sábado, 27 de setembro de 2014

Mídia ninja e a imprensa factual

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

Pesquisadores acadêmicos já se debruçaram sobre a questão da credibilidade da imprensa com mais interesse até vinte anos atrás, mas o tema perdeu espaço para outros assuntos, como a expansão das mídias sociais digitais.

A onda de protestos que varreu as grandes cidades brasileiras a partir de junho do ano passado atraiu atenção para o advento da chamada “mídia ninja”, caracterizada pela cobertura de eventos massivos com o uso de aparelhos de comunicação móvel e divulgados por meio de estruturas abertas e orgânicas sem vínculo com empresas de comunicação.

Um dos trabalhos mais consistentes sobre esse fenômeno acaba de ser publicado pela jornalista e escritora Elizabeth Lorenzotti: Jornalismo Século XXI - O Modelo Mídia Ninja. A frase que motivou a pesquisadora a estudar o surgimento dessa nova prática no campo do jornalismo foi colhida no Twitter. Dizia o seguinte: “Não precisamos de mídia partidarista; temos celulares”. A declaração se inseria na percepção geral de que a mídia tradicional fazia uma cobertura tendenciosa dos protestos, criminalizando os manifestantes.

Embora os “ninjas” tenham se tornado mais conhecidos com as passeatas, relata a autora, seus participantes já atuavam em eventos que eram desprezados pela mídia tradicional, como a investigação da morte de líderes rurais no Pará. A intensidade da cobertura desses grupos orgânicos nas manifestações, com grande repercussão nas mídias sociais, levou a imprensa dominante a também infiltrar repórteres munidos de telefones celulares nos movimentos de rua, conforme relata Lorenzotti. No fim do processo, ganhou o jornalismo, com as principais emissoras de televisão e os grandes jornais sendo obrigados a olhar mais de perto as causas do descontentamento manifestado nas ruas.

O fenômeno “ninja” refluiu com o esvaziamento das passeatas, tomadas pelo protagonismo violento dos “black bloc”, e ficou uma percepção geral de que essa nova prática jornalística se limitava a uma cobertura factual de eventos impactantes. O livro de Elizabeth Lorenzotti mostra que o fenômeno se relaciona com mudanças mais profundas na sociedade contemporânea, e que o fato de não ouvirmos falar deles não quer dizer que os “ninjas” estejam inativos.

Notícias sem contexto

O protagonismo dos “ninjas” evidenciou que a mídia tradicional vem passando por um processo de encolhimento não apenas quanto às suas audiências, mas principalmente no que se refere à abrangência de suas coberturas. Mesmo dispondo de tecnologias que permitem detectar os acontecimentos e recriar em torno deles as correlações que facilitariam sua compreensão, a leitura dos jornais e o acompanhamento dos noticiários da televisão e do rádio nos mostram que a imprensa compõe uma realidade fragmentada e submetida a uma opinião centralizada sobre tudo.

Vejamos, por exemplo, dois fatos recentes: a morte de um estudante na Universidade de São Paulo e o assassinato de um vendedor ambulante, cometido por um policial militar.

As notícias e suas repercussões são publicadas isoladamente, sem um contexto que as relacione. Paralelamente, somos informados de que o índice de homicídios e roubos seguidos de morte voltou a crescer pelo segundo mês consecutivo, enquanto as estatísticas registram o aumento da letalidade das ações policiais em todo o território paulista. Ao mesmo tempo, pode-se observar que cresce o número de candidaturas à Câmara dos Deputados e às Assembleias Legislativas de ex-policiais cujas campanhas se caracterizam pela apologia da violência. A chamada “bancada da bala” pode crescer em todos os Estados e no Congresso Nacional, como resultado da sensação de insegurança gerada por crimes de grande repercussão e pela grande repercussão dada aos fatos criminosos.

Há uma interessante correlação entre a morte do estudante, em que as principais suspeitas caem sobre agentes privados de segurança, o aumento dos crimes letais, a epidemia crescente de violência policial e o número de votos destinados a oportunistas que buscam a carreira política com o discurso irresponsável da lei do cão.

A cobertura da mídia tradicional sobre esses acontecimentos é meramente factual. A omissão da imprensa em questionar a responsabilidade dos governantes diante da arbitrariedade policial e a truculência de agentes privados de segurança deixa à vontade os arautos da violência.

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