Por Gerson Pinheiro de Souza
Uma questão que remonta ao movimento negro pré-Constituição de 88 e ganha folego com a conquista do Estatuto da Igualdade Racial e demais políticas afirmativas destinadas à população negra continua presente junto aos movimentos sociais organizados dos bairros de maior concentração negra da grande São Luís: a presença dos quilombos urbanos, suas gêneses, motivações, e atualmente a necessidade de auto reconhecimento, auto declaração e reconhecimento pelo Estado Brasileiro.
É perceptível que esse fenômeno, no Maranhão por exemplo, tem origem diversa da conceituação clássica que reconhece quilombos urbanos enquanto espaços nos quais residiam os negros livres ou escravos de ganho, de onde se dirigiam para o centro das cidades para a realização cotidiana de serviços e que com o crescimento das cidades foram anexados às suas zonas urbanas. Ora, parte significativa dos bairros negros da Grande São Luís surgiu ou teve seu povoamento adensado entre 1960 e 1991, período no qual o estado foi fortemente marcado pela desterritorialização de comunidades rurais, em especial das Comunidades Rurais Quilombolas (CRQs), consequência do advento dos grandes projetos que prometiam colocar o estado na rota do desenvolvimento capitalista.
Como consequência da lei de terras do então governador José Sarney (Lei n° 2979/1969) somou-se à área já ocupada pelos “coronéis” regionais grandes porções de terra, por ação dos novos latifundiários. “Chicotes e bacamartes deram as mãos a motosserras e modernos fuzis” na tarefa de, desrespeitando a presença de quilombos e terras indígenas, entregar a Pré-Amazônia Maranhense para os grandes empreendimentos e construir o “Maranhão Novo”. Enquanto isso, grandes outdoors foram colocados na entrada da Ilha do Maranhão, na qual fica a capital, prometendo que a partir de grandes plantas industriais, capitaneadas pelas empresas Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Alumínios do Maranhão (ALUMAR) ter-se-ia pleno emprego, água potável, educação, saúde e muito mais.
O resultado se expressou no esvaziamento das CRQs e no inchaço populacional da capital. Como já referido, entre 1960 e 1991 (segundo o IBGE) a população residente saltou de 158.292 para 696.353 habitantes. O período se caracterizou pelas ocupações periféricas e desordenadas dos municípios da Ilha do Maranhão.
Após a frustração por não encontrar o prometido emprego e impedido de retornar às CRQs, então já ocupadas pelo latifúndio, longe de suas raízes e sujeitas a toda sorte de desestruturações culturais, religiosas e familiares restou a essas populações ocuparem as áreas socialmente periféricas e insalubres dos manguezais da ilha, buscando principalmente áreas que fossem relativamente próximas de equipamentos públicos e espaços habitacionais que lhes permitissem complementar o sustento retirado dos mangues com a comercialização de produtos oriundos da coleta, em especial frutos do mar, e a prestação de serviços.
Os bairros resultantes dessas ocupações ou por elas adensados, a despeito de terem se tornado espaços urbanos consolidados em consequência da resistência e intensa luta de suas populações por equipamentos públicos e reconhecimento de seus direitos, continuam a figurar entre os mais carentes da zona urbana a exemplo da Região da Liberdade, Polo Coroadinho, Bairro de Fátima, Anjo da Guarda, Vila Palmeira/Santa Cruz dentre outros. Esses bairros guardam características que os relacionam culturalmente às CRQs de origem; mesmo décadas depois é possível identificar colônias completas de pessoas oriundas de territórios quilombolas da Baixada, Litoral Ocidental e outras regiões de forte presença negra.
O fato de que essas populações foram arrancadas dos territórios quilombolas tradicionais, e levados a optar pela fixação de moradia nos mangues e apicuns das margens dos rios da Ilha do Maranhão, nos motiva a propor a assertiva de que se constituem verdadeiros “Quilombos Urbanos Transplantados”. Merecendo por parte do Estado Brasileiro reconhecimento jurídico e politicas afirmativas de forma similar às Comunidades Rurais Quilombolas.
* Gerson Pinheiro de Souza é geógrafo e secretário de Igualdade Racial do Estado do Maranhão.
Uma questão que remonta ao movimento negro pré-Constituição de 88 e ganha folego com a conquista do Estatuto da Igualdade Racial e demais políticas afirmativas destinadas à população negra continua presente junto aos movimentos sociais organizados dos bairros de maior concentração negra da grande São Luís: a presença dos quilombos urbanos, suas gêneses, motivações, e atualmente a necessidade de auto reconhecimento, auto declaração e reconhecimento pelo Estado Brasileiro.
É perceptível que esse fenômeno, no Maranhão por exemplo, tem origem diversa da conceituação clássica que reconhece quilombos urbanos enquanto espaços nos quais residiam os negros livres ou escravos de ganho, de onde se dirigiam para o centro das cidades para a realização cotidiana de serviços e que com o crescimento das cidades foram anexados às suas zonas urbanas. Ora, parte significativa dos bairros negros da Grande São Luís surgiu ou teve seu povoamento adensado entre 1960 e 1991, período no qual o estado foi fortemente marcado pela desterritorialização de comunidades rurais, em especial das Comunidades Rurais Quilombolas (CRQs), consequência do advento dos grandes projetos que prometiam colocar o estado na rota do desenvolvimento capitalista.
Como consequência da lei de terras do então governador José Sarney (Lei n° 2979/1969) somou-se à área já ocupada pelos “coronéis” regionais grandes porções de terra, por ação dos novos latifundiários. “Chicotes e bacamartes deram as mãos a motosserras e modernos fuzis” na tarefa de, desrespeitando a presença de quilombos e terras indígenas, entregar a Pré-Amazônia Maranhense para os grandes empreendimentos e construir o “Maranhão Novo”. Enquanto isso, grandes outdoors foram colocados na entrada da Ilha do Maranhão, na qual fica a capital, prometendo que a partir de grandes plantas industriais, capitaneadas pelas empresas Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Alumínios do Maranhão (ALUMAR) ter-se-ia pleno emprego, água potável, educação, saúde e muito mais.
O resultado se expressou no esvaziamento das CRQs e no inchaço populacional da capital. Como já referido, entre 1960 e 1991 (segundo o IBGE) a população residente saltou de 158.292 para 696.353 habitantes. O período se caracterizou pelas ocupações periféricas e desordenadas dos municípios da Ilha do Maranhão.
Após a frustração por não encontrar o prometido emprego e impedido de retornar às CRQs, então já ocupadas pelo latifúndio, longe de suas raízes e sujeitas a toda sorte de desestruturações culturais, religiosas e familiares restou a essas populações ocuparem as áreas socialmente periféricas e insalubres dos manguezais da ilha, buscando principalmente áreas que fossem relativamente próximas de equipamentos públicos e espaços habitacionais que lhes permitissem complementar o sustento retirado dos mangues com a comercialização de produtos oriundos da coleta, em especial frutos do mar, e a prestação de serviços.
Os bairros resultantes dessas ocupações ou por elas adensados, a despeito de terem se tornado espaços urbanos consolidados em consequência da resistência e intensa luta de suas populações por equipamentos públicos e reconhecimento de seus direitos, continuam a figurar entre os mais carentes da zona urbana a exemplo da Região da Liberdade, Polo Coroadinho, Bairro de Fátima, Anjo da Guarda, Vila Palmeira/Santa Cruz dentre outros. Esses bairros guardam características que os relacionam culturalmente às CRQs de origem; mesmo décadas depois é possível identificar colônias completas de pessoas oriundas de territórios quilombolas da Baixada, Litoral Ocidental e outras regiões de forte presença negra.
O fato de que essas populações foram arrancadas dos territórios quilombolas tradicionais, e levados a optar pela fixação de moradia nos mangues e apicuns das margens dos rios da Ilha do Maranhão, nos motiva a propor a assertiva de que se constituem verdadeiros “Quilombos Urbanos Transplantados”. Merecendo por parte do Estado Brasileiro reconhecimento jurídico e politicas afirmativas de forma similar às Comunidades Rurais Quilombolas.
* Gerson Pinheiro de Souza é geógrafo e secretário de Igualdade Racial do Estado do Maranhão.
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