Charge: Marcio Baraldi |
"Temos que começar a discutir se vale a pena ter banco público no Brasil, dado o fracasso que têm sido a utilização deles por parte dos gestores de dívida pública", disse o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, escola privada de elite de São Paulo. Antigo assessor da equipe econômica de Antônio Palocci, Lisboa fez uma longa carreira como executivo do Itaú, de onde saiu em 2013, três anos antes do golpe contra Dilma apoiado pelo banco.
Velho chavão da escola econômica do Consenso de Washington, que esteve em alta no início da década passada, essa visão sobre bancos públicos foi ressuscitada nos tempos de Temer-Meirelles, quando o complexo de vira-lata de que falava Nelson Rodrigues se manifesta sem constrangimento nem pudor. O que se quer é preparar o caminho para um programa de terra arrasada do setor produtivo, bloqueado qualquer reconstrução do país a partir de 2019.
Afinal, é uma instituição pública, o Banco do Brasil, que fornece o grosso do crédito para agricultura, seja para o agronegócio e a agricultura familiar. Os recursos para os programas sociais são fornecidos pela Caixa, historicamente responsável pelo financiamento de 70% das residências do país. Desde a década de 1950, quando o BNDES foi criado com apoio de Roberto Campos, patrono do pensamento liberal brasileiro, é impossível falar de investimento industrial sem falar dos financiamentos da instituição. O movimento, como se sabe, é outro. O que se quer é desmontar uma estrutura que ajudou a construir uma das dez maiores economias do mundo.
Já em novembro de 2016, poucos meses depois de instalado na cadeira de Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles anunciou o plano de fechar 500 agências do Banco do Brasil e demitir 17 000 funcionários -- uma iniciativa para abrir espaço para o crescimento de instituições privadas. Na mesma época, a Caixa Econômica anunciou a proposta de fechar 120 agências e demitir 11 000 funcionários. No BNDES, o ataque chegou a tal nível de escândalo que levou o presidente Paulo Rabelo de Castro, insuspeito de qualquer simpatia com ideias fora da cartilha conservadora, a realizar uma auditoria interna -- jamais respondida pelos críticos -- demonstrando o desempenho da instituição e sua utilidade para o país.
A importância estrutural dos bancos públicos brasileiros ficou escancarada há quase uma década, em abril de 2009, quando Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, então às voltas com o colapso dos derivativos, fez questão de esticar o braço para cumprimentar Luiz Inácio Lula da Silva durante um encontro do G-20, em Londres, com a frase inesquecível: "Esse é o cara...eu adoro esse cara", disse Obama.
Não se tratava, óbvio, de uma saudação pessoal, mas do reconhecimento pelo bem sucedido esforço do governo brasileiro em proteger o país do holocausto econômico de Wall Street -- numa intervenção na qual os bancos públicos brasileiros cumpriram um papel fundamental. Em Washington, na época, não faltavam recursos do Tesouro para reanimar a economia. Mas, sem bancos públicos -- como quer Marcos Lisboa -- faltavam instituições para fazer o dinheiro chegar aos destinatários, abrindo caminho para estímulos à retomada do crescimento. Enquanto a liberação de dólares pelo governo dos EUA provocava até protestos na linha Occupy Wall Street por parte de uma população inconformada com a ajuda ao mesmo setor privado cuja ganância havia quebrado o país de forma irresponsável, a intervenção do governo brasileiro produzia resultados opostos.
Em visita profissional aos Estados Unidos naquele período, não ouvi críticas ao "fracasso" de nossos bancos públicos, mas palavras de reconhecimento à Caixa Econômica pelos programas que só poderiam ser administrados por sua condição estatal -- como o Bolsa Família e mais tarde, Minha Casa Minha Vida, com papel evidente na recuperação da economia.
Entre executivos do Banco Mundial, ouvi elogios -- quase invejosos -- a uma instituição como o BNDES, capaz de injetar recursos na reanimação das empresas que tinham planos de investimento mas não encontravam, no setor privado, linhas de crédito que permitissem fechar o plano de negócios. As mudanças no mercado dos bancos brasileiros, há uma década, ajudam a entender o fundo da discussão. Numa conjuntura na qual, de um ano para outro, a inadimplência cresceu 48% (em 2008) e 18,8 % (em 2009), os bancos públicos foram atrás de clientes abandonados pelo setor privado e dessa forma impediram uma derrocada maior. O Banco do Brasil cresceu 31,5%, a Caixa Econômica, 51,4% e o BNDES deu um salto de 140%. Em média, o setor público deu um salto de 66,7%, para assumir 49,5% do crédito disponível Os bancos privados, enquanto isso, caíram de 63,5% para 49,2%. Essa redução ocorreu num período no qual, para estimular o setor privado, o Banco Central liberou uma bolada fantástica de R$ 99,7 bilhões dos chamados depósitos compulsórios. Pouco adiantou. Mesmo autorizados a emprestar, preferiam ficar com montanhas de dinheiro em caixa.
Num esforço para impressionar o cidadão comum e minar sua resistência, a mídia do pensamento único cultiva uma campanha permanente de denúncias contra os bancos estatais, cujo marco é uma série de reportagens do Estado de S. Paulo, de 1976. Tenta-se construir, num esforço ininterrupto de mais de 40 anos, a noção de que as empresas estatais são ineficientes porque foram erguidas como um paraíso de mordomias, favores e privilégios, para não falar em coisa pior.
Essa visão de fracasso com origem no Estado -- que será debatida um pouco mais adiante -- busca diminuir o apoio da população a um patrimônio que ela construiu com seu esforço e sua criatividade. Sabemos que as distorções e mazelas existem, mas é difícil negar que refletem uma realidade de todo o país e são mais graves na área privada. Dados divulgados em 2017 mostram que é erro considerar o Estado como endereço preferencial da mordomia.
É certo que, no Banco do Brasil, a diferença de rendimento entre um diretor e um escriturário do banco é gigantesca -- 42 vezes. No setor privado, contudo, é ainda maior e ultrapassa 100 vezes com frequência. No Santander, fica em 144 vezes. No Itaú, o rendimento anual de diretores chega a R$ 12,5 milhões, o equivalente a 255 vezes aquilo que recebe um escriturário.
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