Foto: Francisco Proner |
As longas e dramáticas horas que se seguiram à ordem de prisão do ex-presidente Lula, na quinta-feira, podem terminar hoje, sem sangue e sem morte mas, com um pouco mais da insensatez que pontuou todo o processo, poderiam ter sido trágicas. Caso se entregue mesmo hoje, depois da missa pelo aniversário de sua falecida mulher, dona Marisa, Lula terá feito sua própria hora, será preso “sem baixar a cabeça”, depois da demonstração de apoio popular que fará dele um preso político, embora condenado por corrupção. Lula refaz seu mito. As imagens correrão o mundo e estarão na campanha eleitoral. Foi a precipitação do juiz Sérgio Moro, ao ordenar sua prisão atropelando prazos e ritos, que lhe permitiu protagonizar o auto de resistência. E ainda existe a hipótese de o STF acolher uma reclamação contra os atropelos. Se não tivesse errado, Moro não teria engolido o desaforo. Por outro lado, ordenando o uso da força, poderia ter provocado uma tragédia.
Foi no começo da noite de quinta-feira que a multidão começou a chegar ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, onde Lula despontou como sindicalista e depois como político, e ali parte dela varou a noite. Na manhã de ontem a multidão cresceu e ali ficou, enquanto corria o prazo para que Lula se apresentasse em Curitiba. Às 17 horas ele continuava dentro do prédio, cercado de apoiadores, enquanto a multidão crescia, recebendo caravanas de outros estados. No resto do Brasil não houve comoção de massa mas houve estradas fechadas, e protestos, maiores ou menores, em muitas cidades. Muita informação desencontrada enquanto os advogados faziam seu trabalho. Só no início da noite acompanhantes de Lula começaram a admitir um acordo pelo qual ele se entregará hoje depois da missa. A resistência não pode durar para sempre mas já cumpriu seu papel. Na política, a forma de tombar faz diferença. Lula se vai mas desafiando Moro, os adversários e resgatando para o PT a sintonia com uma base que andava dispersa.
Por volta das 17 horas o nervosismo aumentou muito entre os manifestantes. Como Lula continuava no prédio, embora não pudesse ser considerado foragido, temia-se que Moro mandasse a PF, com a ajuda da PM, pegá-lo à força. Haveria confronto, na certa. O vereador do PSOL Leonel Brizola Neto chegou a dizer: “Eles podem dar o primeiro tiro. Daremos o segundo e o último”. Seu avô protagonizou um dos mais contundentes atos de resistência política (e armada) em defesa da democracia, em 1961, quando os militares vetaram a posse do vice-presidente João Goulart depois da renúncia de Jânio. A guerra civil esteve por um triz, evitada pelo acordo que garantiu a posse de Jango em sistema parlamentarista.
Não há, é claro, similaridade entre as duas situações mas também agora poderia ter havido o pior. A insensatez vem de antes da precipitada ordem de prisão de Moro, na ânsia para exibir o troféu maior da Lava Jato. Quem for capaz de avaliar o processo sobre o tríplex do Guarujá sem as lentes do antipetismo admitirá que ele contém anomalias , e que Moro condenou Lula com insuficiência de provas. Depois veio o STF com o julgamento heterodoxo do pedido de habeas corpus. A presidente inverteu a pauta buscando um resultado e uma ministra disse estar votando contra suas convicções. E Moro, horas depois, sem esperar o esgotamento dos recursos no âmbito do TRF-4, formalidades que ainda levariam uns dez dias, expediu a ordem de prisão. A rapidez, que devia surpreender em se tratando de Lula, fermentou a revolta no campo da esquerda. Moro sabe que errou, e só por isso engoliu o espetáculo da resistência.
O desfecho ainda pode ser outro, a depender do STF. A defesa entrou com reclamação para que a prisão seja suspensa até à completa análise dos recursos pelo TRF-4. O STJ negou pedido semelhante mas o relator no STF, o falcão Fachin, pode reconhecer os atropelos de Moro. O drama segue.
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