Reproduzo artigo de Carlos Aznares, editor do boletim Resumen Latinoamericano, apresentado no III Encontro Civilização ou Barbárie, realizado em Serpa (Portugal), final de outubro:
Os povos da América Latina e do resto do Terceiro Mundo estão suportando uma ofensiva de terrorismo mediático que visa não apenas manipular e desinformar o público em cada um dos aspectos político-económico-culturais que se produzem nos respectivos países, como em muitos casos - Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia, Colômbia, Palestina, Irão, Líbano, para citar os mais conhecidos – gera iniciativas desestabilizadoras e aposta forte na guerra contra os movimentos populares e os processos revolucionários.
Os meios de comunicação - a grande maioria deles - representam hoje uma das principais colunas do exército de ocupação que a chamada globalização encetou em todo o Terceiro Mundo. Corporação privilegiada e geralmente bem recompensada por aqueles que, desde Washington, construíram tanto a táctica como a estratégia intervencionista, os meios de comunicação cooperam para produzir opiniões desfavoráveis quando se trata de minar as bases de países que estão tentando construir uma alternativa independente ao discurso único e esforçam-se para dar cobertura à repressão, à tortura, ao assassinato, às prisões indiscriminadas, à guerra desigual entre opressores e oprimidos, no resto das nações do mundo.
Não é difícil para a os meios de comunicação (em geral autênticos holdings informativos, agrupando agências de notícias, rádios, TVs e cadeias de jornais numa única rede) “construir a notícia” que ajude a maquilhar as realidades de pobreza e corrupção em que vivem os nossos povos, ou criar redes golpistas para derrubar os líderes populares.
Eles são os que falam de “guerra entre dois bandos” quando se referem aos movimentos de libertação nacional, que enfrentam governos de carácter opressor e fascista. Ou “narco-guerrilha” para desacreditar a luta genuína da resistência colombiana contra uma ordem estabelecida há dezenas de anos e que mergulhou o país numa situação de extrema pobreza e desesperança.
São esses “meios assépticos e independentes” que reivindicaram o primeiro Plano Colômbia, depois o Plano Patriota e agora comungam das políticas pró-imperialistas de Juan Manuel Santos. Além disso, aplaudem as suas actividades militaristas e devastadoras para os sectores populares e do campesinato da Colômbia, e não fazem nenhuma menção das bases ianques no país.
Estes meios de comunicação e as suas sociedades de empresários como a SIP, estiveram e estão à cabeça da campanha em curso de assédio (e tentativa de derrube) contra governos como os de Cuba, Venezuela, Equador, Nicarágua e Bolívia. Daí que o que para todos significava uma agressão brutal contra a soberania de um país vizinho (como foi o bombardeio e massacre praticado pelo governo de Álvaro Uribe contra o território do Equador e os combatentes das FARC) para a parceria dos media manipuladores da realidade, não era mais que “uma atitude de auto-defesa da Colômbia frente á agressão do eixo terrorista Farc-Venezuela-Equador”.
O mesmo acontece quando esses profissionais da perversão mediática falam sobre a Palestina ocupada e criam matrizes de opinião demonizando a resistência em Gaza, apoiam o bloqueio contra o povo deste território e encorajam as falsas negociações entre o sionismo, o governo dos EUA e os palestinos ”politicamente correctos” da ANP.
Eles não hesitam, conforme as instruções da sua casa matriz pentagonal, em acusar com falsidades a Revolução Bolivariana, como desde sempre fizeram com Cuba. E para isso usam a média nacional e internacional, que desde o dia em que o comandante Hugo Chávez tomou posse em 1999, começou a estigmatizar a sua proposta de mudança real, para logo utilizar todos os meios para atingir esse objectivo, desde o golpe de estado criminoso de Carmona e seus sequazes, do golpe do petróleo pró-EUA do final de 2002, da entrada dos paramilitares e pistoleiros a partir da Colômbia, até ás manobras de escassez, ou a pregação constante dos altos comandos da ofensiva imperialista, tentando gerar o clima de que a Venezuela é um santuário de “terrorismo internacional”, como tem afirmado o staff dos EUA de Bush até Obama.
Sem dúvida que os chamados defensores da liberdade de expressão (de negócios, para sermos mais exactos), se incomodam com o processo revolucionário por acabar arrancando as raízes do discurso explorador da oligarquia venezuelana. Preocupa-os até à irritação que o bolivarianismo tente desenvolver - contra ventos e marés - uma política de transformação e valorização para os sectores que foram submersos na pobreza nos últimos 40 anos de “democracia representativa”, e propague essas ideias no continente através de uma política externa - que junto com a de Cuba - dá prioridade ao Movimento de Países Não-Alinhados, aos povos que lutam pela autodeterminação, aos que não se ajoelham diante da hegemonia imposta pelos Estados Unidos.
Se existe um exemplo que sempre permanecerá no manual da contra-revolução informativa e do terrorismo mediático na Venezuela, será o papel desempenhado pela comunicação social durante o golpe de Estado de Carmona e seus aliados ianques e espanhóis, bem como a campanha pela não renovação de licença da golpista RCTV. Ambos conseguiram, por obra e graça da imediata reacção “em cadeia” (para usar uma palavra que provoca tanta comichão á oposição venezuelana reaccionária) uma grande rede de comunicação internacional. Entre os nacionais e os estrangeiros geraram uma matriz de opinião na qual o governo mais vezes votado do mundo aparecia como uma ditadura cruel e despótica. Que se recorde, a indústria mediática conseguiu aqui um dos seus parâmetros mais elevados de impunidade, só superada pela campanha de Bush e seus jornalistas, ao denunciar a presença de armas nucleares para justificar a invasão do Iraque.
São estes meios integrantes da SIP que fizeram a campanha contra o governo venezuelano quando este decidiu a renovação do seu armamento e montaram “o show das Kalashnikov” ou dos aviões russos, alertando o mundo para que “as armas da Venezuela podem acabar nas mãos das FARC“. Insistiram em seguida, nas páginas de seus diários e nas suas redes de televisão, que Hugo Chávez tinha desprestigiado o monarca espanhol e seu espadachim Zapatero, contando ao contrário uma história que todos pudemos ver em directo em que o rei não só quis mandar calar Chávez, como nos quis injuriar como povos e nações que, mal ou bem, nos temos emancipado do império espanhol.
Havia que ouvir ladrar os mastins do “El Pais” espanhol, naqueles dias, esboçando cenas inexistentes em que o presidente venezuelano aparecia como agressor, irreverente ou ditador. O jornal e seus jornalistas são os mesmos que geralmente amparam um outro inquisidor chamado Baltasar Garzón, e juntos, aplicam as mesmas técnicas de terrorismo mediático contra qualquer coisa que cheire a resistência basca e a um desejo imparável de independência de seus conquistadores francês e espanhol que esse povo tem há centenas de anos.
São estes média “livres” que aguçam a sua sagacidade na hora de descobrir traços de fascistização “ou” cubanização ” (como acharem mais adequado ao discurso difamatório) em governos populares, e nunca verem o social, como é a campanha de alfabetização, efectuado por Cuba, Venezuela e Bolívia, em países onde antes desses processos, as crianças, os jovens e os velhos, tinham sido sempre tratados como cidadãos de quarta classe.
São eles, agitadores do terrorismo mediático, os que ironizam grosseiramente com os levantamentos indígenas ou apostam no camaleonismo quando nos vendem a imagem descafeinada de um eleito ligado à repressão e à narco-politica, e, num futuro não muito distante, quando chegar a hora da mudança ordenada pela estratégia imperial, não hesitarão em trazer à luz os múltiplos assassinatos que agora defendem. Já o fizeram com Fujimori e Montesinos no Peru, ou Pinochet e Videla na Argentina. Trabalham hábil e subtilmente sobre o subconsciente dos leitores e telespectadores para o esquecimento ajudar a completar a tarefa que eles impõem.
Disfarçam as suas “notícias” (muitas vezes comunicados textuais do Departamento de Estado ianque) salientando a participação da “sociedade civil” (um conceito de que também se apropriaram) na “rejeição” dos resistentes e rebeldes do Terceiro Mundo, ou carregam as tintas sobre “a resistência indígena” a que maquiavelicamente gostam de chamar “actores armados”, coincidindo neste conceito com algumas ONGs europeias, que também funcionam como novos aliados da estratégia imperial no continente.
A mesma estratégia, de Cuba á Palestina
Esta ofensiva terrorista mediática colocou desde sempre na mira dos seus canhões Cuba socialista, por resistir ferreamente ao criminoso bloqueio dos EUA. São os meios de comunicação ocidentais - mais uma vez, “El País” espanhol na primeira linha de combate – os primeiros a aderir a uma penetração em Cuba, como fazem com qualquer outra nação, com a ideia de encontrar ”dissidência“, onde só há terrorismo anti Cuba, ou “violações dos direitos humanos”, quando se pune - como não faz quase nenhum dos países do continente - a corrupção, o banditismo ou a violação grave das medidas que afectam a segurança de um país atacado pelo exército mais poderoso mundo.
Foram essas matrizes de opinião, que geraram, por exemplo, na Argentina, a ideia de que o governo cubano “torturava” a médica contra-revolucionária Hilda Molina e a “condenara” a não poder deixar o seu país. Tanto insistiram nessa campanha, que conseguiram que o governo de Néstor Kirchner se “solidarizasse” de tal maneira, que gerou uma campanha de pressão contra Cuba. O resultado é conhecido: Hilda Molina deixou a ilha e estabeleceu-se na Argentina, de onde produz uma catadupa constante de insultos contra o governo e o povo que lhe permitiram obter os conhecimentos de que hoje goza.
Além do que já foi dito sobre a fúria do terrorismo mediático contra a Palestina, é necessário mencionar a bateria de mentiras construídas no calor da invasão sionista do Líbano e a campanha de criminalização permanente contra o Irão, por querer desenvolver uma política nuclear soberana. Neste último caso, a campanha tem sido brutal. O Irão tem sido demonizado desde o momento em que se deu a Revolução Islâmica liderada pelo Imã Khomeini e que estudantes persas ocuparam a embaixada dos EUA e desmascararam a central da CIA que lá funcionava.
Em seguida, para assinalar apenas um exemplo na América do Sul, acusou-se o Irão e o seu governo de ter tido uma participação activa no atentado à AMIA. Todos os meios de comunicação comercial argentinos (inclusive os que se definem como “progressistas”) clonaram um discurso de criminalização, que foi elaborado nas centrais sionistas. A isso se juntou o governo e se concluiu que, na prática, a Argentina não só rompeu os laços diplomáticos com o Irão, como o considera - em conjunto com os EUA e Israel - um inimigo a abater.
Poucos proprietários de imprensa e muita influência
Centenas de milhões de norte-americanos, latino-americanos e cidadãos de todo o mundo são consumidores diários, directa ou indirectamente, das informações e produtos culturais das holdings AOL/Times Warner, Gannett Company, Inc., General Electric, McClatchy Company/Knight Ridder, News Corporation, New York Times, Washington Post, Viacom, Vivendi Universal e Walt Disney Company, os proprietários dos média mais influentes dos EUA.
Os dez grupos controlam por sua vez os jornais nacionais de grande circulação nos EUA como o New York Times, USA ToDay e Washington Post, centenas de estações de rádio e quatro programas de televisão de notícias de maior audiência: ABC (American Broadcasting Company, Walt Disney Company), CBS (Columbia Broadcasting System, Viacom), NBC (National Broadcasting Company, companhia de transmissão da General Electric) e Fox (News Corporation).
Como bem define o jornalista Ernesto Carmona, os que comandam estes meios adquiriram uma parcela significativa de poder que não emana da soberania popular, mas do dinheiro, e corresponde a uma intricada teia de relações entre os meios informativos e de comunicação e as maiores corporações multinacionais dos EUA, como a petrolífera Halliburton Company, do vice-presidente Dean Cheney, o Grupo Carlyle, que controla os negócios da família Bush; o fornecedor do Pentágono Lockheed Martin Corporation, a Ford Motor Company, o Morgan Guaranty Trust Company of Nova York, Echelon Corporation e a Boeing Company, para citar alguns.
Todas estas grandes transnacionais da imprensa têm os seus tentáculos em todos os países da América Latina, onde outras holdings manobram de modo maioritário na disseminação de notícias na imprensa, rádio, televisão, agências e até mesmo telemóveis.Para dar um exemplo: no México operam duas redes poderosas, uma dominada pela Televisa, da família Azcárraga e vinculada ao Grupo Cisneros, da Venezuela, também proprietários de meios de comunicação e uma das maiores fortunas do mundo, e a Azteca América, de Ricardo Salinas Pliego e seus parceiros Pedro Padilla Longoria e Luis Echarte Fernandez, ambas com investimentos nos EUA.
Também o Grupo Prisa, que detém o jornal espanhol “El Pais” tem meios de comunicação na América Latina, associado no México á Televisa, e proprietário da poderosa Rádio Caracol da Colômbia, e outras estações no Peru, Chile, Bolívia, Panamá e Costa Rica.
Jornalistas ou porta-vozes das corporações?
Em cada um destes anéis de terrorismo mediático está também a mão, a caneta e a imagem de um esquadrão de homens e mulheres que, sob a fachada de uma profissão venerada (pelo menos para aqueles que ainda acreditam nela), como é a de ser jornalista, também colaboram e são cúmplices da ofensiva das empresas que os empregam. A metáfora do cão submisso que lambe a mão do dono é repetida em todo o mundo para ilustrar esse comportamento.
Que outra coisa foram esses homens e mulheres “da imprensa” a marchar “engatados” aos exércitos invasores do Iraque ou no Afeganistão? Ou os que diariamente, como dignos cães fraldiqueiros da SIP, escrevem colunas, inventam histórias difamatórias, criam a opinião a favor dos exploradores, em jornais como Clarín e La Nación, da Argentina, El Tiempo, da Colômbia, El Universal, do México, para citar só alguns, ou que lutam como contra-revolucionários em grande parte da imprensa da Venezuela anti-Chávez?
O escritor chileno Camilo Taufic definiu o jornalista como um ”político em acção“, independentemente de se escudar num “confuso apoliticismo”, era na verdade parte da acção política do Estado - imperial, poderíamos acrescentar - entendida no seu sentido mais geral: “A participação nos assuntos do Estado; a orientação do Estado; a determinação das formas, das funções e do conhecimento da actividade estatal; a atividade das diferentes classes sociais e dos partidos políticos (…) Os jornalistas são portanto, políticos e até mesmo políticos profissionais”. E ainda: “A política não é mais que uma manifestação específica da luta de classes, a sua mais geral, e os jornalistas, enquanto activistas políticos não estão à margem desta luta, mas imersos nela e ocupando posições de liderança “.
Segundo o pesquisador basco Iñakil de San Gil Vicente, “este critério definidor da política - abordagem marxista, é claro - permite entender a natureza política da indústria mediática, embora, aparentemente, à primeira vista, essa indústria não se sente directamente nos bancos no parlamento ou nos quartéis das tropas imperiais.”
No entanto, em alguns casos, os decisivos, esta indústria é que faz eventualmente pender a balança do poder em favor de, por exemplo, o neo-fascista Berlusconi, dono de poderosos meios de manipulação, que pode voltar à presidência do governo italiano, apesar das evidentes provas de corrupção. Em outros casos, por exemplo, nos EUA, a fusão entre o dinheiro, a política e a imprensa é absoluta e somente “os candidatos ricos, podem pagar imensas quantidades de dinheiro em campanhas políticas, que alguns observadores têm vindo a calcular em mais de um milhão de dólares por dia, como a despesa média dos candidatos democratas Hillary Clinton e Obama, no início de Março de 2008, quando ainda faltavam muitos meses para a eleição presidencial.
São esses mesmos jornalistas que na segunda-feira comem pela mão da máfia anti-cubana e anti-venezuelana em Miami, e na quarta-feira se ajoelham frente ao lobby sionista que lhes escreve os scripts para garatujar diatribes contra a direcção do Hezbollah ou inventar mentiras sobre centrais nucleares do Irão.
Tropeçando na SIP
A Sociedade Interamericana de Imprensa é mais do que uma corporação de empresas jornalísticas, é uma autêntica fortaleza emblemática do terrorismo mediático contra os países que hoje enfrentam o imperialismo. Desde sempre os capitães da SIP compram, vendem, divulgam, transmitem ou publicam “informação” conveniente ás leis do “mercado” e de seus interesses de casta e de classe.
Desde a era do tirano Fulgêncio Batista em Cuba (onde o SIP nasceu em 1943) até hoje, não houve nenhum déspota, golpe de Estado, ou intervenção militar dos Estados Unidos que não recebesse o apoio do SIP; 65 anos de ignomínia que as paredes da América Latina foram capazes de resumir mais de uma vez com a irónica frase “a imprensa diz que chove.”
Não será por acaso que a sua sede central em Miami tem o nome de Jules Dubois, aquele sórdido funcionário da CIA que estabeleceu os seus princípios e doutrina e que a refundou em 1950 juntamente com outro homem do Departamento de Estado, Tom Wallace.
Também não pode causar surpresa, ao mergulhar na história da SIP, descobrir o seu apoio incondicional à estratégia de intervenção dos EUA, ao macarthismo e ao anticomunismo selvagem e á reivindicação, em cada um dos meios de comunicação que fazem parte do seu império, do liberalismo económico e a demonização das organizações populares.
Jornais como o El Mercurio (Chile), “Clarín”, “La Nación” (Argentina), “El Universal” (México), “El Nacional” (Venezuela), “El Pais (Uruguai), o ABC Color (Paraguai ), “O Globo” e “Estado de São Paulo (Brasil), foram e são cúmplices das políticas mais reaccionárias do continente.
Com este fundamento doutrinário, ligado ao apoio de governos autoritários, ditatoriais, ou praticantes da democracia “representativa” que efectivamente cortam a liberdade de opinião, os mandantes da SIP, agora dirigida por Earl Maucker, que também é vice-presidente do South-Florida Sun-Sentinel, com sede em Fort Lauderdale, Estados Unidos, incriminam Cuba e Venezuela para dar alento aos desestabilizadores internos e externos.
Tocar a reunir e passar á ofensiva
Face a estas atitudes que às vezes parecem impossíveis de enfrentar e muito menos superar, levantam-se milhares de expressões mediáticas, de perfil diferente das anteriores, com os pés plantados nas ruas dos marginalizados, daqueles que nunca deixam de lutar pelos seus direitos mais básicos, dos que defrontam por todos os meios e formas as atrocidades cometidas pelo capitalismo. São os meios alternativos, aqueles que nasceram em condições precárias e vão desenvolvendo, paciente, mas efectivamente, tarefas de pequenas formigas frente aos gigantes da desinformação.
A primeira conclusão a tirar deste desigual confronto entre os meios populares e os que abertamente jogam no campo de quem oprime a maioria, é que “a única batalha que se perde é a que se abandona". Nós podemos. Claro que podemos ajudar o nosso povo a estar melhor informado sobre as suas realidades. E, embora o factor económico seja muitas vezes de uma influência decisiva para desencorajar aqueles que se lançam neste combate, também é verdade que o talento e a sabedoria da gente de baixo sempre soube substituir o poder do dinheiro, com elementos surgidos da própria história de nossas lutas.
Para lidar com um discurso mentiroso, manipulador e traiçoeiro, para gerar os mecanismos que sirvam para combater esse terrorismo mediático que hoje denunciamos, valem todos os meios ao nosso alcance: desde expressar as nossas opiniões sobre o branco das paredes ou muros com que burguesias indígenas tentam demonstrar que “tudo está bem”, até ir construindo, como fazemos todos os dias e desde sempre, os nossos próprios meios de comunicação, oral, escrita, ou na melhor das hipóteses, televisiva.
Nesse sentido, há momentos em que se podem fazer progressos muito significativos por obra e graça de leis libertadoras no que diz respeito aos meios de comunicação. Esse é o caso recente da Argentina, onde, pela pressão popular de centenas de assembleias de comunicadores, de muitos locais onde foram apresentadas propostas de uma nova lei de imprensa, que anulasse a velha legislação da ditadura militar, se alcançou essa possibilidade, que há menos de um mês se aplica em todo o país.
Desta forma se pode lutar para acabar com a ditadura mediática do monopólio do jornal Clarín e seus aliados, bem como denunciar a sua aberta conivência com o genocídio militar de 76 a 83. Esta batalha pode assestar um duro golpe no monopólio em relação à sua propriedade de papel de jornal, que lhe permitiu durante décadas colocar-se em posição vantajosa em comparação com outros meios jornalísticos.
Esta lei também irá permitir que os povos indígenas e as organizações populares possam aceder á capacidade de gerir os seus próprios meios, bem como legalizar as rádios e TVs comunitárias que têm surgido ao longo dos anos.
Outro exemplo importante do jornalismo popular é o dos nossos irmãos no Brasil, os companheiros do Movimento Sem Terra, que não só se têm afirmado em cada uma das suas ocupações e lutas pela Reforma Agrária, como estão também a levar a cabo uma vastíssima experiência de desenvolvimento cultural. Também o MST tem os seus próprios meios de imprensa, como o diário “Sem Terra” ou a revista de mesmo nome, além de estações de rádio locais que transmitem a voz e a obra deste gigantesco movimento que aglutina milhões de homens, mulheres e crianças.
Linha diferente representa a imprensa popular em Cuba. Apesar dos mil inconvenientes causados pelo bloqueio genocida, ao povo de Cuba nunca faltou durante meio século de revolução, a capacidade de receber informações através dos seus meios de comunicação, que circulam por todo o país por centenas de milhares de pessoas, sendo os mais populares “Granma”, “Juventud Rebelde”, “Trabalhadores” e a revista “Bohemia”.
Mas é precisamente nestes últimos anos, em que muitos derrotistas se juntaram ao discurso desestabilizador promovido por Miami, que a batalha para mais e melhor informação se intensificou. Assim, foi no contexto da luta para recuperação do menino pioneiro Elián González, sequestrado pela reacção anti-cubana e da nefasta política da administração dos EUA, que surgiram as Tribunas Anti-imperialistas e as Mesas Redondas na TV. Verdadeiros pilares de uma informação sem censura, que não só aumentou a resposta ao agressor, como foi desvendando minuciosamente o que realmente querem dizer as chamadas democracias do continente e do mundo.
Escusado será falar do papel desempenhado por Fidel Castro, pessoalmente, e a sua ideia de promover uma TV ao serviço da aprendizagem e a educação primária, secundária e superior.
O próprio Fidel tem sido, e é, um baluarte em relação à propagação de ideias, mas também em dar informações em primeira mão ao seu povo. Face a cada evento ocorrido na ilha, desde a introdução de elementos políticos que ajudem a aprofundar a revolução, á luta gigantesca pela liberdade dos cinco heróis cubanos ou alertando as pessoas sobre os riscos causados por um ciclone ou as alterações climáticas, Fidel sempre esteve lá para o transmitir em linguagem simples, pedagógica, jornalística. O mesmo se aplica às suas palestras sobre questões de alta política internacional. Cuidadoso a dar detalhes, as fontes e as consequências de cada acontecimento que ocorre no mundo, o líder cubano colocou nas suas Reflexões do Comandante em Chefe e agora nas Reflexões do Companheiro Fidel, uma fórmula muito útil para que o povo e o mundo tenham o outro lado daquilo que normalmente mentem os mercenários dos oligopólios da imprensa.
Telesur, um olhar necessário
Neste árduo trabalho de contra-informação, a Telesur passou a significar muito ar fresco dentro de tanta atmosfera contaminada. E neste pouco tempo de existência já deu bons sinais de que fazer ouvir outras vozes e disseminar informações que os meios convencionais escondem, serve para ir furando a pouco e pouco a parede do discurso único.
Muitos são os exemplos do que afirmamos, mas um, recente, serve para o demonstrar: as câmaras da Telesur chegando à área bombardeada por Uribe no território equatoriano invadido, a visão do massacre, as árvores queimadas pelas bombas, a destruição cometida, significaram uma sonora bofetada na cara do belicismo uribista que tentava mentir ao mundo sobre o que aconteceu: que não foi um ataque furtivo. Estas imagens serviram mais do que mil palavras para que o público tomasse conhecimento de quem era o Estado terrorista, o agressor, o violador e os que foram invadidos, atacados e assassinados.
Além disso, o papel desempenhado pela Telesur durante o golpe pró-ianque das Honduras, foi fundamental para incentivar a solidariedade com a heróica resistência do seu povo. Assim, aqueles que têm a sorte de aceder a este canal, podem inteirar-se, por simples dedução e comparação de textos e imagens, quanto e como nos mentem diariamente pela cadeia de terrorismo mediático.
No entanto, deve notar-se também que este esforço da Telesur, se faz em países que deveriam ser aliados naturais da cadeia, ou mesmo são parte dela. Por que acontece isso? Justamente porque nesses países também existem políticas oficiais a que não interessa que se denunciem os seus erros, corruptelas e acções repressivas. E nesse sentido, eles preferem aceitar a formalidade de que o canal de televisão venezuelano ocupe um pequeno espaço de emissão (em horários bastante inadequados) do que os respectivos povos tomem conhecimento do que acontece com as rebeliões e repressões que ocorrem no Terceiro Mundo.
São estes países do continente (muitos deles com governos auto-qualificados de “progressistas”) que não hesitam em dar prioridade a relações com canais internacionais como a CNN ou em renovar indefinidamente as licenças das empresas privadas que hoje manejam todos os meios de comunicação. Esses mesmos meios que escondem, desinformando, a realidade dos nossos povos.
A rádio da APPO
Quando centenas de milhares de homens e mulheres no estado mexicano de Oaxaca travaram uma incrível batalha para se livrar de um governador ditatorial que os reprimia e matava à fome, desempenhou um papel fundamental uma rádio que não só era capaz de relatar o que realmente estava acontecendo na rua, como agiu como um factor organizador do protesto popular. A rádio “Universidade “, mais conhecida por” A Rádio da APPO”, foi durante todo o período do conflito, a propagadora das denúncias contra a repressão, o sítio onde se concentraram milhares de comunicados de adesão à luta de rua, ou o lugar onde os núcleos populares de auto-defesa montavam guarda para proteger o equipamento de transmissão.
No entanto, o governo e seus núcleos para-policiais atacaram a estação diversas vezes, mas não conseguiram dominar o entusiasmo e empenhamento activo dos seus jornalistas, que escreveram, desta forma, uma página importante no que chamamos de acção directa contra-informativa.
Outra experiência de resgate é aquela que pratica o jornal “Voz” dos comunistas colombianos. Não é - como muitos poderiam pensar – de um órgão partidário típico, mas um meio de comunicação que tem vindo a tornar-se uma fonte indispensável de verdade, num país onde quase todos os grandes meios de comunicação social apostam no discurso opressor e nas difíceis circunstâncias actuais a pôr obstáculos para dificultar uma negociação de paz genuína, que como todos sabem, não significa que o bando de exploradores desista de aniquilar os explorados. Os trabalhadores de imprensa da “Voz” e o seu director, Carlos Lozano Guillén, foram ameaçados várias vezes, apenas por chegar com suas histórias e análises a todo o país, rompendo a rígida censura imposta pelos militares de Uribe.
Desta forma, trabalhadores, camponeses e organizações de direitos humanos sempre tiveram uma possibilidade de fazer ouvir a sua voz sem cortes. Por fim, destacamos a gigantesca tarefa que desempenham neste sentido de dar voz aos sem voz, os meios alternativos da Venezuela Bolivariana. Geradas em momentos difíceis e partindo de estruturas artesanais, receberam apoio fundamental para crescer na sua tarefa, do governo revolucionário e hoje são, sem dúvida, uma das principais fontes de informação para as grandes maiorias. O exemplo da Vive TV, Catia TV, rádio Al Son del 23, da Paróquia 23 de Janeiro, e centenas de jornais impressos - entre os quais está Resumen Latinoamericano, que nós editamos - significa um importante incentivo neste deserto desinformativo que suportam os nossos países na região.
São muitas as experiências em incubação, todas tão valiosas como as citadas. Todas tão vitalmente desafiantes perante a inundação de mensagens negativas e desmotivadoras que o poder produz para quebrar a nossa capacidade de levantar a cabeça. É evidente que não nos conformamos nem vamos dar o braço a torcer. Confrontados com o adormecedor discurso único, levantam-se milhares de palavras, gestos e palavras de ordem vertidas para o papel ou através do espaço de rádio e televisão para o denunciar e combater, através de informações precisas e da contra-informação.
Estamos convencidos de que não precisamos do dinheiro que a eles lhes sobra para fazer ouvir as nossas mensagens ou explicar o essencial do pensamento libertador latino-americano que tão bem resumiram o Libertador Simón Bolívar, Manuel Saenz, o general José de San Martín, Juana Azurduy, José Gervasio Artigas, os chefes dos povos nativos Tupak Katari, Quintin Lame, Bartolina Sisa, Guacaipuro ou nossos contemporâneos: Eva Perón, Francisco Caamaño Deno, Torrijos, Che Guevara, Fidel Castro e Hugo Chávez.
Enquanto houver a necessidade de responder e discutir, enquanto houver a possibilidade de informar e analisar, perante a doutrina do “Silêncio dos Inocentes”, continuaremos a opor a mensagem da imprensa popular, alternativa e de contra-informação, e por estas três razões, necessariamente revolucionária.
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quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Maratona contra o muro do apartheid
Reproduzo mensagem enviada pela jornalista Soraya Misleh:
A “Semana anual contra o muro do apartheid” entra em ação de 9 a 16 de novembro. Ativistas palestinos e internacionais se mobilizarão mais uma vez e organizarão uma série de eventos ao redor do mundo.
A mobilização nas ruas se complementará com uma vertiginosa maratona midiática de 48 horas durante os dias 12 e 13 de novembro à qual todos os meios de comunicação estão convidados a se unir com cobertura ininterrupta dos atos e atividades da Semana.
O princípio da “Semana anual contra o muro do apartheid” coincide com a caída do Muro de Berlim, na mesma data, há 21 anos.
Hoje, Israel cria, com a construção do muro, um grande símbolo de mais de 700 km de opressão e racismo ao qual é preciso se colocar um fim. Assim, o mundo está convidado a mostrar sua solidariedade com o povo palestino para terminar com o apartheid, a colonização e a ocupação.
Durante a “Semana anual contra o muro do apartheid” haverá um calendário de eventos internacionais, nos quais os participantes se unirão para exigir o fim do muro e a impunidade israelense mediante a projeção de filmes, exposições fotográficas, conferências e debates. Para obter informações sobre essas atividades visite http://mediamarathon.stopthewall.net
Participe da maratona midiática
A maratona mediática é lançada pelo movimento Stop the Wall em cooperação com a Ciranda, Fórum Social de Rádios, WSFTV e outros meios de comunicação alternativos. O objetivo da ação é envolver ativistas de veículos internacionais para conscientizar o mundo sobre o muro de Israel e seus efeitos.
Todos os meios de comunicação estão convidados a se unirem a essas 48 horas de cobertura ininterruptas sobre o muro, o apartheid israelense, a resistência palestina e o Movimento Global de Boicote, Desinvestimento e Sanção contra o Estado sionista.
Esta maratona midiática é a primeira do gênero. O Movimento Stop the Wall faz uma chamada a jornalistas e emissoras de rádio e televisão em todo o mundo para que abracem essa oportunidade. Agora é o momento de mostrar que não pode haver paz até que a repressão e a ocupação seja finalizada. Para encontrar mais informações sobre a Semana contra o muro do apartheid, acesse: http://stopthewall.org/latestnews/2361.shtml
Veja como participar:
1- Escolha um período de tempo, durante as 48 horas da maratona (entre 12 de novembro 0h00 e 13 de novembro 23h59), no qual você oferecerá cobertura;
2- Comunique a Stop the Wall (Contato: gemma@stopthewall.org) que seu veículo está participando da maratona midiática para que assim seu conteúdo possa ser acrescentado às 48 horas de programação e publicado no site http://mediamarathon.stopthewall.net ;
3- Crie a sua programação. Solicita-se a cada veículo participante que contribua com, no mínimo, uma peça de cobertura que pode ser uma matéria, um programa de rádio ou um vídeo. Envie então o conteúdo ou o link para gemma@stopthewall.org ou bds@ciranda.net. Visite http://mediamarathon.stopthewall.net.
4- Para criar sua cobertura utilize os recursos disponíveis em sua região. Há muita informação e material midiático disponíveis, principalmente na internet. O Stop the Wall também pode proporcionar uma grande variedade de recursos, incluindo vídeos e entrevistas de áudio. Visite http://stopthewall.org/latestnews/2393.shtml
5- A maratona midiática inclui o lançamento oficial de um processo de voto pela Internet de It is apartheid video contest - Isto é apartheid ( veja www.itisapartheid.tv). Anime sua audiência a se educar por meio da visualização de vídeos e a votar pelo melhor.
6- Consulte o kit para os meios de comunicação em http://stopthewall.org/latestnews/2393.shtml. Nesse endereço estão artigos, séries de vídeos e clipes de áudio sobre o muro, assentamentos, apartheid e o BDS. Use as séries de áudio onde se apresentam Jamal Juma, coordenador do Movimento Stop the Wall, e Faisal Hind, do Sindicato de Agricultores Palestinos em Qalquilia.
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A “Semana anual contra o muro do apartheid” entra em ação de 9 a 16 de novembro. Ativistas palestinos e internacionais se mobilizarão mais uma vez e organizarão uma série de eventos ao redor do mundo.
A mobilização nas ruas se complementará com uma vertiginosa maratona midiática de 48 horas durante os dias 12 e 13 de novembro à qual todos os meios de comunicação estão convidados a se unir com cobertura ininterrupta dos atos e atividades da Semana.
O princípio da “Semana anual contra o muro do apartheid” coincide com a caída do Muro de Berlim, na mesma data, há 21 anos.
Hoje, Israel cria, com a construção do muro, um grande símbolo de mais de 700 km de opressão e racismo ao qual é preciso se colocar um fim. Assim, o mundo está convidado a mostrar sua solidariedade com o povo palestino para terminar com o apartheid, a colonização e a ocupação.
Durante a “Semana anual contra o muro do apartheid” haverá um calendário de eventos internacionais, nos quais os participantes se unirão para exigir o fim do muro e a impunidade israelense mediante a projeção de filmes, exposições fotográficas, conferências e debates. Para obter informações sobre essas atividades visite http://mediamarathon.stopthewall.net
Participe da maratona midiática
A maratona mediática é lançada pelo movimento Stop the Wall em cooperação com a Ciranda, Fórum Social de Rádios, WSFTV e outros meios de comunicação alternativos. O objetivo da ação é envolver ativistas de veículos internacionais para conscientizar o mundo sobre o muro de Israel e seus efeitos.
Todos os meios de comunicação estão convidados a se unirem a essas 48 horas de cobertura ininterruptas sobre o muro, o apartheid israelense, a resistência palestina e o Movimento Global de Boicote, Desinvestimento e Sanção contra o Estado sionista.
Esta maratona midiática é a primeira do gênero. O Movimento Stop the Wall faz uma chamada a jornalistas e emissoras de rádio e televisão em todo o mundo para que abracem essa oportunidade. Agora é o momento de mostrar que não pode haver paz até que a repressão e a ocupação seja finalizada. Para encontrar mais informações sobre a Semana contra o muro do apartheid, acesse: http://stopthewall.org/latestnews/2361.shtml
Veja como participar:
1- Escolha um período de tempo, durante as 48 horas da maratona (entre 12 de novembro 0h00 e 13 de novembro 23h59), no qual você oferecerá cobertura;
2- Comunique a Stop the Wall (Contato: gemma@stopthewall.org) que seu veículo está participando da maratona midiática para que assim seu conteúdo possa ser acrescentado às 48 horas de programação e publicado no site http://mediamarathon.stopthewall.net ;
3- Crie a sua programação. Solicita-se a cada veículo participante que contribua com, no mínimo, uma peça de cobertura que pode ser uma matéria, um programa de rádio ou um vídeo. Envie então o conteúdo ou o link para gemma@stopthewall.org ou bds@ciranda.net. Visite http://mediamarathon.stopthewall.net.
4- Para criar sua cobertura utilize os recursos disponíveis em sua região. Há muita informação e material midiático disponíveis, principalmente na internet. O Stop the Wall também pode proporcionar uma grande variedade de recursos, incluindo vídeos e entrevistas de áudio. Visite http://stopthewall.org/latestnews/2393.shtml
5- A maratona midiática inclui o lançamento oficial de um processo de voto pela Internet de It is apartheid video contest - Isto é apartheid ( veja www.itisapartheid.tv). Anime sua audiência a se educar por meio da visualização de vídeos e a votar pelo melhor.
6- Consulte o kit para os meios de comunicação em http://stopthewall.org/latestnews/2393.shtml. Nesse endereço estão artigos, séries de vídeos e clipes de áudio sobre o muro, assentamentos, apartheid e o BDS. Use as séries de áudio onde se apresentam Jamal Juma, coordenador do Movimento Stop the Wall, e Faisal Hind, do Sindicato de Agricultores Palestinos em Qalquilia.
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Comunicação: uma questão estratégica
Reproduzo artigo de Bia Barbosa, publicado no sítio Carta Maior:
Num processo que envolveu mais de 30 mil pessoas em todo o país, a I Conferência Nacional de Comunicação teve como uma de suas principais resoluções, aprovada por representantes do governo, da sociedade civil e do empresariado, a necessidade da construção de um novo marco regulatório para o país. Ultrapassada – da década de 60 – e pouco democrática, a legislação que hoje rege o setor tem se mostrado um entrave não apenas para o desenvolvimento da própria mídia no país como também um obstáculo considerável para a consolidação da democracia brasileira. A um mês de completar o aniversário de um ano da I Confecom, o governo Lula dá um passo significativo para transformar essa realidade e sinaliza: o governo Dilma deve tratar as mudanças nessa área como prioritárias.
Foi este o tom do discurso, corajoso, do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, nesta terça (09) durante a abertura do Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, em Brasília. Para uma platéia repleta de empresários, organizações da sociedade civil, acadêmicos e convidados estrangeiros, Franklin colocou o dedo numa ferida que, pelo menos publicamente, já tinha sido reconhecida pelo Executivo Federal desde a Confecom, mas que até este momento deixava dúvidas sobre quando e o quanto seria de fato enfrentada. Depois de viajar por diversos países para conhecer como outras democracias estão lidando com o processo de convergência tecnológica, foi hora de trazer especialistas internacionais para Brasília e dar o pontapé público neste debate, “olhando pra frente”, como ele deixou claro.
“Cada vez mais as fronteiras entre radiodifusão e telecomunicação vão se diluindo. Em pouco tempo, para o cidadão será indiferente se o sinal que recebe no celular ou no computador vem da radiodifusão ou das teles. A convergência de mídia é um processo que está em curso e ninguém vai detê-lo. Por isso é bom olhar pra frente, este é o futuro. E regular esta questão será um desafio, porque sem isso não há segurança jurídica nem como a sociedade produzir um ambiente onde o interesse público prevaleça sobre os demais”, afirmou.
O governo reconheceu que, aqui, o desafio se mostra maior do que em outros países, porque, além da legislação atrasada, “acumularam-se problemas imensos, que foram sendo encostado ao longo do tempo”. Para o ministro, a legislação brasileira é um cipoal de gambiarras, que não enfrenta as questões de fundo, e que inclusive não responde aos princípios estabelecidos pela própria Constituição Federal.
“Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém. Todos sabemos, por exemplo, que deputados e senadores não podem ter concessões de rádio e TV. Mas todos sabemos que eles tem, através de subterfúgios, e ninguém faz nada. A discussão foi sendo evitada. E a oportunidade é discutir tudo isso agora, legislando de uma forma mais permanente, integradora, cidadã e democrática”, disse Franklin Martins.
Fantasmas no sótão
A pretensão do governo é fazer as mudanças no marco regulatório através de um processo público, aberto e transparente, para que a sociedade brasileira como um todo – e não apenas um grupo ou outro – decida seu caminho. Até o final da gestão Lula, um ante-projeto de lei, que vem sendo elaborado por um grupo de trabalho interministerial, será apresentado à equipe da presidente eleita Dilma Rousseff, que então decidirá quando e como apresentá-lo ao Congresso Nacional. É neste debate público que o grupo de trabalho deve basear suas proposições.
Um dos maiores desafios nessa jornada, no entanto, parece ir além da própria convergência tecnológica e suas inúmeras inovações. Trata-se de, exatamente, criar as condições para que o debate público de fato aconteça, de forma plural e participativa. Foi este o desejo da I Conferência de Comunicação, que agora parece contar com a vontade política do governo Lula para ser colocado em marcha.
“O problema é grande. Os fantasmas passeiam por aí arrastando correntes, impedindo que a gente ouça o que tem que ouvir. Se formos capazes de nos livrar dos fantasmas e não os deixarmos controlar nossa discussão, avançaremos. Isso interessa à sociedade como um todo, não é uma discussão apenas econômica. A comunicação diz respeito à cidadania, à participação política e à produção cultural, e por isso a sociedade deve participar diretamente”, afirmou Franklin Martins. E deu o recado: “convido a todos então a deixar seus fantasmas no sótão, que é onde eles se sentem melhor. Vamos nos desarmar dos preconceitos. Essa agenda está na mesa e será realizada, num clima de entendimento ou de enfrentamento”.
Dentre os fantasmas que precisam ser deixados no porão está a tese – tão difundida pelos grandes meios de comunicação – de que regulação é sinônimo de censura à imprensa. Na abertura do seminário internacional, foi necessário afirmar mais uma vez, para quem já deveria estar convencido disso, que o Brasil goza de absoluta liberdade de imprensa.
“Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaça é uma bobagem, um truque, isso não está em jogo. A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode e não haverá qualquer tipo de restrição. Isso não significa que não pode haver regulação do setor. Vocês verão relatos neste evento de diversas democracias, e verão que em todas elas há regulação, o que não significa nada que haja censura”, repetiu.
Sem explicitar, o governo Lula acabou admitindo que deixou a desejar no campo das comunicações. E para os participantes da sociedade civil que vieram a Brasília conhecer as experiências de outros países, talvez esta tenha sido a mensagem mais alentadora: esta área deve ser tratada com prioridade no governo Dilma.
“Estou convencido de que a área de comunicação terá, no próximo governo, o mesmo tratamento que teve a energia no governo Lula. Algo estratégico para o crescimento. Ou se produz um novo marco regulatório ou vamos perder o bonde. Em 2008, a radiodifusão faturou R$ 11,5 bilhões; e as empresas de telecomunicações, R$ 130 bilhões. Em 2009, os números foram R$ 13 bilhões e R$ 180 bilhões respectivamente. É evidente que, se não houver regulação, a radiodifusão será atropelada por uma jamanta. E se não houver o debate, quem vai regular é o mercado. E quando o mercado regula, quem ganha é o mais forte”, avisou Franklin.
“É necessário regular, criar políticas públicas e gerar um ambiente para que a sociedade se sinta não só usuária dos serviços de comunicação, mas cidadã. Se formos capazes de entender isso, teremos mais vozes falando, mais opiniões se expressando no debate público. É “mais” e não “menos” o que está em jogo neste processo”, concluiu.
Mais interesse público
Também em sintonia com o que apontou a I Confecom e com a linha política manifestada pela Secretaria de Comunicação, uma das primeiras participações internacionais no seminário expôs objetivamente os pontos nevrálgicos da legislação brasileira que precisam avançar para que o setor, de fato, permita a expressão dessa multiplicidade de vozes. O canadense Toby Mendel, diretor executivo do Centro de Direito e Democracia, organização internacional de direitos humanos com foco no conhecimento legal sobre direitos fundamentais para a democracia, incluindo o direito à informação, a liberdade de expressão e o direito de participação, apresentou o resultado de um estudo encomendado pela Unesco sobre o marco regulatório em 10 grandes democracias, incluindo o Brasil. E, a partir de padrões internacionais, fez recomendações para o processo que se inicia em território nacional.
Uma delas é a de ampliar a transparência e garantir o interesse público nos processos de renovação das concessões de rádio e TV. “Em muitos países, este momento é uma oportunidade para avaliar mudanças que precisam ser feitas pelo concessionário, para apontar eventuais regras que não tenham sido respeitadas. No Brasil, esta avaliação não acontece”, disse Toby Mendel.
A prática reforça outros problemas da legislação não enfrentados pelo Estado brasileiro: a regulação da propriedade privada dos meios – com medidas como a proibição da propriedade cruzada – e a garantia da liberdade de expressão.
“A liberdade de expressão vai além do direito do emissor dizer o que pensa. É também o direito do receptor, do telespectador, do leitor, receber uma variedade de informações e de pontos de vista. Se a propriedade dos meios não é regulada, isso pode até ser ok do ponto de vista do emissor, mas o direito do receptor de receber idéias plurais começa a ser reduzido. Ou seja, o Estado não pode simplesmente deixar o mercado agir”, afirmou o consultor da Unesco.
Na mesma linha, Mendel apontou a importância de regras para a difusão de conteúdo na radiodifusão, como a proteção de crianças, o combate a discursos que violem os direitos humanos e a promoção do jornalismo imparcial. É preciso ainda regulamentar o artigo da Constituição que garante percentuais para a difusão de conteúdos regionais e independentes nas emissoras de rádio e TV e garantir o direito de resposta.
“Tudo isso está na Constituição, mas não é cumprido. Também é preciso haver um sistema que receba queixas neste sentido, um órgão regulador independente que pode aplicar sanções diante do descumprimento dessas regras”, explicou Mendel, que defendeu ainda a importância do fortalecimento do sistema público de comunicação e da comunicação comunitária brasileira.
A lista é grande, e foi sendo recheada com outras sugestões vindas dos representantes dos demais países presentes ao seminário – o que apenas reforça e confirma o tamanho do desafio que o Brasil tem pela frente se quiser mesmo mexer neste vespeiro.
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Num processo que envolveu mais de 30 mil pessoas em todo o país, a I Conferência Nacional de Comunicação teve como uma de suas principais resoluções, aprovada por representantes do governo, da sociedade civil e do empresariado, a necessidade da construção de um novo marco regulatório para o país. Ultrapassada – da década de 60 – e pouco democrática, a legislação que hoje rege o setor tem se mostrado um entrave não apenas para o desenvolvimento da própria mídia no país como também um obstáculo considerável para a consolidação da democracia brasileira. A um mês de completar o aniversário de um ano da I Confecom, o governo Lula dá um passo significativo para transformar essa realidade e sinaliza: o governo Dilma deve tratar as mudanças nessa área como prioritárias.
Foi este o tom do discurso, corajoso, do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, nesta terça (09) durante a abertura do Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, em Brasília. Para uma platéia repleta de empresários, organizações da sociedade civil, acadêmicos e convidados estrangeiros, Franklin colocou o dedo numa ferida que, pelo menos publicamente, já tinha sido reconhecida pelo Executivo Federal desde a Confecom, mas que até este momento deixava dúvidas sobre quando e o quanto seria de fato enfrentada. Depois de viajar por diversos países para conhecer como outras democracias estão lidando com o processo de convergência tecnológica, foi hora de trazer especialistas internacionais para Brasília e dar o pontapé público neste debate, “olhando pra frente”, como ele deixou claro.
“Cada vez mais as fronteiras entre radiodifusão e telecomunicação vão se diluindo. Em pouco tempo, para o cidadão será indiferente se o sinal que recebe no celular ou no computador vem da radiodifusão ou das teles. A convergência de mídia é um processo que está em curso e ninguém vai detê-lo. Por isso é bom olhar pra frente, este é o futuro. E regular esta questão será um desafio, porque sem isso não há segurança jurídica nem como a sociedade produzir um ambiente onde o interesse público prevaleça sobre os demais”, afirmou.
O governo reconheceu que, aqui, o desafio se mostra maior do que em outros países, porque, além da legislação atrasada, “acumularam-se problemas imensos, que foram sendo encostado ao longo do tempo”. Para o ministro, a legislação brasileira é um cipoal de gambiarras, que não enfrenta as questões de fundo, e que inclusive não responde aos princípios estabelecidos pela própria Constituição Federal.
“Criou-se, na área de comunicação, uma terra de ninguém. Todos sabemos, por exemplo, que deputados e senadores não podem ter concessões de rádio e TV. Mas todos sabemos que eles tem, através de subterfúgios, e ninguém faz nada. A discussão foi sendo evitada. E a oportunidade é discutir tudo isso agora, legislando de uma forma mais permanente, integradora, cidadã e democrática”, disse Franklin Martins.
Fantasmas no sótão
A pretensão do governo é fazer as mudanças no marco regulatório através de um processo público, aberto e transparente, para que a sociedade brasileira como um todo – e não apenas um grupo ou outro – decida seu caminho. Até o final da gestão Lula, um ante-projeto de lei, que vem sendo elaborado por um grupo de trabalho interministerial, será apresentado à equipe da presidente eleita Dilma Rousseff, que então decidirá quando e como apresentá-lo ao Congresso Nacional. É neste debate público que o grupo de trabalho deve basear suas proposições.
Um dos maiores desafios nessa jornada, no entanto, parece ir além da própria convergência tecnológica e suas inúmeras inovações. Trata-se de, exatamente, criar as condições para que o debate público de fato aconteça, de forma plural e participativa. Foi este o desejo da I Conferência de Comunicação, que agora parece contar com a vontade política do governo Lula para ser colocado em marcha.
“O problema é grande. Os fantasmas passeiam por aí arrastando correntes, impedindo que a gente ouça o que tem que ouvir. Se formos capazes de nos livrar dos fantasmas e não os deixarmos controlar nossa discussão, avançaremos. Isso interessa à sociedade como um todo, não é uma discussão apenas econômica. A comunicação diz respeito à cidadania, à participação política e à produção cultural, e por isso a sociedade deve participar diretamente”, afirmou Franklin Martins. E deu o recado: “convido a todos então a deixar seus fantasmas no sótão, que é onde eles se sentem melhor. Vamos nos desarmar dos preconceitos. Essa agenda está na mesa e será realizada, num clima de entendimento ou de enfrentamento”.
Dentre os fantasmas que precisam ser deixados no porão está a tese – tão difundida pelos grandes meios de comunicação – de que regulação é sinônimo de censura à imprensa. Na abertura do seminário internacional, foi necessário afirmar mais uma vez, para quem já deveria estar convencido disso, que o Brasil goza de absoluta liberdade de imprensa.
“Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaça é uma bobagem, um truque, isso não está em jogo. A liberdade de imprensa significa a liberdade de imprimir, divulgar, de publicar. A essa não deve, não pode e não haverá qualquer tipo de restrição. Isso não significa que não pode haver regulação do setor. Vocês verão relatos neste evento de diversas democracias, e verão que em todas elas há regulação, o que não significa nada que haja censura”, repetiu.
Sem explicitar, o governo Lula acabou admitindo que deixou a desejar no campo das comunicações. E para os participantes da sociedade civil que vieram a Brasília conhecer as experiências de outros países, talvez esta tenha sido a mensagem mais alentadora: esta área deve ser tratada com prioridade no governo Dilma.
“Estou convencido de que a área de comunicação terá, no próximo governo, o mesmo tratamento que teve a energia no governo Lula. Algo estratégico para o crescimento. Ou se produz um novo marco regulatório ou vamos perder o bonde. Em 2008, a radiodifusão faturou R$ 11,5 bilhões; e as empresas de telecomunicações, R$ 130 bilhões. Em 2009, os números foram R$ 13 bilhões e R$ 180 bilhões respectivamente. É evidente que, se não houver regulação, a radiodifusão será atropelada por uma jamanta. E se não houver o debate, quem vai regular é o mercado. E quando o mercado regula, quem ganha é o mais forte”, avisou Franklin.
“É necessário regular, criar políticas públicas e gerar um ambiente para que a sociedade se sinta não só usuária dos serviços de comunicação, mas cidadã. Se formos capazes de entender isso, teremos mais vozes falando, mais opiniões se expressando no debate público. É “mais” e não “menos” o que está em jogo neste processo”, concluiu.
Mais interesse público
Também em sintonia com o que apontou a I Confecom e com a linha política manifestada pela Secretaria de Comunicação, uma das primeiras participações internacionais no seminário expôs objetivamente os pontos nevrálgicos da legislação brasileira que precisam avançar para que o setor, de fato, permita a expressão dessa multiplicidade de vozes. O canadense Toby Mendel, diretor executivo do Centro de Direito e Democracia, organização internacional de direitos humanos com foco no conhecimento legal sobre direitos fundamentais para a democracia, incluindo o direito à informação, a liberdade de expressão e o direito de participação, apresentou o resultado de um estudo encomendado pela Unesco sobre o marco regulatório em 10 grandes democracias, incluindo o Brasil. E, a partir de padrões internacionais, fez recomendações para o processo que se inicia em território nacional.
Uma delas é a de ampliar a transparência e garantir o interesse público nos processos de renovação das concessões de rádio e TV. “Em muitos países, este momento é uma oportunidade para avaliar mudanças que precisam ser feitas pelo concessionário, para apontar eventuais regras que não tenham sido respeitadas. No Brasil, esta avaliação não acontece”, disse Toby Mendel.
A prática reforça outros problemas da legislação não enfrentados pelo Estado brasileiro: a regulação da propriedade privada dos meios – com medidas como a proibição da propriedade cruzada – e a garantia da liberdade de expressão.
“A liberdade de expressão vai além do direito do emissor dizer o que pensa. É também o direito do receptor, do telespectador, do leitor, receber uma variedade de informações e de pontos de vista. Se a propriedade dos meios não é regulada, isso pode até ser ok do ponto de vista do emissor, mas o direito do receptor de receber idéias plurais começa a ser reduzido. Ou seja, o Estado não pode simplesmente deixar o mercado agir”, afirmou o consultor da Unesco.
Na mesma linha, Mendel apontou a importância de regras para a difusão de conteúdo na radiodifusão, como a proteção de crianças, o combate a discursos que violem os direitos humanos e a promoção do jornalismo imparcial. É preciso ainda regulamentar o artigo da Constituição que garante percentuais para a difusão de conteúdos regionais e independentes nas emissoras de rádio e TV e garantir o direito de resposta.
“Tudo isso está na Constituição, mas não é cumprido. Também é preciso haver um sistema que receba queixas neste sentido, um órgão regulador independente que pode aplicar sanções diante do descumprimento dessas regras”, explicou Mendel, que defendeu ainda a importância do fortalecimento do sistema público de comunicação e da comunicação comunitária brasileira.
A lista é grande, e foi sendo recheada com outras sugestões vindas dos representantes dos demais países presentes ao seminário – o que apenas reforça e confirma o tamanho do desafio que o Brasil tem pela frente se quiser mesmo mexer neste vespeiro.
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Desafios sindicais no governo Dilma (3)
Por Altamiro Borges
A soma de vários fatores – crescimento econômico, relações democráticas com o novo governo e amadurecimento do sindicalismo – confirma que o cenário atual é bem mais favorável à luta dos trabalhadores por seus direitos. Durante os anos de hegemonia neoliberal, os sindicatos ficaram na acuados devido à explosão do desemprego e à regressão do trabalho, que fragmentou a classe e dificultou suas lutas. Hoje, é possível sair da retranca e adotar táticas mais ofensivas, ousadas.
As conquistas recentes na economia e na política não foram dádivas. O sindicalismo foi protagonista destes avanços e se cacifou para propor novas mudanças. Ele sempre defendeu o fortalecimento do mercado interno, o reforço do papel do estado, a valorização do trabalho, a prioridade aos programas sociais e a soberania. Nas 65 conferências promovidas pelo governo Lula, que reuniram 4,5 milhões de pessoas em debates democráticos sobre os rumos do país, o sindicalismo lutou por novo projeto nacional de desenvolvimento.
A militância na disputa eleitoral
Ele nunca aceitou a postura ortodoxa que impera no Banco Central, com o seu tripé de política monetária restritiva, política fiscal contracionista e política cambial entreguista. Sem abdicar da sua autonomia e independência, o sindicalismo reúne hoje melhores condições para interferir politicamente nos rumos do país.
No momento mais difícil da campanha eleitoral, quando Dilma Rousseff foi alvo de baixarias da direita e do bombardeio manipulador da mídia, ele foi às ruas, praças, portas de empresas, filas do transporte para alertar a sociedade sobre o risco do retrocesso. Sua militância foi decisiva para a continuidade do projeto político iniciado pelo presidente Lula. Não é para menos que José Serra, o candidato da direita, fez duros ataques ao movimento sindical, repetindo o coro dos golpistas de 1964 contra a “república sindicalista”.
Hora de maior ousadia
Agora é a hora de partir para ofensiva. De cobrar as promessas de campanha e exigir mudanças urgentes no país. O sindicalismo não pode se limitar à luta corporativa e econômica. Ele precisa politizar suas bases e interferir nos rumos nacionais. No campo político, é urgente defender as reformas estruturais – agrária, urbana, educacional, política, tributária e de democratização da mídia. Ainda na sua relação autônoma com o governo, ele necessita pressionar por mudanças na política macroeconômica, superando o tripé neoliberal que contém o desenvolvimento.
Já no terreno econômico, o quadro atual de retomada do crescimento também permite uma ação mais ousada. Se em plena crise capitalista, 93% das categorias conquistaram reajustes iguais ou superiores à inflação, num cenário de aquecimento é possível exigir muito mais das empresas. Elas estão auferindo lucros recordes e não têm do que choramingar. Fruto do crescimento, a arrecadação dos estados cresce em ritmo vertiginoso. O poder público não pode mais alegar problemas de caixa, não pode mais repetir a falácia da redução de gastos e do “ajuste fiscal”.
Este é o momento para exigir a distribuição dos lucros decorrentes do aumento da produtividade e da arrecadação. Esta é a melhor hora para enterrar os entulhos da regressão trabalhista imposta pelos neoliberais, em especial com suas medidas de precarização da jornada (banco de horas), da contratação (terceirização e outras formas de contratos precários) e da remuneração (salários variáveis). Já no âmbito federal, o fim do fator previdenciário, que arrocha as aposentadorias e pensões e alonga o tempo de trabalho, torna-se uma realidade palpável. Não há porque manter esta fórmula injusta e draconiana, imposta nos tempos neoliberais de FHC.
“Uma reforma revolucionária”
Na contramão da ofensiva mundial de desmonte dos direitos trabalhistas, o Brasil reúne hoje as melhores condições para conquistar a redução da jornada para 40 horas semanais – o que seria uma vitória história do sindicalismo brasileiro, uma autêntica “reforma revolucionária”.
No final de 2009, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95 que institui a redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. De autoria dos senadores Paulo Paim (PT/RS) e Inácio Arruda (PCdoB/CE), o texto prevê ainda o aumento do valor da hora-extra de 50% para 75% e veta qualquer redução dos salários. Naquela ocasião, mais de mil ativistas sindicais lotaram as galerias do Salão Nereu Ramos e festejaram a aprovação.
Na sequência, o projeto ficou congelado devido às pressões da bancada patronal. O projeto deve voltar à pauta no início da próxima legislatura. A bancada dos trabalhadores cresceu na última eleição e alguns deputados patronais não foram reeleitos. A correlação de forças no Congresso Nacional agora é mais favorável a aprovação desta medida. O sindicalismo deve colocar como prioridade máxima esta conquista.
Impactos da redução da jornada
Segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), a redução da jornada “teria o impacto potencial de gerar em torno de 2.252.600 novos postos de trabalho”. Já o fim ou redução das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam aos empresários compensar os efeitos da jornada menor com a intensificação dos ritmos de trabalho, “teria potencial de geração de 1.2000.000 novos empregos”.
Além de gerar quase 3,5 milhões de novos postos de trabalho, a redução daria mais sentido à vida do trabalhador, permitindo maior convívio familiar, lazer e estudo. Ela democratizaria os ganhos de produtividade e impulsionaria o crescimento da economia como fruto da geração de mais emprego, renda e consumo.
Ainda no âmbito do Poder Legislativo, urge retomar a pressão pela ratificação da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que limita as demissões imotivadas e daria um impulso à ação sindical, contrapondo-se a alta rotatividade no emprego por razões econômicas e políticas. Também avança o debate legislativo sobre os efeitos da terceirização, que rebaixa os salários, retira direitos trabalhistas, aumenta os acidentes de trabalho e, inclusive, gera prejuízos às contratantes devido à ineficiência das terceirizadas. A proposta é coibir esta chaga, garantindo aos terceirizados o mesmo reajuste salarial e os mesmos direitos dos trabalhadores da “empresa-mãe” e, o que é muito importante, que eles sejam representados pelo sindicato do setor.
Gargalos do sindicalismo
Para transformar o atual momento numa “janela de oportunidades”, o sindicalismo deverá ainda também enfrentar seus próprios gargalos. Há sintomas preocupantes de crise que ainda persistem da fase do tsunami neoliberal. Entre eles, quatro se destacam.
Devido ao desemprego e à precarização, os sindicatos reduziram seu enraizamento nas empresas. É urgente investir todas as energias na organização sindical nos locais de trabalho. O sindicato só é forte quando está presente no coração da exploração, quando conta com ativistas dispostos a mobilizar os trabalhadores na luta por seus direitos, contra qualquer tipo de injustiça e opressão.
Outro sinal preocupante é o do afastamento da juventude. Com uma formação individualista e tecnicista, os jovens não se sentem representados nos sindicatos, não possuem uma cultura de valorização da ação coletiva e desconhecem que seus direitos derivam da luta de outras gerações. Para atingir esta juventude, ainda tão distante, é preciso repensar a linguagem do sindicalismo, que está envelhecida, e as formas de atuação. Só a luta economicista não motiva os jovens, que procuram outras formas para se expressar – como a cultura e o lazer.
A estratégica luta de idéias
Um terceiro desafio é o de investir na formação político-sindical, o que ajuda a reciclar antigas lideranças e a forjar novos líderes. A luta de idéias na sociedade é cada dia mais complexa e dura. A mídia manipula informações e deforma comportamentos. As empresas também investem na luta de idéias para seduzir os trabalhadores. Sem um trabalho permanente de formação, que municie as lideranças e estimule o senso crítico, o sindicalismo ficará sempre em desvantagem no embate ideológico – o que dificultará sua capacidade de mobilização e organização.
Por último, ainda no terreno da luta de idéias, o sindicalismo necessita aprimorar seus meios de comunicação, seu contato diário com as bases. Sem repensar sua linguagem e sem utilizar todas as ferramentas hoje disponíveis (jornais, revistas, programas de rádio e televisão, internet) será difícil enfrentar a alienação e o ceticismo reinantes no meio dos trabalhadores, que prejudica a ação coletiva por seus direitos.
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A soma de vários fatores – crescimento econômico, relações democráticas com o novo governo e amadurecimento do sindicalismo – confirma que o cenário atual é bem mais favorável à luta dos trabalhadores por seus direitos. Durante os anos de hegemonia neoliberal, os sindicatos ficaram na acuados devido à explosão do desemprego e à regressão do trabalho, que fragmentou a classe e dificultou suas lutas. Hoje, é possível sair da retranca e adotar táticas mais ofensivas, ousadas.
As conquistas recentes na economia e na política não foram dádivas. O sindicalismo foi protagonista destes avanços e se cacifou para propor novas mudanças. Ele sempre defendeu o fortalecimento do mercado interno, o reforço do papel do estado, a valorização do trabalho, a prioridade aos programas sociais e a soberania. Nas 65 conferências promovidas pelo governo Lula, que reuniram 4,5 milhões de pessoas em debates democráticos sobre os rumos do país, o sindicalismo lutou por novo projeto nacional de desenvolvimento.
A militância na disputa eleitoral
Ele nunca aceitou a postura ortodoxa que impera no Banco Central, com o seu tripé de política monetária restritiva, política fiscal contracionista e política cambial entreguista. Sem abdicar da sua autonomia e independência, o sindicalismo reúne hoje melhores condições para interferir politicamente nos rumos do país.
No momento mais difícil da campanha eleitoral, quando Dilma Rousseff foi alvo de baixarias da direita e do bombardeio manipulador da mídia, ele foi às ruas, praças, portas de empresas, filas do transporte para alertar a sociedade sobre o risco do retrocesso. Sua militância foi decisiva para a continuidade do projeto político iniciado pelo presidente Lula. Não é para menos que José Serra, o candidato da direita, fez duros ataques ao movimento sindical, repetindo o coro dos golpistas de 1964 contra a “república sindicalista”.
Hora de maior ousadia
Agora é a hora de partir para ofensiva. De cobrar as promessas de campanha e exigir mudanças urgentes no país. O sindicalismo não pode se limitar à luta corporativa e econômica. Ele precisa politizar suas bases e interferir nos rumos nacionais. No campo político, é urgente defender as reformas estruturais – agrária, urbana, educacional, política, tributária e de democratização da mídia. Ainda na sua relação autônoma com o governo, ele necessita pressionar por mudanças na política macroeconômica, superando o tripé neoliberal que contém o desenvolvimento.
Já no terreno econômico, o quadro atual de retomada do crescimento também permite uma ação mais ousada. Se em plena crise capitalista, 93% das categorias conquistaram reajustes iguais ou superiores à inflação, num cenário de aquecimento é possível exigir muito mais das empresas. Elas estão auferindo lucros recordes e não têm do que choramingar. Fruto do crescimento, a arrecadação dos estados cresce em ritmo vertiginoso. O poder público não pode mais alegar problemas de caixa, não pode mais repetir a falácia da redução de gastos e do “ajuste fiscal”.
Este é o momento para exigir a distribuição dos lucros decorrentes do aumento da produtividade e da arrecadação. Esta é a melhor hora para enterrar os entulhos da regressão trabalhista imposta pelos neoliberais, em especial com suas medidas de precarização da jornada (banco de horas), da contratação (terceirização e outras formas de contratos precários) e da remuneração (salários variáveis). Já no âmbito federal, o fim do fator previdenciário, que arrocha as aposentadorias e pensões e alonga o tempo de trabalho, torna-se uma realidade palpável. Não há porque manter esta fórmula injusta e draconiana, imposta nos tempos neoliberais de FHC.
“Uma reforma revolucionária”
Na contramão da ofensiva mundial de desmonte dos direitos trabalhistas, o Brasil reúne hoje as melhores condições para conquistar a redução da jornada para 40 horas semanais – o que seria uma vitória história do sindicalismo brasileiro, uma autêntica “reforma revolucionária”.
No final de 2009, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95 que institui a redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. De autoria dos senadores Paulo Paim (PT/RS) e Inácio Arruda (PCdoB/CE), o texto prevê ainda o aumento do valor da hora-extra de 50% para 75% e veta qualquer redução dos salários. Naquela ocasião, mais de mil ativistas sindicais lotaram as galerias do Salão Nereu Ramos e festejaram a aprovação.
Na sequência, o projeto ficou congelado devido às pressões da bancada patronal. O projeto deve voltar à pauta no início da próxima legislatura. A bancada dos trabalhadores cresceu na última eleição e alguns deputados patronais não foram reeleitos. A correlação de forças no Congresso Nacional agora é mais favorável a aprovação desta medida. O sindicalismo deve colocar como prioridade máxima esta conquista.
Impactos da redução da jornada
Segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), a redução da jornada “teria o impacto potencial de gerar em torno de 2.252.600 novos postos de trabalho”. Já o fim ou redução das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam aos empresários compensar os efeitos da jornada menor com a intensificação dos ritmos de trabalho, “teria potencial de geração de 1.2000.000 novos empregos”.
Além de gerar quase 3,5 milhões de novos postos de trabalho, a redução daria mais sentido à vida do trabalhador, permitindo maior convívio familiar, lazer e estudo. Ela democratizaria os ganhos de produtividade e impulsionaria o crescimento da economia como fruto da geração de mais emprego, renda e consumo.
Ainda no âmbito do Poder Legislativo, urge retomar a pressão pela ratificação da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que limita as demissões imotivadas e daria um impulso à ação sindical, contrapondo-se a alta rotatividade no emprego por razões econômicas e políticas. Também avança o debate legislativo sobre os efeitos da terceirização, que rebaixa os salários, retira direitos trabalhistas, aumenta os acidentes de trabalho e, inclusive, gera prejuízos às contratantes devido à ineficiência das terceirizadas. A proposta é coibir esta chaga, garantindo aos terceirizados o mesmo reajuste salarial e os mesmos direitos dos trabalhadores da “empresa-mãe” e, o que é muito importante, que eles sejam representados pelo sindicato do setor.
Gargalos do sindicalismo
Para transformar o atual momento numa “janela de oportunidades”, o sindicalismo deverá ainda também enfrentar seus próprios gargalos. Há sintomas preocupantes de crise que ainda persistem da fase do tsunami neoliberal. Entre eles, quatro se destacam.
Devido ao desemprego e à precarização, os sindicatos reduziram seu enraizamento nas empresas. É urgente investir todas as energias na organização sindical nos locais de trabalho. O sindicato só é forte quando está presente no coração da exploração, quando conta com ativistas dispostos a mobilizar os trabalhadores na luta por seus direitos, contra qualquer tipo de injustiça e opressão.
Outro sinal preocupante é o do afastamento da juventude. Com uma formação individualista e tecnicista, os jovens não se sentem representados nos sindicatos, não possuem uma cultura de valorização da ação coletiva e desconhecem que seus direitos derivam da luta de outras gerações. Para atingir esta juventude, ainda tão distante, é preciso repensar a linguagem do sindicalismo, que está envelhecida, e as formas de atuação. Só a luta economicista não motiva os jovens, que procuram outras formas para se expressar – como a cultura e o lazer.
A estratégica luta de idéias
Um terceiro desafio é o de investir na formação político-sindical, o que ajuda a reciclar antigas lideranças e a forjar novos líderes. A luta de idéias na sociedade é cada dia mais complexa e dura. A mídia manipula informações e deforma comportamentos. As empresas também investem na luta de idéias para seduzir os trabalhadores. Sem um trabalho permanente de formação, que municie as lideranças e estimule o senso crítico, o sindicalismo ficará sempre em desvantagem no embate ideológico – o que dificultará sua capacidade de mobilização e organização.
Por último, ainda no terreno da luta de idéias, o sindicalismo necessita aprimorar seus meios de comunicação, seu contato diário com as bases. Sem repensar sua linguagem e sem utilizar todas as ferramentas hoje disponíveis (jornais, revistas, programas de rádio e televisão, internet) será difícil enfrentar a alienação e o ceticismo reinantes no meio dos trabalhadores, que prejudica a ação coletiva por seus direitos.
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Regulação não é sinônimo de censura
Reproduzo artigo de Cynara Menezes, publicado no sítio da revista CartaCapital:
Mais do que buscar fontes de inspiração para seu próprio projeto de controle social da mídia, o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, promovido pela Secretaria de Comunicação da Presidência esta semana em Brasília, parecia ter o intuito de tentar tranquilizar setores supostamente preocupados com a liberdade de expressão. Afinal, mostrou o encontro, a regulamentação é uma realidade em países desenvolvidos como o Reino Unido, a França e Canadá, entre muitos outros. Mas que nada: ao noticiar que o ministro Franklin Martins iria “insistir” no projeto, os jornais e tevês brasileiros voltaram a bater na tecla da censura.
Franklin chegou a dizer que as críticas ao projeto, que, apostou, será mesmo apresentado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso, não passam de subterfúgios, porque não existe possibilidade de censura. “Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaçada é bobagem, fantasma, é um truque. Isso não está em jogo”, afirmou. Rapidamente, a Abert (Associação das Emissoras de Rádio e TV) reagiu. “Enxergamos de modo diferente. Não estamos vendo fantasmas. São coisas que estão acontecendo”, disse Luis Roberto Antonik, diretor-geral da entidade, embora ponderando que Franklin nunca tenha usado “o poder dele para restringir a liberdade de expressão”.
Na quarta-feira 10, último dia do seminário, o ministro da Secom voltou a reafirmar que a intenção do governo é, como acontece nos demais países, estabelecer obrigações, não proibições, em termos de conteúdo, como por exemplo a proteção da língua, da cultura nacional e das crianças e menores de idade. “Estes fantasmas deveriam ficar no sótão, a regulação não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Na maioria dos países, quando se fala em regular conteúdo, não se fala em censura. Não tem volta de dona Solange”, disse Franklin, em referência à famosa censora do cinema e da TV da época da ditadura militar.
Ao que tudo indica, todos estão surdos. Fala-se em controle social e os donos de jornais e tevês escutam “censura”. Nos principais sites informativos dos maiores grupos noticiosos, durante os dois dias em que aconteceu o seminário o projeto idealizado pelo governo era descrito como de “controle da imprensa”. Por trás da preocupação com a liberdade de expressão, porém, esconde-se o real temor, por parte das “nove ou dez famílias” que controlam a comunicação no país (para usar as palavras do presidente Lula) de que o projeto do governo represente desconcentração do setor.
“A Sociedade Interamericana de Imprensa é um grupo de empresários, donos de jornais, preocupados em defender seu negócio. A liberdade de expressão pertence aos cidadãos, não é propriedade deles”, declarou Gustavo Bulla, diretor Nacional de Supervisão da AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), órgão regulador argentino. Simultaneamente ao evento brasileiro ocorria em Mérida, no México, a 66a. reunião da SIP, que reuniu editores e executivos de jornais e meios de comunicação das Américas. A entidade mostrou sua “preocupação” com a iniciativa tomada por alguns Estados brasileiros de criar agências reguladoras de mídia, e pediu aos governadores “veto sumário” às propostas.
Segundo o ministro Franklin Martins, cada país possui seu próprio modelo regulatório, e o Brasil ainda vai escolher o seu. O exemplo da Argentina é instigante. A lei sancionada há um ano pela presidente Cristina Kirchner não tem nada a ver com a venezuelana, como se acusa, e sim com os modelos canadense e norte-americano. “Como no Brasil, também fomos chamados de ‘chavistas’”, conta Bulla. “Isso se faz para colocar medo nos cidadãos.” O que não significa que os argentinos não foram ousados em sua proposta. Não à toa, o maior grupo de comunicação do país, o Clarín, vive às turras com o governo e é considerado “o maior partido de oposição” a Kirchner.
Se já há tanta polêmica no Brasil em torno do marco regulatório, imaginem se fosse feito aqui o que ocorreu na Argentina: em agosto do ano passado, a transmissão das partidas de futebol foi simplesmente “estatizada”. Bulla conta que, como os jogos eram transmitidos via TV a cabo, isso fazia com que uma parte enorme da população não tivesse acesso ao futebol a não ser em locais públicos, como restaurantes, bares e pizzarias. O governo decidiu, então, negociar com a AFA (Associação de Futebol Argentino) a compra dos direitos de transmissão e propôs pagar o dobro do que oferecia o Clarín e a empresa Torneos y Competencias, detentores dos direitos havia 18 anos.
Desde então, todo mundo tem acesso aos jogos via TV estatal, o canal 7. “Eles tentaram ir à Justiça contra a decisão do governo, mas não conseguiram nada”, conta Bulla, citando uma frase do popular locutor esportivo Victor Hugo Morales: “Os direitos exclusivos do futebol foram o cavalo de Tróia da concentração dos meios de comunicação na Argentina”. Além de democratizar o acesso ao futebol, a lei significou não só desconcentração econômica como cultural.
Antes, como as rádios de todo o país apenas repetiam a programação vinda de Buenos Aires, um habitante da Patagônia, por exemplo, acordava com notícias sobre o tráfego na capital e não sobre sua própria região. “Isso matava as manifestações regionais de cultura”, diz Gustavo Bulla. Com a nova lei, a mera repetição de conteúdo foi restringida, assim como a possessão de até 24 concessões por um mesmo grupo de comunicação.
O que é bom para a Argentina talvez seja bom para o Brasil – e aí reside o verdadeiro temor dos donos da imprensa, não fictícios atentados à liberdade de expressão. Só falta o governo brasileiro querer questionar também as exclusividades milionárias das transmissões desportivas. Isto também seria considerado censura?
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Mais do que buscar fontes de inspiração para seu próprio projeto de controle social da mídia, o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, promovido pela Secretaria de Comunicação da Presidência esta semana em Brasília, parecia ter o intuito de tentar tranquilizar setores supostamente preocupados com a liberdade de expressão. Afinal, mostrou o encontro, a regulamentação é uma realidade em países desenvolvidos como o Reino Unido, a França e Canadá, entre muitos outros. Mas que nada: ao noticiar que o ministro Franklin Martins iria “insistir” no projeto, os jornais e tevês brasileiros voltaram a bater na tecla da censura.
Franklin chegou a dizer que as críticas ao projeto, que, apostou, será mesmo apresentado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso, não passam de subterfúgios, porque não existe possibilidade de censura. “Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaçada é bobagem, fantasma, é um truque. Isso não está em jogo”, afirmou. Rapidamente, a Abert (Associação das Emissoras de Rádio e TV) reagiu. “Enxergamos de modo diferente. Não estamos vendo fantasmas. São coisas que estão acontecendo”, disse Luis Roberto Antonik, diretor-geral da entidade, embora ponderando que Franklin nunca tenha usado “o poder dele para restringir a liberdade de expressão”.
Na quarta-feira 10, último dia do seminário, o ministro da Secom voltou a reafirmar que a intenção do governo é, como acontece nos demais países, estabelecer obrigações, não proibições, em termos de conteúdo, como por exemplo a proteção da língua, da cultura nacional e das crianças e menores de idade. “Estes fantasmas deveriam ficar no sótão, a regulação não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Na maioria dos países, quando se fala em regular conteúdo, não se fala em censura. Não tem volta de dona Solange”, disse Franklin, em referência à famosa censora do cinema e da TV da época da ditadura militar.
Ao que tudo indica, todos estão surdos. Fala-se em controle social e os donos de jornais e tevês escutam “censura”. Nos principais sites informativos dos maiores grupos noticiosos, durante os dois dias em que aconteceu o seminário o projeto idealizado pelo governo era descrito como de “controle da imprensa”. Por trás da preocupação com a liberdade de expressão, porém, esconde-se o real temor, por parte das “nove ou dez famílias” que controlam a comunicação no país (para usar as palavras do presidente Lula) de que o projeto do governo represente desconcentração do setor.
“A Sociedade Interamericana de Imprensa é um grupo de empresários, donos de jornais, preocupados em defender seu negócio. A liberdade de expressão pertence aos cidadãos, não é propriedade deles”, declarou Gustavo Bulla, diretor Nacional de Supervisão da AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), órgão regulador argentino. Simultaneamente ao evento brasileiro ocorria em Mérida, no México, a 66a. reunião da SIP, que reuniu editores e executivos de jornais e meios de comunicação das Américas. A entidade mostrou sua “preocupação” com a iniciativa tomada por alguns Estados brasileiros de criar agências reguladoras de mídia, e pediu aos governadores “veto sumário” às propostas.
Segundo o ministro Franklin Martins, cada país possui seu próprio modelo regulatório, e o Brasil ainda vai escolher o seu. O exemplo da Argentina é instigante. A lei sancionada há um ano pela presidente Cristina Kirchner não tem nada a ver com a venezuelana, como se acusa, e sim com os modelos canadense e norte-americano. “Como no Brasil, também fomos chamados de ‘chavistas’”, conta Bulla. “Isso se faz para colocar medo nos cidadãos.” O que não significa que os argentinos não foram ousados em sua proposta. Não à toa, o maior grupo de comunicação do país, o Clarín, vive às turras com o governo e é considerado “o maior partido de oposição” a Kirchner.
Se já há tanta polêmica no Brasil em torno do marco regulatório, imaginem se fosse feito aqui o que ocorreu na Argentina: em agosto do ano passado, a transmissão das partidas de futebol foi simplesmente “estatizada”. Bulla conta que, como os jogos eram transmitidos via TV a cabo, isso fazia com que uma parte enorme da população não tivesse acesso ao futebol a não ser em locais públicos, como restaurantes, bares e pizzarias. O governo decidiu, então, negociar com a AFA (Associação de Futebol Argentino) a compra dos direitos de transmissão e propôs pagar o dobro do que oferecia o Clarín e a empresa Torneos y Competencias, detentores dos direitos havia 18 anos.
Desde então, todo mundo tem acesso aos jogos via TV estatal, o canal 7. “Eles tentaram ir à Justiça contra a decisão do governo, mas não conseguiram nada”, conta Bulla, citando uma frase do popular locutor esportivo Victor Hugo Morales: “Os direitos exclusivos do futebol foram o cavalo de Tróia da concentração dos meios de comunicação na Argentina”. Além de democratizar o acesso ao futebol, a lei significou não só desconcentração econômica como cultural.
Antes, como as rádios de todo o país apenas repetiam a programação vinda de Buenos Aires, um habitante da Patagônia, por exemplo, acordava com notícias sobre o tráfego na capital e não sobre sua própria região. “Isso matava as manifestações regionais de cultura”, diz Gustavo Bulla. Com a nova lei, a mera repetição de conteúdo foi restringida, assim como a possessão de até 24 concessões por um mesmo grupo de comunicação.
O que é bom para a Argentina talvez seja bom para o Brasil – e aí reside o verdadeiro temor dos donos da imprensa, não fictícios atentados à liberdade de expressão. Só falta o governo brasileiro querer questionar também as exclusividades milionárias das transmissões desportivas. Isto também seria considerado censura?
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Regulação de mídia e exorcismo
Reproduzo artigo de Renata Mielli, publicado no blog "Janela sobre a palavra":
Se em fevereiro, grupos empresariais promoveram o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão – que ficou popularmente conhecido como o seminário do Instituto Millenium – com o objetivo de se contrapor a ideia de que é preciso haver regulação da comunicação no Brasil e taxando os que a defendem de apologistas da censura; agora o governo contra-ataca e mostra que o discurso do medo, que invoca o espectro da censura, é apenas um truque para impedir o debate da regulação.
Mostrar que nos países tidos como exemplos de sociedades democráticas (Reino Unido, França, Canadá, Portugal, Espanha, Estados Unidos) há um marco regulatório pactuado entre todos os atores, abrangente e socialmente construído, é o objetivo deste importante seminário promovido pela Secom.
O seminário internacional “Comunicações eletrônicas e convergências de mídias”, reúne representantes de países europeus, dos Estados Unidos, Canadá e de organismos internacionais para apresentarem qual o ambiente regulatório de comunicação é aplicado mundo afora. O público do evento é composto de agentes econômicos da comunicação (da radiodifusão, produção audiovisual e telecomunicação), agentes públicos (agências reguladoras, ministérios, estatais) e movimentos sociais.
Na abertura, o ministro da Secom, Franklin Martins, passou o recado: vamos colocar os fantasmas no sótão. “Nenhum grupo, nenhum setor tem o poder de interditar a discussão. Ela está na mesa e será feita num ambiente de entendimento ou de enfrentamento”, e foi taxativo: “Se não discutirmos, quem vai regular é o mercado, e quando o mercado regula quem ganha é o mais forte”.
E o mais forte, neste caso, é o setor da telecomunicação que faturou só em 2009 a bagatela de 180 bilhões de reais, enquanto a radiodifusão faturou 13 bi.
E é exatamente a radiodifusão e os grupos de mídia tradicionais que têm imposto maiores obstáculos ao debate da regulação. Tanto é que foram estes os segmentos que se retiraram da comissão organizadora da 1ª Confecom, e que passaram a editorializar toda e qualquer discussão sobre comunicação como tentativa de censura. Mesmo sabendo que há uma clara opinião no governo de que “nesse ambiente de convergência de mídia é preciso dar tratamento especial à radiodifusão que opera em sinal aberto e gratuito”, como disse hoje Franklin Martins.
Ele lembrou que a legislação brasileira é da década de 60 do século passado. “Acumularam-se problemas imensos nestes anos por não termos enfrentado de frente a questão da regulação. Nossa legislação é um cipoal de gambiarras por não se enfrentar os problemas. Nossos dispositivos constitucionais não foram regulamentados. Passados 22 anos não se votou praticamente nada nesse sentido. Se nós acharmos que não queremos produção independente, produção regional, se não queremos evitar o excesso de concentração, então temos que revogar esses dispositivos”, disse.
Apesar dessa dívida história, Franklin aponta um debate sobre a regulação que olhe para frente “e procure legislar de forma mais moderna, progressista, cidadã e democrática. Precisamos de um processo de discussão pública e transparente. Sabemos que as dificuldades são imensas. Mas, se formos capazes de nos livrarmos dos nossos fantasmas e avançarmos na discussão vamos conseguir alcançar um entendimento”, acredita.
Ao final de sua fala de abertura, Franklin Martins desafiou aos presentes a perguntarem aos palestrantes se o fato de haver regulação em seus países provocou algum entrave à liberdade de imprensa ou à liberdade de expressão.
As posições expressadas pelo ministro da Secom são importantes e convergem em grande medida com o pensamento dos movimentos que têm insistentemente lutado pela democratização das comunicações no Brasil. O debate que se desenvolveu no processo da 1ª Confecom tinha exatamente o mesmo sentido: é preciso regular o setor de comunicação, a luz do que já propugna a Constituição, e é preciso construir políticas públicas que garantam a pluralidade e a diversidade comunicacional no país.
É pena que estas posições estejam sendo mais abertamente colocadas apenas no final do mandato do presidente Lula. Claro, resta a expectativa de que o novo governo se comprometa com essa importante agenda política e dê sequência aos debates que se originaram lá na Confecom.
Franklin Martins parece estar otimista neste sentido. Ele afirmou estar convencido "que a área de Comunicação no governo Dilma terá mais ou menos o mesmo tratamento que foi dado à área de energia no início do governo Lula. Criou-se um novo ambiente regulatório e se criou uma situação favorável para o crescimento da economia". Vamos ver.
O importante é que o atual governo compartilhe com a sociedade, o mais rapidamente possível, o que está elaborando como subsídios para o novo marco regulatório, permitindo que haja espaços de interação para a apresentação da versão final a ser submetida ao debate público.
O debate não vai ser fácil. Vamos ver quais são os setores que conseguirão exorcisar mais rapidamente os seus fantasmas
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Se em fevereiro, grupos empresariais promoveram o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão – que ficou popularmente conhecido como o seminário do Instituto Millenium – com o objetivo de se contrapor a ideia de que é preciso haver regulação da comunicação no Brasil e taxando os que a defendem de apologistas da censura; agora o governo contra-ataca e mostra que o discurso do medo, que invoca o espectro da censura, é apenas um truque para impedir o debate da regulação.
Mostrar que nos países tidos como exemplos de sociedades democráticas (Reino Unido, França, Canadá, Portugal, Espanha, Estados Unidos) há um marco regulatório pactuado entre todos os atores, abrangente e socialmente construído, é o objetivo deste importante seminário promovido pela Secom.
O seminário internacional “Comunicações eletrônicas e convergências de mídias”, reúne representantes de países europeus, dos Estados Unidos, Canadá e de organismos internacionais para apresentarem qual o ambiente regulatório de comunicação é aplicado mundo afora. O público do evento é composto de agentes econômicos da comunicação (da radiodifusão, produção audiovisual e telecomunicação), agentes públicos (agências reguladoras, ministérios, estatais) e movimentos sociais.
Na abertura, o ministro da Secom, Franklin Martins, passou o recado: vamos colocar os fantasmas no sótão. “Nenhum grupo, nenhum setor tem o poder de interditar a discussão. Ela está na mesa e será feita num ambiente de entendimento ou de enfrentamento”, e foi taxativo: “Se não discutirmos, quem vai regular é o mercado, e quando o mercado regula quem ganha é o mais forte”.
E o mais forte, neste caso, é o setor da telecomunicação que faturou só em 2009 a bagatela de 180 bilhões de reais, enquanto a radiodifusão faturou 13 bi.
E é exatamente a radiodifusão e os grupos de mídia tradicionais que têm imposto maiores obstáculos ao debate da regulação. Tanto é que foram estes os segmentos que se retiraram da comissão organizadora da 1ª Confecom, e que passaram a editorializar toda e qualquer discussão sobre comunicação como tentativa de censura. Mesmo sabendo que há uma clara opinião no governo de que “nesse ambiente de convergência de mídia é preciso dar tratamento especial à radiodifusão que opera em sinal aberto e gratuito”, como disse hoje Franklin Martins.
Ele lembrou que a legislação brasileira é da década de 60 do século passado. “Acumularam-se problemas imensos nestes anos por não termos enfrentado de frente a questão da regulação. Nossa legislação é um cipoal de gambiarras por não se enfrentar os problemas. Nossos dispositivos constitucionais não foram regulamentados. Passados 22 anos não se votou praticamente nada nesse sentido. Se nós acharmos que não queremos produção independente, produção regional, se não queremos evitar o excesso de concentração, então temos que revogar esses dispositivos”, disse.
Apesar dessa dívida história, Franklin aponta um debate sobre a regulação que olhe para frente “e procure legislar de forma mais moderna, progressista, cidadã e democrática. Precisamos de um processo de discussão pública e transparente. Sabemos que as dificuldades são imensas. Mas, se formos capazes de nos livrarmos dos nossos fantasmas e avançarmos na discussão vamos conseguir alcançar um entendimento”, acredita.
Ao final de sua fala de abertura, Franklin Martins desafiou aos presentes a perguntarem aos palestrantes se o fato de haver regulação em seus países provocou algum entrave à liberdade de imprensa ou à liberdade de expressão.
As posições expressadas pelo ministro da Secom são importantes e convergem em grande medida com o pensamento dos movimentos que têm insistentemente lutado pela democratização das comunicações no Brasil. O debate que se desenvolveu no processo da 1ª Confecom tinha exatamente o mesmo sentido: é preciso regular o setor de comunicação, a luz do que já propugna a Constituição, e é preciso construir políticas públicas que garantam a pluralidade e a diversidade comunicacional no país.
É pena que estas posições estejam sendo mais abertamente colocadas apenas no final do mandato do presidente Lula. Claro, resta a expectativa de que o novo governo se comprometa com essa importante agenda política e dê sequência aos debates que se originaram lá na Confecom.
Franklin Martins parece estar otimista neste sentido. Ele afirmou estar convencido "que a área de Comunicação no governo Dilma terá mais ou menos o mesmo tratamento que foi dado à área de energia no início do governo Lula. Criou-se um novo ambiente regulatório e se criou uma situação favorável para o crescimento da economia". Vamos ver.
O importante é que o atual governo compartilhe com a sociedade, o mais rapidamente possível, o que está elaborando como subsídios para o novo marco regulatório, permitindo que haja espaços de interação para a apresentação da versão final a ser submetida ao debate público.
O debate não vai ser fácil. Vamos ver quais são os setores que conseguirão exorcisar mais rapidamente os seus fantasmas
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Marco regulatório X liberdade da imprensa
Reproduzo artigo do professor Venício de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Em entrevista concedida ao Jornal da Band, no último dia 2/11, a presidente eleita Dilma Rousseff tentou esclarecer, pela undécima vez, uma diferença que a grande mídia e seus aliados têm ignorado e, arriscaria a dizer, deliberadamente confundido: marco regulatório da mídia não tem nada a ver com qualquer restrição à liberdade da imprensa.
Diante da inescapável pauta sobre as "ameaças à democracia e à liberdade de expressão e de imprensa" que o país estaria enfrentando, o apresentador, Fábio Pannunzio, pergunta:
Apresentador: Esse é um assunto que, apesar de a senhora ter falado mil vezes disso, ainda não ficou claro o suficiente para que as pessoas possam entender. Então, vou insistir na pergunta. A senhora disse no seu discurso de anteontem [31/10] que prefere o barulho de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras, não é? A senhora estava se referindo a isso que se atribuí ao PT, que há uma tentativa de controlar a liberdade de imprensa no Brasil? (...)
Presidente eleita: Veja bem, você tem de distinguir duas coisas: marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia. O controle social da mídia, se for de conteúdo, ele é um absurdo! É, de fato, um acinte à liberdade de imprensa, com esse acinte eu não compactuo. Jamais compactuarei.
Apresentador: A senhora vetaria se chegasse à sua mesa?
Presidente eleita: Se chegar na minha mesa qualquer tentativa de coibir a imprensa, no que se refere a divulgação de ideias, posições, propostas, opiniões, enfim, tudo que for conteúdo, eu acho que é isso que eu falei mesmo, o barulho da imprensa , seja que crítica for, ele é construtivo. Mesmo quando você discorda dele. Agora, isso não é um milhão de vezes, é infinitas vezes melhor que o silêncio das ditaduras. Isso é uma coisa.
Outra coisa diferente é a questão do marco regulatório. Porque o marco regulatório é outra questão. Vou tentar explicar, com alguns exemplos.
Apresentador: Para que a gente consiga entender, exatamente, a questão.
Presidente eleita: Com exemplos. Por exemplo: a participação do capital estrangeiro. Você tem todo o país regulamenta a participação do capital estrangeiro nas suas diferentes mídias. Outra questão, que é importantíssima, é o fato de que o mundo está mudando em uma velocidade enorme. Então, você vai ter de regular, de alguma forma, a interação entre as mídias, porque, hoje, quem faz isso não pode fazer aquilo, que não pode fazer aquele outro. O problema do cabo, o problema do sinal aberto, como é que junta tudo isso com internet; mesmo assim eu acho que a gente tem de ter muito cuidado.
Você tem de fazer um marco regulatório que permita que haja adaptações ao longo do tempo. Por quê? Porque, eu não sei se você lembra, em 80, nos anos 80, 90, a telefonia fixa era uma potência. Cada vez mais, com a base da internet, você tem a possibilidade, em cima da internet, de ter TV, telefonia, celular, enfim. O mundo está mudando, então até isso você vai ter de considerar. Você não pode ter, também, um marco regulatório que desconheça a existência da banda larga. E se você vai poder, ou não vai poder, fazer televisão, em que condições você vai fazer televisão. Isso o Brasil vai ter de regular minimamente, até porque tem casos que, se você não fizer isso, você deixa que haja uma concorrência meio desproporcional entre diferentes organismos.
Apresentador: Ok, muito obrigado pela resposta.
[Curiosamente essa parte da entrevista não consta do vídeo disponibilizado no site do Jornal da Band]
Confusão deliberada
Um marco regulatório se refere à regulação do mercado de mídia e à garantia de direitos humanos fundamentais. A regulação é necessária para impedir a propriedade cruzada e a concentração do controle nas mãos de umas poucas famílias e oligarquias políticas; garantir competição, pluralidade e diversidade. Para impedir a continuidade do "coronelismo eletrônico"; garantir o direito de resposta, inclusive o direito difuso, e o direito de antena. Em particular, marco regulatório se refere à radiodifusão (como se sabe, mas é sempre bom relembrar, uma concessão pública) e às novas tecnologias (internet, banda larga, telefonia móvel etc.).
Como diz a célebre frase do juiz Byron White da Suprema Corte dos Estados Unidos, "é o direito dos telespectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano".
É disso que se trata.
Pergunto ao eventual leitor(a) se ele acredita que em democracias como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Alemanha, Portugal, Espanha – para citar apenas alguns –, a liberdade da imprensa vive sob permanente ameaça? A comparação faz sentido no atual contexto brasileiro porque esses são países onde existe, há décadas, marco regulatório para o campo das comunicações, vale dizer, regulação da mídia.
A legislação ignorada
No Brasil, tanto a lei quanto a Constituição são cristalinas sobre a necessidade de fiscalização e regulação das concessões de radiodifusão. Ademais, os avanços tecnológicos das últimas décadas, que têm como marco a revolução digital e provocaram a chamada "convergência de mídias" pela diluição das fronteiras entre as telecomunicações e a radiodifusão, tornaram inevitável a regulação do setor.
Mais uma vez: é disso que se trata.
O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962) prevê no seu artigo 10:
Art. 10. Compete privativamente à União:
II – fiscalizar os Serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.
Além disso, o código admite a punição para o caso de abusos de concessionários. Está escrito na lei:
Art. 52. A liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício.
Art. 53. Constitui abuso, no exercício de liberdade da radiodifusão, o emprêgo dêsse meio de comunicação para a prática de crime ou contravenção previstos na legislação em vigor no País, inclusive: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
Alguns exemplos de abusos citados na Lei:
e) promover campanha discriminatória de classe, côr, raça ou religião; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
(...)
g) comprometer as relações internacionais do País; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
Por outro lado, o Decreto n. 52.795 de 1963, que regulamenta os serviços de radiodifusão, antecipa normas e princípios que seriam, mais tarde, incorporados à Constituição de 1988. Está lá:
Art. 28 – As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (Redação dada pelo Decreto nº 88067, de 26.1.1983)
11- subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão;
12 – na organização da programação:
a) manter um elevado sentido moral e cívico, não permitindo a transmissão de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros, anedotas ou palavras contrárias à moral familiar e aos bons costumes;
b) não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico;
c) destinar um mínimo de 5% (cinco por cento) do horário de sua programação diária à transmissão de serviço noticioso;
d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário da sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial;
e) reservar 5 (cinco) horas semanais para a transmissão de programas educacionais.
Por fim, a Constituição de 1988, prevê, especificamente, leis federais para a regulação de diferentes aspectos das comunicações, assim como a instalação de um Conselho para auxiliar o Congresso Nacional em qualquer assunto relativo ao capítulo "Da Comunicação Social".
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 3º – Compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
(...)
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Art. 222. (...)
§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)
(...)
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
(...)
Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Direito à comunicação
Como disse a presidente eleita, há que se distinguir "marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia". Quem os confunde está, de fato, querendo evitar a regulação do mercado e a perda de privilégios históricos.
Insisto: regular a mídia é ampliar a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa, a pluralidade e a diversidade. Regular a mídia é garantir mais – e não menos – democracia. É caminhar no sentido do pleno reconhecimento do direito à comunicação como um direito fundamental da cidadania.
É disso que se trata.
.
Em entrevista concedida ao Jornal da Band, no último dia 2/11, a presidente eleita Dilma Rousseff tentou esclarecer, pela undécima vez, uma diferença que a grande mídia e seus aliados têm ignorado e, arriscaria a dizer, deliberadamente confundido: marco regulatório da mídia não tem nada a ver com qualquer restrição à liberdade da imprensa.
Diante da inescapável pauta sobre as "ameaças à democracia e à liberdade de expressão e de imprensa" que o país estaria enfrentando, o apresentador, Fábio Pannunzio, pergunta:
Apresentador: Esse é um assunto que, apesar de a senhora ter falado mil vezes disso, ainda não ficou claro o suficiente para que as pessoas possam entender. Então, vou insistir na pergunta. A senhora disse no seu discurso de anteontem [31/10] que prefere o barulho de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras, não é? A senhora estava se referindo a isso que se atribuí ao PT, que há uma tentativa de controlar a liberdade de imprensa no Brasil? (...)
Presidente eleita: Veja bem, você tem de distinguir duas coisas: marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia. O controle social da mídia, se for de conteúdo, ele é um absurdo! É, de fato, um acinte à liberdade de imprensa, com esse acinte eu não compactuo. Jamais compactuarei.
Apresentador: A senhora vetaria se chegasse à sua mesa?
Presidente eleita: Se chegar na minha mesa qualquer tentativa de coibir a imprensa, no que se refere a divulgação de ideias, posições, propostas, opiniões, enfim, tudo que for conteúdo, eu acho que é isso que eu falei mesmo, o barulho da imprensa , seja que crítica for, ele é construtivo. Mesmo quando você discorda dele. Agora, isso não é um milhão de vezes, é infinitas vezes melhor que o silêncio das ditaduras. Isso é uma coisa.
Outra coisa diferente é a questão do marco regulatório. Porque o marco regulatório é outra questão. Vou tentar explicar, com alguns exemplos.
Apresentador: Para que a gente consiga entender, exatamente, a questão.
Presidente eleita: Com exemplos. Por exemplo: a participação do capital estrangeiro. Você tem todo o país regulamenta a participação do capital estrangeiro nas suas diferentes mídias. Outra questão, que é importantíssima, é o fato de que o mundo está mudando em uma velocidade enorme. Então, você vai ter de regular, de alguma forma, a interação entre as mídias, porque, hoje, quem faz isso não pode fazer aquilo, que não pode fazer aquele outro. O problema do cabo, o problema do sinal aberto, como é que junta tudo isso com internet; mesmo assim eu acho que a gente tem de ter muito cuidado.
Você tem de fazer um marco regulatório que permita que haja adaptações ao longo do tempo. Por quê? Porque, eu não sei se você lembra, em 80, nos anos 80, 90, a telefonia fixa era uma potência. Cada vez mais, com a base da internet, você tem a possibilidade, em cima da internet, de ter TV, telefonia, celular, enfim. O mundo está mudando, então até isso você vai ter de considerar. Você não pode ter, também, um marco regulatório que desconheça a existência da banda larga. E se você vai poder, ou não vai poder, fazer televisão, em que condições você vai fazer televisão. Isso o Brasil vai ter de regular minimamente, até porque tem casos que, se você não fizer isso, você deixa que haja uma concorrência meio desproporcional entre diferentes organismos.
Apresentador: Ok, muito obrigado pela resposta.
[Curiosamente essa parte da entrevista não consta do vídeo disponibilizado no site do Jornal da Band]
Confusão deliberada
Um marco regulatório se refere à regulação do mercado de mídia e à garantia de direitos humanos fundamentais. A regulação é necessária para impedir a propriedade cruzada e a concentração do controle nas mãos de umas poucas famílias e oligarquias políticas; garantir competição, pluralidade e diversidade. Para impedir a continuidade do "coronelismo eletrônico"; garantir o direito de resposta, inclusive o direito difuso, e o direito de antena. Em particular, marco regulatório se refere à radiodifusão (como se sabe, mas é sempre bom relembrar, uma concessão pública) e às novas tecnologias (internet, banda larga, telefonia móvel etc.).
Como diz a célebre frase do juiz Byron White da Suprema Corte dos Estados Unidos, "é o direito dos telespectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano".
É disso que se trata.
Pergunto ao eventual leitor(a) se ele acredita que em democracias como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Alemanha, Portugal, Espanha – para citar apenas alguns –, a liberdade da imprensa vive sob permanente ameaça? A comparação faz sentido no atual contexto brasileiro porque esses são países onde existe, há décadas, marco regulatório para o campo das comunicações, vale dizer, regulação da mídia.
A legislação ignorada
No Brasil, tanto a lei quanto a Constituição são cristalinas sobre a necessidade de fiscalização e regulação das concessões de radiodifusão. Ademais, os avanços tecnológicos das últimas décadas, que têm como marco a revolução digital e provocaram a chamada "convergência de mídias" pela diluição das fronteiras entre as telecomunicações e a radiodifusão, tornaram inevitável a regulação do setor.
Mais uma vez: é disso que se trata.
O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962) prevê no seu artigo 10:
Art. 10. Compete privativamente à União:
II – fiscalizar os Serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.
Além disso, o código admite a punição para o caso de abusos de concessionários. Está escrito na lei:
Art. 52. A liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício.
Art. 53. Constitui abuso, no exercício de liberdade da radiodifusão, o emprêgo dêsse meio de comunicação para a prática de crime ou contravenção previstos na legislação em vigor no País, inclusive: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
Alguns exemplos de abusos citados na Lei:
e) promover campanha discriminatória de classe, côr, raça ou religião; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
(...)
g) comprometer as relações internacionais do País; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)
Por outro lado, o Decreto n. 52.795 de 1963, que regulamenta os serviços de radiodifusão, antecipa normas e princípios que seriam, mais tarde, incorporados à Constituição de 1988. Está lá:
Art. 28 – As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (Redação dada pelo Decreto nº 88067, de 26.1.1983)
11- subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão;
12 – na organização da programação:
a) manter um elevado sentido moral e cívico, não permitindo a transmissão de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros, anedotas ou palavras contrárias à moral familiar e aos bons costumes;
b) não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico;
c) destinar um mínimo de 5% (cinco por cento) do horário de sua programação diária à transmissão de serviço noticioso;
d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário da sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial;
e) reservar 5 (cinco) horas semanais para a transmissão de programas educacionais.
Por fim, a Constituição de 1988, prevê, especificamente, leis federais para a regulação de diferentes aspectos das comunicações, assim como a instalação de um Conselho para auxiliar o Congresso Nacional em qualquer assunto relativo ao capítulo "Da Comunicação Social".
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 3º – Compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
(...)
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Art. 222. (...)
§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)
(...)
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
(...)
Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Direito à comunicação
Como disse a presidente eleita, há que se distinguir "marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia". Quem os confunde está, de fato, querendo evitar a regulação do mercado e a perda de privilégios históricos.
Insisto: regular a mídia é ampliar a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa, a pluralidade e a diversidade. Regular a mídia é garantir mais – e não menos – democracia. É caminhar no sentido do pleno reconhecimento do direito à comunicação como um direito fundamental da cidadania.
É disso que se trata.
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Os fantasmas no sótão da velha imprensa
Reproduzo artigo de Marco Aurélio Weissheimer, publicado no sítio Carta Maior:
Franklin Martins, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, abriu o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias com uma observação que justificou o título do encontro. A convergência de mídias é um processo irreversível e já faz parte da vida cotidiana. Um telefone celular não é mais meramente um telefone. Tornou-se também um meio para acessar internet, rádio e televisão. Essa convergência de tecnologias e meios de comunicação em um pequeno aparelho abre novas possibilidades para a comunicação humana, mas essas possibilidades vêm acompanhadas de problemas. Boa parte desses problemas é causada por conflitos de mercado entre os diferentes setores que fazem da comunicação seu bezerro de ouro.
No Brasil, alguns desses setores reagem fortemente ao debate sobre a necessidade de regular esse novo mundo tecnológico, social e econômico, que já é uma realidade. Essa reação aparece revestida por um verniz ideológico que vê na ideia da regulação uma tentativa de censurar e controlar a imprensa. Isso é uma bobagem, disse Franklin Martins. E é mesmo. Não é difícil mostrar. O Brasil acaba de sair de um duro processo eleitoral onde, em um determinado momento, entidades empresariais do setor das comunicações e seus respectivos veículos ensaiaram uma mobilização nacional contra perigosíssimas ameaças à liberdade (de imprensa e outras) que estariam pairando sobre a vida democrática do país. O motivo? Uma crítica feita pelo presidente da República à cobertura sobre as eleições. Houve alguma censura por parte do governo? Nenhuma.
Houve, de fato, dois episódios de cerceamento à liberdade de expressão na campanha este ano: um praticado pelo jornal O Estado de São Paulo, que demitiu a colunista Maria Rita Kehl por não tolerar a opinião dela publicada em suas páginas; e o outro praticado pelo jornal Folha de São Paulo que entrou na Justiça para tirar do ar o site Falha de São Paulo que fazia uma paródia às capas e manchetes da publicação. Esses jornais e outros veículos da chamada grande imprensa seguem repetindo mantras ultraconservadores contra um debate que já foi feito na imensa maioria dos países apontados por eles mesmos como exemplos de liberdade de modernidade. Mas por trás de todo esse conservadorismo, há uma razão mais pragmática: o avanço das empresas de telecomunicação sobre o mercado da radiodifusão.
Só esse dado mercadológico já justificaria um interesse mais positivo do setor de radiodifusão no debate da regulação. Franklin Martins falou sobre isso ao saudar os participantes do seminário. O faturamento das teles hoje é aproximadamente 13 ou 14 vezes maior que o da radiodifusão. Sem regulação, a radiodifusão vai ser atropelada por uma jamanta, resumiu o ministro. E as grandes empresas do setor sabem disso. A Folha de São Paulo publicou um editorial, dia 15 de novembro de 2009, defendendo a restrição, em 30%, da presença de capital estrangeiro nos portais de notícias no Brasil. A proposta também é defendida pelas principais entidades do setor: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ).
A posição defendida por essas entidades oferece, na verdade, argumentos em defesa da necessidade de um novo marco regulatório para o setor. Para elas, a restrição ao capital estrangeiro, previsto no artigo 222 da Constituição Federal, aplica-se a qualquer negócio que explore conteúdos, independentemente do meio utilizado, seja TV, rádio, jornais ou a internet. “Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício da imprensa independente no país”, protestou a Folha no editorial, acrescentando: “Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga – a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como TVs, revistas e jornais – alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados atores que não lhe sejam convenientes”.
“Nossa legislação é um cipoal de gambiarras”
Do ponto de vista dessas empresas, portanto, o debate sobre um novo marco regulatório para o setor envolve, sobretudo, uma disputa de mercado com as grandes corporações do setor de telecomunicações. Mas essa agenda não se resume a uma questão de mercado. Há interesses públicos em jogo – como o direito à uma informação de qualidade que contemple a diversidade cultural e política do país – que vem sendo bloqueados pela intransigência do grande capital privado do setor. Para quem ainda tinha alguma dúvida, a dimensão pública do tema ficou evidenciada nos relatos das experiências de países como França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Argentina e Estados Unidos. A existência de um marco regulador na área da comunicação é hoje um indicador da qualidade da democracia de um país.
O Brasil ainda engatinha nessa área. A nossa legislação de telecomunicações, lembrou Franklin Martins, é absolutamente ultrapassada, remontando a 1962, “quando havia mais televizinho do que televisão”. Essa legislação é hoje um “cipoal de gambiarras”, ilustrou o ministro. Ele deu outro exemplo: “Todos nós sabemos que deputados e senadores não podem ter canal de televisão. E todos sabemos que têm. O que vamos fazer?” Os conferencistas internacionais contaram o que seus países fizeram e seguem fazendo para proteger e incentivar a produção independente nacional e regional, para evitar a concentração de propriedade ou para defender crianças e adolescentes de publicidades de bebidas e medicamentos, apenas para citar alguns conteúdos. Propostas estas que seguem enfrentando forte resistência no Brasil.
Uma resistência alimentada por preconceitos e fantasmas arrastando correntes, na imagem adotada pelo titular da Secretaria de Comunicação Social do governo brasileiro. “Só um debate público transparente afasta os fantasmas. Queria convidar todos a deixar os fantasmas no sótão. É lá que devem ficar”. Trata-se de um debate irreversível, repetiu, fazendo uma previsão: “Estou convencido que a área da comunicação no governo Dilma terá o mesmo tratamento que a área de energia teve no primeiro governo Lula”. Os primeiros meses de 2010 dirão se a previsão poderá ser realizar ou não. O que parece certo é que dificilmente a velha imprensa conseguirá bloquear esse debate usando seus fantasmas empoeirados a acenar com a ameaça da censura, ameaça esta que só vem se materializando nas suas próprias redações.
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Franklin Martins, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, abriu o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias com uma observação que justificou o título do encontro. A convergência de mídias é um processo irreversível e já faz parte da vida cotidiana. Um telefone celular não é mais meramente um telefone. Tornou-se também um meio para acessar internet, rádio e televisão. Essa convergência de tecnologias e meios de comunicação em um pequeno aparelho abre novas possibilidades para a comunicação humana, mas essas possibilidades vêm acompanhadas de problemas. Boa parte desses problemas é causada por conflitos de mercado entre os diferentes setores que fazem da comunicação seu bezerro de ouro.
No Brasil, alguns desses setores reagem fortemente ao debate sobre a necessidade de regular esse novo mundo tecnológico, social e econômico, que já é uma realidade. Essa reação aparece revestida por um verniz ideológico que vê na ideia da regulação uma tentativa de censurar e controlar a imprensa. Isso é uma bobagem, disse Franklin Martins. E é mesmo. Não é difícil mostrar. O Brasil acaba de sair de um duro processo eleitoral onde, em um determinado momento, entidades empresariais do setor das comunicações e seus respectivos veículos ensaiaram uma mobilização nacional contra perigosíssimas ameaças à liberdade (de imprensa e outras) que estariam pairando sobre a vida democrática do país. O motivo? Uma crítica feita pelo presidente da República à cobertura sobre as eleições. Houve alguma censura por parte do governo? Nenhuma.
Houve, de fato, dois episódios de cerceamento à liberdade de expressão na campanha este ano: um praticado pelo jornal O Estado de São Paulo, que demitiu a colunista Maria Rita Kehl por não tolerar a opinião dela publicada em suas páginas; e o outro praticado pelo jornal Folha de São Paulo que entrou na Justiça para tirar do ar o site Falha de São Paulo que fazia uma paródia às capas e manchetes da publicação. Esses jornais e outros veículos da chamada grande imprensa seguem repetindo mantras ultraconservadores contra um debate que já foi feito na imensa maioria dos países apontados por eles mesmos como exemplos de liberdade de modernidade. Mas por trás de todo esse conservadorismo, há uma razão mais pragmática: o avanço das empresas de telecomunicação sobre o mercado da radiodifusão.
Só esse dado mercadológico já justificaria um interesse mais positivo do setor de radiodifusão no debate da regulação. Franklin Martins falou sobre isso ao saudar os participantes do seminário. O faturamento das teles hoje é aproximadamente 13 ou 14 vezes maior que o da radiodifusão. Sem regulação, a radiodifusão vai ser atropelada por uma jamanta, resumiu o ministro. E as grandes empresas do setor sabem disso. A Folha de São Paulo publicou um editorial, dia 15 de novembro de 2009, defendendo a restrição, em 30%, da presença de capital estrangeiro nos portais de notícias no Brasil. A proposta também é defendida pelas principais entidades do setor: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ).
A posição defendida por essas entidades oferece, na verdade, argumentos em defesa da necessidade de um novo marco regulatório para o setor. Para elas, a restrição ao capital estrangeiro, previsto no artigo 222 da Constituição Federal, aplica-se a qualquer negócio que explore conteúdos, independentemente do meio utilizado, seja TV, rádio, jornais ou a internet. “Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício da imprensa independente no país”, protestou a Folha no editorial, acrescentando: “Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga – a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como TVs, revistas e jornais – alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados atores que não lhe sejam convenientes”.
“Nossa legislação é um cipoal de gambiarras”
Do ponto de vista dessas empresas, portanto, o debate sobre um novo marco regulatório para o setor envolve, sobretudo, uma disputa de mercado com as grandes corporações do setor de telecomunicações. Mas essa agenda não se resume a uma questão de mercado. Há interesses públicos em jogo – como o direito à uma informação de qualidade que contemple a diversidade cultural e política do país – que vem sendo bloqueados pela intransigência do grande capital privado do setor. Para quem ainda tinha alguma dúvida, a dimensão pública do tema ficou evidenciada nos relatos das experiências de países como França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Argentina e Estados Unidos. A existência de um marco regulador na área da comunicação é hoje um indicador da qualidade da democracia de um país.
O Brasil ainda engatinha nessa área. A nossa legislação de telecomunicações, lembrou Franklin Martins, é absolutamente ultrapassada, remontando a 1962, “quando havia mais televizinho do que televisão”. Essa legislação é hoje um “cipoal de gambiarras”, ilustrou o ministro. Ele deu outro exemplo: “Todos nós sabemos que deputados e senadores não podem ter canal de televisão. E todos sabemos que têm. O que vamos fazer?” Os conferencistas internacionais contaram o que seus países fizeram e seguem fazendo para proteger e incentivar a produção independente nacional e regional, para evitar a concentração de propriedade ou para defender crianças e adolescentes de publicidades de bebidas e medicamentos, apenas para citar alguns conteúdos. Propostas estas que seguem enfrentando forte resistência no Brasil.
Uma resistência alimentada por preconceitos e fantasmas arrastando correntes, na imagem adotada pelo titular da Secretaria de Comunicação Social do governo brasileiro. “Só um debate público transparente afasta os fantasmas. Queria convidar todos a deixar os fantasmas no sótão. É lá que devem ficar”. Trata-se de um debate irreversível, repetiu, fazendo uma previsão: “Estou convencido que a área da comunicação no governo Dilma terá o mesmo tratamento que a área de energia teve no primeiro governo Lula”. Os primeiros meses de 2010 dirão se a previsão poderá ser realizar ou não. O que parece certo é que dificilmente a velha imprensa conseguirá bloquear esse debate usando seus fantasmas empoeirados a acenar com a ameaça da censura, ameaça esta que só vem se materializando nas suas próprias redações.
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terça-feira, 9 de novembro de 2010
O sindicalismo no governo Lula (2)
Por Altamiro Borges
O sindicalismo brasileiro terá enormes desafios na nova etapa da luta de classes que será aberta com a posse da presidenta Dilma Rousseff. Na história recente, o movimento sindical atravessou, basicamente, quatro importantes fases. É preciso extrair lições deste complexo período.
Quatro fases na história recente
A primeira fase foi marcada pelo brutal retrocesso imposto pelo golpe militar de 1964. Após um período de ascensão das lutas populares, em especial no governo João Goulart, houve um corte cirúrgico e sangrento. Mais de 70% dos maiores sindicatos sofreram a intervenção dos generais golpistas; centenas de lideranças foram presas, exiladas ou assassinadas nas masmorras de tortura. A ditadura impôs a paz do cemitério, esvaziando os sindicatos, proibindo greves, cerceando a liberdade de expressão e manifestação.
A segunda fase se inicia com a retomada das lutas dos trabalhadores. A greve de maio de 1978 dos metalúrgicos da multinacional Scania, em São Bernardo do Campo, é o marco desta nova etapa. Aos poucos a ditadura perde força e o sindicalismo reocupa papel de destaque no cenário nacional. Ele, inclusive, vira uma referência internacional. O país bate recordes de greves, ganha influência política e projeta lideranças – com destaque para o líder operário do ABC, Luis Inácio Lula da Silva. Num mundo que já assistia a retirada de direitos trabalhista, o Brasil aprova a “Constituição Cidadã”, como bem definiu o democrata Ulisses Guimarães, e arranca a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais e vários outros direitos.
A terceira fase tem início com a vingança das elites patronais. A partir da eleição de Fernando Collor de Melo, elas impõem o receituário neoliberal de desmonte do estado, da nação e do trabalho. Collor é deposto, mas com FHC esta ofensiva regressiva e destrutiva ganha impulso. O desemprego bate recorde; o Exército ocupa as refinarias de Petrobras para derrotar os petroleiros grevistas e para “quebrar a espinha dorsal” do sindicalismo; os direitos trabalhistas são suprimidos de forma acelerada. O reinado de FHC é desastroso para os sindicatos, que perdem associados, assistem ao esvaziamento das assembléias, têm dificuldades para deflagrar greves e ainda se engalfinham em lutas internas.
Passividade e voluntarismo
A quarta fase é a que foi aberta com a histórica eleição de Lula para presidência da República. Muitos estudos ainda serão produzidos para entender o seu real impacto no sindicalismo. Num primeiro momento, a vitória gerou certa confusão no sindicalismo. Afinal, o Brasil nunca teve na sua história um governo oriundo de suas lutas, um presidente operário. Ele sempre foi governado por representantes da elite e os poucos que tentaram ceder algo aos trabalhadores, como Getúlio Vargas e João Goulart, foram derrubados por golpes.
Diante dos recuos iniciais do governo Lula, uma parte do sindicalismo adotou uma postura passiva, acrítica, alegando que qualquer pressão poderia servir ao jogo da direita golpista. Outra parte optou por fazer uma oposição frontal, não levando em conta a correlação de forças e os perigos de retrocesso. Estes dois extremos geraram confusão e divisão no sindicalismo. A CUT, que poderia viver a sua fase áurea com a chegada do seu fundador ao Palácio do Planalto, teve dificuldades para entender a nova realidade, caiu numa certa paralisia e sofreu três rachas seguidos, com a fundação do Conlutas, Intersindical e CTB.
A crise do sindicalismo, deflagrada pelo desmonte neoliberal imposto por FHC, tornou-se ainda mais grave devido à difícil e complexa relação diante de um governo oriundo de suas lutas.
Os três princípios “sagrados”
Com o tempo, porém, o sindicalismo foi tirando lições deste rico processo e aprimorou as suas formas de atuação. Ele passou a combinar melhor três princípios “sagrados”: autonomia diante dos governos, pressão permanente e habilidade política, para não fazer o jogo dos inimigos. Aos poucos, ele foi colhendo vitórias.
Uma das mais expressivas foi o acordo firmado com o governo Lula de valorização do salário mínimo, com reposição da inflação e metade do índice de crescimento da economia. Também conseguiu corrigir, parcialmente, a tabela do imposto de renda e enterrou, mesmo que temporariamente, as propostas de novas contra-reformas trabalhista e previdenciária. Nas bases, muitos sindicatos reverteram processos de terceirização e anularam inúmeros acordos de precarização do trabalho – como contratos temporários, banco de horas e outros.
A legalização das centrais sindicais
Outra vitória de enorme dimensão foi a conquista da legalização das centrais sindicais. Nunca antes na história do país os trabalhadores puderam se organizar enquanto classe, de forma horizontal. Atualmente, seis já são reconhecidas formalmente. Pela última aferição do Ministério do Trabalho, de março passado, a CUT representa 38,23% dos sindicalizados; seguida da Força Sindical, com 13,71%; a jovem CTB aparece em terceiro, 7,55%; a UGT tem 7,19%; NCST (6,69%); e a CGTB (5,04%).
Pela Lei 11.648, uma conquista histórica aprovada em 2008, as centrais representam o conjunto dos trabalhadores em fóruns de negociação e contam com recursos da Contribuição Sindical para investir nas suas ações - em 2009, as seis centrais reconhecidas receberam os R$ 80,9 milhões.
Mais maduras, elas também procuraram encontrar pontos de unidade na diversidade, superando divergências e disputas. Elas agiram unitariamente na conquista do acordo do salário mínimo e em outras batalhas. O ponto alto desta unidade se deu neste ano com a realização da Conferência Nacional das Classes Trabalhadores (Conclat), que reuniu mais de 30 mil ativistas sindicais no Estádio do Pacaembu, e aprovou uma plataforma unitária para a sucessão presidencial.
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O sindicalismo brasileiro terá enormes desafios na nova etapa da luta de classes que será aberta com a posse da presidenta Dilma Rousseff. Na história recente, o movimento sindical atravessou, basicamente, quatro importantes fases. É preciso extrair lições deste complexo período.
Quatro fases na história recente
A primeira fase foi marcada pelo brutal retrocesso imposto pelo golpe militar de 1964. Após um período de ascensão das lutas populares, em especial no governo João Goulart, houve um corte cirúrgico e sangrento. Mais de 70% dos maiores sindicatos sofreram a intervenção dos generais golpistas; centenas de lideranças foram presas, exiladas ou assassinadas nas masmorras de tortura. A ditadura impôs a paz do cemitério, esvaziando os sindicatos, proibindo greves, cerceando a liberdade de expressão e manifestação.
A segunda fase se inicia com a retomada das lutas dos trabalhadores. A greve de maio de 1978 dos metalúrgicos da multinacional Scania, em São Bernardo do Campo, é o marco desta nova etapa. Aos poucos a ditadura perde força e o sindicalismo reocupa papel de destaque no cenário nacional. Ele, inclusive, vira uma referência internacional. O país bate recordes de greves, ganha influência política e projeta lideranças – com destaque para o líder operário do ABC, Luis Inácio Lula da Silva. Num mundo que já assistia a retirada de direitos trabalhista, o Brasil aprova a “Constituição Cidadã”, como bem definiu o democrata Ulisses Guimarães, e arranca a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais e vários outros direitos.
A terceira fase tem início com a vingança das elites patronais. A partir da eleição de Fernando Collor de Melo, elas impõem o receituário neoliberal de desmonte do estado, da nação e do trabalho. Collor é deposto, mas com FHC esta ofensiva regressiva e destrutiva ganha impulso. O desemprego bate recorde; o Exército ocupa as refinarias de Petrobras para derrotar os petroleiros grevistas e para “quebrar a espinha dorsal” do sindicalismo; os direitos trabalhistas são suprimidos de forma acelerada. O reinado de FHC é desastroso para os sindicatos, que perdem associados, assistem ao esvaziamento das assembléias, têm dificuldades para deflagrar greves e ainda se engalfinham em lutas internas.
Passividade e voluntarismo
A quarta fase é a que foi aberta com a histórica eleição de Lula para presidência da República. Muitos estudos ainda serão produzidos para entender o seu real impacto no sindicalismo. Num primeiro momento, a vitória gerou certa confusão no sindicalismo. Afinal, o Brasil nunca teve na sua história um governo oriundo de suas lutas, um presidente operário. Ele sempre foi governado por representantes da elite e os poucos que tentaram ceder algo aos trabalhadores, como Getúlio Vargas e João Goulart, foram derrubados por golpes.
Diante dos recuos iniciais do governo Lula, uma parte do sindicalismo adotou uma postura passiva, acrítica, alegando que qualquer pressão poderia servir ao jogo da direita golpista. Outra parte optou por fazer uma oposição frontal, não levando em conta a correlação de forças e os perigos de retrocesso. Estes dois extremos geraram confusão e divisão no sindicalismo. A CUT, que poderia viver a sua fase áurea com a chegada do seu fundador ao Palácio do Planalto, teve dificuldades para entender a nova realidade, caiu numa certa paralisia e sofreu três rachas seguidos, com a fundação do Conlutas, Intersindical e CTB.
A crise do sindicalismo, deflagrada pelo desmonte neoliberal imposto por FHC, tornou-se ainda mais grave devido à difícil e complexa relação diante de um governo oriundo de suas lutas.
Os três princípios “sagrados”
Com o tempo, porém, o sindicalismo foi tirando lições deste rico processo e aprimorou as suas formas de atuação. Ele passou a combinar melhor três princípios “sagrados”: autonomia diante dos governos, pressão permanente e habilidade política, para não fazer o jogo dos inimigos. Aos poucos, ele foi colhendo vitórias.
Uma das mais expressivas foi o acordo firmado com o governo Lula de valorização do salário mínimo, com reposição da inflação e metade do índice de crescimento da economia. Também conseguiu corrigir, parcialmente, a tabela do imposto de renda e enterrou, mesmo que temporariamente, as propostas de novas contra-reformas trabalhista e previdenciária. Nas bases, muitos sindicatos reverteram processos de terceirização e anularam inúmeros acordos de precarização do trabalho – como contratos temporários, banco de horas e outros.
A legalização das centrais sindicais
Outra vitória de enorme dimensão foi a conquista da legalização das centrais sindicais. Nunca antes na história do país os trabalhadores puderam se organizar enquanto classe, de forma horizontal. Atualmente, seis já são reconhecidas formalmente. Pela última aferição do Ministério do Trabalho, de março passado, a CUT representa 38,23% dos sindicalizados; seguida da Força Sindical, com 13,71%; a jovem CTB aparece em terceiro, 7,55%; a UGT tem 7,19%; NCST (6,69%); e a CGTB (5,04%).
Pela Lei 11.648, uma conquista histórica aprovada em 2008, as centrais representam o conjunto dos trabalhadores em fóruns de negociação e contam com recursos da Contribuição Sindical para investir nas suas ações - em 2009, as seis centrais reconhecidas receberam os R$ 80,9 milhões.
Mais maduras, elas também procuraram encontrar pontos de unidade na diversidade, superando divergências e disputas. Elas agiram unitariamente na conquista do acordo do salário mínimo e em outras batalhas. O ponto alto desta unidade se deu neste ano com a realização da Conferência Nacional das Classes Trabalhadores (Conclat), que reuniu mais de 30 mil ativistas sindicais no Estádio do Pacaembu, e aprovou uma plataforma unitária para a sucessão presidencial.
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Salário mínimo e o cinismo de Serra
Reproduzo artigo de Brizola Neto, publicado no blog Tijolaço:
Chegaria a ser cômico, se não fosse ridícula, a articulação do núcleo serrista para tentar criar um problema para o Governo Dilma Rousseff, com a apresentação da proposta de elevação do salário mínimo para R$ 600.
Claro e óbvio que um salário de 600 reais não é muito e muito menos injusto para os trabalhadores. Ao contrário, é pouco, considerando a defasagem que o salário mínimo acumulou ao longo de décadas. E inclua-se aí, nesta temporada de perdas, o período de uma década – considerando o período final de Itamar e os oito anos de Fernando Henrique – em que o tucanato esteve no Governo.
Mas a proposta tucana é como Serra, tão falsa como uma nota de R$3. Uma promessa que, se fosse eleito, trataria logo de revogar, com o apoio entusiástico da mídia, sob o argumento de que recebera uma “herança maldita” do Governo Lula.
Temos, mal ou bem, uma regra acordada de reajustes salariais: inflação mais variação do PIB no penúltimo ano do reajuste. Claro que, diante da crise – que zerou o crescimento do PIB em 2008 – e do forte crescimento da economia em 2009, podemos ter mais do que o reajuste que, segundo aquela regra, ficaria na faixa de 5%, como previsto no Orçamento.
A própria presidente eleita acenou que vai negociar esta adequação, sem prejuízo da regra que, mantida, garante um reajuste bem mais significativo em 2011, – 7,5% do PIB de 2010 mais uma inflação projetada em torno de 4%. As centrais sindicais propõem R$ 580 e tudo caminharia para um acordo razoável e responsável.
Mas o tucanato serrista, apesar da derrota nas urnas, se sente à vontade para repetir a demagogia que empunharam na campanha eleitoral e repetir a cantilena de levar o mínimo, de uma tacada só, para R$ 600, o que representaria um rejuste de quase 20%.
Ora, é simples saber se há sinceridade na proposta. Os governadores tucanos de São Paulo e Minas aceitam dar um reajuste de 20% para seus servidores? Alckmin e Anastasia podem fazer isso? As prefeituras tucanas podem arcar com isso? Se os servidores paulistas pedirem – aliás, por que não podem, se os seus governantes o defendem? – um aumento destes índices, vão ser recebidos com cafezinho ou com cassetetes e bombas de gás?
A verdade é que os tucanos, que históricamente se “lixam” para a pobreza deste país, não visam uma progressão constante, segura e imune ao arbítrio dos governantes para a recuperação dos salários. Querem o tumulto e o desgaste político.
É por isso que venho repetindo aqui: estamos caminhando para um “racha” nas forças de oposição. Não há dúvidas de que uma parte dos que se alinharem, ao menos formal e aparentemente, em torno da candidatura Serra não vai partir – não de início, ao menos – para este processo irresponsável.
A outra parte? Bem, como eu disse aqui, logo poderemos ver um trocadilho a mais: Serra é do DEM.
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Chegaria a ser cômico, se não fosse ridícula, a articulação do núcleo serrista para tentar criar um problema para o Governo Dilma Rousseff, com a apresentação da proposta de elevação do salário mínimo para R$ 600.
Claro e óbvio que um salário de 600 reais não é muito e muito menos injusto para os trabalhadores. Ao contrário, é pouco, considerando a defasagem que o salário mínimo acumulou ao longo de décadas. E inclua-se aí, nesta temporada de perdas, o período de uma década – considerando o período final de Itamar e os oito anos de Fernando Henrique – em que o tucanato esteve no Governo.
Mas a proposta tucana é como Serra, tão falsa como uma nota de R$3. Uma promessa que, se fosse eleito, trataria logo de revogar, com o apoio entusiástico da mídia, sob o argumento de que recebera uma “herança maldita” do Governo Lula.
Temos, mal ou bem, uma regra acordada de reajustes salariais: inflação mais variação do PIB no penúltimo ano do reajuste. Claro que, diante da crise – que zerou o crescimento do PIB em 2008 – e do forte crescimento da economia em 2009, podemos ter mais do que o reajuste que, segundo aquela regra, ficaria na faixa de 5%, como previsto no Orçamento.
A própria presidente eleita acenou que vai negociar esta adequação, sem prejuízo da regra que, mantida, garante um reajuste bem mais significativo em 2011, – 7,5% do PIB de 2010 mais uma inflação projetada em torno de 4%. As centrais sindicais propõem R$ 580 e tudo caminharia para um acordo razoável e responsável.
Mas o tucanato serrista, apesar da derrota nas urnas, se sente à vontade para repetir a demagogia que empunharam na campanha eleitoral e repetir a cantilena de levar o mínimo, de uma tacada só, para R$ 600, o que representaria um rejuste de quase 20%.
Ora, é simples saber se há sinceridade na proposta. Os governadores tucanos de São Paulo e Minas aceitam dar um reajuste de 20% para seus servidores? Alckmin e Anastasia podem fazer isso? As prefeituras tucanas podem arcar com isso? Se os servidores paulistas pedirem – aliás, por que não podem, se os seus governantes o defendem? – um aumento destes índices, vão ser recebidos com cafezinho ou com cassetetes e bombas de gás?
A verdade é que os tucanos, que históricamente se “lixam” para a pobreza deste país, não visam uma progressão constante, segura e imune ao arbítrio dos governantes para a recuperação dos salários. Querem o tumulto e o desgaste político.
É por isso que venho repetindo aqui: estamos caminhando para um “racha” nas forças de oposição. Não há dúvidas de que uma parte dos que se alinharem, ao menos formal e aparentemente, em torno da candidatura Serra não vai partir – não de início, ao menos – para este processo irresponsável.
A outra parte? Bem, como eu disse aqui, logo poderemos ver um trocadilho a mais: Serra é do DEM.
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Emir Sader: civilização ou barbárie
Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:
Esse é o lema predominante no capitalismo contemporâneo. Universalizado a partir da Europa ocidental, o capitalismo desqualificou a todas outras civilizações como ‘bárbaras”. A ponto que, como denuncia em um livro fundamental, Orientalismo, Edward Said, o Ocidente forjou uma noção de Oriente, que amalgama tudo o que não é Ocidente: mundo árabe, japonês, chinês, indiano, africano, etc. etc. Fizeram Ocidente sinônimo de civilização e Oriente, o resto, idêntico a barbárie.
No cinema, na literatura, nos discursos, civilização é identificada com a civilização da Europa ocidental – a que se acrescentou a dos EUA posteriormente. Brancos, cristãos, anglo-saxões, protestantes – sinônimo de civilizados. Foram o eixo da colonização da periferia, a quem queriam trazer sua “civilização”. Foram colonizadores e imperialistas.
Os EUA se encarregaram de globalizar a visão racista do mundo, através de Hollywood. Os filmes de far west contavam como gesto de civilização as campanhas de extermínio das populações nativas nos EUA, em que o cow boy era chamado de “mocinho” e, automaticamente, os indígenas eram “bandidos, gestos que tiveram em John Wayne o “americano indômito”, na realidade a expressão do massacre das populações originárias.
Os filmes de guerra foram sempre contra outras etnias: asiáticos, árabes, negros, latinos. O país que protagonizou o maior massacre do século passado – a Alemanha nazista -, com o holocausto de judeus, comunistas, ciganos, foi sempre poupada pelos nortemamericanos, porque são iguais a eles – brancos, anglo-saxões, capitalistas, protestantes. O único grande filme sobre o nazismo foi feito pelo britânico Charles Chaplin – O grande ditador -, que teve que sair dos EUA antes mesmo do filme estrear, pelo clima insuportável que criaram contra ele.
Os países que supostamente encarnavam a “civilização” se engalfinharam nas duas guerras mundiais do século XX, pela repartição das colônias – do mundo bárbaro – entre si, em selvagens guerras interimperialistas.
Essa ideologia foi importada pela direita paulista, aquela que se expressou no “A questão social é questão de polícia”, do Washington Luis – como o FHC, carioca importado pela elite paulista -, derrubada pelo Getúlio e que passou a representar o anti-getulismo na politica brasileira. Tentaram retomar o poder em 1932 – como bem caracterizou o Lula, nada de revolução, um golpe, uma tentativa de contrarrevolução -, perderam e foram sucessivamente derrotados nas eleições de 1945, 1950, 1955. Quando ganharam, foi apelando para uma figura caricata de moralista, Jânio, que não durou meses na presidência.
Aí apelaram aos militares, para implantar sua civilização ao resto do país, a ferro e fogo. Foi o governo por excelência dessa elite. Paz sem povo – como o Serra prometia no campo: paz sem o MST.
Veio a redemocratização e essa direita se travestiu de neoliberal, de apologista da civilização do mercado, aquela em que, quem tem dinheiro tem acesso a bens, quem não tem, fica excluído. O reino do direito contra os direitos para todos.
Essa elite paulista nunca digeriu Getúlio, os direitos dos trabalhadores e seus sindicatos, se considerava a locomotiva do país, que arrastava vagões preguiçosos – como era a ideologia de 1932. Os trabalhadores nordestinos, expulsos dos seus estados pelo domínio dos latifundiários e dos coronéis, foi para construir a riqueza de São Paulo. Humilhados e ofendidos, aqueles “cabeças chatas” foram os heróis do progresso da industrialização paulista. Mas foram sempre discriminados, ridicularizados, excluídos, marginalizados.
Essa “raça” inferior a que aludiu Jorge Bornhausen, são os pobres, os negros, os nordestinos, os indígenas, como na Europa “civilizada” são os trabalhadores imigrantes. Massa que quando fica subordinada a eles, é explorada brutalmente, tornava invisível socialmente.
Mas quando se revela, elege e reelege seus lideres, se liberta dos coronéis, conquista direitos, com o avança da democratização – ai são diabolizadas, espezinhadas, tornadas culpadas pela derrota das elites brancas. Como agora, quando a candidatura da elite supostamente civilizada apelou para as explorações mais obscurantistas, para tentar recuperar o governo, que o povo tomou das suas mãos e entregou para lideres populares.
É que eles são a barbárie. São os que chegaram a estas terras jorrando sangue mediante a exploração das nossas riquezas, a escravidão e o extermínio das populações indígenas. Civilizados são os que governam para todos, que buscam convencer as pessoas com argumentos e propostas, que garantem os direitos de todos, que praticam a democracia. São os que estão construindo uma democracia com alma social – que o Brasil nunca tinha tido nas mãos desses supostos defensores da civilização.
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Esse é o lema predominante no capitalismo contemporâneo. Universalizado a partir da Europa ocidental, o capitalismo desqualificou a todas outras civilizações como ‘bárbaras”. A ponto que, como denuncia em um livro fundamental, Orientalismo, Edward Said, o Ocidente forjou uma noção de Oriente, que amalgama tudo o que não é Ocidente: mundo árabe, japonês, chinês, indiano, africano, etc. etc. Fizeram Ocidente sinônimo de civilização e Oriente, o resto, idêntico a barbárie.
No cinema, na literatura, nos discursos, civilização é identificada com a civilização da Europa ocidental – a que se acrescentou a dos EUA posteriormente. Brancos, cristãos, anglo-saxões, protestantes – sinônimo de civilizados. Foram o eixo da colonização da periferia, a quem queriam trazer sua “civilização”. Foram colonizadores e imperialistas.
Os EUA se encarregaram de globalizar a visão racista do mundo, através de Hollywood. Os filmes de far west contavam como gesto de civilização as campanhas de extermínio das populações nativas nos EUA, em que o cow boy era chamado de “mocinho” e, automaticamente, os indígenas eram “bandidos, gestos que tiveram em John Wayne o “americano indômito”, na realidade a expressão do massacre das populações originárias.
Os filmes de guerra foram sempre contra outras etnias: asiáticos, árabes, negros, latinos. O país que protagonizou o maior massacre do século passado – a Alemanha nazista -, com o holocausto de judeus, comunistas, ciganos, foi sempre poupada pelos nortemamericanos, porque são iguais a eles – brancos, anglo-saxões, capitalistas, protestantes. O único grande filme sobre o nazismo foi feito pelo britânico Charles Chaplin – O grande ditador -, que teve que sair dos EUA antes mesmo do filme estrear, pelo clima insuportável que criaram contra ele.
Os países que supostamente encarnavam a “civilização” se engalfinharam nas duas guerras mundiais do século XX, pela repartição das colônias – do mundo bárbaro – entre si, em selvagens guerras interimperialistas.
Essa ideologia foi importada pela direita paulista, aquela que se expressou no “A questão social é questão de polícia”, do Washington Luis – como o FHC, carioca importado pela elite paulista -, derrubada pelo Getúlio e que passou a representar o anti-getulismo na politica brasileira. Tentaram retomar o poder em 1932 – como bem caracterizou o Lula, nada de revolução, um golpe, uma tentativa de contrarrevolução -, perderam e foram sucessivamente derrotados nas eleições de 1945, 1950, 1955. Quando ganharam, foi apelando para uma figura caricata de moralista, Jânio, que não durou meses na presidência.
Aí apelaram aos militares, para implantar sua civilização ao resto do país, a ferro e fogo. Foi o governo por excelência dessa elite. Paz sem povo – como o Serra prometia no campo: paz sem o MST.
Veio a redemocratização e essa direita se travestiu de neoliberal, de apologista da civilização do mercado, aquela em que, quem tem dinheiro tem acesso a bens, quem não tem, fica excluído. O reino do direito contra os direitos para todos.
Essa elite paulista nunca digeriu Getúlio, os direitos dos trabalhadores e seus sindicatos, se considerava a locomotiva do país, que arrastava vagões preguiçosos – como era a ideologia de 1932. Os trabalhadores nordestinos, expulsos dos seus estados pelo domínio dos latifundiários e dos coronéis, foi para construir a riqueza de São Paulo. Humilhados e ofendidos, aqueles “cabeças chatas” foram os heróis do progresso da industrialização paulista. Mas foram sempre discriminados, ridicularizados, excluídos, marginalizados.
Essa “raça” inferior a que aludiu Jorge Bornhausen, são os pobres, os negros, os nordestinos, os indígenas, como na Europa “civilizada” são os trabalhadores imigrantes. Massa que quando fica subordinada a eles, é explorada brutalmente, tornava invisível socialmente.
Mas quando se revela, elege e reelege seus lideres, se liberta dos coronéis, conquista direitos, com o avança da democratização – ai são diabolizadas, espezinhadas, tornadas culpadas pela derrota das elites brancas. Como agora, quando a candidatura da elite supostamente civilizada apelou para as explorações mais obscurantistas, para tentar recuperar o governo, que o povo tomou das suas mãos e entregou para lideres populares.
É que eles são a barbárie. São os que chegaram a estas terras jorrando sangue mediante a exploração das nossas riquezas, a escravidão e o extermínio das populações indígenas. Civilizados são os que governam para todos, que buscam convencer as pessoas com argumentos e propostas, que garantem os direitos de todos, que praticam a democracia. São os que estão construindo uma democracia com alma social – que o Brasil nunca tinha tido nas mãos desses supostos defensores da civilização.
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segunda-feira, 8 de novembro de 2010
O contraste na diplomacia brasileira
Reproduzo artigo de Argemiro Ferreira, publicado na revista CartaCapital:
O êxito da diplomacia brasileira é festejado em toda parte por governos estrangeiros e pela mídia internacional. Mas na mídia nacional só há espaço (nas páginas impressas e na tevê) para opiniões de certos ex-diplomatas que serviram ao Itamaraty no governo FHC e obstinam-se em desacreditar a política externa e o País em artigos, entrevistas e debates. Revistas como Foreign Policy e Time, dos Estados Unidos, a alemã Der Spiegel, os jornais franceses Le Monde e Le Figaro, o espanhol El País, o britânico Financial Times e outros são pródigos em elogios ao novo papel do Brasil no mundo. Já as famílias Marinho, Civita, Frias e Mesquita, em O Globo, Veja, Folha e Estadão, abominam o "protagonismo" de Lula.
Esse pecado horroriza Celso Lafer, ex-colega de FHC na USP. De família ilustre, ele foi ministro do Exterior de Collor às vésperas da renúncia e voltou ao cargo nos extertores do governo FHC. Ao atacar Lula em artigo recente, acusou a política externa de "busca de prestígio" e "voluntarismo". Com Collor e FHC optava pela submissão silenciosa à vontade das potências. Só a elas caberia discutir o que fosse relevante. Ensinou Juracy Magalhães: "Se é bom para os EUA, é bom para o Brasil".
Submissa foi ainda a conduta pessoal de Lafer como ministro quando ia aos EUA: tirava os sapatos para policiais no aeroporto. Submeteu-se, além disso, à autoridade de segundo escalão da diplomacia norte-americana, o embaixador John Bolton, que o mandou obrigar o diplomata brasileiro José Bustani a deixar o cargo para o qual fora eleito na ONU. Licenciado do Itamaraty, o embaixador Bustani era diretor da Organização para a Proibição de Armas Químicas. Pelo regulamento os EUA deveriam levar sua proposta ao voto dos países membros. Mas Lafer capitulou: retirou o apoio do Brasil ao diplomata e o isolou no Itamaraty. Bustani só foi reabilitado no governo Lula.
Será "protagonismo" preferir dignidade a capitulação? Ou liderar ação global contra a fome? Proposto pelo Brasil, tal esforço, a que logo se somaram os presidentes da França, do Chile e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, veio no primeiro ano de Lula. Reuniões em Roma e Nova York, adesões em toda parte. Metas foram fixadas para 2015. E o Brasil, como confirmou a ONU mês passado, cumpre sua parte: lidera o ranking mundial dos países que reduziram a pobreza. É performance, mais do que protagonismo. Nada a ver com o sugerido pelos ex-diplomatas nos veículos das famílias da grande mídia.
A ofensiva enfurecida contra a política externa tem protagonistas: os ex-ministros Lafer e Luiz Felipe Lampreia, e ex-embaixadores como Roberto Abdenur, Sérgio Amaral e Carlos Azambuja, além do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que Lampreia, criou quando ainda chanceler com recursos de embaixadas e entidades estrangeiras. O êxito da política externa choca o grupo de aposentados, que transforma em alvo prioritário o ex-colega Celso Amorim, chamado por Foreign Policy "o melhor ministro do Exterior do mundo". Ali David Rothkopf ainda escreveu que 2009 foi "o melhor ano para o Brasil desde o Tratado de Tordesilhas (1494)".
Outros alvos dos ex-diplomatas, além de Amorim e do próprio Lula, são o atuante ministro Samuel Pinheiro Guimarães, e o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. O grupo chega a extremos na ânsia de explicar o contraste entre a inércia passada e o dinamismo do momento atual vivido pelo Brasil. Na vertente diplomática da campanha eleitoral, manipularam-se bordões, imagens e símbolos para desmerecer triunfos. O diálogo com líderes cuja imagem é vilanizada na mídia - Chávez, Fidel, Ahmadinejad - vira sabotagem da democracia, dos direitos humanos e da não proliferação nuclear.
Aos olhos dos detratores a substância do diálogo é menos relevante do que a imagem distorcida. Depois da visita de Lula a Teerã, por exemplo, uma cidadã americana, antes cumprindo pena, procurou na ONU o chanceler Amorim. Na conversa, expressou seu agradecimento ao presidente pelo que fizera a favor da libertação dela. Mas no Brasil a campanha obsessiva de oito anos às vezes parece até destinada a elevar ex-diplomatas ao status de estrelas de novela tal a frequência com que surgem na tevê. A atividade deles exige habilidade, claro. Têm de zelar pelas relações privilegiadas com a mídia que lhes reserva o espaço.
A má-fé fica clara quando retratam o presidente como marionete de Chávez, Fidel ou outros líderes demonizados. A desproporção entre peso e potencial do Brasil e seu líder e os que supostamente o "controlam" basta para expor a ficção grotesca. A suspeita é de que nem quem dissemina as versões acredita nelas. Entendo a frustração dos aposentados: devia ser FHC a brilhar no palco do mundo. No continente é notório o fascínio exercido por Lula, capaz até de influir em eleições na Bolívia, Equador, El Salvador, Uruguai, Paraguai. Observe-se ainda a atual presença da China no Brasil, como maior parceiro comercial, lugar que era dos EUA.
Apesar de serem commodities o grosso das exportações para a China, já há esforço em andamento para mudar o quadro, reforçado ainda pela disposição de empresas chinesas para investir aqui. Este ano aquele país torna-se o que mais investe no Brasil (10 bilhões de dólares), em especial em projetos de infraestrutura e telecomunicações - um desmentido irônico às alegações de que depois de FHC a política externa só aposta no fracasso, em países pobres demais. As apostas são no respeito à independência política e autodeterminação, não em sistemas políticos, religiões e costumes.
A democracia é outra aposta explícita. Em Honduras o Brasil apoiou a devolução do poder ao presidente legítimo, eleito pelo povo e deposto por militares que o arrancaram da cama, de pijama, e o enfiaram num avião para fora do país. Nossa diplomacia e o resto do continente rejeitaram a violência, apesar do recuo dos EUA que abriu a porta a mais golpes na região. Der Spiegel, a mais importante revista semanal de informação da Alemanha, destacou em maio de 2010 - num longo artigo sobre nossa diplomacia, "Lula Superstar" - a ação do Brasil no exterior. Deu ainda a explicação do próprio Lula, de que está curando "antigo complexo de vira-lata" dos nossos diplomatas perante os EUA e a Europa.
A revista também contou que em 2003, na grande estreia internacional de Lula na cúpula do G-8 em Evian, França, todos estavam sentados no salão do hotel à espera de George W. Bush. Ao chegar o presidente dos EUA, os demais se levantaram - menos Lula. Para o brasileiro, o gesto não fazia sentido: antes ninguém se levantara à chegada dos outros. O que os Lafer, Lampreia & cia. parecem não entender, ao pôr em dúvida a atuação do Brasil - e na ilusão de uma marcha a ré para diplomacia igual à deles, do medo e da omissão - é que o mundo vive processo de mudança, acelerado por um reexame à luz da crise financeira global, da qual o país saiu bem, melhor do que a maioria.
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O êxito da diplomacia brasileira é festejado em toda parte por governos estrangeiros e pela mídia internacional. Mas na mídia nacional só há espaço (nas páginas impressas e na tevê) para opiniões de certos ex-diplomatas que serviram ao Itamaraty no governo FHC e obstinam-se em desacreditar a política externa e o País em artigos, entrevistas e debates. Revistas como Foreign Policy e Time, dos Estados Unidos, a alemã Der Spiegel, os jornais franceses Le Monde e Le Figaro, o espanhol El País, o britânico Financial Times e outros são pródigos em elogios ao novo papel do Brasil no mundo. Já as famílias Marinho, Civita, Frias e Mesquita, em O Globo, Veja, Folha e Estadão, abominam o "protagonismo" de Lula.
Esse pecado horroriza Celso Lafer, ex-colega de FHC na USP. De família ilustre, ele foi ministro do Exterior de Collor às vésperas da renúncia e voltou ao cargo nos extertores do governo FHC. Ao atacar Lula em artigo recente, acusou a política externa de "busca de prestígio" e "voluntarismo". Com Collor e FHC optava pela submissão silenciosa à vontade das potências. Só a elas caberia discutir o que fosse relevante. Ensinou Juracy Magalhães: "Se é bom para os EUA, é bom para o Brasil".
Submissa foi ainda a conduta pessoal de Lafer como ministro quando ia aos EUA: tirava os sapatos para policiais no aeroporto. Submeteu-se, além disso, à autoridade de segundo escalão da diplomacia norte-americana, o embaixador John Bolton, que o mandou obrigar o diplomata brasileiro José Bustani a deixar o cargo para o qual fora eleito na ONU. Licenciado do Itamaraty, o embaixador Bustani era diretor da Organização para a Proibição de Armas Químicas. Pelo regulamento os EUA deveriam levar sua proposta ao voto dos países membros. Mas Lafer capitulou: retirou o apoio do Brasil ao diplomata e o isolou no Itamaraty. Bustani só foi reabilitado no governo Lula.
Será "protagonismo" preferir dignidade a capitulação? Ou liderar ação global contra a fome? Proposto pelo Brasil, tal esforço, a que logo se somaram os presidentes da França, do Chile e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, veio no primeiro ano de Lula. Reuniões em Roma e Nova York, adesões em toda parte. Metas foram fixadas para 2015. E o Brasil, como confirmou a ONU mês passado, cumpre sua parte: lidera o ranking mundial dos países que reduziram a pobreza. É performance, mais do que protagonismo. Nada a ver com o sugerido pelos ex-diplomatas nos veículos das famílias da grande mídia.
A ofensiva enfurecida contra a política externa tem protagonistas: os ex-ministros Lafer e Luiz Felipe Lampreia, e ex-embaixadores como Roberto Abdenur, Sérgio Amaral e Carlos Azambuja, além do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que Lampreia, criou quando ainda chanceler com recursos de embaixadas e entidades estrangeiras. O êxito da política externa choca o grupo de aposentados, que transforma em alvo prioritário o ex-colega Celso Amorim, chamado por Foreign Policy "o melhor ministro do Exterior do mundo". Ali David Rothkopf ainda escreveu que 2009 foi "o melhor ano para o Brasil desde o Tratado de Tordesilhas (1494)".
Outros alvos dos ex-diplomatas, além de Amorim e do próprio Lula, são o atuante ministro Samuel Pinheiro Guimarães, e o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. O grupo chega a extremos na ânsia de explicar o contraste entre a inércia passada e o dinamismo do momento atual vivido pelo Brasil. Na vertente diplomática da campanha eleitoral, manipularam-se bordões, imagens e símbolos para desmerecer triunfos. O diálogo com líderes cuja imagem é vilanizada na mídia - Chávez, Fidel, Ahmadinejad - vira sabotagem da democracia, dos direitos humanos e da não proliferação nuclear.
Aos olhos dos detratores a substância do diálogo é menos relevante do que a imagem distorcida. Depois da visita de Lula a Teerã, por exemplo, uma cidadã americana, antes cumprindo pena, procurou na ONU o chanceler Amorim. Na conversa, expressou seu agradecimento ao presidente pelo que fizera a favor da libertação dela. Mas no Brasil a campanha obsessiva de oito anos às vezes parece até destinada a elevar ex-diplomatas ao status de estrelas de novela tal a frequência com que surgem na tevê. A atividade deles exige habilidade, claro. Têm de zelar pelas relações privilegiadas com a mídia que lhes reserva o espaço.
A má-fé fica clara quando retratam o presidente como marionete de Chávez, Fidel ou outros líderes demonizados. A desproporção entre peso e potencial do Brasil e seu líder e os que supostamente o "controlam" basta para expor a ficção grotesca. A suspeita é de que nem quem dissemina as versões acredita nelas. Entendo a frustração dos aposentados: devia ser FHC a brilhar no palco do mundo. No continente é notório o fascínio exercido por Lula, capaz até de influir em eleições na Bolívia, Equador, El Salvador, Uruguai, Paraguai. Observe-se ainda a atual presença da China no Brasil, como maior parceiro comercial, lugar que era dos EUA.
Apesar de serem commodities o grosso das exportações para a China, já há esforço em andamento para mudar o quadro, reforçado ainda pela disposição de empresas chinesas para investir aqui. Este ano aquele país torna-se o que mais investe no Brasil (10 bilhões de dólares), em especial em projetos de infraestrutura e telecomunicações - um desmentido irônico às alegações de que depois de FHC a política externa só aposta no fracasso, em países pobres demais. As apostas são no respeito à independência política e autodeterminação, não em sistemas políticos, religiões e costumes.
A democracia é outra aposta explícita. Em Honduras o Brasil apoiou a devolução do poder ao presidente legítimo, eleito pelo povo e deposto por militares que o arrancaram da cama, de pijama, e o enfiaram num avião para fora do país. Nossa diplomacia e o resto do continente rejeitaram a violência, apesar do recuo dos EUA que abriu a porta a mais golpes na região. Der Spiegel, a mais importante revista semanal de informação da Alemanha, destacou em maio de 2010 - num longo artigo sobre nossa diplomacia, "Lula Superstar" - a ação do Brasil no exterior. Deu ainda a explicação do próprio Lula, de que está curando "antigo complexo de vira-lata" dos nossos diplomatas perante os EUA e a Europa.
A revista também contou que em 2003, na grande estreia internacional de Lula na cúpula do G-8 em Evian, França, todos estavam sentados no salão do hotel à espera de George W. Bush. Ao chegar o presidente dos EUA, os demais se levantaram - menos Lula. Para o brasileiro, o gesto não fazia sentido: antes ninguém se levantara à chegada dos outros. O que os Lafer, Lampreia & cia. parecem não entender, ao pôr em dúvida a atuação do Brasil - e na ilusão de uma marcha a ré para diplomacia igual à deles, do medo e da omissão - é que o mundo vive processo de mudança, acelerado por um reexame à luz da crise financeira global, da qual o país saiu bem, melhor do que a maioria.
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"Lula não poderá ser sombra de Dilma"
Reproduzo entrevista da socióloga Maria Victoria Benevides, publicada na revista IstoÉ:
Aos 68 anos, Maria Victoria Benevides é uma das mais importantes e independentes sociólogas do País. Professora titular da Escola de Educação da Universidade de São Paulo, ela estudou na França e nos Estados Unidos. Observadora atenta do cenário político brasileiro, Maria Victória tem dez livros publicados, entre eles “O Governo Kubitschek”, “A UDN e o Udenismo” e o “PTB e o Trabalhismo”.
É uma das pioneiras do estudo dos direitos humanos e, em 1986, recebeu do Conselho Nacional de Mulheres o título de Mulher do Ano na área de ciência política.
Tem participado dos debates públicos sobre a reforma política, com ênfase nos instrumentos de democracia direta. Participou dos debates de fundação do PT, mas se afastou do partido em 2005, e nunca perdeu sua independência intelectual e acadêmica (*).
Maria Victoria faz críticas ao processo eleitoral e enumera os desafios que deverão ser enfrentados pela presidente eleita, Dilma Rousseff. “Num país ainda dominado por uma política machista e personalista, ter pela primeira vez uma mulher como presidente da República é uma grande novidade”, disse.
O maior desafio, entretanto, ainda está por vir. “Haverá sobre Dilma uma dupla cobrança. Assim como Lula dizia que não podia errar por ser um operário de origem pobre, ela não poderá errar exatamente pelo fato de ser mulher”, explica a socióloga.
A entrevista é de Claudio Dantas Sequeira e Sérgio Pardellas e publicada pela revista IstoÉ, no. 219, 05-11-2010. Eis a entrevista:
O que representa a vitória da Dilma Rousseff?
A primeira observação é bastante óbvia. A eleição de Dilma significa o apoio à continuidade do governo Lula. Ela foi a candidata de uma coligação partidária que é a base de apoio do governo e pessoalmente indicada pelo presidente como sua sucessora. Mas há uma especificidade nessa vitória: o fato de ser a primeira mulher presidente do Brasil, embora já tenha ocorrido em outros países europeus e latino-americanos, para nós é uma grande novidade. Ela terá um peso muito grande sobre si. Será cobrada como presidente e como mulher.
O fato de Dilma ser mulher embute uma cobrança maior?
Sim. A política brasileira não é apenas muito machista, mas também personalista. A própria Dilma, quando candidata, sempre se referiu a isso. Lula dizia que não podia errar por ser um operário, pau-de-arara, um nordestino de origem pobre que chegou a presidente do Brasil. Não podia errar e trair a confiança de todos que votaram nele e se identificaram com ele. Dilma, por sua vez, não poderá errar pelo fato de ser a primeira mulher.
A sra. acha que o presidente, assim que passar a faixa presidencial, deve se retirar da cena política?
Acho que Lula deve ser retirar sim, inclusive por respeito à presidente eleita e às regras republicanas e democráticas. Ele não pode ser uma sombra para a presidente. Lula terá ainda algum tempo na Presidência para fazer a transição da melhor maneira e, evidentemente, discutir com ela temas cruciais que serão herdados naturalmente. Há uma lista grande: reformas política, tributária, fundiária e agrária, toda a problemática do desenvolvimento sustentável e o agronegócio, assim como a revisão do processo de nomeação de novos membros do Supremo Tribunal Federal e o enfrentamento do poder hegemônico e sem controle dos meios de comunicação de massa.
Dilma terá condições de aglutinar os partidos para a aprovação das reformas?
As reformas não foram feitas porque o presidente Lula fosse contra seu conteúdo, mas porque eram mais difíceis na correlação de forças. O Lula não tinha a maioria que o novo governo terá no Congresso. Sua personalidade também é diferente, baseada na negociação e conciliação. Dilma deverá fugir do estilo de conciliação do presidente Lula, será mais favorável ao encaminhamento das reformas. Ela tem uma excelente relação com o PT. Não tem ligações com grupos envolvidos em disputas políticas. O papel dela será extremamente importante. Mas a sua equipe, o ministério e seu conselho político deverão ter um peso especial para redirecionar, de certa forma, a relação do Executivo com o Legislativo.
O PT, que agora é maioria na Câmara, terá mais responsabilidade nessa tarefa?
O partido certamente tem a obrigação de dividir com o presidente essa responsabilidade. Mas temos de lembrar que programa de um partido é uma coisa e programa de governo, outra. E isso terá que ser muito bem avaliado. Mas confio que o partido terá esse bom-senso, ainda mais porque as lideranças partidárias sabem perfeitamente que não ganharam sozinhas a eleição. Fizeram alianças e coligações. Vale lembrar que o Brasil é uma federação, em que o peso dos Estados conta e o resultado eleitoral mostra um mapa diferenciado de adesão à candidatura vitoriosa.
Diante do resultado fraco nas eleições, qual o caminho para a oposição? PSDB e DEM devem ficar unidos?
Durante os oito anos do governo FHC, eles estiveram unidos. Essa aliança se repetiu agora, e é muito forte em São Paulo, Minas e alguns Estados do Nordeste e do Sul. Então, vejo PSDB-DEM como uma unidade, o que lamento. Acho que seria importante para o Brasil ter uma oposição crítica, que fiscalize e controle, e uma social-democracia autêntica, o que infelizmente não temos. A oposição vai partir para uma linha mais aguerrida e vai dar muito trabalho dentro e fora do Congresso. Essa oposição pode ter perdido as eleições, mas não perdeu necessariamente seu espaço na sociedade. Com raríssimas exceções, toda a chamada grande imprensa apoiou a candidatura PSDB-DEM.
Aécio Neves tem a capacidade de circular não só na oposição, mas também entre os partidos governistas Qual será o papel dele a partir de agora?
Aécio é um nome natural para 2014. É um candidato que já demonstrou que tem em primeiríssimo lugar a sua carreira pes¬soal. Haja visto seu comportamento durante todo o primeiro turno das eleições presidenciais, quando não participou da campanha de José Serra. Tanto por sua própria vontade como por seus desacertos com o Serra e a cúpula paulista do PSDB. Vejo o ex-governador Aécio como um político jovem que vai se dedicar daqui para a frente a assumir um papel de oposição a outro político jovem que se destacou muito nessas últimas eleições, que é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Quer dizer, temos de um lado o neto de Miguel Arraes e de outro o neto de Tancredo Neves, como jovens políticos que têm o objetivo legítimo de se candidatar aos cargos mais elevados.
Eles representam uma nova forma de fazer política ou reproduzem a tradição de seus avós?
Isso eu não saberia dizer. Pelo que conheço de Arraes e Tancredo, nenhum de seus netos tem o mesmo estilo de fazer política, simplesmente porque o Brasil e o mundo mudaram muito. É claro que o nome da família continua forte, mas o aproveitamento é só dessa tradição.
Aécio, Eduardo Campos e a própria Dilma se destacam pela boa gestão. Estamos diante de uma nova geração de políticos com perfil mais técnico?
Se for isso, eu lamentarei muito. Porque um político, ainda mais num cargo executivo elevado, como presidente da República ou governador de Estado, não é principalmente um gestor. Ele tem que ter uma equipe que seja competente, eficiente e moderna, para melhor aproveitar os recursos materiais e humanos disponíveis. Mas o político, acima de tudo, é político. Tem o compromisso com o interesse público em torno de princípios e principalmente na definição de prioridades. Costumo dizer a meus alunos que se votar para presidente, para governador, para prefeito se resumisse na escolha do melhor gerente, não precisaríamos de uma eleição, mas de um concurso público.
Com os 20 milhões de votos obtidos no primeiro turno, Marina Silva se consolida como alternativa política para o futuro?
Não. Política é muito mais do que um nicho eleitoral. Ela tem uma história de vida maravilhosa, tem compromisso ético e agregou muito ao debate com a questão ambiental. Mas em termos de grande política, seu programa é claramente insuficiente, assim como sua agilidade política para perceber quando e como agir. Considero, por exemplo, bastante ruim, do ponto de vista político, ela não ter definido uma posição para o segundo turno. Fica muito difícil entender essa posição de neutralidade. Isso não existe na política.
É viável o retorno do presidente Lula em 2014?
Nenhum presidente saiu do governo com um apoio de 80% da população. Então, é perfeitamente legítimo que haja a proposta de uma volta. Mas a nova presidente tem o direito de tentar a reeleição. E seria uma falta de respeito com Dilma extirpar radicalmente essa hipótese.
Considerando a guerra suja travada especialmente no segundo turno e as confusões em torno da Lei da Ficha Limpa, que lições se pode tirar da campanha?
No Brasil ainda há um subdesenvolvimento político muito grande, especialmente em termos de conscientização e entendimento do que é participar politicamente. Nossa democracia participativa ainda é muito incipiente, embora tenha dado um exemplo eloquente com a campanha da Ficha Limpa. Além disso, temos de entender o peso da religiosidade na mentalidade do brasileiro. PSDB e DEM se aproveitaram sordidamente dessa religiosidade do povo brasileiro e uma parte da Igreja Católica se comportou de maneira ignóbil. Temas de foro íntimo, de moral privada e de religião não podem ser explorados politicamente nas campanhas eleitorais. O aborto, por exemplo, é uma questão de saúde pública.
*****
(*) Após a publicação da entrevista, a professora enviou esclarecimento importante para sua lista de emails:
"Venho informar que, ao contrário do que aparece na apresentação de minha entrevista à revista IstoÉ, não me afastei do PT, embora tenha sofrido muito com a crise de 2005. Pertenço à corrente Mensagem ao Partido, liderada por Tarso Genro, Paulo Vannuchi, Fernando Haddad, José Eduardo Cardoso,Carlos Neder, Zilah Abramo, André Singer, entre outros.
Favor divulgar,
Abraços, Maria Victoria Benevides"
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Aos 68 anos, Maria Victoria Benevides é uma das mais importantes e independentes sociólogas do País. Professora titular da Escola de Educação da Universidade de São Paulo, ela estudou na França e nos Estados Unidos. Observadora atenta do cenário político brasileiro, Maria Victória tem dez livros publicados, entre eles “O Governo Kubitschek”, “A UDN e o Udenismo” e o “PTB e o Trabalhismo”.
É uma das pioneiras do estudo dos direitos humanos e, em 1986, recebeu do Conselho Nacional de Mulheres o título de Mulher do Ano na área de ciência política.
Tem participado dos debates públicos sobre a reforma política, com ênfase nos instrumentos de democracia direta. Participou dos debates de fundação do PT, mas se afastou do partido em 2005, e nunca perdeu sua independência intelectual e acadêmica (*).
Maria Victoria faz críticas ao processo eleitoral e enumera os desafios que deverão ser enfrentados pela presidente eleita, Dilma Rousseff. “Num país ainda dominado por uma política machista e personalista, ter pela primeira vez uma mulher como presidente da República é uma grande novidade”, disse.
O maior desafio, entretanto, ainda está por vir. “Haverá sobre Dilma uma dupla cobrança. Assim como Lula dizia que não podia errar por ser um operário de origem pobre, ela não poderá errar exatamente pelo fato de ser mulher”, explica a socióloga.
A entrevista é de Claudio Dantas Sequeira e Sérgio Pardellas e publicada pela revista IstoÉ, no. 219, 05-11-2010. Eis a entrevista:
O que representa a vitória da Dilma Rousseff?
A primeira observação é bastante óbvia. A eleição de Dilma significa o apoio à continuidade do governo Lula. Ela foi a candidata de uma coligação partidária que é a base de apoio do governo e pessoalmente indicada pelo presidente como sua sucessora. Mas há uma especificidade nessa vitória: o fato de ser a primeira mulher presidente do Brasil, embora já tenha ocorrido em outros países europeus e latino-americanos, para nós é uma grande novidade. Ela terá um peso muito grande sobre si. Será cobrada como presidente e como mulher.
O fato de Dilma ser mulher embute uma cobrança maior?
Sim. A política brasileira não é apenas muito machista, mas também personalista. A própria Dilma, quando candidata, sempre se referiu a isso. Lula dizia que não podia errar por ser um operário, pau-de-arara, um nordestino de origem pobre que chegou a presidente do Brasil. Não podia errar e trair a confiança de todos que votaram nele e se identificaram com ele. Dilma, por sua vez, não poderá errar pelo fato de ser a primeira mulher.
A sra. acha que o presidente, assim que passar a faixa presidencial, deve se retirar da cena política?
Acho que Lula deve ser retirar sim, inclusive por respeito à presidente eleita e às regras republicanas e democráticas. Ele não pode ser uma sombra para a presidente. Lula terá ainda algum tempo na Presidência para fazer a transição da melhor maneira e, evidentemente, discutir com ela temas cruciais que serão herdados naturalmente. Há uma lista grande: reformas política, tributária, fundiária e agrária, toda a problemática do desenvolvimento sustentável e o agronegócio, assim como a revisão do processo de nomeação de novos membros do Supremo Tribunal Federal e o enfrentamento do poder hegemônico e sem controle dos meios de comunicação de massa.
Dilma terá condições de aglutinar os partidos para a aprovação das reformas?
As reformas não foram feitas porque o presidente Lula fosse contra seu conteúdo, mas porque eram mais difíceis na correlação de forças. O Lula não tinha a maioria que o novo governo terá no Congresso. Sua personalidade também é diferente, baseada na negociação e conciliação. Dilma deverá fugir do estilo de conciliação do presidente Lula, será mais favorável ao encaminhamento das reformas. Ela tem uma excelente relação com o PT. Não tem ligações com grupos envolvidos em disputas políticas. O papel dela será extremamente importante. Mas a sua equipe, o ministério e seu conselho político deverão ter um peso especial para redirecionar, de certa forma, a relação do Executivo com o Legislativo.
O PT, que agora é maioria na Câmara, terá mais responsabilidade nessa tarefa?
O partido certamente tem a obrigação de dividir com o presidente essa responsabilidade. Mas temos de lembrar que programa de um partido é uma coisa e programa de governo, outra. E isso terá que ser muito bem avaliado. Mas confio que o partido terá esse bom-senso, ainda mais porque as lideranças partidárias sabem perfeitamente que não ganharam sozinhas a eleição. Fizeram alianças e coligações. Vale lembrar que o Brasil é uma federação, em que o peso dos Estados conta e o resultado eleitoral mostra um mapa diferenciado de adesão à candidatura vitoriosa.
Diante do resultado fraco nas eleições, qual o caminho para a oposição? PSDB e DEM devem ficar unidos?
Durante os oito anos do governo FHC, eles estiveram unidos. Essa aliança se repetiu agora, e é muito forte em São Paulo, Minas e alguns Estados do Nordeste e do Sul. Então, vejo PSDB-DEM como uma unidade, o que lamento. Acho que seria importante para o Brasil ter uma oposição crítica, que fiscalize e controle, e uma social-democracia autêntica, o que infelizmente não temos. A oposição vai partir para uma linha mais aguerrida e vai dar muito trabalho dentro e fora do Congresso. Essa oposição pode ter perdido as eleições, mas não perdeu necessariamente seu espaço na sociedade. Com raríssimas exceções, toda a chamada grande imprensa apoiou a candidatura PSDB-DEM.
Aécio Neves tem a capacidade de circular não só na oposição, mas também entre os partidos governistas Qual será o papel dele a partir de agora?
Aécio é um nome natural para 2014. É um candidato que já demonstrou que tem em primeiríssimo lugar a sua carreira pes¬soal. Haja visto seu comportamento durante todo o primeiro turno das eleições presidenciais, quando não participou da campanha de José Serra. Tanto por sua própria vontade como por seus desacertos com o Serra e a cúpula paulista do PSDB. Vejo o ex-governador Aécio como um político jovem que vai se dedicar daqui para a frente a assumir um papel de oposição a outro político jovem que se destacou muito nessas últimas eleições, que é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Quer dizer, temos de um lado o neto de Miguel Arraes e de outro o neto de Tancredo Neves, como jovens políticos que têm o objetivo legítimo de se candidatar aos cargos mais elevados.
Eles representam uma nova forma de fazer política ou reproduzem a tradição de seus avós?
Isso eu não saberia dizer. Pelo que conheço de Arraes e Tancredo, nenhum de seus netos tem o mesmo estilo de fazer política, simplesmente porque o Brasil e o mundo mudaram muito. É claro que o nome da família continua forte, mas o aproveitamento é só dessa tradição.
Aécio, Eduardo Campos e a própria Dilma se destacam pela boa gestão. Estamos diante de uma nova geração de políticos com perfil mais técnico?
Se for isso, eu lamentarei muito. Porque um político, ainda mais num cargo executivo elevado, como presidente da República ou governador de Estado, não é principalmente um gestor. Ele tem que ter uma equipe que seja competente, eficiente e moderna, para melhor aproveitar os recursos materiais e humanos disponíveis. Mas o político, acima de tudo, é político. Tem o compromisso com o interesse público em torno de princípios e principalmente na definição de prioridades. Costumo dizer a meus alunos que se votar para presidente, para governador, para prefeito se resumisse na escolha do melhor gerente, não precisaríamos de uma eleição, mas de um concurso público.
Com os 20 milhões de votos obtidos no primeiro turno, Marina Silva se consolida como alternativa política para o futuro?
Não. Política é muito mais do que um nicho eleitoral. Ela tem uma história de vida maravilhosa, tem compromisso ético e agregou muito ao debate com a questão ambiental. Mas em termos de grande política, seu programa é claramente insuficiente, assim como sua agilidade política para perceber quando e como agir. Considero, por exemplo, bastante ruim, do ponto de vista político, ela não ter definido uma posição para o segundo turno. Fica muito difícil entender essa posição de neutralidade. Isso não existe na política.
É viável o retorno do presidente Lula em 2014?
Nenhum presidente saiu do governo com um apoio de 80% da população. Então, é perfeitamente legítimo que haja a proposta de uma volta. Mas a nova presidente tem o direito de tentar a reeleição. E seria uma falta de respeito com Dilma extirpar radicalmente essa hipótese.
Considerando a guerra suja travada especialmente no segundo turno e as confusões em torno da Lei da Ficha Limpa, que lições se pode tirar da campanha?
No Brasil ainda há um subdesenvolvimento político muito grande, especialmente em termos de conscientização e entendimento do que é participar politicamente. Nossa democracia participativa ainda é muito incipiente, embora tenha dado um exemplo eloquente com a campanha da Ficha Limpa. Além disso, temos de entender o peso da religiosidade na mentalidade do brasileiro. PSDB e DEM se aproveitaram sordidamente dessa religiosidade do povo brasileiro e uma parte da Igreja Católica se comportou de maneira ignóbil. Temas de foro íntimo, de moral privada e de religião não podem ser explorados politicamente nas campanhas eleitorais. O aborto, por exemplo, é uma questão de saúde pública.
*****
(*) Após a publicação da entrevista, a professora enviou esclarecimento importante para sua lista de emails:
"Venho informar que, ao contrário do que aparece na apresentação de minha entrevista à revista IstoÉ, não me afastei do PT, embora tenha sofrido muito com a crise de 2005. Pertenço à corrente Mensagem ao Partido, liderada por Tarso Genro, Paulo Vannuchi, Fernando Haddad, José Eduardo Cardoso,Carlos Neder, Zilah Abramo, André Singer, entre outros.
Favor divulgar,
Abraços, Maria Victoria Benevides"
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