sábado, 2 de abril de 2011

Brasil e Irã: um passo atrás

Reproduzo artigo de Frei Betto, publicado no sítio da Adital:

Ao visitar nosso país, Obama pediu à presidente Dilma que o Brasil assinasse, como coautor, a resolução para o Conselho de Direitos Humanos da ONU investigar inúmeras denúncias de violações no Irã, atribuídas ao governo de Mahmoud Ahmadinejad.

Proposta pela Casa Branca, a resolução foi aprovada em Genebra, na quinta, 24∕3, por 22 votos – inclusive o do Brasil -, 7 contra e 14 abstenções.

A posição do governo Dilma contraria a do governo Lula. Este jamais se submeteu a Washington em matéria de política externa. Em novembro do ano passado, o Brasil se absteve ao votar resolução da Assembléia Geral da ONU condenando desrespeito aos direitos humanos no Irã.

A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, representante do nosso país no Conselho de Direitos Humanos da ONU, justificou seu voto, em nome do governo Dilma, alegando não se tratar de posição contrária ao Irã, e sim a favor dos direitos humanos. E negou ter sido barganha para o Brasil obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU – o que Dilma pediu a Obama e este respondeu apenas que ouvira com "apreço” e mais não disse...

Lula tinha duas razões para se abster de condenar o Irã. Entre os países árabes, é com a antiga Pérsia que o Brasil mantém maior fluxo comercial. Nos próximos cinco anos o intercâmbio entre os dois países pode atingir a elevada soma de US$ 10 bilhões.

A segunda razão é que Lula não vê moral no governo dos EUA para cobrar do Irã respeito aos direitos humanos e tentar impedir que o governo de Ahmadinejad faça uso pacífico da energia nuclear.

Por que EUA, Europa ocidental e Brasil podem fazê-lo e o Irã não? Porque as intenções deste país, diz a Casa Branca, são bélicas. Ao que Lula respondeu: Por que EUA, Israel, Índia, Paquistão e tantos países europeus podem ter armas nucleares e o Irã não? Ou se promove o desarmamento geral ou basta de cinismo...

Sou inteiramente a favor de se condenar violações de direitos humanos no Irã, onde os adeptos da religião Bahá’i são duramente perseguidos e a pena de morte por apedrejamento é legal. Porém, o Brasil não pode adotar posições dúbias em sua política internacional.

Se o governo Dilma pretende pautar sua política externa pelo tema dos direitos humanos, deve exigir da ONU investigar o país que mais comete violações: os EUA. Que o digam os iraquianos e os afegãos.

Obama perdeu uma rara oportunidade de, em sua visita ao Brasil, Chile e El Salvador, pedir desculpas a essas nações pelas ditaduras nelas implantadas, graças à Casa Branca, nas décadas de 60 e 70. Todas patrocinadas pela CIA e armadas pelo Pentágono.

Foram milhares de presos, exilados, mortos e desaparecidos, sem que o governo dos EUA dissesse uma única palavra de censura aos generais brasileiros, a Pinochet e aos Esquadrões da Morte que, em El Salvador, assassinaram, em março de 1980, monsenhor Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, e seis padres jesuítas, em novembro de 1989.

A presidente Dilma teria falado com Obama – que usou o Brasil como púlpito para decretar guerra contra a Líbia – sobre os cinco cubanos injustamente presos nos EUA desde 1998?

Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández, Ramon Labañino e René González viviam nos EUA para evitar atos terroristas contra Cuba, planejados em Miami. Graças aos cinco – cuja saga Fernando Morais descreve em livro a ser lançado nos próximos meses - cerca de 200 ações terroristas foram abortadas. No entanto, continuam em liberdade nos EUA os terroristas treinados pela CIA e que, nas últimas décadas, cometeram 681 ações contra Cuba, causando a morte de 3.478 crianças, mulheres e homens, e lesões irreparáveis em 2.099 pessoas.

Usar a base naval de Guantánamo em Cuba como cárcere clandestino de supostos terroristas muçulmanos não é violar os direitos humanos? Cadê a promessa de Obama de fechar aquele antro de perversidades? Obama haverá de incriminar Bush que, em sua autobiografia, admite ter autorizado torturas contra suspeitos de terrorismo? (Ver denúncia do "Washington Post” de 15∕10∕2008).

Obama destituirá das Forças Armadas os militares responsáveis por sequestros de muçulmanos suspeitos de terrorismo, transportados em vôos clandestinos através de aeroportos europeus? Obama levará ao banco dos réus os culpados, nos EUA, pela pratica de "waterboarding”, que consiste em submeter prisioneiros à simulação de afogamento?

E com que cara o Brasil fala em direitos humanos em outros países se aqui ocorrem cerca de 40 mil assassinatos por ano; a polícia civil de São Paulo acusa grupos de extermínio formados por PMs de matar 150 pessoas entre 2006 e 2010 (61% sem antecedentes criminais); e o Ministério do Trabalho divulga que há cerca de 25 mil pessoas em regime de trabalho escravo.

Bem questiona Jesus: "Como você se atreve a dizer ao irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco de seu olho’, quando você mesmo tem uma trave no seu?” (Mateus 7, 4).

4 comentários:

Orlando Bonetti Jr disse...

Não se pode atribuir a esse deputado o status de inofencivo. Vê-se claramente em suas declarações firmeza de propósito, respaldada pela garantia absoluta, dos colegas da ditadura. Tem-se a impressão que ele é o elo dos militares, para tentar mostrar que estão sempre prontos a retomar o poder. Afirmou que seus filhos tiveram educação, mas pelo que eu senti, seus filhos foram doutrinados por essa linha dura. Percebe-se também que é totalmente desequilibrado, pois quase agrediu, na época, a deputada Maria do Rosário e acredita que tortura é solução. Muito me admira, que ainda não tenha se dado mal, com ofensas , inclusive à presidenta Dilma.

Manuel disse...

"Entre os países árabes, é com a antiga Pérsia que o Brasil mantém maior fluxo comercial."
Acontece que o Irã NÃO É um país árabe.
Os países árabes são aqueles em que se fala árabe, enquanto que no Irã fala-se farsi.
Os países árabes correspondem aos países da península arábica e àqueles onde, depois das conquistas do século VIII, houve migrações e povoamento por parte de povos árabes, e/ou significativa assimilaçãção da cultura árabe pela população local, o que não aconteceu no Irã.
Os países árabes pertencem à Liga Árabe, o Irã não pertence.
As pessoas que escrevem quotidianamente em jornais, orgãos de informação, blogs e outros, poderiam dar-se ao trabalho mínimo de consultar a wikipedia antes de escreverem cavalidades.
Frei Betto, esperava mais de você.

Jessica Medeiros disse...

Nossa, o final foi perfeito. Infelizmente temos que ver o Brasil submisso aos E.U.A .. essas alianças políticas já enojam quem vive aqui e agora Dilma quer partilhar o que há de mais podre aqui no Brasil com o mundo. Chega dessa política de favores!

Iria Barradas disse...

Se é um avanço buscar fortalecer e elevar os níveis de direitos humanos porque não fazer?
Sem dúvida que eu não vejo os mesmos críticos se coçarem sequer quendo estes inspetores veem ao Brasil e depois mandam relatórios onde nós, em geral, avançamos pouco e devagarinho, aqui pode? No Irã não?
Essa hipocrisia de que para ir contra USA temos de apoiar todas as outras bestialidades no planeta precisa de uma revisão urgente.
Se a Rússia, China e Índia votam contra deve ser porque seus quintais estão féticos, com Chechenia, Tibet, Cashemira entre outros. Jesus Cristo também dise: ... que o que sai pela boca mostra o que vai no coração do homem... e para mim não cooperar com um pouco de freio nos desvarios do Irã é um ato de crueldade cínica.