quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Como será o segundo turno?

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Um dos principais intelectuais brasileiros, o professor Wanderley Guilherme dos Santos é o pensador de momentos importantes da historia do Brasil. Seu artigo “Quem vai dar o golpe” permanece como uma obra indispensável para entender o movimento que derrubou o governo João Goulart. Nos textos reunidos em “Décadas de Espanto e uma Apologia Democrática,” Wanderley permite compreender as privatizações e as tentativas de mudar o papel do Estado no governo Fernando Henrique Cardoso.

Na entrevista que você pode ler abaixo, feita logo após a contagem dos votos do primeiro turno da eleição presidencial, Wanderley lembra as diferenças entre Dilma e Aécio para dizer que “deixar os desvalidos para trás” é uma “essência imutável no projeto dos tucanos.” Avaliando o que está em jogo no segundo turno, o professor explica: “é mais do que desejável, sobretudo para os pobres, que agora entraram no orçamento da República, que Dilma obtenha tempo para consolidar uma arrancada econômica.” Demonstrado uma aplicação que poucos pesquisadores exibem, Wanderley Guilherme fez um levantamento minucioso dos investimentos do governo na área social, e também em projetos de infra-estrutura, que lhe permitem concluir que Dilma fez um governo “excelente.” A entrevista:

Qual deve ser a pauta do segundo turno?

Se a pauta do segundo turno for tão mofina e puramente expressiva como a do primeiro, a taxa de abstenção, brancos e nulos tende a aumentar. As duas candidaturas têm o que apresentar, projetos de mudança em direções divergentes, mas reais.

Quais são essas diferenças?

É óbvio não ser possível compatibilizar uma meta de 3% de inflação, a ser buscada desde o primeiro dia de governo, com um aprimoramento das políticas sociais, nem reduzir o ativismo estatal e retomar o crescimento material da economia. E, em especial, o candidato tucano finge apenas não saber que uma chaga de corrupção tão hiperbólica que ocupa todo o seu discurso não poderia dar lugar aos programas sociais do governo, nem garantir a desconcentração regional da economia. Nos últimos dez anos, o crescimento médio per capita no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste foi superior ao crescimento médio per capita do país como um todo, e, este, superior ao do Sudeste e do Sul, na ordem. A diferença entre os dois projetos é profunda, partem de convicções distintas do que entendem por uma boa sociedade e de como chegar a ela.

Qual é a grande questão dos próximos dias?

A pergunta central posta na agenda, agora, é a seguinte: a votação de Dilma está próxima de seu teto enquanto a de Aécio é apenas seu patamar no reinício do jogo, ou vice-versa?

Qual o balanço do primeiro turno?

Dispensadas as numerologias, o resultado da eleição presidencial de 2014 repetiu quase como Xerox a disposição final, por estado, a eleição de 2010. O candidato do PSDB venceu naquela e ratificou a vitória, em 2014, nos estados do Centro-Oeste e no tradicional trio estadual, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. A candidata do PT reproduziu, em 2014, a sólida hegemonia de que dispõe nos estados do Norte, Nordeste e alguns estados do sudeste para baixo. 

Esta penetração do PT no Sudeste e Sul se revela mais claramente nos resultados dos segundos turnos anteriores. Olhando os mapas coloridos por vitórias partidárias em 2010 e 2014 vê-se que a distribuição das manchas de são idênticas, com a novidade de que, em dois estados, Acre e Pernambuco, Marina Silva obteve a maioria dos votos, em 2014. A conclusão mais razoável indica que a distribuição estrutural das preferências partidárias permanece sem grandes mudanças.

Dá para explicar as falhas nas pesquisas?

As enormes falhas das pesquisas eleitorais estimulam a interpretação de que houve significativa mudança nas preferências nacionais, que não captaram. Diretores de institutos apontam para condições operacionais das pesquisas, materialmente incapazes de captar mudanças ocorridas em 24 horas. O argumento é legítimo, em tese, mas não para explicar que, em 24 horas o candidato Aécio Neves tenha aumentado 11 pontos percentuais em intenções de voto. Isso é impossível. O que ocorreu, com toda probabilidade, foi que os institutos não captaram o que já vinha acontecendo. O resultado final, agregado, estrutural, foi conservador. Os institutos é que apontaram mudanças extraordinárias no eleitorado. Não foi por aí.

Como entender os votos do PSDB em São Paulo?

As mudanças significativas ocorreram nas diferenças nas derrotas e vitórias entre vitoriosos e derrotados, por estado. O PT perder para o PSDB, em São Paulo, é normal, esquisita foi a diferença entre o que diziam os institutos e o que disseram os eleitores. Comparada com votações anteriores, nos candidatos tucanos à Presidência, o percentual obtido por Aécio Neves flutuou, para cima, em torno dos resultados históricos. O resultado fora da curva continua sendo o de Geraldo Alkmim, curiosamente o menos carismático dos três competidores, ele, José Serra e Aécio Neves. 

Em princípio, a votação de Aécio em São Paulo se explica pelo histórico do PSDB, mas, e o medíocre desempenho eleitoral de Dilma Roussef quando, em outro equívoco, os institutos lhe atribuíam vitória? Esta questão pertence ao conjunto de resultados que, embora historicamente consistentes, apresentaram números bastante diferentes da eleição de 2010. O que importa, em uma vitória, são as diferenças de vitórias locais que, no agregado, garantem a vitória final. O que mudou bastante, em 2014, foram diferenças estaduais entre vencedores e vencidos. E o caso de São Paulo é o mais espetacular deles.

Como explicar isso?

Em minha opinião, o desempenho de Aécio Neves, em São Paulo, e em outras regiões, se deve à recuperação da sigla PSDB nas eleições para a Câmara dos Deputados. Depois de uma trajetória descendente nas últimas três eleições, resgatou a posição de sólido terceiro partido na Câmara. Os candidatos a deputado conduziram Aécio Neves, sem desdouro de seu esforço pessoal. O presidenciável contou com ventos favoráveis aos candidatos proporcionais, ao contrário do que ocorreu nas eleições de 2006 e 2010.

E os votos para Dilma?

O quadro muda de direção na trajetória de Dilma Rousseff. Ela buscou obter vitórias com as maiores vantagens possíveis, que permitissem compensar as desvantagens das derrotas. Mas o fez contra os ventos das campanhas petistas. O PT perdeu dezoito deputados federais nas eleições de 2014, com resultados vergonhosos como o de não conseguir eleger um só deputado em Pernambuco. Em São Paulo o desempenho do PT foi igualmente desapontador. 

Com toda a irritação que esse juízo possa provocar, Dilma Rousseff obteve bons resultados apesar da má conjuntura do Partido dos Trabalhadores. Claro que os acordos, o trabalho das lideranças e da militância petista contribuíram para a vitória de Dilma no primeiro turno, mas as diferenças nas vitórias pontuais não geraram um agregado confortável de votos, face ao desempenho histórico da candidatura tucana. Caberia indagar as razões desse desconforto petista, mas aí é outra história.

Qual é a história?

Seria necessário ir fundo na análise dos sabotadores movimentos “Volta Lula”, entregando ao adversário a crítica de que até o PT estava descontente com Dilma, e o “Lula 2018”, deixando a candidata com um papel de gerente interina no próximo governo. Apesar de tudo isso, Dilma foi capaz de, com sobriedade e sem apelar para as facilidades dos gracejos, mostrar o excelente governo que vem fazendo. É mais do que desejável, sobretudo para os pobres, que agora entraram no orçamento da República, que Dilma obtenha tempo para consolidar uma arrancada econômica, possível, mas sem deixar os desvalidos para trás, essência imutável dos projetos tucanos.

O senhor falou que Dilma fez um governo excelente. Por que?

Estive, no início da campanha, fazendo um levantamento precisamente disso, mas abandonei porque ninguém parecia se interessar. Posso dar, com precisão, os dados relativos ao crescimento médio per capita das regiões, entre 2003 e 2012. Os números indicam as mudanças desde Lula, mas, para início de conversa, vamos deixar claro que não houve interrupção na linha iniciada por Lula. Isso já é para ser enfatizado porque o período Dilma foi o que mais repercutiu os impacto da crise internacional que ainda continua. Esse crescimento foi assim, em porcentagem: Norte 3,0, Nordeste 2,9, Centro-)este 2,8, Brasil 2,4, Sudeste 2,3, Sul 2,2. 

Os programas sociais foram todos continuados e os benefícios aumentaram. A regra de cálculo do salário permaneceu a mesma, garantindo poder de compra crescente. Foram criados programas sociais novos: temos o programa de creches, água para todos, Pronatec, Rede cegonha, Ciência sem fronteiras, Mais médicos. Estou citando de memória e não lembro de todos.

Mas existe uma crítica às obras de infra-estrutura.

No plano da economia material, os programas de investimento em ferrovias, portos, rodovias, aeroportos, silos e outros aspectos da infra-estrutura foram planejados, continuados (como a transnordestina e a transposição do são francisco), ou redimensioados (como os programas de energia, incluindo os não hídricos: hoje, o Brasil tem a quarta rede de captação eólica no mundo). O tempo necessário para um planejamento integrado desse vulto, já é de si mesmo, muito grande, e muitos deles começaram a ser pensados desde o PAC 1, de 2007, pois não adianta fazer uma ferrovia que termina em lugar nenhum ou uma rodovia que só liga uma cidade de lazer a outra. 

Do mesmo modo, portos e aeroportos devem servir ao transporte de pessoas e bens, integrados a outros meios de transporte: rodovias, ferrovias, por exemplo. Isso exige uma capacidade de planejamento e gerencial que o país não possuía, de onde a expansão acelerada nos cursos técnicos e universidades. Ao mesmo tempo, o cronograma dessa revolução da infra-estrutura não é sincrônico, isto é, a construção de uma ferrovia não termina junto com o fim do reaparelhamento ou construção de um porto e por aí vai. Por isso, a magnitude da mudança não é visível a olho nu porque não estão todas em operação.

Qual a perspectiva de um segundo mandato?

O segundo mandato de Dilma será, no mínimo, o de colher em índices de desenvolvimento o que plantou em números impressionantes durante os últimos quatro anos. Quando a oposição fala que falta planejamento no país solta mais uma daquelas balelas, que sabem sê-las, contando com a desinformação da classe média, que se beneficiará dos resultados, não dos milhares de trabalhadores envolvidos na construção dessa infra-estrutura.

1 comentários:

Anônimo disse...

A pedra que não foi cantada até agora é o fato de que a presidenta Dilma, caso conquiste um novo mandato, não precisará governar "cheia de dedos" com relação à elite e à mídia. Neste segundo mandato ela poderá implementar os avanços que o Brasil precisa e que o seu povo deseja e esse é o maior de todos os medos da direita reacionária brasileira. Para completar o quadro, em 2018 temos a possibilidade de Lula voltar à presidência, o que tira - desde já - o sono dos tucanos, tucanófilos e tucanalhas.