Por Marcio Pochmann, na Revista do Brasil:
Combinação contraditória
De outro lado, está a postura do Banco Central comprometida com a elevação das taxas de juros. Somente nos primeiros seis meses do ano, a taxa de juros subiu dois pontos percentuais (de 11,75% anuais em dezembro de 2014 para 13,75% em junho de 2015).
Considera-se que a cada aumento de um ponto percentual na taxa de juros o custo total anual da rolagem da dívida do setor público indexada à Selic eleva-se em torno de R$ 13 bilhões. Com isso, o Banco Central sozinho contribuiu para o aumento das despesas públicas em R$ 26 bilhões por força da alta nos juros somente neste primeiro semestre.
A combinação do programa de austeridade fiscal com a elevação das taxas de juros provocou inexoravelmente o encolhimento da economia brasileira. Diante da queda na renda nacional, a diminuição da arrecadação tributária torna-se simples consequência. Estimativas iniciais apontam a possibilidade de redução da arrecadação tributária em até 3% em termos reais, o que poderia equivaler a algo próximo de R$ 50 bilhões a menos nos cofres governamentais deste ano.
Eis aqui a contradição das políticas de curto prazo em 2015: o programa de austeridade fiscal dos ministérios da Fazenda e Planejamento visa à economia de R$ 106 bilhões, enquanto a ação do Banco Central, com a elevação dos juros, e a recessão contaminando o caixa do governo envolvem cerca de R$ 76 bilhões. Ou seja, o imbróglio de seis meses do segundo governo Dilma encontra-se entregue a uma batalha de R$ 30 bilhões capazes de fazer emergir o grau de confiança dos empresários e, por assim, dizer, o retorno do crescimento da economia nacional com base em investimentos do setor privado.
Sem superar essa armadilha de curto prazo, o horizonte do crescimento dificilmente voltará a aparecer. Mas outra agenda é possível, uma vez que o papel dos governos é o de trazer para o valor presente o que o povo imagina ser apenas possível na forma de sonho.
O Brasil é um país em construção. Falta ainda de tudo, da infraestrutura básica (saneamento, rodoviárias, ferrovias, entre outros) à pesquisa científica e tecnológica. Essa deveria ser a agenda retomada, em que o segundo Programa de Investimento em Logística recentemente anunciado poderia se constituir em nova direção a seguir.
Na esteira desse rumo, a implementação de uma política pública democraticamente negociada em defesa da produção e do emprego nacional se colocaria essencial. São milhões de ocupações ceifadas pelo curso da recessão que, acrescida da queda dos rendimentos do trabalho, aprofunda o desgaste no interior da estrutura social e ameaça combinar-se com as faces política e econômica da crise aberta.
Estancar o sofrimento humano, que resulta de um programa que em vez de ajustar desajusta, deve ser prioridade, alcançável por meio da adoção de outra agenda. O crescimento de uma economia como a brasileira não se constitui de uma simples e natural confiança dos empresários, ainda que fundamental, mas não o suficiente.
O sentido, a direção e a motivação geral que definem o crescimento econômico dependem da confiança da sociedade no seu governo. O programa atual de austeridade fiscal não tem conseguido estimular a maior confiança tanto da sociedade como dos empresários. Para que outra agenda se mostre capaz de recuperar a força do desenvolvimento, a combinação da democracia com crescimento econômico e distribuição de renda deve seguir sendo a principal força motriz.
O diagnóstico de que a economia brasileira não cresceria mais sem antes haver a recuperação do grau de confiança dos empresários levou a equipe econômica do segundo governo da presidenta Dilma Rousseff a defender um conjunto de medidas definidas como ajuste fiscal. Isso porque a queda nas expectativas dos empresários foi entendida pelo governo federal como decorrente de piora na situação das contas públicas.
Como somente o ajuste fiscal causaria um novo contexto nacional de finanças saudáveis, plenamente satisfatório à elevação das expectativas dos empresários, a retomada do crescimento econômico brasileiro se tornaria mera consequência. Justificável, portanto, a centralização do funcionamento do governo federal – neste início de 2015 – em torno das políticas de ajuste fiscal de curto prazo.
Mas, junto com isso, passaram a surgir contradições importantes, talvez inesperadas inicialmente. De um lado, a posição dos ministérios da Fazenda e do Planejamento comprometida com a adoção do programa de austeridade fiscal, que atinge valor próximo de R$ 106 bilhões e se compõe de três partes, a saber. A primeira a ser anunciada foi a de cortes nos benefícios sociais (abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e auxílio-doença), impulsionada pela expectativa da economia de cerca de R$ 15 bilhões.
A segunda parte do programa de austeridade fiscal implementado compreendeu a alta nos tributos sobre combustíveis, cosméticos, operações financeiras e produtos importados, entre outros. A arrecadação adicional esperada pelo governo federal foi de quase R$ 21 bilhões.
Por fim, a terceira parte foi a retenção das despesas orçamentárias (contingenciamento), que limitaram os gastos nos ministérios. Para 2015, por exemplo, o governo federal contingenciou a soma de R$ 69,9 bilhões, o que equivale a reter R$ 1 de cada R$ 4 que havia previsto despender no orçamento deste ano – os cortes serão nas despesas chamadas discricionárias (aquelas que não obrigatórias, definidas pela Constituição federal, o piso mínimo para educação e saúde, por exemplo).
A maior parte da retenção orçamentária veio do Programa de Aceleração do Crescimento, que contribuiu com R$ 25,7 bilhões (39% do total contingenciado), seguida de outras despesas como saúde, educação, transporte, ciência e tecnologia, entre outras, representando R$ 22,8 bilhões (33% do total retido). As emendas parlamentares contingenciadas envolveram a somatória de R$ 21,4 bilhões (31% do total contido).
Com esse esforço gigantesco, a equipe econômica acreditou ser possível garantir a realização de superávit fiscal equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto de 2015. Ou seja, terminar o ano com um saldo positivo de R$ 55 bilhões, resultado de receita líquida federal esperada de R$ 1,158 trilhão para uma despesa primária (sem contar gastos com juros) fixada em R$ 1,103 trilhão.
Como somente o ajuste fiscal causaria um novo contexto nacional de finanças saudáveis, plenamente satisfatório à elevação das expectativas dos empresários, a retomada do crescimento econômico brasileiro se tornaria mera consequência. Justificável, portanto, a centralização do funcionamento do governo federal – neste início de 2015 – em torno das políticas de ajuste fiscal de curto prazo.
Mas, junto com isso, passaram a surgir contradições importantes, talvez inesperadas inicialmente. De um lado, a posição dos ministérios da Fazenda e do Planejamento comprometida com a adoção do programa de austeridade fiscal, que atinge valor próximo de R$ 106 bilhões e se compõe de três partes, a saber. A primeira a ser anunciada foi a de cortes nos benefícios sociais (abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e auxílio-doença), impulsionada pela expectativa da economia de cerca de R$ 15 bilhões.
A segunda parte do programa de austeridade fiscal implementado compreendeu a alta nos tributos sobre combustíveis, cosméticos, operações financeiras e produtos importados, entre outros. A arrecadação adicional esperada pelo governo federal foi de quase R$ 21 bilhões.
Por fim, a terceira parte foi a retenção das despesas orçamentárias (contingenciamento), que limitaram os gastos nos ministérios. Para 2015, por exemplo, o governo federal contingenciou a soma de R$ 69,9 bilhões, o que equivale a reter R$ 1 de cada R$ 4 que havia previsto despender no orçamento deste ano – os cortes serão nas despesas chamadas discricionárias (aquelas que não obrigatórias, definidas pela Constituição federal, o piso mínimo para educação e saúde, por exemplo).
A maior parte da retenção orçamentária veio do Programa de Aceleração do Crescimento, que contribuiu com R$ 25,7 bilhões (39% do total contingenciado), seguida de outras despesas como saúde, educação, transporte, ciência e tecnologia, entre outras, representando R$ 22,8 bilhões (33% do total retido). As emendas parlamentares contingenciadas envolveram a somatória de R$ 21,4 bilhões (31% do total contido).
Com esse esforço gigantesco, a equipe econômica acreditou ser possível garantir a realização de superávit fiscal equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto de 2015. Ou seja, terminar o ano com um saldo positivo de R$ 55 bilhões, resultado de receita líquida federal esperada de R$ 1,158 trilhão para uma despesa primária (sem contar gastos com juros) fixada em R$ 1,103 trilhão.
Combinação contraditória
De outro lado, está a postura do Banco Central comprometida com a elevação das taxas de juros. Somente nos primeiros seis meses do ano, a taxa de juros subiu dois pontos percentuais (de 11,75% anuais em dezembro de 2014 para 13,75% em junho de 2015).
Considera-se que a cada aumento de um ponto percentual na taxa de juros o custo total anual da rolagem da dívida do setor público indexada à Selic eleva-se em torno de R$ 13 bilhões. Com isso, o Banco Central sozinho contribuiu para o aumento das despesas públicas em R$ 26 bilhões por força da alta nos juros somente neste primeiro semestre.
A combinação do programa de austeridade fiscal com a elevação das taxas de juros provocou inexoravelmente o encolhimento da economia brasileira. Diante da queda na renda nacional, a diminuição da arrecadação tributária torna-se simples consequência. Estimativas iniciais apontam a possibilidade de redução da arrecadação tributária em até 3% em termos reais, o que poderia equivaler a algo próximo de R$ 50 bilhões a menos nos cofres governamentais deste ano.
Eis aqui a contradição das políticas de curto prazo em 2015: o programa de austeridade fiscal dos ministérios da Fazenda e Planejamento visa à economia de R$ 106 bilhões, enquanto a ação do Banco Central, com a elevação dos juros, e a recessão contaminando o caixa do governo envolvem cerca de R$ 76 bilhões. Ou seja, o imbróglio de seis meses do segundo governo Dilma encontra-se entregue a uma batalha de R$ 30 bilhões capazes de fazer emergir o grau de confiança dos empresários e, por assim, dizer, o retorno do crescimento da economia nacional com base em investimentos do setor privado.
Sem superar essa armadilha de curto prazo, o horizonte do crescimento dificilmente voltará a aparecer. Mas outra agenda é possível, uma vez que o papel dos governos é o de trazer para o valor presente o que o povo imagina ser apenas possível na forma de sonho.
O Brasil é um país em construção. Falta ainda de tudo, da infraestrutura básica (saneamento, rodoviárias, ferrovias, entre outros) à pesquisa científica e tecnológica. Essa deveria ser a agenda retomada, em que o segundo Programa de Investimento em Logística recentemente anunciado poderia se constituir em nova direção a seguir.
Na esteira desse rumo, a implementação de uma política pública democraticamente negociada em defesa da produção e do emprego nacional se colocaria essencial. São milhões de ocupações ceifadas pelo curso da recessão que, acrescida da queda dos rendimentos do trabalho, aprofunda o desgaste no interior da estrutura social e ameaça combinar-se com as faces política e econômica da crise aberta.
Estancar o sofrimento humano, que resulta de um programa que em vez de ajustar desajusta, deve ser prioridade, alcançável por meio da adoção de outra agenda. O crescimento de uma economia como a brasileira não se constitui de uma simples e natural confiança dos empresários, ainda que fundamental, mas não o suficiente.
O sentido, a direção e a motivação geral que definem o crescimento econômico dependem da confiança da sociedade no seu governo. O programa atual de austeridade fiscal não tem conseguido estimular a maior confiança tanto da sociedade como dos empresários. Para que outra agenda se mostre capaz de recuperar a força do desenvolvimento, a combinação da democracia com crescimento econômico e distribuição de renda deve seguir sendo a principal força motriz.
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