quinta-feira, 8 de março de 2012

A mídia e o estupro coletivo

Por Leonardo Severo, no sítio da Alai:

Em meio a saudações ao austericídio fiscal – austeridade que provoca genocídio -, ao corte orçamentário e outras medidas arrasadoras de salários e empregos, o latifúndio midiota, sempre zeloso em salvaguardar os interesses dos seus amos, se esforça para culpabilizar os gregos, tentando transformar a vítima em ré.

É algo tão tosco quanto responsabilizar as duas mulheres mortas e as seis violentadas pelo estupro coletivo na cidade de Queimadas, no interior da Paraíba. O processo recebeu um carimbo, que pode significar até 132 anos de prisão para o acusado de ser o “mentor intelectual” do crime. Nenhuma palavra sobre as milhares de horas de refinados assassinatos, sadismo e imbecilizações que, made in USA, formatam padrões de comportamento antissocial e estimulam deformações e perversões. Mas isso é outra história.

O que houve com a Grécia, como tão bem descreve o renomado maestro e destacado intelectual grego Mikis Teodorakis, é de responsabilidade da “corrupção de uma parte do mundo político, financeiro e da mídia”, “e de alguns países estrangeiros como Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos, que ganharam bilhões de euros à custa da nossa riqueza nacional com a venda, a cada ano, de equipamento militar. Esta constante hemorragia nos impediu de avançar, enquanto enriquecia outros países”.

Membro da Resistência à ocupação nazista, preso e torturado pela Gestapo, compositor das trilhas musicais de vários filmes, como o magistral “Z” - dirigido por Costa-Gravas e que trata precisamente da instalação de mísseis dos EUA na Grécia no início dos anos 60 -, Teodorakis sabe onde pisa e adverte que “estas duas grandes feridas poderiam ter sido evitadas se os líderes de ambos os partidos políticos pró-ianques não se tivessem deixado corromper”. A riqueza nacional, ressalta, “produto do trabalho do povo grego, foi drenada para o exterior e os políticos tentaram compensar as perdas através de empréstimos excessivos que levaram a uma dívida de 300 bilhões de euros, 130% do PIB”.

Com um esquema assim, esclareceu, “os estrangeiros ganharam duas vezes: primeiro com a venda de armas e de seus produtos e, segundo, com juros sobre o capital emprestado ao governo, e não ao povo grego que, como vimos, foi a principal vítima em ambos os casos”. Um único exemplo será suficiente para provar isso, sublinha, apontando para o ano de 1986, quando “o governo de Andreas Papandreou pediu emprestado um bilhão de dólares a um banco de um grande país europeu. Os juros sobre esse empréstimo terminaram de ser pagos em 2010 e ascenderam a 54 bilhões de euros!”. Um crime à altura dos massacres promovidos pelos nazistas que destruíram o país com os bombardeios, o roubo de todo o ouro dos bancos gregos e o confisco de toda a produção agrícola. Assim, no início da ocupação nazi em 1941, em apenas seis meses foram registrados quase 300 mil mortos pela fome generalizada.

O fato, esclarece Teodorakis, é que na atualidade, “um punhado de bancos internacionais, agências de informação, fundos de investimento, numa concentração mundial de capital financeiro sem precedentes históricos, reivindica o poder na Europa e em todo o mundo e prepara a abolição de nossos estados e nossa democracia, com a arma da dívida, para escravizar a população europeia, colocando no lugar das imperfeitas democracias que temos a ditadura do dinheiro e a banca, o poder do império totalitário da globalização, cujo centro político está fora da Europa continental apesar da presença de poderosos bancos europeus no coração do império”.

Diante deste contexto internacional e dos dilemas da conjuntura nacional, precisamos responder assepticamente – e bem rápido - à tentativa do imperialismo e dos países capitalistas centrais de transformarem nossas nações em metástase do seu câncer. Para quem acha o termo forte demais é só olhar o que estão fazendo com a Grécia, onde multidões de seres humanos perambulam pelas ruas removendo os lixos à procura de comida, e milhares de crianças abandonadas em casas abrigo choram pela perda de seus pais, postos a perder por dívidas impagáveis.

No Brasil, o fortalecimento do protagonismo do Estado com a ampliação dos investimentos nas áreas sociais é cada vez mais essencial para confrontar o receituário da perdição e defendermos o nosso mercado interno, valorizar o trabalho, distribuir renda, garantir e ampliar direitos. Assim como na Grécia a armadilha neoliberal das privatizações, do arrocho e da precarização coloca a sua máscara de “ajuda humanitária” na vã tentativa de tornar palatável o horror, real, de uma cara medonha e desumanizada pelos cifrões, o termo “responsabilidade fiscal” esconde uma pergunta simples: Para quem? O escandaloso superávit primário enriquece a quem? O corte de R$ 55 bilhões no Orçamento da saúde, da educação e de outras áreas igualmente sem importância serve para fazer caixa para quem?

Os amantes da liberdade, da paz e da justiça tem hoje um inimigo central: o imperialismo e sua política de terrorismo de Estado, que se expressa militarmente contra o Iraque, o Afeganistão e a Líbia, que no momento espreita a Síria, e que, economicamente, ameaça a todos nós com a armadilha da dívida, dos juros e do câmbio, entre outras eficientes armas do sistema financeiro.

Há quem procure fugir do enfrentamento destes e de outros problemas advogando pelo “tecnicismo” e sua ode à desideologização. Infelizmente esta é uma perda de tempo, uma tentativa vã de mascarar a impotência diante dos sucessivos atropelos que vêm sendo praticados contra a soberania dos países e a auto-determinação dos povos. Para falar de carimbos, vale lembrar que era estadunidense, mais precisamente da IBM, a tecnologia usada pelos nazistas nos campos de concentração e de trabalho forçado na Alemanha. Terminada a Segunda Guerra, durante o julgamento no Tribunal de Nuremberg, oficiais nazistas alegaram que estavam “apenas cumprindo ordens”. Disseram que nada mais fizeram além de respeitar a regra que era seguir cegamente a hierarquia. O carimbo gravado na pele ficou grifado na memória. Neste caso, algo seletiva, sobre os crimes perpetrados por algumas transnacionais.

Encerro com a transcrição de um relato publicado no livro Bumerangue, de Michael Lewis. O autor nada tem de esquerda nem de progressista, bem longe disso, mas descrevendo uma das visitas que realizou na Alemanha, aponta com precisão o nível de degeneração e depravação alcançado pelos que advogam políticas de extermínio de países e povos. Esclarece em poucas linhas o caráter dos beneficiados com o austericídio, tão vergonhoso quanto tragicamente atual. “Casualmente, acabara de vir à tona uma história de que uma empresa de resseguros alemã chamada Munich Re, em junho de 2007, um pouco antes do colapso [das bolsas de Wall Street], havia patrocinado uma festa para seus melhores corretores que oferecia não apenas jantares e competições de golfe, mas uma bacanal com prostitutas em uma terma. Nas finanças, de alta ou baixa complexidade, esse tipo de coisa não é incomum. O impressionante foi a organização do evento. A empresa colocou fitas brancas, amarelas e vermelhas nas prostitutas para indicar quais estavam disponíveis a quais homens. Após cada encontro sexual, a prostituta recebia um carimbo no braço para indicar com que frequência havia sido usada. Os alemães não queriam apenas putas: queriam putas com regras”.

1 comentários:

Paula Portela disse...

Começam a surgir os novos servos da gleba na Europa. Como diz Putin sobre a politica externa russa: EUA e UE exportam «democracia de bombas e misseis».