quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Max Altman e o socialismo em Cuba

No sítio do Instituto Humanitas Unisinos:

A análise da realidade econômica impôs a Cuba mudanças na condução da economia nos próximos anos. O preço elevado das commodities no mercado internacional e a precariedade da produção agrícola interna fizeram o governo repensar medidas adotadas há mais de 50 anos. Entre os meses de dezembro de 2010 e fevereiro de 2011, mais de oito milhões de cidadãos cubanos debateram as reformas econômicas e discutiram sobre o futuro da ilha. “Foi um verdadeiro e amplo exercício democrático. O povo manifestou livremente suas opiniões, esclareceu dúvidas, propôs modificações, expressou suas insatisfações e discrepâncias e também sugeriu abordar a solução de outros problemas”, comenta o jornalista Max Altman em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.



Na opinião de Altman, “as reformas aprovadas no VI Congresso do Partido Comunista de Cuba e aprovadas pela Assembleia do Poder Popular visam reforçar o socialismo em Cuba” e, se forem “implementadas firmemente” terão impacto social positivo. “Com a autonomia das empresas, com a melhoria da gestão, com o crescimento da produtividade, com a colocação de mais e mais diversificados produtos no mercado, certamente haverá aumento salarial e o poder aquisitivo das famílias”, avalia.

Max Altman é jornalista, estudioso das questões internacionais, membro do Coletivo da Secretaria Nacional de Relações Internacionais do Partiudo dos Trabalhadores, coordenador geral do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas Cubanos. Confira a entrevista.

Cuba rendeu-se à economia de mercado, ao capitalismo?

Longe disso. As reformas aprovadas no VI Congresso do Partido Comunista de Cuba e aprovadas pela Assembleia do Poder Popular visam reforçar o socialismo no país. Lembro que no encerramento do citado congresso, o presidente Raúl Castro reafirmou a determinação do governo de Cuba e dele próprio, como sua última tarefa, compromisso de honra e sentido de vida, de defender, preservar e prosseguir aperfeiçoando o socialismo e não permitir jamais o regresso do regime capitalista.

Como as ideias de elaborar reformas econômicas foram amadurecendo ao longo dos anos? Elas já eram esperadas?

A realidade impôs que se aprofundasse a discussão sobre os problemas da economia. Cuba vivia nos últimos anos graves problemas econômicos. Por exemplo, a alta dos preços das commodities de alimentos no mercado internacional obrigou Cuba a despender, com a importação de alimentos, recursos que não gerava com a sua exportação. Paralelamente, a produção e a produtividade agrícola interna eram precárias por distintas razões. Havia outros temas de crucial importância que deveriam ser enfrentados e foram. Resta saber como e em que ritmo as linhas gerais sobre a economia aprovadas serão levadas a cabo.

As mudanças que se verificam na economia também são vistas na política?

A influência já está ocorrendo. Quando se libera a venda de imóveis e automóveis e se autoriza a criação de negócios por conta própria em dezenas de ramos, isto significa uma abertura. Se o padrão de vida em geral crescer, haverá consequentemente um crescimento da qualidade de vida em todos os sentidos. Já se fala em aliviar a política migratória, ou seja, permitir mais amplamente viagens para e de Cuba de cidadãos cubanos.

Quem é o núcleo duro do poder em Cuba hoje?

Pode-se dizer que o núcleo duro corresponde ao Birô Político do Partido Comunista do país, visto que todos os seus membros ocupam também relevantes cargos no Conselho de Ministros. Esse birô é composto de 15 membros. Além de Raúl Castro, há uma adequada proporção de chefes principais das Forças Armadas Revolucionárias. É natural que assim seja, pois o Exército Rebelde foi a alma da Revolução, transferindo posteriormente ao partido e ao Exército a defesa das conquistas da revolução.

Hoje, uma das preocupações centrais ainda é a defesa da soberania, da independência de Cuba, e fazer ver a setores externos que Cuba está disposta a tudo para defender seus ideais. Nele ingressaram três novos membros: Mercedes López Acea, 46, Primeira Secretária do Comitê Provincial do partido em Havana; Marino Murillo Jorge, 51, vice-presidente do Conselho de Ministros e Chefe da Comissão Permanente do Governo para a Implementação e Desenvolvimento, e Adel Yzquierdo Rodríguez, 63, quem recentemente foi nomeado Ministro de Economia e Planificação.

Quais serão os ganhos e perdas sociais dessas reformas?

Se as medidas aprovadas forem implementadas firmemente e num ritmo adequado, não haverá perdas; só haverá ganhos sociais. Com a autonomia das empresas, com a melhoria da gestão, com o crescimento da produtividade, com a colocação de mais e mais diversificados produtos no mercado, certamente haverá aumento salarial e o poder aquisitivo das famílias.

Some-se a isto a disposição do governo de fazer valer o princípio marxista de socialismo: "de cada um conforme seu trabalho a cada um conforme sua capacidade", seguramente haverá mais justiça salarial.

O que se pode esperar da reativação da economia cubana? Cuba deve se inserir intensamente na economia internacional?

Cuba já está inserida, mas deve ampliar bastante esta inserção. Garantir a normal liquidação de compromissos internacionais, visando assegurar um maior fluxo de investimentos externos no país para acelerar o progresso econômico, é fundamental. Se o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos há mais de meio século for levantado, a reativação da economia será acelerada. Pouca gente sabe que, devido ao bloqueio, um navio que toque porto cubano trazendo carregamento de arroz coreano não está autorizado a tocar porto norte-americano em seis meses. Com isto, o navio retorna vazio. Imagine-se quanto sobe o custo do frete nesses casos.

Analisando a situação econômica, social e política da ilha, o que o senhor diria sobre o socialismo?

Simplesmente que o povo cubano está disposto a manter as conquistas do socialismo em Cuba, apesar de todas as dificuldades.

O que as reformas políticas cubanas demonstram sobre o futuro do país?

É preciso esperar cinco anos mais – é o tempo previsto pelos governantes cubanos – para ver concretizadas as reformas. Aí então se poderá avaliar o estado do país.

Qual deverá ser o papel do Estado nos próximos anos?

O Estado terá um papel preponderante e continuará detendo os grandes meios de produção dentro de uma economia planificada. Porém, o Estado terá um papel menor do que tem hoje. Estará abrindo mão de controlar em grande medida a produção e comercialização agrícola e em amplos setores de serviços.

A proposta também prevê a eliminação de um milhão de empregos públicos nos próximos cinco anos. O que vislumbra para Cuba a partir da queda da intervenção do Estado?

Este milhão de empregos públicos era de mão de obra ociosa sustentada pelos cofres públicos. Com um milhão a menos de funcionários a máquina pública produtiva poderá manter e, em seguida, melhorar significativamente a produção e a produtividade.

Como a sociedade cubana reagiu ao anúncio das reformas?

Com grande esperança. Durante três meses, de primeiro de dezembro de 2010 a 28 de fevereiro, decidiu discutir os “dogmas”, desencadeando um debate, no qual participaram 8 milhões 913 mil 838 pessoas, parte delas repetida – em mais de 163 mil reuniões efetuadas no seio de diferentes organizações, registrando-se uma cifra superior a três milhões de intervenções. Foi um verdadeiro e amplo exercício democrático. O povo manifestou livremente suas opiniões, esclareceu dúvidas, propôs modificações, expressou suas insatisfações e discrepâncias e também sugeriu abordar a solução de outros problemas não contemplados no documento. Com isso mais de 2/3 dos parágrafos foram emendados com contribuições partidas da base. Significativo contraste com o que se pratica nas democracias de livre mercado em que despoticamente, sem consulta alguma aos afetados, se hipoteca o futuro de gerações com os planos de ajuste e “reformas” de modo a continuar enriquecendo uma elite insensível e ambiciosa.

O que as reformas políticas significam para Cuba e para o projeto do socialismo?

Digo mais, o projeto de socialismo cubano é sui generis. Não segue modelo chinês ou qualquer outro. Reafirmando as palavras de Raúl Castro: significam a defesa, a preservação e o contínuo aperfeiçoamento do socialismo e não permitir jamais o regresso do regime capitalista.

1 comentários:

Danilo Biazi disse...

Parabéns Miro pela entrevista, mudou minha visão distorcida sobre Cuba!