 19.
O ano de 2011 será fundamental para a democratização das comunicações no país. Com a nomeação de Paulo Bernardo no Ministério das Comunicações, a presidenta Dilma Rousseff dá sinal de que deseja priorizar políticas públicas para a área e iniciar um grande debate nacional em busca de uma reforma na legislação das comunicações.
Seria fundamental que sindicatos, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e as cidadãs e cidadãos aproveitassem o momento para colocar a comunicação como uma das grandes pautas do momento para a consolidação de uma verdadeira democracia no Brasil.
Sigamos os exemplos de experiências vitoriosas de mobilização pela reforma do sistema de mídia na América do Sul, como ocorreu na Argentina, onde a sociedade organizada conseguiu ser um ator decisivo na proposta de reforma da “Ley de Medios”. É necessário resgatarmos as propostas da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), nos organizarmos em cada Estado e lutarmos por uma nova comunicação.
Precisamos de pluralidade na mídia, do fortalecimento dos canais públicos e comunitários, de transparência e democracia nas concessões de rádio e TV, da universalização da banda larga, do respeito aos direitos humanos, de qualidade e acessibilidade aos serviços de telefonia, de liberdade e autonomia na internet. Precisamos de audiências e debates que discutam com a sociedade a mudança na antiquada e autoritária legislação brasileira.
Precisamos somar forças no parlamento, onde será necessário muita mobilização e pressão para aprovar as alterações nas leis da comunicação a nosso favor. Assim, convocamos as entidades e as cidadãs e cidadãos à somarem esforços com os/as parlamentares que defendem a democracia nas comunicações para o lançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular no dia 19 de abril, 14 h, na Câmara dos Deputados (Auditório Nereu Ramos), em Brasília.
Será o momento de mostrarmos a nossa força aos donos/as da mídia e àqueles/as que boicotam o debate público sobre o tema. Vamos fazer um ato plural, massivo, que retome o espirito da Confecom. É importante lembrar também que pela manhã do mesmo dia 19 haverá uma plenária da sociedade civil para discutir estratégias do nosso movimento.
Assinam
- Forum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC);
- Intervozes;
- Centro de Estudos Barão de Itararé;
- MNDH;
- ANDI;
- Fittel;
- Ciranda;
- Viração;
- Arpub;
- Marcos Dantas;
- Comunicativistas;
- AMARC;
- Lapcom;
- Campanha pela Ética na TV;
- Artigo 19.
Julgamento de Gegê: "lutar não é crime"
Reproduzo matéria de Suzana Vier, publicada na Rede Brasil Atual:
A poucos dias de ir a júri popular, por um crime que, garante, não cometeu, Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, teme que sua liderança popular seja mais uma vez criminalizada. "Depois de me ver envolvido (num crime) sem sentido nenhum, porque eu não estava no local quando houve a desavença, eu não devo, mas temo", indica. "Querem calar a voz de quem não tem cidadania garantida", prossegue.
Gegê é uma das lideranças do Movimento de Moradia no Centro (MMC) e da Central de Movimentos Populares. Nesta segunda-feira (4), ele vai a júri popular, sob a acusação de, em 2002, dar carona ao assassino de um homem que morava no acampamento sob coordenação do MMC, próximo à avenida do Estado, na capital paulista.
O primeiro julgamento do caso estava marcado para setembro de 2010, mas foi adiado a pedido do representante do Ministério Público, responsável pela acusação. O promotor alegou que não conhecia todas as provas apresentadas pela defesa.
Em entrevista à Rede Brasil atual, Gegê disse que já se sente condenado há oito anos por um crime que não cometeu. "Para mim, já estou condenado depois de oito anos sem poder viver dignamente", diz.
"Eu jamais, jamais me permitiria tirar uma vida, ou dar carona no meu carro, a alguém que fizesse isso", afirma. "Na minha vida, a vida tem valor e não tem preço. Até um assassino deve pagar mas com a vida, vivendo longamente para pagar o que fez", sentencia.
Gegê conta os dias com esperança de virar a página dessa parte de sua vida, de prisões, acusações e injustiças, declara. "Tenho esperança ao avaliar que os jurados possam perceber que as acusações são na verdade contra a classe trabalhadora", apontou em entrevista à Rádio Brasil Atual. "Sou um cidadão indo a júri sem saber o porquê", lamenta. "Estou ansioso, sem dormir, nunca vi um júri", descreve.
Segundo a defesa, o autor do assassinato é conhecido e identificado, mas nunca foi preso nem processado. O nome não é mencionado, mas a situação reforça o argumento de que se trata de perseguição. "São muitos anos e até hoje isso não foi tirado a limpo", lembra.
Gegê é irmão do cantor e compositor Chico César e tem uma longa trajetória de militância social e sindical, como um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do PT e dos movimentos de moradia, acredita que, em parte, a acusação surgiu por sua ação contra o uso de drogas nos acampamentos do movimento. "Não admitimos drogueiro e drogados, nem violência contra mulheres e crianças."
Um grupo pequeno, segundo ele, que não fazia parte inicialmente do acampamento, mas que "foi chegando" ao saber da concessão do terreno pelo governo do estado, discordava da filosofia do acampamento. Eles teriam aproveitado o crime para desacreditar a liderança do movimento.
José Roberto, o homem assassinado, tinha histórico de alcoolismo e teria provocado um visitante que visitava o sogro no acampamento do movimento de moradia. Uma semana depois, o visitante retornou e matou José. "Dizíamos: bebeu não entra, mas ele pulava o muro e entrava", conta Gegê. "Ele dava muito trabalho para a coordenação local do movimento devido à embriaguez e acabou mexendo com o homem que o matou."
Embora o crime tenha acontecido em 2002 e no momento o líder sem teto não estivesse no local do crime, em 2004 ele foi preso, acusado de coautoria do crime, por uma suposta carona ao assassino de José.
Questão dolorida
O acampamento onde houve o crime foi formado também em 2002, depois da desocupação de forma negociada com o governo estadual de São Paulo, do prédio do Banco Nacional, já falido, lembra Gegê.
O então governador, Mário Covas, concedeu um terreno próximo à avenida do Estado para o assentamento de 100 famílias. "Na área só havia sujeira e um esqueleto (de prédio). Nós limpamos em três dias e construímos alojamentos provisórios para o pessoal da desocupação", narra Gegê.
Em pouco tempo, outras famílias chegaram até que foi preciso limitar a construção de barracos. "Um grupo queria mais barracos, mas a luta é para o resgate da cidadania e da dignidade", relembra o militante. Pessoas externas ao movimento e que passaram a morar no acampamento discordavam das regras rígidas quanto a drogas e bebidas, mas, segundo Gegê, sempre houve uma convivência de respeito. "Quanto mais se enfavela, menos cidadania e dignidade as pessoas têm", ensina. Universitários também passaram a estudar o terreno e formas de viabilizar moradias nas áreas.
No dia do crime, Gegê chegou horas depois do assassinato e encontrou o irmão da vítima na entrada dizendo que ele não poderia entrar, porque se não morreria também. Policiais também já chegavam ao local, passaram pelo militante e em seguida retiraram o corpo. Naquele 8 de agosto de 2002, o líder do movimento dos sem teto do centro estava em uma ocupação na rua do Ouvidor, 63.
Depois da retirada do corpo, Gegê entrou no acampamento para ajudar uma mulher que passava mal e precisou ser levada ao hospital. O fato foi descrito no processo como se ele tivesse dado fuga ao agressor.
Em 5 de abril de 2004, Gegê foi a uma delegacia como testemunha da prisão de um bêbado, quando soube pela delegada que era procurado e detido no mesmo instante. Ele ficou preso por 51 dias. "Essa é uma questão dolorida. Nunca imaginei ir ao banco dos réus por um crime que jamais me permitiria cometer", diz emocionado.
Desde sua prisão e do surgimento da acusação, militantes dos movimentos sociais criaram o comitê Lutar não é Crime com uma campanha nacional pelo fim da criminalização dos movimentos sociais e populares.
O julgamento do ativista ocorre na segunda-feira (4), a partir das 13 horas, no Fórum Criminal da Barra Funda, e deve estender-se até a terça-feira.
A poucos dias de ir a júri popular, por um crime que, garante, não cometeu, Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, teme que sua liderança popular seja mais uma vez criminalizada. "Depois de me ver envolvido (num crime) sem sentido nenhum, porque eu não estava no local quando houve a desavença, eu não devo, mas temo", indica. "Querem calar a voz de quem não tem cidadania garantida", prossegue.
Gegê é uma das lideranças do Movimento de Moradia no Centro (MMC) e da Central de Movimentos Populares. Nesta segunda-feira (4), ele vai a júri popular, sob a acusação de, em 2002, dar carona ao assassino de um homem que morava no acampamento sob coordenação do MMC, próximo à avenida do Estado, na capital paulista.
O primeiro julgamento do caso estava marcado para setembro de 2010, mas foi adiado a pedido do representante do Ministério Público, responsável pela acusação. O promotor alegou que não conhecia todas as provas apresentadas pela defesa.
Em entrevista à Rede Brasil atual, Gegê disse que já se sente condenado há oito anos por um crime que não cometeu. "Para mim, já estou condenado depois de oito anos sem poder viver dignamente", diz.
"Eu jamais, jamais me permitiria tirar uma vida, ou dar carona no meu carro, a alguém que fizesse isso", afirma. "Na minha vida, a vida tem valor e não tem preço. Até um assassino deve pagar mas com a vida, vivendo longamente para pagar o que fez", sentencia.
Gegê conta os dias com esperança de virar a página dessa parte de sua vida, de prisões, acusações e injustiças, declara. "Tenho esperança ao avaliar que os jurados possam perceber que as acusações são na verdade contra a classe trabalhadora", apontou em entrevista à Rádio Brasil Atual. "Sou um cidadão indo a júri sem saber o porquê", lamenta. "Estou ansioso, sem dormir, nunca vi um júri", descreve.
Segundo a defesa, o autor do assassinato é conhecido e identificado, mas nunca foi preso nem processado. O nome não é mencionado, mas a situação reforça o argumento de que se trata de perseguição. "São muitos anos e até hoje isso não foi tirado a limpo", lembra.
Gegê é irmão do cantor e compositor Chico César e tem uma longa trajetória de militância social e sindical, como um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do PT e dos movimentos de moradia, acredita que, em parte, a acusação surgiu por sua ação contra o uso de drogas nos acampamentos do movimento. "Não admitimos drogueiro e drogados, nem violência contra mulheres e crianças."
Um grupo pequeno, segundo ele, que não fazia parte inicialmente do acampamento, mas que "foi chegando" ao saber da concessão do terreno pelo governo do estado, discordava da filosofia do acampamento. Eles teriam aproveitado o crime para desacreditar a liderança do movimento.
José Roberto, o homem assassinado, tinha histórico de alcoolismo e teria provocado um visitante que visitava o sogro no acampamento do movimento de moradia. Uma semana depois, o visitante retornou e matou José. "Dizíamos: bebeu não entra, mas ele pulava o muro e entrava", conta Gegê. "Ele dava muito trabalho para a coordenação local do movimento devido à embriaguez e acabou mexendo com o homem que o matou."
Embora o crime tenha acontecido em 2002 e no momento o líder sem teto não estivesse no local do crime, em 2004 ele foi preso, acusado de coautoria do crime, por uma suposta carona ao assassino de José.
Questão dolorida
O acampamento onde houve o crime foi formado também em 2002, depois da desocupação de forma negociada com o governo estadual de São Paulo, do prédio do Banco Nacional, já falido, lembra Gegê.
O então governador, Mário Covas, concedeu um terreno próximo à avenida do Estado para o assentamento de 100 famílias. "Na área só havia sujeira e um esqueleto (de prédio). Nós limpamos em três dias e construímos alojamentos provisórios para o pessoal da desocupação", narra Gegê.
Em pouco tempo, outras famílias chegaram até que foi preciso limitar a construção de barracos. "Um grupo queria mais barracos, mas a luta é para o resgate da cidadania e da dignidade", relembra o militante. Pessoas externas ao movimento e que passaram a morar no acampamento discordavam das regras rígidas quanto a drogas e bebidas, mas, segundo Gegê, sempre houve uma convivência de respeito. "Quanto mais se enfavela, menos cidadania e dignidade as pessoas têm", ensina. Universitários também passaram a estudar o terreno e formas de viabilizar moradias nas áreas.
No dia do crime, Gegê chegou horas depois do assassinato e encontrou o irmão da vítima na entrada dizendo que ele não poderia entrar, porque se não morreria também. Policiais também já chegavam ao local, passaram pelo militante e em seguida retiraram o corpo. Naquele 8 de agosto de 2002, o líder do movimento dos sem teto do centro estava em uma ocupação na rua do Ouvidor, 63.
Depois da retirada do corpo, Gegê entrou no acampamento para ajudar uma mulher que passava mal e precisou ser levada ao hospital. O fato foi descrito no processo como se ele tivesse dado fuga ao agressor.
Em 5 de abril de 2004, Gegê foi a uma delegacia como testemunha da prisão de um bêbado, quando soube pela delegada que era procurado e detido no mesmo instante. Ele ficou preso por 51 dias. "Essa é uma questão dolorida. Nunca imaginei ir ao banco dos réus por um crime que jamais me permitiria cometer", diz emocionado.
Desde sua prisão e do surgimento da acusação, militantes dos movimentos sociais criaram o comitê Lutar não é Crime com uma campanha nacional pelo fim da criminalização dos movimentos sociais e populares.
O julgamento do ativista ocorre na segunda-feira (4), a partir das 13 horas, no Fórum Criminal da Barra Funda, e deve estender-se até a terça-feira.
Frente Parlamentar, Dilma e a mídia
Reproduzo artigo de Luiz Carlos Azenha, publicado no blog Viomundo:
Fui ao evento de sexta-feira à noite que marcou o pré-lançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular.
O lançamento mesmo acontece no próximo dia 19 de abril, em Brasília, às 14 horas, no auditório Nereu Ramos do Congresso.
O objetivo inicial é lotar o auditório naquela data, o que nos leva desde já a estender o convite a todos os brasilienses que se interessam pelo assunto, especialmente aos blogueiros progressistas da Capital federal e seus leitores.
Os últimos dados, de ontem à noite, indicavam que havia 171 assinaturas de adesão à frente, mas por motivos óbvios a gente prefere falar em 170.
Do debate, na sede do Sindicato dos Bancários, participaram os deputados federais (atenção, anotem os nomes deles para as próximas eleições) Brizola Neto (PDT-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Emiliano José (PT-BA). A deputada Luisa Erundina (PSB-SP) não pôde comparecer por motivos pessoais.
De qualquer forma, ficou claro que pelo menos na esquerda existe um consenso de que é preciso fazer avançar o debate sobre a questão da comunicação no Brasil.
O evento serviu também para lançar “Jornalismo de Campanha e a Constituição de 1988″, de Emiliano José, autor também de “Imprensa e Poder, Ligações Perigosas”, ambos editados pela Editora da Universidade Federal da Bahia.
Houve durante o debate apelos urgentes para que se impeça a aprovação do projeto que modifica a lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), conforme denúncia feita pelo coletivo Intervozes publicada, entre outros, pelo Viomundo (aqui).
Houve apelos para que o governo Dilma, que financia com milhões e milhões de reais o que se convencionou chamar de PIG, aprofunde a pulverização das verbas publicitárias oficiais e que faça isso não apenas por critérios de mercado, mas que visem a incentivar o pluralismo na produção de conteúdo.
Houve apelos — corretos, em minha modesta opinião — para que a Frente Parlamentar receba o reforço dos movimentos sociais. Ou seja, que a questão da comunicação esteja presente em todas as demais conferências nacionais setoriais promovidas no país.
O próprio deputado Emiliano José disse que, se a esquerda parece unida no Congresso em relação ao tema, é preciso agregar outras forças políticas, especialmente do centro, ao debate.
Movimentos sociais + centro político + Frente Parlamentar + blogueiros progressistas me parece uma combinação mínima para fazer avançar o debate, além da escolha de uma agenda mínima que seja consensual (Plano Nacional de Banda Larga, regulamentação da mídia eletrônica, propriedade cruzada e por aí vai).
Levantou-se a dúvida sobre o destino que seria dado ao projeto deixado pelo ministro Franklin Martins: será descartado por personagens que estão “costeando o alambrado”, como dizia Leonel Brizola?
O deputado Emiliano José voltou a dizer, conforme já havia escrito em artigo publicado pela CartaCapital e reproduzido aqui, que o namoro do PIG com o governo Dilma tem data para terminar: depois que forem concluídas as tentativas de desconstruir a imagem de Lula.
No particular, houve discordâncias em relação ao atual governo.
Por exemplo, no lamento “em off” de um dos participantes a respeito do poder de primeiro-ministro que Antonio Palocci tem no governo Dilma (que se estende até mesmo à Biblioteca Nacional).
Porém, se está claro que há divergências na avaliação que se faz do governo Dilma até aqui, não há dúvida de que a dura tarefa de modificar o panorama do setor midiático no Brasil exigirá uma ampla coalizão de forças em torno de uma agenda mínima.
Não nos resta outra alternativa, a não ser começar lotando o Nereu Ramos.
Fui ao evento de sexta-feira à noite que marcou o pré-lançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular.
O lançamento mesmo acontece no próximo dia 19 de abril, em Brasília, às 14 horas, no auditório Nereu Ramos do Congresso.
O objetivo inicial é lotar o auditório naquela data, o que nos leva desde já a estender o convite a todos os brasilienses que se interessam pelo assunto, especialmente aos blogueiros progressistas da Capital federal e seus leitores.
Os últimos dados, de ontem à noite, indicavam que havia 171 assinaturas de adesão à frente, mas por motivos óbvios a gente prefere falar em 170.
Do debate, na sede do Sindicato dos Bancários, participaram os deputados federais (atenção, anotem os nomes deles para as próximas eleições) Brizola Neto (PDT-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Emiliano José (PT-BA). A deputada Luisa Erundina (PSB-SP) não pôde comparecer por motivos pessoais.
De qualquer forma, ficou claro que pelo menos na esquerda existe um consenso de que é preciso fazer avançar o debate sobre a questão da comunicação no Brasil.
O evento serviu também para lançar “Jornalismo de Campanha e a Constituição de 1988″, de Emiliano José, autor também de “Imprensa e Poder, Ligações Perigosas”, ambos editados pela Editora da Universidade Federal da Bahia.
Houve durante o debate apelos urgentes para que se impeça a aprovação do projeto que modifica a lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), conforme denúncia feita pelo coletivo Intervozes publicada, entre outros, pelo Viomundo (aqui).
Houve apelos para que o governo Dilma, que financia com milhões e milhões de reais o que se convencionou chamar de PIG, aprofunde a pulverização das verbas publicitárias oficiais e que faça isso não apenas por critérios de mercado, mas que visem a incentivar o pluralismo na produção de conteúdo.
Houve apelos — corretos, em minha modesta opinião — para que a Frente Parlamentar receba o reforço dos movimentos sociais. Ou seja, que a questão da comunicação esteja presente em todas as demais conferências nacionais setoriais promovidas no país.
O próprio deputado Emiliano José disse que, se a esquerda parece unida no Congresso em relação ao tema, é preciso agregar outras forças políticas, especialmente do centro, ao debate.
Movimentos sociais + centro político + Frente Parlamentar + blogueiros progressistas me parece uma combinação mínima para fazer avançar o debate, além da escolha de uma agenda mínima que seja consensual (Plano Nacional de Banda Larga, regulamentação da mídia eletrônica, propriedade cruzada e por aí vai).
Levantou-se a dúvida sobre o destino que seria dado ao projeto deixado pelo ministro Franklin Martins: será descartado por personagens que estão “costeando o alambrado”, como dizia Leonel Brizola?
O deputado Emiliano José voltou a dizer, conforme já havia escrito em artigo publicado pela CartaCapital e reproduzido aqui, que o namoro do PIG com o governo Dilma tem data para terminar: depois que forem concluídas as tentativas de desconstruir a imagem de Lula.
No particular, houve discordâncias em relação ao atual governo.
Por exemplo, no lamento “em off” de um dos participantes a respeito do poder de primeiro-ministro que Antonio Palocci tem no governo Dilma (que se estende até mesmo à Biblioteca Nacional).
Porém, se está claro que há divergências na avaliação que se faz do governo Dilma até aqui, não há dúvida de que a dura tarefa de modificar o panorama do setor midiático no Brasil exigirá uma ampla coalizão de forças em torno de uma agenda mínima.
Não nos resta outra alternativa, a não ser começar lotando o Nereu Ramos.
sábado, 2 de abril de 2011
Futebol: a última trincheira da Globo?
Reproduzo artigo de Brizola Neto, publicado no blog Tijolaço:
Desmoralizada politicamente, a Rede Globo não tem mais condições – apesar do altíssimo nível de muitos dos seus profissionais – de sustentar seu monopólio de fato sobre a TV aberta. Sem julgamento de mérito – ou da falta dele – sobre suas programações, as outras emissoras deixaram de ser “traço” em audiência e a própria emissora já reviu para baixo, ontem, suas metas de audiência, baixando-as para 18/19%.
Além das concorrentes diretas, a TV a Cabo e a internet estão erodindo o monopólio da ex-Vênus Platinada.
O futebol, do qual ela tem exclusividade, passou a ser a trincheira de vida ou morte para ela.
Hoje, a Record tomou a ofensiva. E colocou a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, numa situação delicada.
A emissora tornou público que está oferecendo R$ 100 milhões pela transmissão de 16 dos 40 jogos do Flamengo no campeonato brasileiro.
A Globo diz que paga R$ 44 milhões pelas 40 partidas.
Grêmio, Cruzeiro, Coritiba, Vitória, Goiás, Coritiba, Vasco, Sport, Santos, Bahia e Corinthians assinaram com a Globo. A Rede TV, que venceu a concorrencia do Clube dos 13, diz que tem 15 clubes acertados, mas parte deles roeu a corda do acordo anterior e mesmo tendo dado procuração ao Clube dos 13, assinaram com a Globo,
A esta altura, só Deus sabe o que está se passando dos obscuros subterrêneos do futebol, mas ninguém duvida que estejam se passando as maiores barbaridades.
Tudo indica que a transmissão do Brasileirão vai terminar no “tapetão”.
Desmoralizada politicamente, a Rede Globo não tem mais condições – apesar do altíssimo nível de muitos dos seus profissionais – de sustentar seu monopólio de fato sobre a TV aberta. Sem julgamento de mérito – ou da falta dele – sobre suas programações, as outras emissoras deixaram de ser “traço” em audiência e a própria emissora já reviu para baixo, ontem, suas metas de audiência, baixando-as para 18/19%.
Além das concorrentes diretas, a TV a Cabo e a internet estão erodindo o monopólio da ex-Vênus Platinada.
O futebol, do qual ela tem exclusividade, passou a ser a trincheira de vida ou morte para ela.
Hoje, a Record tomou a ofensiva. E colocou a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, numa situação delicada.
A emissora tornou público que está oferecendo R$ 100 milhões pela transmissão de 16 dos 40 jogos do Flamengo no campeonato brasileiro.
A Globo diz que paga R$ 44 milhões pelas 40 partidas.
Grêmio, Cruzeiro, Coritiba, Vitória, Goiás, Coritiba, Vasco, Sport, Santos, Bahia e Corinthians assinaram com a Globo. A Rede TV, que venceu a concorrencia do Clube dos 13, diz que tem 15 clubes acertados, mas parte deles roeu a corda do acordo anterior e mesmo tendo dado procuração ao Clube dos 13, assinaram com a Globo,
A esta altura, só Deus sabe o que está se passando dos obscuros subterrêneos do futebol, mas ninguém duvida que estejam se passando as maiores barbaridades.
Tudo indica que a transmissão do Brasileirão vai terminar no “tapetão”.
O jogo de claro-escuro da imprensa
Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
Partidos de oposição ao governo do ex-metalúrgico não economizaram em criar epítetos para rotular Dilma Rousseff. Chamá-la de "poste" virou lugar comum ao longo de 2010. Chamá-la de "marionete", de ser criada artificialmente no laboratório do ex-presidente Lula, pontuou os debates com os presidenciáveis no segundo semestre de 2010. Não faltou quem não arriscasse uma praga poderosa de que, uma vez eleita, não governaria por si mesma, estaria sempre à sombra de seu antecessor e criador.
No mesmo caminho, presidenciáveis com algum bom índice de intenção de votos nas pesquisas Ibope/Datafolha/Vox/Sensus, não hesitavam em lhe atribuir um caráter fraco. É de José Serra a sentença definitiva: "Na primeira oportunidade, uma vez eleita, Dilma trai Lula!"
Mais alguns dias e teremos sobrevivido a todos esses prognósticos fracassados. Nem Dilma tem governado o Brasil como se fosse um poste, uma marionete, nem passa-nos a impressão, por mais leve que seja, de que para espirrar necessita de prévia autorização de seu antecessor no terceiro andar do Palácio do Planalto. Também nenhum de seus atos de governo, não obstante a torcida da grande imprensa para que tal ocorresse, nos autoriza a pensar em uma traição da presidenta ao ex-presidente.
Nesses quase 100 dias de 2011, o Brasil governado por uma mulher não foi para o limbo por tantos aventado, esperado, anunciado. A presidenta anunciou logo de partida um possível corte de formidáveis R$ 50 bilhões no Orçamento da União. Desancou o governo de Mahmoud Ahmadinejad logo em sua primeira entrevista à imprensa internacional: "Não apoio um governo que apedreja uma mulher". Referia-se à iraniana Sakineh Ashtiani.
Vendo as águas tragarem a precária infraestrutura da região serrana do Rio de Janeiro logo nas primeiras semanas de sua gestão, não pensou duas vezes, tomou um helicóptero, sobrevoou as áreas inundadas, destruídas, as casas soterradas, as vidas interrompidas e de pronto autorizou a imediata liberação de verbas para ajudar os infelizes sobreviventes da tragédia carioca.
Sinais de mudança
Montou um governo pra chamar de seu. Boa parte dos antigos colegas de ministérios nos anos Lula da Silva não voltou à Esplanada. Trouxe gente nova, como é o caso de Ana de Hollanda para a Cultura, evitou o fatiamento das estatais não entregando seu comando a partidos de sua base de sustentação. Pagou pra ver e viu. Assistiu à gritaria por um salário mínimo superior aos R$ 545,00 oferecidos por sua equipe econômica; não recuou, ao contrário, autorizou seus apoiadores no Congresso Nacional a levarem logo o tema a voto. Ganhou, e bem, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. E assim ficou conhecendo quem merecia e quem não merecia sua confiança nas duas Casas do Congresso.
Barack Obama veio ao Brasil e a presidenta o recebeu com elegância porém com firmeza, chegou mesmo a convidar os ex-presidentes para recepção ao colega americano nos belos salões do Itamaraty. Aceitaram o convite José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Luiz Inácio Lula da Silva, o único que o convidado chamou de "o cara", simplesmente não deu as caras. E ficou por isso mesmo, não obstante o esperneio da grande imprensa com "tamanha desfeita" para com o primeiro presidente negro a ocupar a Casa Branca.
Dilma diz e repete a quem quiser ouvir que a liberdade de imprensa é sagrada. E não fala isso para agradar a imprensa ou para lhe parecer meramente amistosa. A verdade é que a presidenta não se sente nem um pouco incomodada com as manhas e artimanhas da grande imprensa. Parece estar sempre a nos dizer que nossa grande imprensa "não fede nem cheira". E articulou com maestria para retirar da presidência da Vale, nosso principal portento empresarial na cena internacional, o economista Roger Agnelli, empresário queridinho da vasta maioria dos líderes da oposição e arrebatador da simpatia da totalidade de nossos comentaristas de política e economia, nos jornais e revistas, nas rádios e nos telejornais. Dilma bancou o nome de Tito Botelho Martins e o Bradesco e demais acionistas o referendaram. Simples assim.
A presidenta voltou também à carga na cena internacional. É que pela primeira vez em oito anos o Brasil votou – no dia 24/3/2011 – contra o Irã em um organismo da ONU, o Conselho de Direitos Humanos. O órgão aprovou por 22 votos a favor, 7 contra e 14 abstenções a designação de um relator especial para investigar denúncias de violações de direitos humanos no país persa. Trata-se de uma sinalização de mudança no governo Dilma Rousseff em relação ao de Lula, que vinha evitando críticas ao Irã. Desnecessário dizer que quem mais festejou a mudança do voto brasileiro foi nossa imprensa... afinal, estamos novamente ao lado dos "mocinhos", aqueles que controlam com mão de ferro o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O rumo e o remo
E como a imprensa se comportou nesses 100 dias? Foi o comportamento típico de quem espera cenários apocalípticos e, por um choque de realidade, se vê às voltas com uma normalidade política, econômica e institucional como há muito tempo não víamos no país. É que a grande imprensa jogou todas as suas fichas na certeza de que os temores (ou tremores?) da oposição demo-tucana iriam se concretizar com o avanço regular dos dias no calendário. E isso, com absoluta certeza, não aconteceu. É como se nossa grande imprensa não soubesse distinguir o que é propaganda política do que é realidade política. E também não soubesse separar até onde vai a militância política na imprensa e onde começa o verdadeiro trabalho jornalístico.
Os principais devaneios dessa imprensa se alternaram entre os seguintes blocos de temas principais:
1. Ruptura política (e quase) imediata da presidenta com o ex-presidente Lula;
2. Reconhecimento de uma herança pra lá de maldita nas contas públicas da União;
3. Formação de um ministério capenga, altamente fisiológico para atender ao imenso arco de alianças partidárias que lhe sustentaram a vitória na corrida para o Planalto.
Alheia à falta do que fazer de tantas editorias de Política, ressalte-se que ainda na segunda-feira (28/3), a presidenta Dilma voltou a afirmar que que "recebeu um país diferente, em condições de dar um salto maior ainda do que Lula conseguiu dar em seu primeiro mandato". E não ficou por aí: "Ele me legou essa herança e, tenham certeza, vou honrá-la".
Constatando que esse labirinto de ideias disparatadas não apresentariam no curto prazo qualquer porta de saída, a imprensa vistosa passou a semear diferenças entre o governo Lula e o governo Dilma. Foram generosos com Dilma ao louvar repetidas vezes sua discrição, seu jeito pouco afeito às câmeras, holofotes e microfones. E ressentidos ao tratar todo elogio à postura da presidenta como um petardo certeiro à postura do ex-presidente Lula. A pauta, o foco e o interesse dos colunistas da imprensa escrita – normalmente amparados nas marquises de O Estado de S.Paulo, a Folha de S.Paulo, O Globo, Veja e Época – tem sido o de elogiar a presidenta ao tempo em que trata de desmerecer seu antecessor no cargo. Um jogo de claro-escuro em que muitas vezes é apenas claro ou apenas escuro.
Não faltam colunistas se debatendo para encher suas colunas com algo que seja minimamente inteligente ou, na falta dessa qualidade, minimamente sensato. É o caso de Merval Pereira, que recentemente escreveu que "a presidenta Dilma Rousseff está acertando onde Lula havia errado e errando onde Lula havia acertado". Esta percepção de Pereira demonstra à larga a boa vontade com que nossa grande imprensa se esforça para oferecer uma cobertura equilibrada e justa à ocupante da Presidência da República.
Não há quem não veja a oposição ao governo Dilma Rousseff como desorientada, sem discurso, inábil e inapta para conduzir temas cruciais para o futuro do país como as reformas política, tributária e a nunca esquecida reforma previdenciária. E se não consegue se organizar ao menos para debater temas como esses, como imaginar que poderiam formar um contingente oposicionista bem qualificado para se opor às políticas de governo mantidas ou criadas por Dilma Rousseff?
Meu avô Venâncio Zacarias, velho líder salineiro, político calejado nos grotões do Rio Grande do Norte, diria que a oposição atual está "sem rumo e sem remo", e que nem "com o vento soprando a seu favor consegue seguir adiante". Sei não, a continuar nesse trote, a cobertura política do Planalto poderá deslocar muitos de seus vistosos colunistas para engrossar as editorias de Esportes, Mundo e Ecologia.
Partidos de oposição ao governo do ex-metalúrgico não economizaram em criar epítetos para rotular Dilma Rousseff. Chamá-la de "poste" virou lugar comum ao longo de 2010. Chamá-la de "marionete", de ser criada artificialmente no laboratório do ex-presidente Lula, pontuou os debates com os presidenciáveis no segundo semestre de 2010. Não faltou quem não arriscasse uma praga poderosa de que, uma vez eleita, não governaria por si mesma, estaria sempre à sombra de seu antecessor e criador.
No mesmo caminho, presidenciáveis com algum bom índice de intenção de votos nas pesquisas Ibope/Datafolha/Vox/Sensus, não hesitavam em lhe atribuir um caráter fraco. É de José Serra a sentença definitiva: "Na primeira oportunidade, uma vez eleita, Dilma trai Lula!"
Mais alguns dias e teremos sobrevivido a todos esses prognósticos fracassados. Nem Dilma tem governado o Brasil como se fosse um poste, uma marionete, nem passa-nos a impressão, por mais leve que seja, de que para espirrar necessita de prévia autorização de seu antecessor no terceiro andar do Palácio do Planalto. Também nenhum de seus atos de governo, não obstante a torcida da grande imprensa para que tal ocorresse, nos autoriza a pensar em uma traição da presidenta ao ex-presidente.
Nesses quase 100 dias de 2011, o Brasil governado por uma mulher não foi para o limbo por tantos aventado, esperado, anunciado. A presidenta anunciou logo de partida um possível corte de formidáveis R$ 50 bilhões no Orçamento da União. Desancou o governo de Mahmoud Ahmadinejad logo em sua primeira entrevista à imprensa internacional: "Não apoio um governo que apedreja uma mulher". Referia-se à iraniana Sakineh Ashtiani.
Vendo as águas tragarem a precária infraestrutura da região serrana do Rio de Janeiro logo nas primeiras semanas de sua gestão, não pensou duas vezes, tomou um helicóptero, sobrevoou as áreas inundadas, destruídas, as casas soterradas, as vidas interrompidas e de pronto autorizou a imediata liberação de verbas para ajudar os infelizes sobreviventes da tragédia carioca.
Sinais de mudança
Montou um governo pra chamar de seu. Boa parte dos antigos colegas de ministérios nos anos Lula da Silva não voltou à Esplanada. Trouxe gente nova, como é o caso de Ana de Hollanda para a Cultura, evitou o fatiamento das estatais não entregando seu comando a partidos de sua base de sustentação. Pagou pra ver e viu. Assistiu à gritaria por um salário mínimo superior aos R$ 545,00 oferecidos por sua equipe econômica; não recuou, ao contrário, autorizou seus apoiadores no Congresso Nacional a levarem logo o tema a voto. Ganhou, e bem, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. E assim ficou conhecendo quem merecia e quem não merecia sua confiança nas duas Casas do Congresso.
Barack Obama veio ao Brasil e a presidenta o recebeu com elegância porém com firmeza, chegou mesmo a convidar os ex-presidentes para recepção ao colega americano nos belos salões do Itamaraty. Aceitaram o convite José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Luiz Inácio Lula da Silva, o único que o convidado chamou de "o cara", simplesmente não deu as caras. E ficou por isso mesmo, não obstante o esperneio da grande imprensa com "tamanha desfeita" para com o primeiro presidente negro a ocupar a Casa Branca.
Dilma diz e repete a quem quiser ouvir que a liberdade de imprensa é sagrada. E não fala isso para agradar a imprensa ou para lhe parecer meramente amistosa. A verdade é que a presidenta não se sente nem um pouco incomodada com as manhas e artimanhas da grande imprensa. Parece estar sempre a nos dizer que nossa grande imprensa "não fede nem cheira". E articulou com maestria para retirar da presidência da Vale, nosso principal portento empresarial na cena internacional, o economista Roger Agnelli, empresário queridinho da vasta maioria dos líderes da oposição e arrebatador da simpatia da totalidade de nossos comentaristas de política e economia, nos jornais e revistas, nas rádios e nos telejornais. Dilma bancou o nome de Tito Botelho Martins e o Bradesco e demais acionistas o referendaram. Simples assim.
A presidenta voltou também à carga na cena internacional. É que pela primeira vez em oito anos o Brasil votou – no dia 24/3/2011 – contra o Irã em um organismo da ONU, o Conselho de Direitos Humanos. O órgão aprovou por 22 votos a favor, 7 contra e 14 abstenções a designação de um relator especial para investigar denúncias de violações de direitos humanos no país persa. Trata-se de uma sinalização de mudança no governo Dilma Rousseff em relação ao de Lula, que vinha evitando críticas ao Irã. Desnecessário dizer que quem mais festejou a mudança do voto brasileiro foi nossa imprensa... afinal, estamos novamente ao lado dos "mocinhos", aqueles que controlam com mão de ferro o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O rumo e o remo
E como a imprensa se comportou nesses 100 dias? Foi o comportamento típico de quem espera cenários apocalípticos e, por um choque de realidade, se vê às voltas com uma normalidade política, econômica e institucional como há muito tempo não víamos no país. É que a grande imprensa jogou todas as suas fichas na certeza de que os temores (ou tremores?) da oposição demo-tucana iriam se concretizar com o avanço regular dos dias no calendário. E isso, com absoluta certeza, não aconteceu. É como se nossa grande imprensa não soubesse distinguir o que é propaganda política do que é realidade política. E também não soubesse separar até onde vai a militância política na imprensa e onde começa o verdadeiro trabalho jornalístico.
Os principais devaneios dessa imprensa se alternaram entre os seguintes blocos de temas principais:
1. Ruptura política (e quase) imediata da presidenta com o ex-presidente Lula;
2. Reconhecimento de uma herança pra lá de maldita nas contas públicas da União;
3. Formação de um ministério capenga, altamente fisiológico para atender ao imenso arco de alianças partidárias que lhe sustentaram a vitória na corrida para o Planalto.
Alheia à falta do que fazer de tantas editorias de Política, ressalte-se que ainda na segunda-feira (28/3), a presidenta Dilma voltou a afirmar que que "recebeu um país diferente, em condições de dar um salto maior ainda do que Lula conseguiu dar em seu primeiro mandato". E não ficou por aí: "Ele me legou essa herança e, tenham certeza, vou honrá-la".
Constatando que esse labirinto de ideias disparatadas não apresentariam no curto prazo qualquer porta de saída, a imprensa vistosa passou a semear diferenças entre o governo Lula e o governo Dilma. Foram generosos com Dilma ao louvar repetidas vezes sua discrição, seu jeito pouco afeito às câmeras, holofotes e microfones. E ressentidos ao tratar todo elogio à postura da presidenta como um petardo certeiro à postura do ex-presidente Lula. A pauta, o foco e o interesse dos colunistas da imprensa escrita – normalmente amparados nas marquises de O Estado de S.Paulo, a Folha de S.Paulo, O Globo, Veja e Época – tem sido o de elogiar a presidenta ao tempo em que trata de desmerecer seu antecessor no cargo. Um jogo de claro-escuro em que muitas vezes é apenas claro ou apenas escuro.
Não faltam colunistas se debatendo para encher suas colunas com algo que seja minimamente inteligente ou, na falta dessa qualidade, minimamente sensato. É o caso de Merval Pereira, que recentemente escreveu que "a presidenta Dilma Rousseff está acertando onde Lula havia errado e errando onde Lula havia acertado". Esta percepção de Pereira demonstra à larga a boa vontade com que nossa grande imprensa se esforça para oferecer uma cobertura equilibrada e justa à ocupante da Presidência da República.
Não há quem não veja a oposição ao governo Dilma Rousseff como desorientada, sem discurso, inábil e inapta para conduzir temas cruciais para o futuro do país como as reformas política, tributária e a nunca esquecida reforma previdenciária. E se não consegue se organizar ao menos para debater temas como esses, como imaginar que poderiam formar um contingente oposicionista bem qualificado para se opor às políticas de governo mantidas ou criadas por Dilma Rousseff?
Meu avô Venâncio Zacarias, velho líder salineiro, político calejado nos grotões do Rio Grande do Norte, diria que a oposição atual está "sem rumo e sem remo", e que nem "com o vento soprando a seu favor consegue seguir adiante". Sei não, a continuar nesse trote, a cobertura política do Planalto poderá deslocar muitos de seus vistosos colunistas para engrossar as editorias de Esportes, Mundo e Ecologia.
Os retrocessos na comunicação do Pará
Reproduzo artigo de Marcos Urupá, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:
Em dezembro de 2009, o Brasil viveu um momento histórico: acontecia a primeira Conferência Nacional de Comunicação, capitaneada pelo governo federal.
Demanda histórica da sociedade civil que defende a democratização da comunicação, e mesmo com suas atipicidades, a I Confecom foi um momento marcante, onde a comunicação ganhava relevância e ocupava de maneira institucionalizada as pautas políticas dos estados e do país.
Quando foi anunciada pelo presidente Lula, durante o Fórum Social Mundial que aconteceu em janeiro de 2009 em Belém, todos da sociedade civil brasileira já aguardavam os comportamentos dos estados para a convocação das etapas estaduais.
Em abril de 2009, saiu o decreto que convocava oficialmente a I Conferência Nacional de Comunicação, e colocava aos poderes executivos dos estados a convocação das etapas estaduais.
É importante ressaltar que mesmo antes de Lula anunciar a Confecom durante o Fórum Social Mundial, o governo do Pará, através da Secom – Secretaria de Comunicação, já fazia o debate sobre a Conferência de Comunicação. A Diretoria de Comunicação Popular da recém criada Secretaria já tinha a preocupação de debater com a sociedade uma política de comunicação tanto para o estado quanto para país.
Até o final do prazo para a convocação da realização das etapas estaduais, apenas o governo do Pará havia convocado oficialmente a sociedade civil para debater os rumos da comunicação no Brasil. No estado de São Paulo, por exemplo, governado pelo PSDB, a etapa estadual foi convocada pela Assembleia Legislativa.
Durante todo o ano de 2009, todos estavam voltados para o debate sobre a comunicação. E a criação da Secom veio fortalecer a proposta, já encabeçada a tempos pelo governo federal, de criação de uma política de comunicação para o estado do pará e fortalecer o debate que já acontecia no Brasil, com ampla participação da sociedade.
Pois bem....Depois de todo esse acúmulo, o que temos hoje? Já se passam cerca de 90 dias de governo no Pará e não se tem nenhuma manifestação sobre o assunto.
Até o momento, o atual secretário e sua diretoria não se manifestaram sobre as resoluções tiradas na Conferência Estadual de Comunicação, muito menos sobre a possibilidade de criação de um grupo para discutir o Conselho Estadual de Comunicação.
Observa-se a Secom-Pa completamente desconectada dos debates sobre a política de comunicação brasileira. Isso reflete um retrocesso na política de comunicação no Pará.
Creio que a atual gestão ainda não compreendeu o real papel da Secretaria de Comunicação. Ou então, tenta desviá-la da sua principal finalidade. Ações como a expansão do sinal da da TV Cultura (que diga-se de passagem, foi a única proposta de uma TV Pública estadual aprovada em GT na Conferência Nacional), a retomada da Rádio Cultura OT, o NavegaPará, o fortalecimento do diálogo com a sociedade, a criação do Conselho Curador da Funtelpa, etc...Não podem ser simplesmente abandonadas.
Ao mesmo tempo, observa-se uma ausência do Pará nos principais debates sobre a comunicação que afloram no Brasil tais como a nova Lei do FUST – Fundo de Universalização do Sistema de Telecomunicações, o PNBL – Plano Nacional de Banda Larga, o novo marco regulatório para a comunicação no Brasil, e as concepções e premissas do sistema público de comunicação.
É inadmissível o retrocesso dos avanços alcançados nesta área até aqui. Cabe à sociedade ficar atenta e não deixar cair no esquecimento todo o avanço que o estado do Pará teve na área da política de comunicação.
* Marcos Urupá é jornalista, advogado e associado do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Em dezembro de 2009, o Brasil viveu um momento histórico: acontecia a primeira Conferência Nacional de Comunicação, capitaneada pelo governo federal.
Demanda histórica da sociedade civil que defende a democratização da comunicação, e mesmo com suas atipicidades, a I Confecom foi um momento marcante, onde a comunicação ganhava relevância e ocupava de maneira institucionalizada as pautas políticas dos estados e do país.
Quando foi anunciada pelo presidente Lula, durante o Fórum Social Mundial que aconteceu em janeiro de 2009 em Belém, todos da sociedade civil brasileira já aguardavam os comportamentos dos estados para a convocação das etapas estaduais.
Em abril de 2009, saiu o decreto que convocava oficialmente a I Conferência Nacional de Comunicação, e colocava aos poderes executivos dos estados a convocação das etapas estaduais.
É importante ressaltar que mesmo antes de Lula anunciar a Confecom durante o Fórum Social Mundial, o governo do Pará, através da Secom – Secretaria de Comunicação, já fazia o debate sobre a Conferência de Comunicação. A Diretoria de Comunicação Popular da recém criada Secretaria já tinha a preocupação de debater com a sociedade uma política de comunicação tanto para o estado quanto para país.
Até o final do prazo para a convocação da realização das etapas estaduais, apenas o governo do Pará havia convocado oficialmente a sociedade civil para debater os rumos da comunicação no Brasil. No estado de São Paulo, por exemplo, governado pelo PSDB, a etapa estadual foi convocada pela Assembleia Legislativa.
Durante todo o ano de 2009, todos estavam voltados para o debate sobre a comunicação. E a criação da Secom veio fortalecer a proposta, já encabeçada a tempos pelo governo federal, de criação de uma política de comunicação para o estado do pará e fortalecer o debate que já acontecia no Brasil, com ampla participação da sociedade.
Pois bem....Depois de todo esse acúmulo, o que temos hoje? Já se passam cerca de 90 dias de governo no Pará e não se tem nenhuma manifestação sobre o assunto.
Até o momento, o atual secretário e sua diretoria não se manifestaram sobre as resoluções tiradas na Conferência Estadual de Comunicação, muito menos sobre a possibilidade de criação de um grupo para discutir o Conselho Estadual de Comunicação.
Observa-se a Secom-Pa completamente desconectada dos debates sobre a política de comunicação brasileira. Isso reflete um retrocesso na política de comunicação no Pará.
Creio que a atual gestão ainda não compreendeu o real papel da Secretaria de Comunicação. Ou então, tenta desviá-la da sua principal finalidade. Ações como a expansão do sinal da da TV Cultura (que diga-se de passagem, foi a única proposta de uma TV Pública estadual aprovada em GT na Conferência Nacional), a retomada da Rádio Cultura OT, o NavegaPará, o fortalecimento do diálogo com a sociedade, a criação do Conselho Curador da Funtelpa, etc...Não podem ser simplesmente abandonadas.
Ao mesmo tempo, observa-se uma ausência do Pará nos principais debates sobre a comunicação que afloram no Brasil tais como a nova Lei do FUST – Fundo de Universalização do Sistema de Telecomunicações, o PNBL – Plano Nacional de Banda Larga, o novo marco regulatório para a comunicação no Brasil, e as concepções e premissas do sistema público de comunicação.
É inadmissível o retrocesso dos avanços alcançados nesta área até aqui. Cabe à sociedade ficar atenta e não deixar cair no esquecimento todo o avanço que o estado do Pará teve na área da política de comunicação.
* Marcos Urupá é jornalista, advogado e associado do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Bradley e os direitos humanos nos EUA
Reproduzo nota publicada no sítio Resistir:
O soldado Bradley Manning — acusado de transmitir documentos à WikiLeaks — foi declarado "inimigo" dos Estados Unidos.
As altas patentes americanas consideram um crime denunciar os crimes da sua tropa e ele será submetido a julgamento em tribunal militar.
Desde Agosto de 2010 está encerrado numa cela de 3 x 2 metros, sem luz natural, durante 23 horas por dia.
Até agora podia estar vestido na sua cela, mas o regime foi agravado e doravante tem de permanecer nu.
O fascismo estado-unidense tem desses requintes.
O soldado Bradley Manning — acusado de transmitir documentos à WikiLeaks — foi declarado "inimigo" dos Estados Unidos.
As altas patentes americanas consideram um crime denunciar os crimes da sua tropa e ele será submetido a julgamento em tribunal militar.
Desde Agosto de 2010 está encerrado numa cela de 3 x 2 metros, sem luz natural, durante 23 horas por dia.
Até agora podia estar vestido na sua cela, mas o regime foi agravado e doravante tem de permanecer nu.
O fascismo estado-unidense tem desses requintes.
Bolsonaro: cepa de 64 segue viva em 2011
Reproduzo artigo de Saul Leblon, publicado no sítio Carta Maior:
Não deve ser negligenciada a coincidência entre o aniversário dos 47 anos do golpe militar de 1964 e o vomitório homofóbico-racista despejado pelo deputado Jair Bolsonaro (PP), nas últimas semanas.
Em entrevistas e declarações a diferentes veículos, ele adicionou mais algumas pérolas a sua robusta coleção de ataques aos direitos humanos, cujo usufruto, na visão sombria de mundo desse ex-capitão reformado do Exército brasileiro, deveria ser vetado aos negros, aos homossexuais, os índios, os comunistas, socialistas, os pobres e, possivelmente, também, aos deficientes físicos.
Bolsonaro tinha apenas 12 anos de idade quando ocorreu o golpe que instaurou a ditadura militar de 1964. Mas sua formação na Academia de Agulhas Negras ocorreu exatamente durante os anos de chumbo, tendo deixado a carreira em 1988 (fim do regime) para se transformar no único parlamentar brasileiro que defende abertamente o golpe de abril de 1964.
Bolsonaro tem sido tratado pela mídia conservadora como uma excrescência. Um ponto fora da curva. Um excesso. Um palavrão deselegante na narrativa garbosa do conservadorismo nativo em nosso tempo. De fato, o deputado professa de forma desabrida e truculenta um relicário de anticomunismo, racismo, elitismo, defesa da tortura (hoje em interrogatório de presos comuns...) e mesmo da pena de morte.
Assim apresentado, parece mais uma caricatura inofensiva do folclore político nacional. Um Tiririca da Tortura. Será?
Em primeiro lugar, cumpre reconhecer que o ex-capitão exerce o seu 6º mandato. Logo, tem adeptos fiéis. Conta com financiadores perseverantes. Ademais, vocaliza alinhamentos nada exóticos em relação a outros temas, quando recebe menos espaço na mídia, mas cumpre igual papel de perfilar entre os que erguem pontes de atualização do programa e dos interesses que produziram 1964.
Vejamos. Bolsonaro, a exemplo de próceres da coalizão demotucana (caso do senador Agripino Maia, hoje presidente dos Demos e de Artur Virgílio, ex-lider do PSDB) é esfericamentre contra o programa Bolsa Família, que garante uma transferencia de renda a 50 milhões de brasileiros mais pobres.
No seu entender, trata-se, aspas para o capitão: “um projeto assistencialista, de dinheiro de quem trabalha, de quem tem vergonha na cara, para quem está acostumado à ociosidade”. Vamos falar sério. O linguajar pedestre condensa para o nível da caserna aquilo que sofisticados economistas e ‘consultores’ dos mercados financeiros apregoam diariamente como plataforma para a racionalização do capitalismo tupiniquim. Como tal são incensados pelos colunistas, editorialistas e ventríloquos instalados na mídia conservadora que cumprem assim a função de trazer para o ambiente do século XXI aquilo que foi cimentado pelo udenismo, pela repressão e pela censura nos anos de chumbo, aqui e alhures.
Na campanha presidencial de 2010, certos alinhamentos ganharam vertiginosa transparência como acontece sempre que se decide o passo seguinte da história.
Enquanto o jornal Folha de São Paulo e o candidato Serra tentavam sedimentar uma imagem de terrorista e abortista para a então candidata Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro, com a rude transparência daqueles a quem é reservado o trabalho dos porões, foi aos finalmentes.
Num comício de Dilma no Rio, o parlamentar pendurou três faixas em postes da Cinelândia. "Dilma, ficha suja de sangue"; "Dilma, cadê os 2,5 milhões de dólares roubados do cofre do Adhemar” e "Lula, vá para o Mobral. Dilma, para o Bangu Um".
Na verdade, o homofóbico deputado apenas fazia uma suíte, a seu modo, da ficha falsa de Dilma construída pela Folha de SP em mais uma demonstração do jornalismo isento...(e que até hoje não se retratou).
Dava incômodos decibéis, igualmente, ao empenho da esposa do tucano José Serra, a bailarina Mônica Serra, que em corpo-a-corpo na Baixada Fluminense, em 14 de novembro de 2010, vociferou autoritariamente ao vendedor ambulante Edgar da Silva, de 73 anos: "Ela é a favor de matar as criancinhas", insinuando o apoio de Dilma à legalização do aborto. Seria cansativo rememorar outros alinhamentos do período expressos, por exemplo, por setores de extrema direita da Igreja Católica e por ‘jovens’ revelações dessa mesma cepa ideológica, como o candidato a vice de José Serra, Índio da Costa, um bolsanarinho versão ‘mauricinho carioca’.
Bolsonaros, Fleurys, Erasmos Dias, Curiós, Virgílios, Agripinos, Rodrigos Maia, ACMs netos, Índios da Costa e Carlos Lacerdas nunca prosperam num vazio de conteúdo histórico. Em certos momentos, como agora, incomodam à elite conservadora ao personificarem com alarido e crueza as linhas de passagem que promovem o aggiornamento, para os dias atuais, dos interesses e valores que fizeram o golpe de 32 em SP; o golpismo que levou Getúlio ao suicídio em 54, a tentativa de impedir a posse de JK em 56, a quartelada contra a posse de Jango em 62, a ditadura 64 e a tentativa de impeachment de Lula em 2005.
Mas assim como as tardes quentes do turfe requisitam chapéus esvoaçantes e blazers de linho delicado, também é forçoso cevar e tolerar os relinchos dos potros selvagens nas estrebarias. É dessa cepa que sairão as manadas decisivas para limpar e ocupar o terreno quando for a hora, de novo.
Não deve ser negligenciada a coincidência entre o aniversário dos 47 anos do golpe militar de 1964 e o vomitório homofóbico-racista despejado pelo deputado Jair Bolsonaro (PP), nas últimas semanas.
Em entrevistas e declarações a diferentes veículos, ele adicionou mais algumas pérolas a sua robusta coleção de ataques aos direitos humanos, cujo usufruto, na visão sombria de mundo desse ex-capitão reformado do Exército brasileiro, deveria ser vetado aos negros, aos homossexuais, os índios, os comunistas, socialistas, os pobres e, possivelmente, também, aos deficientes físicos.
Bolsonaro tinha apenas 12 anos de idade quando ocorreu o golpe que instaurou a ditadura militar de 1964. Mas sua formação na Academia de Agulhas Negras ocorreu exatamente durante os anos de chumbo, tendo deixado a carreira em 1988 (fim do regime) para se transformar no único parlamentar brasileiro que defende abertamente o golpe de abril de 1964.
Bolsonaro tem sido tratado pela mídia conservadora como uma excrescência. Um ponto fora da curva. Um excesso. Um palavrão deselegante na narrativa garbosa do conservadorismo nativo em nosso tempo. De fato, o deputado professa de forma desabrida e truculenta um relicário de anticomunismo, racismo, elitismo, defesa da tortura (hoje em interrogatório de presos comuns...) e mesmo da pena de morte.
Assim apresentado, parece mais uma caricatura inofensiva do folclore político nacional. Um Tiririca da Tortura. Será?
Em primeiro lugar, cumpre reconhecer que o ex-capitão exerce o seu 6º mandato. Logo, tem adeptos fiéis. Conta com financiadores perseverantes. Ademais, vocaliza alinhamentos nada exóticos em relação a outros temas, quando recebe menos espaço na mídia, mas cumpre igual papel de perfilar entre os que erguem pontes de atualização do programa e dos interesses que produziram 1964.
Vejamos. Bolsonaro, a exemplo de próceres da coalizão demotucana (caso do senador Agripino Maia, hoje presidente dos Demos e de Artur Virgílio, ex-lider do PSDB) é esfericamentre contra o programa Bolsa Família, que garante uma transferencia de renda a 50 milhões de brasileiros mais pobres.
No seu entender, trata-se, aspas para o capitão: “um projeto assistencialista, de dinheiro de quem trabalha, de quem tem vergonha na cara, para quem está acostumado à ociosidade”. Vamos falar sério. O linguajar pedestre condensa para o nível da caserna aquilo que sofisticados economistas e ‘consultores’ dos mercados financeiros apregoam diariamente como plataforma para a racionalização do capitalismo tupiniquim. Como tal são incensados pelos colunistas, editorialistas e ventríloquos instalados na mídia conservadora que cumprem assim a função de trazer para o ambiente do século XXI aquilo que foi cimentado pelo udenismo, pela repressão e pela censura nos anos de chumbo, aqui e alhures.
Na campanha presidencial de 2010, certos alinhamentos ganharam vertiginosa transparência como acontece sempre que se decide o passo seguinte da história.
Enquanto o jornal Folha de São Paulo e o candidato Serra tentavam sedimentar uma imagem de terrorista e abortista para a então candidata Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro, com a rude transparência daqueles a quem é reservado o trabalho dos porões, foi aos finalmentes.
Num comício de Dilma no Rio, o parlamentar pendurou três faixas em postes da Cinelândia. "Dilma, ficha suja de sangue"; "Dilma, cadê os 2,5 milhões de dólares roubados do cofre do Adhemar” e "Lula, vá para o Mobral. Dilma, para o Bangu Um".
Na verdade, o homofóbico deputado apenas fazia uma suíte, a seu modo, da ficha falsa de Dilma construída pela Folha de SP em mais uma demonstração do jornalismo isento...(e que até hoje não se retratou).
Dava incômodos decibéis, igualmente, ao empenho da esposa do tucano José Serra, a bailarina Mônica Serra, que em corpo-a-corpo na Baixada Fluminense, em 14 de novembro de 2010, vociferou autoritariamente ao vendedor ambulante Edgar da Silva, de 73 anos: "Ela é a favor de matar as criancinhas", insinuando o apoio de Dilma à legalização do aborto. Seria cansativo rememorar outros alinhamentos do período expressos, por exemplo, por setores de extrema direita da Igreja Católica e por ‘jovens’ revelações dessa mesma cepa ideológica, como o candidato a vice de José Serra, Índio da Costa, um bolsanarinho versão ‘mauricinho carioca’.
Bolsonaros, Fleurys, Erasmos Dias, Curiós, Virgílios, Agripinos, Rodrigos Maia, ACMs netos, Índios da Costa e Carlos Lacerdas nunca prosperam num vazio de conteúdo histórico. Em certos momentos, como agora, incomodam à elite conservadora ao personificarem com alarido e crueza as linhas de passagem que promovem o aggiornamento, para os dias atuais, dos interesses e valores que fizeram o golpe de 32 em SP; o golpismo que levou Getúlio ao suicídio em 54, a tentativa de impedir a posse de JK em 56, a quartelada contra a posse de Jango em 62, a ditadura 64 e a tentativa de impeachment de Lula em 2005.
Mas assim como as tardes quentes do turfe requisitam chapéus esvoaçantes e blazers de linho delicado, também é forçoso cevar e tolerar os relinchos dos potros selvagens nas estrebarias. É dessa cepa que sairão as manadas decisivas para limpar e ocupar o terreno quando for a hora, de novo.
As revoltas efervescentes nos EUA
Reproduzo entrevista concedida ao jornalista Eduardo Campos Lima, publicada no sítio do jornal Brasil de Fato:
Em uma cidade com 230 mil habitantes, manifestações de trabalhadores têm reunido multidões de mais de 100 mil pessoas, como a corrida no dia 12. Pelas ruas de Madison, capital do estado estadunidense de Wisconsin, marcham funcionários públicos sindicalizados e não-sindicalizados, muitos deles policiais, bombeiros e funcionários de presídios. Familiares e amigos solidarizam- se e unem-se aos protestos, que terminam em frente ao Capitólio, sede dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo do estado.
A revolta começou quando o governador Scott Walker, do Partido Republicano, anunciou, no começo de fevereiro, o plano de aprovar uma lei que proíbe negociações coletivas para funcionários públicos do estado, dos condados e dos municípios, aumenta os descontos sobre seus salários para custeio de plano de saúde e aposentadoria, além de possibilitar que o governo demita grevistas declarando “estado de emergência”.
Apesar da onda de manifestações, os republicanos mantiveram-se firmes no intento de aprovar a lei no Senado estadual. Um grupo de 14 senadores democratas, tentando evitar a votação por falta do quórum mínimo de dois terços, deixou o estado e foi para o Illinois. Entretanto, os republicanos também manobraram: como apenas projetos de lei relacionados a assuntos fiscais exigem o quórum mínimo, eles removeram do texto medidas fiscais e puderam aprová-lo sem grandes mudanças em seu espírito original.
A entrevista a seguir, com Paul Buhle, professor aposentado da Universidade Brown, em Rhode Island, trata dos enormes protestos em Wisconsin, onde ele mora e atua como militante, e da história do movimento operário estadunidense.
O que detonou o movimento em Madison?
Curiosamente, importantes membros do Partido Democrata recusaram-se, na “sessão lame duck” [“sessão pato manco”, expressão utilizada para se referir à reunião do legislativo que ocorre após as eleições parlamentares], a estender os acordos de negociação coletiva com os funcionários estaduais do Wisconsin, de maneira a não deixar o governador eleito de mãos atadas. Assim, quando o governador Scott Walker deu prosseguimento à efetivação de seus planos, com a eliminação por lei das negociações coletivas, os democratas se chocaram. Os 14 senadores estaduais que deixaram o estado, para impedir a votação, deram “espaço” para as ações que se iniciaram. A resposta popular foi quase espontânea, definitivamente esmagadora e incluiu grandes números de policiais, funcionários de presídios, bombeiros e outros que, normalmente, não estariam presentes em tais atividades.
Por que os protestos têm congregado tantas pessoas?
Madison é um centro histórico de atividades progressistas, desde pelo menos 1900 e até mesmo antes disso (com voluntários noruegueses e alemães que serviram na Guerra Civil para combater a escravidão, ativistas dos direitos da mulher e do voto feminino etc.). Madison gerou um vigoroso movimento antiguerra e, de tempos em tempos, muitos outros movimentos menores. A prevalência de funcionários públicos de todas as categorias encoraja funcionários do setor de saúde, professores e muitos outros a participar. Muitos habitantes têm maridos, esposas e vizinhos que são funcionários do Estado.
Trata-se de uma onde de protestos espontânea? Quão organizados estão os sindicatos e partidos de esquerda e como eles estão se relacionando com esse movimento?
Sindicatos normalmente fleumáticos têm feito um grande trabalho. A Associação de Assistentes de Professores da Universidade do Wisconsin (fui membro fundador de seu primeiro contrato de sucesso, em 1970), sempre vigorosa, desempenhou um papel central na logística, por toda parte. A esquerda é uma esquerda não-partidária ou pós-partidária, havendo milhares em Madison que podem ter passado por vários grupos socialistas (ou comunistas) no passado; superam em número, de longe, veteranos da Nova Esquerda, agora velhos,por ativistas em políticas locais, e por aí vai. O simbolismo pesa mais do que a organização, dentro da esquerda: símbolos do sindicalismo da Industrial Workers of the World [Industriais do Mundo, sindicato industrial fundado em 1905] estão por toda parte, embora o grupo mal exista. Partidos leninistas têm muito poucos seguidores.
Trabalhadores de outros estados estão enfrentando os mesmos problemas. Há alguma perspectiva de as manifestações e a radicalização crescerem nacionalmente?
Em Indiana, os líderes da AFL-CIO [união das duas maiores centrais sindicais estadunidenses] transportaram, em ônibus, milhares de trabalhadores da parte industrializada do estado para Indianápolis, a capital, insistiram que votassem nos democratas na próxima vez e os transportaram de volta para casa. O ímpeto do momento se esgotou. É preciso esperar para ver a situação em outros estados.
Os democratas, em outros lugares, apresentam pouca vontade de mobilizar por qualquer outra razão que não seja preparar sua própria eleição, e poucos democratas (como o congressista Dennis Kucinich) declararam apoio ao movimento de Madison. Barack Obama, de forma contundente, não declarou, ou melhor, sua afirmação foi tão fraca de modo a não ser encorajadora, de modo algum: ele queria que fôssemos embora e ficássemos quietos.
No mês passado, o presidente Obama acusou Walker de desencadear um “assalto” aos sindicatos". Mas antes, em janeiro, havia dito, sobre seu próprio governo: “Temos que encarar o fato de que nosso governo gasta mais do que recebe. Isso não é sustentável”. Tanto republicanos como democratas são igualmente inimigos da classe trabalhadora dos EUA?
Pouco antes de o drama de Wisconsin começar, os democratas juntaram-se aos republicanos para apoiar isenções de impostos a empresas no estado. Incapazes de imaginar uma transferência de fundos das Forças Armadas, ou uma reversão de isenções de impostos a empresas em nível estadual, os democratas só podem clamar por menores salários e benefícios, menos assistência para os pobres e por aí vai. Eles podem ser impelidos para uma trilha mais progressista. Mas isso ainda não aconteceu.
Muitos estão estabelecendo conexões entre os eventos no Egito, Tunísia e Líbia e os protestos em Wisconsin. Você vê semelhanças?
As pessoas em Madison fizeram a “Conexão Cairo” imediatamente e a sentiram de maneira profunda. Pizzas foram compradas por um ativista egípcio (provavelmente aluno da Universidade de Wisconsin) para nossos manifestantes; e muitos sinais de solidariedade puderam ser vistos. Sim, nós acreditamos que somos parte de um movimento universal.
Por que as lutas da esquerda nunca tiveram sucesso por muito tempo nos EUA?
A quantidade de membros do Partido Comunista atingiu o ponto máximo de 85 mil (os socialistas, antes da supressão entre 1917 e 1921, chegaram a 100 mil), com uma quantidade de seguidores de talvez um milhão de pessoas. Foi um partido pequeno, em relação aos partidos europeus, sendo comparável, talvez, ao Partido Comunista do Reino Unido. Movimentos anarquistas, na verdade movimentos sindicais (o Industrial Workers of the World), desapareceram gradualmente depois de 1920. Movimentos da Nova Esquerda, influenciados pelo sindicalismo e por aspectos do marxismo, não eram bem organizados, mas o Students for a Democratic Society [Estudantes por uma Sociedade Democrática, organização- chave do movimento estudantil nos anos 1960] teve 100 mil seguidores em 1968-69 (quando rachou e entrou em colapso).
A esquerda estadunidense nunca teve muito poder permanente. Membros vêm e vão em ritmo veloz, algo que foi percebido já em 1880. A mobilidade de localização e remuneração é crucial, aqui, como fator desestabilizante. O fator esmagador, contudo, é o poder do capital. Os movimentos levantam- se repentinamente, e são destruídos; seus participantes seguem para outras coisas na vida.
Quais foram, historicamente, as piores dificuldades enfrentadas pelo movimento operário estadunidense?
O poder concentrado do capital para agir sobre uma classe trabalhadora cindida por etnia, raça e geografia foi catastrófico para a solidariedade operária. Mas o poder das agências de inteligência de penetrar e colaborar com os níveis mais altos da organização do trabalho também é um fator. O Império reserva grandes vantagens para o setor mais bem pago do operariado no mundo, especialmente para seus líderes organizativos. O emprego na indústria militarista eleva setores da classe trabalhadora e estimula um conservadorismo extremado. E, agora, desde o colapso do comunismo, as empresas não observam barreiras às reduções salariais e ao agravamento das condições de trabalho. Os benefícios com que contavam os líderes trabalhistas conservadores se provaram falsos (conforme nós sabíamos que se provariam).
Você tem sido um militante ativo desde os anos de 1960. Quais foram os momentos de mais esperança que você vivenciou?
O atual movimento é o mais importante desde os anos 1960 e da Nova Esquerda. É muito diferente (demograficamente, em especial), não é “revolucionário” – nenhum de seus participantes assim alega ou ambiciona – mas é enorme e talvez tenha influência suficiente para encorajar atividades semelhantes por toda a América do Norte.
Você considera que há elementos na realidade atual apontando para a possibilidade de uma revolução nos EUA?
Não há espírito ou sensibilidade “pré-revolucionária”. Mas há uma grande expectativa de que algo pode estar se inclinando contra o capital. As consequências são imprevisíveis.
*****
Quem é:
Paul Buhle é um ativista de movimentos sociais desde a década de 1960, quando se engajou na luta pelos direitos civis. Em suas pesquisas, estudou os movimentos operário, pacifista, ambientalista e pelos direitos civis, além de questões ligadas a culturas alternativas. Entre os livros que publicou estão Marxism in the United States: Remmaping the History of the American Left (Marxismo nos Estados Unidos: Remapeando a História da Esquerda Americana) e Encyclopedia of the American Left (Enciclopédia da Esquerda Americana).
Em uma cidade com 230 mil habitantes, manifestações de trabalhadores têm reunido multidões de mais de 100 mil pessoas, como a corrida no dia 12. Pelas ruas de Madison, capital do estado estadunidense de Wisconsin, marcham funcionários públicos sindicalizados e não-sindicalizados, muitos deles policiais, bombeiros e funcionários de presídios. Familiares e amigos solidarizam- se e unem-se aos protestos, que terminam em frente ao Capitólio, sede dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo do estado.
A revolta começou quando o governador Scott Walker, do Partido Republicano, anunciou, no começo de fevereiro, o plano de aprovar uma lei que proíbe negociações coletivas para funcionários públicos do estado, dos condados e dos municípios, aumenta os descontos sobre seus salários para custeio de plano de saúde e aposentadoria, além de possibilitar que o governo demita grevistas declarando “estado de emergência”.
Apesar da onda de manifestações, os republicanos mantiveram-se firmes no intento de aprovar a lei no Senado estadual. Um grupo de 14 senadores democratas, tentando evitar a votação por falta do quórum mínimo de dois terços, deixou o estado e foi para o Illinois. Entretanto, os republicanos também manobraram: como apenas projetos de lei relacionados a assuntos fiscais exigem o quórum mínimo, eles removeram do texto medidas fiscais e puderam aprová-lo sem grandes mudanças em seu espírito original.
A entrevista a seguir, com Paul Buhle, professor aposentado da Universidade Brown, em Rhode Island, trata dos enormes protestos em Wisconsin, onde ele mora e atua como militante, e da história do movimento operário estadunidense.
O que detonou o movimento em Madison?
Curiosamente, importantes membros do Partido Democrata recusaram-se, na “sessão lame duck” [“sessão pato manco”, expressão utilizada para se referir à reunião do legislativo que ocorre após as eleições parlamentares], a estender os acordos de negociação coletiva com os funcionários estaduais do Wisconsin, de maneira a não deixar o governador eleito de mãos atadas. Assim, quando o governador Scott Walker deu prosseguimento à efetivação de seus planos, com a eliminação por lei das negociações coletivas, os democratas se chocaram. Os 14 senadores estaduais que deixaram o estado, para impedir a votação, deram “espaço” para as ações que se iniciaram. A resposta popular foi quase espontânea, definitivamente esmagadora e incluiu grandes números de policiais, funcionários de presídios, bombeiros e outros que, normalmente, não estariam presentes em tais atividades.
Por que os protestos têm congregado tantas pessoas?
Madison é um centro histórico de atividades progressistas, desde pelo menos 1900 e até mesmo antes disso (com voluntários noruegueses e alemães que serviram na Guerra Civil para combater a escravidão, ativistas dos direitos da mulher e do voto feminino etc.). Madison gerou um vigoroso movimento antiguerra e, de tempos em tempos, muitos outros movimentos menores. A prevalência de funcionários públicos de todas as categorias encoraja funcionários do setor de saúde, professores e muitos outros a participar. Muitos habitantes têm maridos, esposas e vizinhos que são funcionários do Estado.
Trata-se de uma onde de protestos espontânea? Quão organizados estão os sindicatos e partidos de esquerda e como eles estão se relacionando com esse movimento?
Sindicatos normalmente fleumáticos têm feito um grande trabalho. A Associação de Assistentes de Professores da Universidade do Wisconsin (fui membro fundador de seu primeiro contrato de sucesso, em 1970), sempre vigorosa, desempenhou um papel central na logística, por toda parte. A esquerda é uma esquerda não-partidária ou pós-partidária, havendo milhares em Madison que podem ter passado por vários grupos socialistas (ou comunistas) no passado; superam em número, de longe, veteranos da Nova Esquerda, agora velhos,por ativistas em políticas locais, e por aí vai. O simbolismo pesa mais do que a organização, dentro da esquerda: símbolos do sindicalismo da Industrial Workers of the World [Industriais do Mundo, sindicato industrial fundado em 1905] estão por toda parte, embora o grupo mal exista. Partidos leninistas têm muito poucos seguidores.
Trabalhadores de outros estados estão enfrentando os mesmos problemas. Há alguma perspectiva de as manifestações e a radicalização crescerem nacionalmente?
Em Indiana, os líderes da AFL-CIO [união das duas maiores centrais sindicais estadunidenses] transportaram, em ônibus, milhares de trabalhadores da parte industrializada do estado para Indianápolis, a capital, insistiram que votassem nos democratas na próxima vez e os transportaram de volta para casa. O ímpeto do momento se esgotou. É preciso esperar para ver a situação em outros estados.
Os democratas, em outros lugares, apresentam pouca vontade de mobilizar por qualquer outra razão que não seja preparar sua própria eleição, e poucos democratas (como o congressista Dennis Kucinich) declararam apoio ao movimento de Madison. Barack Obama, de forma contundente, não declarou, ou melhor, sua afirmação foi tão fraca de modo a não ser encorajadora, de modo algum: ele queria que fôssemos embora e ficássemos quietos.
No mês passado, o presidente Obama acusou Walker de desencadear um “assalto” aos sindicatos". Mas antes, em janeiro, havia dito, sobre seu próprio governo: “Temos que encarar o fato de que nosso governo gasta mais do que recebe. Isso não é sustentável”. Tanto republicanos como democratas são igualmente inimigos da classe trabalhadora dos EUA?
Pouco antes de o drama de Wisconsin começar, os democratas juntaram-se aos republicanos para apoiar isenções de impostos a empresas no estado. Incapazes de imaginar uma transferência de fundos das Forças Armadas, ou uma reversão de isenções de impostos a empresas em nível estadual, os democratas só podem clamar por menores salários e benefícios, menos assistência para os pobres e por aí vai. Eles podem ser impelidos para uma trilha mais progressista. Mas isso ainda não aconteceu.
Muitos estão estabelecendo conexões entre os eventos no Egito, Tunísia e Líbia e os protestos em Wisconsin. Você vê semelhanças?
As pessoas em Madison fizeram a “Conexão Cairo” imediatamente e a sentiram de maneira profunda. Pizzas foram compradas por um ativista egípcio (provavelmente aluno da Universidade de Wisconsin) para nossos manifestantes; e muitos sinais de solidariedade puderam ser vistos. Sim, nós acreditamos que somos parte de um movimento universal.
Por que as lutas da esquerda nunca tiveram sucesso por muito tempo nos EUA?
A quantidade de membros do Partido Comunista atingiu o ponto máximo de 85 mil (os socialistas, antes da supressão entre 1917 e 1921, chegaram a 100 mil), com uma quantidade de seguidores de talvez um milhão de pessoas. Foi um partido pequeno, em relação aos partidos europeus, sendo comparável, talvez, ao Partido Comunista do Reino Unido. Movimentos anarquistas, na verdade movimentos sindicais (o Industrial Workers of the World), desapareceram gradualmente depois de 1920. Movimentos da Nova Esquerda, influenciados pelo sindicalismo e por aspectos do marxismo, não eram bem organizados, mas o Students for a Democratic Society [Estudantes por uma Sociedade Democrática, organização- chave do movimento estudantil nos anos 1960] teve 100 mil seguidores em 1968-69 (quando rachou e entrou em colapso).
A esquerda estadunidense nunca teve muito poder permanente. Membros vêm e vão em ritmo veloz, algo que foi percebido já em 1880. A mobilidade de localização e remuneração é crucial, aqui, como fator desestabilizante. O fator esmagador, contudo, é o poder do capital. Os movimentos levantam- se repentinamente, e são destruídos; seus participantes seguem para outras coisas na vida.
Quais foram, historicamente, as piores dificuldades enfrentadas pelo movimento operário estadunidense?
O poder concentrado do capital para agir sobre uma classe trabalhadora cindida por etnia, raça e geografia foi catastrófico para a solidariedade operária. Mas o poder das agências de inteligência de penetrar e colaborar com os níveis mais altos da organização do trabalho também é um fator. O Império reserva grandes vantagens para o setor mais bem pago do operariado no mundo, especialmente para seus líderes organizativos. O emprego na indústria militarista eleva setores da classe trabalhadora e estimula um conservadorismo extremado. E, agora, desde o colapso do comunismo, as empresas não observam barreiras às reduções salariais e ao agravamento das condições de trabalho. Os benefícios com que contavam os líderes trabalhistas conservadores se provaram falsos (conforme nós sabíamos que se provariam).
Você tem sido um militante ativo desde os anos de 1960. Quais foram os momentos de mais esperança que você vivenciou?
O atual movimento é o mais importante desde os anos 1960 e da Nova Esquerda. É muito diferente (demograficamente, em especial), não é “revolucionário” – nenhum de seus participantes assim alega ou ambiciona – mas é enorme e talvez tenha influência suficiente para encorajar atividades semelhantes por toda a América do Norte.
Você considera que há elementos na realidade atual apontando para a possibilidade de uma revolução nos EUA?
Não há espírito ou sensibilidade “pré-revolucionária”. Mas há uma grande expectativa de que algo pode estar se inclinando contra o capital. As consequências são imprevisíveis.
*****
Quem é:
Paul Buhle é um ativista de movimentos sociais desde a década de 1960, quando se engajou na luta pelos direitos civis. Em suas pesquisas, estudou os movimentos operário, pacifista, ambientalista e pelos direitos civis, além de questões ligadas a culturas alternativas. Entre os livros que publicou estão Marxism in the United States: Remmaping the History of the American Left (Marxismo nos Estados Unidos: Remapeando a História da Esquerda Americana) e Encyclopedia of the American Left (Enciclopédia da Esquerda Americana).
Brasil e Irã: um passo atrás
Reproduzo artigo de Frei Betto, publicado no sítio da Adital:
Ao visitar nosso país, Obama pediu à presidente Dilma que o Brasil assinasse, como coautor, a resolução para o Conselho de Direitos Humanos da ONU investigar inúmeras denúncias de violações no Irã, atribuídas ao governo de Mahmoud Ahmadinejad.
Proposta pela Casa Branca, a resolução foi aprovada em Genebra, na quinta, 24∕3, por 22 votos – inclusive o do Brasil -, 7 contra e 14 abstenções.
A posição do governo Dilma contraria a do governo Lula. Este jamais se submeteu a Washington em matéria de política externa. Em novembro do ano passado, o Brasil se absteve ao votar resolução da Assembléia Geral da ONU condenando desrespeito aos direitos humanos no Irã.
A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, representante do nosso país no Conselho de Direitos Humanos da ONU, justificou seu voto, em nome do governo Dilma, alegando não se tratar de posição contrária ao Irã, e sim a favor dos direitos humanos. E negou ter sido barganha para o Brasil obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU – o que Dilma pediu a Obama e este respondeu apenas que ouvira com "apreço” e mais não disse...
Lula tinha duas razões para se abster de condenar o Irã. Entre os países árabes, é com a antiga Pérsia que o Brasil mantém maior fluxo comercial. Nos próximos cinco anos o intercâmbio entre os dois países pode atingir a elevada soma de US$ 10 bilhões.
A segunda razão é que Lula não vê moral no governo dos EUA para cobrar do Irã respeito aos direitos humanos e tentar impedir que o governo de Ahmadinejad faça uso pacífico da energia nuclear.
Por que EUA, Europa ocidental e Brasil podem fazê-lo e o Irã não? Porque as intenções deste país, diz a Casa Branca, são bélicas. Ao que Lula respondeu: Por que EUA, Israel, Índia, Paquistão e tantos países europeus podem ter armas nucleares e o Irã não? Ou se promove o desarmamento geral ou basta de cinismo...
Sou inteiramente a favor de se condenar violações de direitos humanos no Irã, onde os adeptos da religião Bahá’i são duramente perseguidos e a pena de morte por apedrejamento é legal. Porém, o Brasil não pode adotar posições dúbias em sua política internacional.
Se o governo Dilma pretende pautar sua política externa pelo tema dos direitos humanos, deve exigir da ONU investigar o país que mais comete violações: os EUA. Que o digam os iraquianos e os afegãos.
Obama perdeu uma rara oportunidade de, em sua visita ao Brasil, Chile e El Salvador, pedir desculpas a essas nações pelas ditaduras nelas implantadas, graças à Casa Branca, nas décadas de 60 e 70. Todas patrocinadas pela CIA e armadas pelo Pentágono.
Foram milhares de presos, exilados, mortos e desaparecidos, sem que o governo dos EUA dissesse uma única palavra de censura aos generais brasileiros, a Pinochet e aos Esquadrões da Morte que, em El Salvador, assassinaram, em março de 1980, monsenhor Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, e seis padres jesuítas, em novembro de 1989.
A presidente Dilma teria falado com Obama – que usou o Brasil como púlpito para decretar guerra contra a Líbia – sobre os cinco cubanos injustamente presos nos EUA desde 1998?
Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández, Ramon Labañino e René González viviam nos EUA para evitar atos terroristas contra Cuba, planejados em Miami. Graças aos cinco – cuja saga Fernando Morais descreve em livro a ser lançado nos próximos meses - cerca de 200 ações terroristas foram abortadas. No entanto, continuam em liberdade nos EUA os terroristas treinados pela CIA e que, nas últimas décadas, cometeram 681 ações contra Cuba, causando a morte de 3.478 crianças, mulheres e homens, e lesões irreparáveis em 2.099 pessoas.
Usar a base naval de Guantánamo em Cuba como cárcere clandestino de supostos terroristas muçulmanos não é violar os direitos humanos? Cadê a promessa de Obama de fechar aquele antro de perversidades? Obama haverá de incriminar Bush que, em sua autobiografia, admite ter autorizado torturas contra suspeitos de terrorismo? (Ver denúncia do "Washington Post” de 15∕10∕2008).
Obama destituirá das Forças Armadas os militares responsáveis por sequestros de muçulmanos suspeitos de terrorismo, transportados em vôos clandestinos através de aeroportos europeus? Obama levará ao banco dos réus os culpados, nos EUA, pela pratica de "waterboarding”, que consiste em submeter prisioneiros à simulação de afogamento?
E com que cara o Brasil fala em direitos humanos em outros países se aqui ocorrem cerca de 40 mil assassinatos por ano; a polícia civil de São Paulo acusa grupos de extermínio formados por PMs de matar 150 pessoas entre 2006 e 2010 (61% sem antecedentes criminais); e o Ministério do Trabalho divulga que há cerca de 25 mil pessoas em regime de trabalho escravo.
Bem questiona Jesus: "Como você se atreve a dizer ao irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco de seu olho’, quando você mesmo tem uma trave no seu?” (Mateus 7, 4).
Ao visitar nosso país, Obama pediu à presidente Dilma que o Brasil assinasse, como coautor, a resolução para o Conselho de Direitos Humanos da ONU investigar inúmeras denúncias de violações no Irã, atribuídas ao governo de Mahmoud Ahmadinejad.
Proposta pela Casa Branca, a resolução foi aprovada em Genebra, na quinta, 24∕3, por 22 votos – inclusive o do Brasil -, 7 contra e 14 abstenções.
A posição do governo Dilma contraria a do governo Lula. Este jamais se submeteu a Washington em matéria de política externa. Em novembro do ano passado, o Brasil se absteve ao votar resolução da Assembléia Geral da ONU condenando desrespeito aos direitos humanos no Irã.
A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, representante do nosso país no Conselho de Direitos Humanos da ONU, justificou seu voto, em nome do governo Dilma, alegando não se tratar de posição contrária ao Irã, e sim a favor dos direitos humanos. E negou ter sido barganha para o Brasil obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU – o que Dilma pediu a Obama e este respondeu apenas que ouvira com "apreço” e mais não disse...
Lula tinha duas razões para se abster de condenar o Irã. Entre os países árabes, é com a antiga Pérsia que o Brasil mantém maior fluxo comercial. Nos próximos cinco anos o intercâmbio entre os dois países pode atingir a elevada soma de US$ 10 bilhões.
A segunda razão é que Lula não vê moral no governo dos EUA para cobrar do Irã respeito aos direitos humanos e tentar impedir que o governo de Ahmadinejad faça uso pacífico da energia nuclear.
Por que EUA, Europa ocidental e Brasil podem fazê-lo e o Irã não? Porque as intenções deste país, diz a Casa Branca, são bélicas. Ao que Lula respondeu: Por que EUA, Israel, Índia, Paquistão e tantos países europeus podem ter armas nucleares e o Irã não? Ou se promove o desarmamento geral ou basta de cinismo...
Sou inteiramente a favor de se condenar violações de direitos humanos no Irã, onde os adeptos da religião Bahá’i são duramente perseguidos e a pena de morte por apedrejamento é legal. Porém, o Brasil não pode adotar posições dúbias em sua política internacional.
Se o governo Dilma pretende pautar sua política externa pelo tema dos direitos humanos, deve exigir da ONU investigar o país que mais comete violações: os EUA. Que o digam os iraquianos e os afegãos.
Obama perdeu uma rara oportunidade de, em sua visita ao Brasil, Chile e El Salvador, pedir desculpas a essas nações pelas ditaduras nelas implantadas, graças à Casa Branca, nas décadas de 60 e 70. Todas patrocinadas pela CIA e armadas pelo Pentágono.
Foram milhares de presos, exilados, mortos e desaparecidos, sem que o governo dos EUA dissesse uma única palavra de censura aos generais brasileiros, a Pinochet e aos Esquadrões da Morte que, em El Salvador, assassinaram, em março de 1980, monsenhor Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, e seis padres jesuítas, em novembro de 1989.
A presidente Dilma teria falado com Obama – que usou o Brasil como púlpito para decretar guerra contra a Líbia – sobre os cinco cubanos injustamente presos nos EUA desde 1998?
Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández, Ramon Labañino e René González viviam nos EUA para evitar atos terroristas contra Cuba, planejados em Miami. Graças aos cinco – cuja saga Fernando Morais descreve em livro a ser lançado nos próximos meses - cerca de 200 ações terroristas foram abortadas. No entanto, continuam em liberdade nos EUA os terroristas treinados pela CIA e que, nas últimas décadas, cometeram 681 ações contra Cuba, causando a morte de 3.478 crianças, mulheres e homens, e lesões irreparáveis em 2.099 pessoas.
Usar a base naval de Guantánamo em Cuba como cárcere clandestino de supostos terroristas muçulmanos não é violar os direitos humanos? Cadê a promessa de Obama de fechar aquele antro de perversidades? Obama haverá de incriminar Bush que, em sua autobiografia, admite ter autorizado torturas contra suspeitos de terrorismo? (Ver denúncia do "Washington Post” de 15∕10∕2008).
Obama destituirá das Forças Armadas os militares responsáveis por sequestros de muçulmanos suspeitos de terrorismo, transportados em vôos clandestinos através de aeroportos europeus? Obama levará ao banco dos réus os culpados, nos EUA, pela pratica de "waterboarding”, que consiste em submeter prisioneiros à simulação de afogamento?
E com que cara o Brasil fala em direitos humanos em outros países se aqui ocorrem cerca de 40 mil assassinatos por ano; a polícia civil de São Paulo acusa grupos de extermínio formados por PMs de matar 150 pessoas entre 2006 e 2010 (61% sem antecedentes criminais); e o Ministério do Trabalho divulga que há cerca de 25 mil pessoas em regime de trabalho escravo.
Bem questiona Jesus: "Como você se atreve a dizer ao irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco de seu olho’, quando você mesmo tem uma trave no seu?” (Mateus 7, 4).
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