Ilustração: Maram Heshan |
A estabilidade social e econômica dentro do sistema capitalista enfrenta dois problemas essenciais. Por um lado, as contínuas crises e a feroz competição intercapitalista fazem da acumulação de capital um processo inseguro. Por outro, o conflito na distribuição de renda constitui uma permanente ameaça de ruptura social. A democracia está no coração destas duas fontes de tensão sistêmicas.
Para introduzir algumas definições operativas é preciso vamos definir que consideramos democracia o sistema no qual todos os cidadãos adultos têm direito a voto (sufrágio universal), há eleições livres e são protegidos os direitos humanos a partir de um bem estabelecido Estado de direito. O capitalismo é um sistema onde uma classe dominante se apropria do excedente do produto social não através da violência e sim do mercado.
O surgimento do capitalismo se deu dentro de um contexto onde abundavam os estados monárquicos e autocráticos, para não dizer ditatoriais. A necessidade de preservar os direitos de propriedade da classe capitalista era uma das prioridades desses estados. O movimento de ideias começou a mudar quando Estados Unidos e França viveram suas revoluções. Ainda assim, a constituição dos Estados Unidos (1787) não menciona o sufrágio universal, além de outorgar a cada estado federado a faculdade de regular o direito ao voto em seu território. A maioria só outorgou esse direito aos proprietários. Somente na 15ª e na 19ª emenda (de 1870 e 1920 respectivamente) o país conseguiu o voto universal. Na França, a revolução acabou com a monarquia mas o sufrágio universal só se tornou realidade em 1946.
A palavra democracia foi utilizada até o começo do Século XX em um sentido pejorativo, ou como sinônimo de um sistema caótico no qual as classes baixas terminariam expropriando os donos do capital. A classe capitalista pensava que por trás do sufrágio universal se ocultava o perigo de que a maioria democrática pudesse abolir seus privilégios. Porém, a pressão de uma massa que não tinha direito a voto mas formava parte da economia foi se tornando irresistível, gradualmente. As perspectivas da classe capitalista também foi transformando: um regime monárquico parecia ser cada vez menos adequado para garantir o cumprimento dos contratos e os direitos de propriedade. Apesar de tudo, o capitalismo e a democracia continuaram sendo vistos como processos antagônicos até meados do Século XX.
Ao final da I Guerra Mundial, a reconstrução das economias capitalistas na Europa não permitiu que se consolidasse uma ordem social adequada para o capitalismo. Em vários países, isso abriu espaço para a consolidação do fascismo. A Grande Depressão debilitou o capital e gerou um sistema regulatório no qual uma adequada distribuição do produto se ergueu a partir deu a partir da prioridade do estado. Esse sistema permitiu o crescimento robusto e a distribuição de benefícios através do Estado de bem-estar durante as três décadas do pós-guerra. A classe capitalista aceitou a contrariada a regulação do processo econômico por parte do Estado. A legitimidade do capitalismo se fortaleceu através de uma menor desigualdade e um melhor nível de vida para a maior parte da população. Nesse período, democracia e capitalismo pareciam marchar de mãos dadas e em sincronia.
Contudo, a partir dos Anos 70, ressurge a tensão pela diminuição da rentabilidade do capital, uma queda nas taxas de crescimento, novas pressões inflacionárias e outro desajustes macroeconômicos. A política econômica que havia mantido o Estado de bem-estar foi desmantelada gradualmente, ao mesmo tempo em que se declarava guerra contra sindicatos e instituições ligadas à dinâmica do mercado de trabalho. Nesse tempo, começou também o processo de desregulação do sistema financeiro. Essa situação acabou por destruir o regime de acumulação baseado numa democracia que buscava maior igualdade, e se reiniciou um ciclo natural de crise, algo que já marcou várias vezes a história del capitalismo. O neoliberalismo é a culminação de todo este processo.
Hoje a democracia se encontra mais ameaçada, porque a via eleitoral não parece permitir mudanças nas decisões fundamentais da vida econômica. As coisas pioraram com a chegada da crises de 2008. Os mitos sobre equilíbrios macroeconômicos ajudaram a impor políticas que freiam o crescimento e intensificam a desigualdade. A austeridade fiscal e a chamada “política monetária não convencional são os exemplos más sobressalentes. Se incluímos nesse contexto a incompetência dos funcionários públicos, sua entrega aos interesses corporativos e do capitalismo financeiro, assim como o tema da corrupção, temos uma combinação realmente perigosa.
O capitalista pode despedir um operário, mas o contrário não é possível. Por isso, o capitalismo e a democracia não são irmãozinhos gêmeos. E talvez sejam o contrário, inimigos mortais. Por isso o austríaco Friedrich Hayek, um dos filósofos mais importantes do neoliberalismo, não titubeia em recomendar a abolição da democracia quando se trata de resgatar o capitalismo.
* Publicado originalmente no jornal Sin Permiso. Alejandro Nadal é economista e membro do Conselho Editorial do Sin Permiso.
Para introduzir algumas definições operativas é preciso vamos definir que consideramos democracia o sistema no qual todos os cidadãos adultos têm direito a voto (sufrágio universal), há eleições livres e são protegidos os direitos humanos a partir de um bem estabelecido Estado de direito. O capitalismo é um sistema onde uma classe dominante se apropria do excedente do produto social não através da violência e sim do mercado.
O surgimento do capitalismo se deu dentro de um contexto onde abundavam os estados monárquicos e autocráticos, para não dizer ditatoriais. A necessidade de preservar os direitos de propriedade da classe capitalista era uma das prioridades desses estados. O movimento de ideias começou a mudar quando Estados Unidos e França viveram suas revoluções. Ainda assim, a constituição dos Estados Unidos (1787) não menciona o sufrágio universal, além de outorgar a cada estado federado a faculdade de regular o direito ao voto em seu território. A maioria só outorgou esse direito aos proprietários. Somente na 15ª e na 19ª emenda (de 1870 e 1920 respectivamente) o país conseguiu o voto universal. Na França, a revolução acabou com a monarquia mas o sufrágio universal só se tornou realidade em 1946.
A palavra democracia foi utilizada até o começo do Século XX em um sentido pejorativo, ou como sinônimo de um sistema caótico no qual as classes baixas terminariam expropriando os donos do capital. A classe capitalista pensava que por trás do sufrágio universal se ocultava o perigo de que a maioria democrática pudesse abolir seus privilégios. Porém, a pressão de uma massa que não tinha direito a voto mas formava parte da economia foi se tornando irresistível, gradualmente. As perspectivas da classe capitalista também foi transformando: um regime monárquico parecia ser cada vez menos adequado para garantir o cumprimento dos contratos e os direitos de propriedade. Apesar de tudo, o capitalismo e a democracia continuaram sendo vistos como processos antagônicos até meados do Século XX.
Ao final da I Guerra Mundial, a reconstrução das economias capitalistas na Europa não permitiu que se consolidasse uma ordem social adequada para o capitalismo. Em vários países, isso abriu espaço para a consolidação do fascismo. A Grande Depressão debilitou o capital e gerou um sistema regulatório no qual uma adequada distribuição do produto se ergueu a partir deu a partir da prioridade do estado. Esse sistema permitiu o crescimento robusto e a distribuição de benefícios através do Estado de bem-estar durante as três décadas do pós-guerra. A classe capitalista aceitou a contrariada a regulação do processo econômico por parte do Estado. A legitimidade do capitalismo se fortaleceu através de uma menor desigualdade e um melhor nível de vida para a maior parte da população. Nesse período, democracia e capitalismo pareciam marchar de mãos dadas e em sincronia.
Contudo, a partir dos Anos 70, ressurge a tensão pela diminuição da rentabilidade do capital, uma queda nas taxas de crescimento, novas pressões inflacionárias e outro desajustes macroeconômicos. A política econômica que havia mantido o Estado de bem-estar foi desmantelada gradualmente, ao mesmo tempo em que se declarava guerra contra sindicatos e instituições ligadas à dinâmica do mercado de trabalho. Nesse tempo, começou também o processo de desregulação do sistema financeiro. Essa situação acabou por destruir o regime de acumulação baseado numa democracia que buscava maior igualdade, e se reiniciou um ciclo natural de crise, algo que já marcou várias vezes a história del capitalismo. O neoliberalismo é a culminação de todo este processo.
Hoje a democracia se encontra mais ameaçada, porque a via eleitoral não parece permitir mudanças nas decisões fundamentais da vida econômica. As coisas pioraram com a chegada da crises de 2008. Os mitos sobre equilíbrios macroeconômicos ajudaram a impor políticas que freiam o crescimento e intensificam a desigualdade. A austeridade fiscal e a chamada “política monetária não convencional são os exemplos más sobressalentes. Se incluímos nesse contexto a incompetência dos funcionários públicos, sua entrega aos interesses corporativos e do capitalismo financeiro, assim como o tema da corrupção, temos uma combinação realmente perigosa.
O capitalista pode despedir um operário, mas o contrário não é possível. Por isso, o capitalismo e a democracia não são irmãozinhos gêmeos. E talvez sejam o contrário, inimigos mortais. Por isso o austríaco Friedrich Hayek, um dos filósofos mais importantes do neoliberalismo, não titubeia em recomendar a abolição da democracia quando se trata de resgatar o capitalismo.
* Publicado originalmente no jornal Sin Permiso. Alejandro Nadal é economista e membro do Conselho Editorial do Sin Permiso.
0 comentários:
Postar um comentário