quinta-feira, 10 de julho de 2014

A direita francesa à beira do colapso

Por Eduardo Febbro, no sítio Carta Maior:

Os dias parecem contados, para o melhor ou o pior. Não se sabe quem salvará quem ou talvez quem acabará afundando o outro: se o ex-presidente Nicolas Sarcozy acabará por afundar o partido que ele mesmo fundou, a UMP, ou se a União por um Movimento Popular arrastará o ex-mandatário à ruína política. Ambos estão à beira de um colapso.

A UMP carrega um caminhão de dívidas, escândalos de corrupção, brigas por liderança e um vazio político que conduziram ao pior momento de sua história depois de ter governado o país durante muitos anos. Em meio a sete investigações judiciais em curso, uma prisão e a posterior acusação por “corrupção ativa”, “tráfico de influências” e “violação do segredo de instrução”, Sarkozy ativou o cronômetro de seu retorno ao primeiro plano após dois anos de relativa discrição. O ex-presidente sonha com a sua volta liderando a direita e ganhando as eleições presidenciais de 2017. Mas tem muitos problemas judiciais e adversários pela frente. O primeiro é seu próprio partido, a UMP, que está em falência econômica e assediada pelas investigações policiais.

O segundo, seus adversários, também estão em seu partido: o ex-primeiro-ministro e também ex-chanceler Alain Juppé, ou o ex-chefe do Executivo de Sarkozy François Fillon. Ambos disputam com Sarkozy o sonho presidencial enquanto o partido não consegue sair dessa herança de dívidas e artimanhas deixadas por Sarkozy como presente após a infrutífera campanha para sua reeleição, em 2012.

Há um clima geral de fim de etapa, um rumor de sentença final. Por um lado, o atual primeiro-ministro, Manuel Valls, adverte que “sim, a esquerda pode morrer”, por outro, a direita se desgarra entre escândalos, passivos financeiros e acerto de contas. Uma auditoria interna noticiada pela imprensa revelou que o partido sarkozista tem uma dívida de 80 milhões de euros e que, mais uma vez, não poderá fazer frente a seus compromissos bancários. O redemoinho gira em torno da mesma figura: Nicolas Sarkozy e os gastos de campanha para a sua reeleição.

No início de 2012, o banco Société Générale emprestou 55 milhões de euros para a União por um Movimento Popular. Mas Sarkozy perdeu a presidência para François Hollande. Logo depois, a comissão encarregada de verificar as contas das campanhas eleitorais recusou reembolsar os gastos (11 milhões euros) ao presidente derrotado porque havia ultrapassado os limites autorizados (23 milhões de euros contra os 21,3 milhões de euros fixados pela lei). Seu partido não recuperou o dinheiro e, ainda por cima, está-se descobrindo que a multa de 363.615 euros que o Estado cobra de Sarkozy pelos gastos excessivos de sua campanha foi abonada pela UMP, coisa que a lei não permite. Foi o primeiro ato.

Segundo as contas publicadas pelo portal Mediapart, Sarkozy gastou 39 milhões de euros. O segundo apareceu há algumas semanas, quando se descobriu que, pare financiar a luxuosa campanha eleitoral de Sarkozy além do permitido, a UMP recorreu a um sistema de faturas faltas e prestações inexistentes, montado por meio da empresa Bygmalion e a suas filiais. Um total de cerca de 20 milhões de euros a mais assumidos pelo partido mediante uma bateria de contratos de corte duvidoso.

Segundo o jornal Libération, Sarkozy gastou 1200 euros na instalação de um banheiro privado durante um comício na localidade de Burdeos, e outros 3400 na montagem de um camarim pessoal. Outras cifras alucinantes: 3400 euros mensais pela simples hospedagem de um portal de internet (isso custa, em geral, entre 5 e 40 euros; 172.415 euros pagos à Bygmalion pelo envio mensal de um boletim de informações via internet; 680 mil euros abonados pelo grupo UMP na Assembleia Nacional pela concepção e manutenção do portal de internet. A isso se somam salários de executivos, passagens de avião da esposa do ex-chefe da UMP Jean-François Copé e um sem-número de contratos pactuados com a empresa Bygmalion, cujos dirigentes são ligados a Copé (o dirigente teve que renunciar devido a esse escândalo).

Um enorme buraco negro se estende ao campo político. A UMP carece de chefe, de ideias, de plataforma e de credibilidade. Conserva seus militantes, convencidos de que as tribulações judiciais de Nicolas Sarkozy são o resultado de um complô orquestrado por juízes vermelhos e socialistas vingativos. Logo depois de ficar detido durante quinze horas e de ser acusado, o ex-presidente se apresentou na televisão para lançar às telas este argumento: o de uma vítima inocente que caiu
nas garras da “instrumentalização política de uma parte da Justiça”.

Seus eleitores acreditaram. Marc Lazar, historiador e professor de Ciências Políticas, comentou no semanário Le Nouvel Observateur que o ex-chefe de Estado “transforma as ações judiciais contra ele em um recurso político”. Muito hábil. O mesmo foi feito por Silvio Berlusconi na Itália. No entanto, o que sai dos tribunais é um prontuário denso: sete casos que vão desde irregularidades no financiamento de sua campanha eleitoral de 2007 e 2012, passando por contratos suspeitos com empresas que fazem pesquisas de opinião, até o suposto arranjo privado que obrigou o Estado a indenizar o empresário Bernard Tapie com 400 milhões de euros.

O que lhe custou a acusação por “corrupção ativa”, “tráfico de influência” e “violação do segredo de instrução” foi o caso dos fundos com os quais o falecido líder líbio Muammar Khadafi havia contribuído para sua campanha em 2007. Nas investigações sobre esse dossiê, a Justiça interceptou as comunicações telefônicas de Sarkozy. A polícia tem a certeza de que o advogado de Sarkozy, Thierry Herzog, montou uma rede de gargantas profundas nos tribunais para obter informação em primeira mão sobre a evolução das causas em que o dirigente político estava sendo investigado.

Mas nada parece deter as ambições deste homem veloz. Seus argumentos sobre uma conspiração contra ele caíram como palavras santas nos ouvidos de parte do eleitorado. De acusado pela Justiça, ele saiu com a aura de vítima, empenhado em reconquistar o trono perdido. Pode ser ilusório ou uma aventura fantástica em um teatro que se presta a tudo: um partido que Sarkozy deixou em ruínas, sem rumo ideológico; a Justiça farejando seus passos; uma esquerda que desaparece e uma ultradireita que cresce com a brisa da crise de confiança sobre os partidos e as instituições; e o desemprego e o medo que sempre acompanham esses momentos de fim de jogo.

* Publicado no jornal argentino Página12. Tradução de Daniella Cambaúva.

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