Editorial do site Vermelho:
A Proposta de Emenda Constitucional apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) para diminuir as jornadas de trabalho após massiva mobilização nas redes sociais com o VAT – Vida além do Trabalho, conseguiu o número necessário de assinaturas para tramitar na Câmara dos Deputados. Para além dos parlamentares da esquerda, deputados da centro-direita chancelaram esta PEC. A bancada do PCdoB, historicamente comprometida com essa bandeira, assinou e se movimenta para somar mais apoios.
Pesquisa do Instituto DataSenado realizada neste ano indica que para 85% dos entrevistados a redução da jornada propiciará melhor qualidade de vida. Sobre a destinação do tempo livre, 40% disseram que se dedicariam à família, 17% cuidariam da saúde, 11% aumentariam a renda e 14% realizariam atividades físicas e de lazer.
A jornada de trabalho escravizante, que se apresenta como imposição do passado remoto ao presente, tem dificuldade para perdurar indefinidamente. Mais dia, menos dia, esse tema se imporia na agenda do Congresso Nacional. Os novos paradigmas tecnológicos, inclusive a inteligência artificial, impactando diversos setores da economia, além das mudanças no perfil da classe trabalhadora, estão em contraste com essa imposição. E se for mantido a ferro e fogo, não só a classe trabalhadora será penalizada, mas o próprio desenvolvimento do país.
A redução da jornada de trabalho é um tema da história da organização dos trabalhadores e trabalhadoras. No Brasil ela ganhou dimensão com a legislação da “era Vargas”, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), numa espécie de organização das lutas e conquistas operárias desde o final do século IX, e esteve na pauta da Constituinte de 1946. Em 1988, na Constituição promulgada constou a redução da jornada semanal de quarenta e oito para quarenta e quatro horas, além de regimes especiais para turnos ininterruptos, resultado de dura batalha no processo constituinte.
Acontece agora o que se passou em 1946 e 1988. Forte pressão de grandes grupos econômicos e financeiros se levantam para sufocar no nascedouro o justo movimento puxado pela juventude que se irrompeu pela redução da jornada. Fazem soar que o fim da escala 6x1provocaria um cataclisma na economia brasileira. Já foi demonstrado no Brasil e em outros países exatamente o oposto. A redução da jornada, quando efetivada, impulsionou a economia como um todo.
Como disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a jornada 6×1 já não é mais aceita pelos trabalhadores brasileiros. A redução “evita o esgotamento dos trabalhadores e gera mais empregos”, disse. O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), originário do movimento sindical, lembrou que em 2006 apresentou Projeto de Lei que propõe uma revisão do formato de jornada exaustiva imposta aos trabalhadores. “Esse projeto representa um compromisso histórico com a dignidade e com a saúde dos trabalhadores do nosso país”, afirmou.
Em 1995, o então deputado Inácio Arruda (PCdoB-CE) apresentou a PEC que reduzia a jornada de trabalho para quarenta horas semanais, sem redução salarial. Segundo ele, a proposta correspondia a “uma demanda histórica dos trabalhadores, que unifica o movimento sindical brasileiro”. “Sua adoção não significa apenas mais tempo livre para o trabalhador, mas, sobretudo, a abertura de outras oportunidades no mercado de trabalho”, disse. Outros parlamentares apresentaram propostas semelhantes, entre eles Paulo Paim (PT-RS), também originário do movimento sindical, e o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG)
O debate sobre essa questão envolve direitos básicos dos trabalhadores e trabalhadoras – como saúde física e mental, dias de descanso, lazer e convívio familiar – e, também, conceitos como desenvolvimento tecnológico e maior qualificação dos trabalhadores, a adequação das forças produtivas à produtividade, vetor que se encontra no cerne de um projeto nacional de desenvolvimento. O economista e pesquisador do tema Marcio Pochmann, atual presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem estudos sobre ganhos de produtividade que permitem jornada de trabalho de quatro horas diárias, em três dias por semana. O estudo leva em conta o valor ao produzido, aquilo que efetivamente mostra o grau de técnica e de ciência contido no produto.
Em termos de produtividade, as atuais quarenta e quatro horas semanais, em jornada 6×1, sugam os trabalhadores ao máximo, que adoecem e sequer têm tempo para se tratarem, o que resulta em afastamento do trabalho por esgotamento.
É importante lembrar que o golpe de 2016 reinstaurou a ofensiva neoliberal contra os direitos democráticos do povo, entre eles as questões trabalhistas, avariadas pela trajetória do projeto neoliberal de desmonte das estruturas do Estado que regulam a antagônica relação entre capital e trabalho, atingindo duramente a organização sindical e até mesmo a Justiça do Trabalho. Foram aprovadas medidas como terceirizado para qualquer tipo de atividade e a chamada carteira de trabalho “verde e amarela”, além das “reformas” trabalhista e previdenciária, instrumentos que atrofiaram a legislação social, jogando os trabalhadores na informalidade, sem Carteira de Trabalho, férias, descanso semanal remunerado, Fundo de Garantia e com poucos direitos previdenciários.
A mobilização pelo fim da escala 6×1 – que recebeu acolhida inclusive do vice-presidente da República, Geraldo Alkmin – tende a ganhar escala, num movimento unitário das forças democráticas e progressistas, precisando se ampliar, ir além, posto que o bloco econômico e político que a ela se opõe, hoje, detém a hegemonia. Por óbvio, o movimento sindical precisa desempenhar papel destacado. “Defendemos o fim da escala 6×1 e a jornada de trinta e seis horas semanais, rumo à semana de quatro dias, sem redução salarial. Essa mudança beneficia a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras e fortalece a economia”, resume Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Há que se aproveitar o bom momento à redução da jornada, sem redução do salário, para ampliar e se intensificar a mobilização nas ruas e nas redes. Somente a pressão do povo e dos trabalhadores e hábil articulação no âmbito do Congresso, do governo poderão fazer avançar a tramitação da PEC.
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