Editorial do site Vermelho:
Anunciada na quarta-feira (11), a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de elevar a taxa básica de juros, a Selic, em um ponto percentual (p.p.) – um salto de 11,25% para 12,25% ao ano – é errada e danosa ao País. Cada ponto da Selic aumenta em R$ 40 bilhões os gastos da União com os títulos da dívida, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Uma pesquisa do Valor Pro com 117 instituições financeiras apontou, antes da decisão, que apenas 24 esperavam um aumento de 1 ponto percentual, 89 anteviam alta de 0,75 p.p., enquanto quatro projetavam um crescimento de 0,5 p.p. O Copom foi, portanto, mais realista que o rei – no caso, o pretenso soberano mercado financeiro.
Não há razões técnicas para esse aumento. O déficit primário será de apenas 0,4% do PIB, as receitas terão um aumento real de 10%, as reservas internacionais ultrapassam US$ 370 bilhões, o crescimento e geração de emprego estão em alta e a balança comercial, bem positiva. Os gastos, conforme imposição do próprio mercado, serão menores – e juros estratosféricos não são remédio ao impacto nos preços provocados pela alta do dólar, tampouco à inflação das proteínas, como a carne.
Aliás, perguntar não ofende: por que somente agora o BC resolveu fazer leilão de dólares para conter o ataque especulativo que o Real vem sofrendo? O fato é que cruzou os braços, mesmo sabendo que a alta da moeda teria impacto inflacionário.
Por isso, chama a atenção, negativamente, o fato de que a decisão foi aprovada por unanimidade, numa composição na qual quatro dos nove integrantes são indicados pelo presidente Lula.
O próprio Banco Central disse que existe “um cenário mais adverso para a convergência da inflação”, que leva o Copom a antever “ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões”. Destaca também que o ciclo de “aperto monetário” será ditado “pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”. Em outras palavras, não somente aumentou em 1 p.p., como tenta aprisionar o futuro, com mais duas elevações com esse percentual exorbitante. Ademais, é hora de o Conselho Monetário Nacional (CMN) examinar, num contexto de chantagem e manipulações continuadas do mercado, a mudança da atual meta de 3%.
O vocabulário é bem conhecido e traduz a pressão do mercado financeiro para elevar seu parasitismo sobre o orçamento público, com doses cavalares de juros. A inflação, de fato, precisa ser controlada. Mas o argumento do Banco Central é falacioso e tem mais a ver com a proteção dos ganhos com os títulos públicos na ciranda financeira do que com a oscilação de preços ocorrida. Isso explica a grita da mídia de que a inflação bate à porta com a cotação do dólar superior a R$ 6 e a economia superaquecida, gerando demanda incompatível com a base produtiva do país.
A especulação com o dólar é mera jogatina dos agentes do mercado financeiro. A crescente demanda gerada por emprego e renda – como o aumento real do salário mínimo e a expansão de programas sociais – deve ser respondida com mais investimentos, mais produção e menos rentismo.
Na verdade, essa situação decorre da política dita independente do Banco Central, oficializada pelo golpe de 2016, que levou Roberto Campos Neto à sua presidência, alçado para o posto em março de 2019 vindo das entranhas do sistema financeiro, onde trabalhou por décadas pelos Banco Bozano Simonsen e Santander. Como se vê, a denominada autonomia do Banco Central resultou no enfraquecido do Estado nacional e em uma grande conquista da oligarquia financeira.
Após um curto período de juro baixo, durante a pandemia, a gestão de Campos Neto iniciou a escalada de aumento, em março de 2021, só interrompida quando ele condicionou a redução da taxa, em agosto de 2023, a uma proposta de regras de ajustes, que veio com o arcabouço fiscal. Foram seis cortes a conta gotas seguidos, de 0,5 ponto percentual, até que a Selic chegasse a 10,75% em março de 2024. Em maio, a queda foi de 0,25 ponto, numa decisão dividida, sob forte pressão do mercado financeiro. Os cinco diretores indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – com o voto decisivo de Campos Neto – foram favoráveis a um corte de 0,25 ponto, e os quatro indicados por Lula – entre eles, Galípolo – defenderam 0,5 ponto.
Desde então, a pressão do mercado financeiro se acentuou, sempre com o argumento da “expectativa de inflação”, posição contrária às das maiores economias do mundo, que estão cortando juros. Com o Banco Central capturado pelo mercado financeiro, a política monetária do País foi oficialmente posta a serviço de interesses que contrariam a soberania e o desenvolvimento nacional, desestimulando investimentos produtivos e corroendo as finanças públicas, obstruindo o bom momento da economia brasileira.
A respostas ao “choque de juros” dão a medida da gravidade dessa decisão. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) classificou a decisão como “erro do Banco Central, incompreensível e totalmente injustificada”. Federações estaduais da indústria também emitiram críticas duras, assim como as centrais sindicais. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) aprovou “moção crítica”, ressaltando que a decisão prejudica o crescimento econômico, o investimento produtivo e a geração de emprego e renda.
A partir de 1º de janeiro, o BC será presidido por Gabriel Galípolo e terá mais seis diretores indicados pelo presidente Lula; restarão apenas dois diretores indicados por Bolsonaro. E a oligarquia financeira, sempre insaciável, já começa cunhar a expectativa de um ciclo de alta que venha bater em 2025 a marca de 15% – um patamar que há muito não se cogitava.
Quando o presidente Lula indicou Galípolo para presidir o BC, argumento que vale aos demais diretores, expressou a seguintes expectativas: “Que o Banco Central seja um banco que ajude esse país a se desenvolver, a crescer, a gerar empregos e a distribuir riqueza nesse país.”
Não há razões para que o Banco Central, a partir de janeiro, já sob nova direção, mantenha a bula de Campos Neto, uma verdadeira prescrição de veneno ao desenvolvimento nacional e à distribuição de renda.
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