Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Atitude autoritária. Medida eleitoreira. Erro sociológico. Equívoco técnico. Ameaça aos direitos humanos. Militarização de política pública. Essas são apenas algumas das características mais destacadas da intervenção federal na segurança no Rio de Janeiro. A elas se somam o populismo, o incentivo à discriminação e a criação de um ambiente de medo.
O autoritarismo se expressa desde a forma como foi anunciada a intervenção, como no objeto imediatamente apresentado à sociedade: tratar a situação como se fosse guerra. O militarismo explícito, com suas tristes evocações na memória brasileira, foi resgatado como signo de uma eficiência improvável.
Os militares não entendem de segurança pública. Se entre suas atribuições, ao lado da defesa da soberania nacional (algo que a política externa entreguista parece desprezar), alguma delas se liga à segurança, está apenas a defesa de fronteiras. E mesmo nesse campo, não há do que se orgulhar. A própria presença de fuzis nas cidades brasileiras é prova da ineficiência dos militares em guardar o território. O Brasil não fabrica fuzis.
É preciso valorizar as Forças Armadas, equipá-las, aperfeiçoá-las em termos de conhecimento, permitir que ascendam em tecnologia para que, assim, possam cumprir o papel constitucional que lhes cabe. Sobretudo num tempo em que disputa por riquezas estratégicas passarão a dirigir a geopolítica mundial. Dar aos militares a função de cuidar da segurança pública significa uma incompreensão onívora, tanto em segurança quanto em soberania.
A retórica bélica, inclusive na infeliz fala de ministros que colocaram crianças na linha de tiro, reduz a complexidade da situação da segurança nas cidades a uma simples guerra de posições. Mesmo sem levar em consideração questões estruturais, a falta de planejamento, valorização de ações de inteligência e capacidade de aliança com a população evidenciam a verticalização da medida.
Apesar de desmentir a inspiração eleitoreira por meio de seu porta-voz, o governo não tem como esconder sua intenção. Até mesmo porque coube ao próprio marqueteiro do presidente assumir a candidatura. Em primeiro lugar, ao garfar a pauta da segurança pública implementada por meio de ações armadas ostensivas, própria do repertório fascista de Bolsonaro.
O desejo de Temer em se lançar à reeleição, mesmo com seu protagonismo imbatível em termos de desprezo popular, se mostra também na fixação em trair aliados. Com a percepção que seus acólitos não emplacam nas pesquisas, assumiu para si, num ímpeto de alienação, a tarefa de garantir a continuidade de seu projeto de destruição do estado social.
Além de colher uma derrota inevitável, já começa a reunir em torno de seu projeto a revolta incontida de integrante de sua base que alimentam os mesmos propósitos. Depois de desagradar todo o país, Temer agora desperta desprezo em seu círculo mais íntimo: Maia, Meirelles e tucanos no pacote. É da natureza do escorpião envenenar até mesmo aqueles que o levam ao outro lado do rio.
O erro sociológico, ao definir o Rio de Janeiro como local mais exemplar do caos da segurança pública, deixa de lado todas as estatísticas e estudos sérios do setor. A cidade não está nem entre as 20 mais violentas do país, de acordo com dados do Ipea. No entanto, como sede das Organizações Globo, o Rio de Janeiro ganha visibilidade que interessa de maneira destacada aos objetivos espetaculares da intervenção.
Não é um acaso que o processo se siga ao carnaval, que foi coberto pela imprensa com destaque para a questão da segurança, numa campanha evidente pela criação de um estado de medo. Cenas repetidas de arrastões e balas perdidas reafirmavam o discurso da violência como uma forma de invasão de espaços privilegiados por populações indisciplinadas.
Como na canção “Caravanas”, de Chico Buarque, a crônica policial televisiva tratou a cidade como um território partido, invadido por “muçulmanos” periféricos. A intervenção começou mal, com a estratégia equivocada e no lugar errado.
O mais grave, no entanto, é a absoluta improvisação. Para ação de tal gravidade, era necessário que o planejamento prévio garantisse a apresentação de um programa consequente de ação. Nada foi feito neste sentido. A intervenção surgiu como rendição, como atestado de incompetência do governo estadual do Rio, com o apoio de um Pezão constrangido, entregue e sem energia.
Os primeiros movimentos do xadrez da intervenção federal sublinharam sua vocação preconceituosa, criminalizando a pobreza e anunciando medidas coletivas. Contra os pobres, bem entendido. Mandados sem nome ou endereço, que localizam áreas e populações como potencialmente criminosas, chegaram a ser anunciados, logo contestados pela OAB e por juízes. A medida, contudo, permanece como sombra nas ameaças aos direitos humanos e às garantias individuais, que começam pipocar na cidade.
Há três dimensões pretensamente técnicas da intervenção que vêm sendo repisadas pelos seus executores para reforçar sua racionalidade: o caráter constitucional da medida, o uso das forças armadas como elemento disciplinador incontestável, e o papel de unificação das políticas setoriais por um poder extraterritorial, garantido pela União. Três alegações dúbias.
A constitucionalidade da medida só se justifica pela excepcionalidade, o que não ocorre no caso. A situação do estado não é diferente da de outros momentos e exige investimentos que deveriam ser arregimentados sem a necessidade da medida extrema. O risco da banalização é grave e aponta para o instrumento como uma forma de aprofundamento do autoritarismo.
A presença das forças armadas apenas mostra o despreparo das polícias e a falta de investimento em segurança. Em vez de enfrentar temas importantes, como a política de combate às drogas, o sistema carcerário e a ineficiência da justiça, apela-se para o tacão da força, inclusive com a perspectiva de deixar inimputáveis os possíveis abusos, como vem sendo defendido pelos militares.
Já o papel da União, como instância vocacionada a congregar ações mais amplas, neste caso apenas reforça o caráter concentrador da República brasileira. O poder federal passa a ser árbitro em contextos em que a escolha popular pode ter se dado na direção contrária, não apenas na segurança, mas em outras políticas públicas. Com o álibi do interesse geral pode se instaurar a lógica da intervenção que passe por cima de decisões divergentes, ancoradas em origem democrática.
Na canção “Pequeno mapa do medo”, o compositor Belchior decifrou o projeto temerário que hoje ameaça o país: “Eu tenho medo e o medo está por fora. O medo anda por dentro do teu coração”. Com sua estratégia de jogar o brasileiro contra o brasileiro, o presidente espalha a violência do lado de fora, pela ameaça do uso da força em cada esquina, com objetivo de instilar a tristeza no coração das pessoas.
Vai falhar mais uma vez. Temer, entre outros defeitos de alma, não sabe o que é coração.
O autoritarismo se expressa desde a forma como foi anunciada a intervenção, como no objeto imediatamente apresentado à sociedade: tratar a situação como se fosse guerra. O militarismo explícito, com suas tristes evocações na memória brasileira, foi resgatado como signo de uma eficiência improvável.
Os militares não entendem de segurança pública. Se entre suas atribuições, ao lado da defesa da soberania nacional (algo que a política externa entreguista parece desprezar), alguma delas se liga à segurança, está apenas a defesa de fronteiras. E mesmo nesse campo, não há do que se orgulhar. A própria presença de fuzis nas cidades brasileiras é prova da ineficiência dos militares em guardar o território. O Brasil não fabrica fuzis.
É preciso valorizar as Forças Armadas, equipá-las, aperfeiçoá-las em termos de conhecimento, permitir que ascendam em tecnologia para que, assim, possam cumprir o papel constitucional que lhes cabe. Sobretudo num tempo em que disputa por riquezas estratégicas passarão a dirigir a geopolítica mundial. Dar aos militares a função de cuidar da segurança pública significa uma incompreensão onívora, tanto em segurança quanto em soberania.
A retórica bélica, inclusive na infeliz fala de ministros que colocaram crianças na linha de tiro, reduz a complexidade da situação da segurança nas cidades a uma simples guerra de posições. Mesmo sem levar em consideração questões estruturais, a falta de planejamento, valorização de ações de inteligência e capacidade de aliança com a população evidenciam a verticalização da medida.
Apesar de desmentir a inspiração eleitoreira por meio de seu porta-voz, o governo não tem como esconder sua intenção. Até mesmo porque coube ao próprio marqueteiro do presidente assumir a candidatura. Em primeiro lugar, ao garfar a pauta da segurança pública implementada por meio de ações armadas ostensivas, própria do repertório fascista de Bolsonaro.
O desejo de Temer em se lançar à reeleição, mesmo com seu protagonismo imbatível em termos de desprezo popular, se mostra também na fixação em trair aliados. Com a percepção que seus acólitos não emplacam nas pesquisas, assumiu para si, num ímpeto de alienação, a tarefa de garantir a continuidade de seu projeto de destruição do estado social.
Além de colher uma derrota inevitável, já começa a reunir em torno de seu projeto a revolta incontida de integrante de sua base que alimentam os mesmos propósitos. Depois de desagradar todo o país, Temer agora desperta desprezo em seu círculo mais íntimo: Maia, Meirelles e tucanos no pacote. É da natureza do escorpião envenenar até mesmo aqueles que o levam ao outro lado do rio.
O erro sociológico, ao definir o Rio de Janeiro como local mais exemplar do caos da segurança pública, deixa de lado todas as estatísticas e estudos sérios do setor. A cidade não está nem entre as 20 mais violentas do país, de acordo com dados do Ipea. No entanto, como sede das Organizações Globo, o Rio de Janeiro ganha visibilidade que interessa de maneira destacada aos objetivos espetaculares da intervenção.
Não é um acaso que o processo se siga ao carnaval, que foi coberto pela imprensa com destaque para a questão da segurança, numa campanha evidente pela criação de um estado de medo. Cenas repetidas de arrastões e balas perdidas reafirmavam o discurso da violência como uma forma de invasão de espaços privilegiados por populações indisciplinadas.
Como na canção “Caravanas”, de Chico Buarque, a crônica policial televisiva tratou a cidade como um território partido, invadido por “muçulmanos” periféricos. A intervenção começou mal, com a estratégia equivocada e no lugar errado.
O mais grave, no entanto, é a absoluta improvisação. Para ação de tal gravidade, era necessário que o planejamento prévio garantisse a apresentação de um programa consequente de ação. Nada foi feito neste sentido. A intervenção surgiu como rendição, como atestado de incompetência do governo estadual do Rio, com o apoio de um Pezão constrangido, entregue e sem energia.
Os primeiros movimentos do xadrez da intervenção federal sublinharam sua vocação preconceituosa, criminalizando a pobreza e anunciando medidas coletivas. Contra os pobres, bem entendido. Mandados sem nome ou endereço, que localizam áreas e populações como potencialmente criminosas, chegaram a ser anunciados, logo contestados pela OAB e por juízes. A medida, contudo, permanece como sombra nas ameaças aos direitos humanos e às garantias individuais, que começam pipocar na cidade.
Há três dimensões pretensamente técnicas da intervenção que vêm sendo repisadas pelos seus executores para reforçar sua racionalidade: o caráter constitucional da medida, o uso das forças armadas como elemento disciplinador incontestável, e o papel de unificação das políticas setoriais por um poder extraterritorial, garantido pela União. Três alegações dúbias.
A constitucionalidade da medida só se justifica pela excepcionalidade, o que não ocorre no caso. A situação do estado não é diferente da de outros momentos e exige investimentos que deveriam ser arregimentados sem a necessidade da medida extrema. O risco da banalização é grave e aponta para o instrumento como uma forma de aprofundamento do autoritarismo.
A presença das forças armadas apenas mostra o despreparo das polícias e a falta de investimento em segurança. Em vez de enfrentar temas importantes, como a política de combate às drogas, o sistema carcerário e a ineficiência da justiça, apela-se para o tacão da força, inclusive com a perspectiva de deixar inimputáveis os possíveis abusos, como vem sendo defendido pelos militares.
Já o papel da União, como instância vocacionada a congregar ações mais amplas, neste caso apenas reforça o caráter concentrador da República brasileira. O poder federal passa a ser árbitro em contextos em que a escolha popular pode ter se dado na direção contrária, não apenas na segurança, mas em outras políticas públicas. Com o álibi do interesse geral pode se instaurar a lógica da intervenção que passe por cima de decisões divergentes, ancoradas em origem democrática.
Na canção “Pequeno mapa do medo”, o compositor Belchior decifrou o projeto temerário que hoje ameaça o país: “Eu tenho medo e o medo está por fora. O medo anda por dentro do teu coração”. Com sua estratégia de jogar o brasileiro contra o brasileiro, o presidente espalha a violência do lado de fora, pela ameaça do uso da força em cada esquina, com objetivo de instilar a tristeza no coração das pessoas.
Vai falhar mais uma vez. Temer, entre outros defeitos de alma, não sabe o que é coração.
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