domingo, 17 de abril de 2016

Por que o impeachment não passará

Por João Carlos Gonçalves (Juruna)

Em 24 horas, o Câmara dos Deputados mudou e um alinhamento com a luta de trabalhadores de todo o País começou a acontecer. O ufanismo que cantava vitória antecipada subiu no telhado. A crista da mídia que já dava como favas contadas a deposição da presidente Dilma Rousseff e de todo o arco de forças que a sustenta baixou.

A luta está aberta, mas as expectativas estão sensivelmente mais equilibradas, com chances concretas retomadas pelo governo de vencer o golpe contra o mandato presidencial obtido nas urnas, em eleições democráticas e legítimas.

Inspirados e liderados pelo PDT, que escreveu mais uma brilhante página de sua história ao tomar posição unânime pela defesa da legalidade do mandato de Dilma, deputados de todos os partidos passaram a se dar conta do irreversível retrocesso social escondido na defesa do impeachment. Ou nem tanto escondido.

Neste sábado 16, reportagem na Folha mostra os planos do eixo Fiesp-CNI-CNA-UDR para a economia e a sociedade. Começa-se por não pagar impostos, nem o grande capital nem os grandes devedores. Avança-se ao mesmo tempo sobre malha da Previdência Social, rasgando direitos adquiridos a duras penas, ao longo de décadas, pelos trabalhadores. Queima-se, então, a CLT, carbonizada na garantia de que o negociado, em quaisquer condições, especialmente as mais difíceis para os empregados, prevaleça sobre a legislação. Um golpe na carta maior dos direitos trabalhistas.

Foi ficando cada vez mais clara, nos últimos dias, a discrepância entre os rascunhos de programa de governo apresentados ora por Temer ora por seus porta-vozes em relação aos anseios tanto de trabalhadores quanto de empresários realmente interessados em alavancar a economia. Nada é mais diferente das propostas do Compromisso pelo Desenvolvimento - o foro pensado no Dieese que se concretizou na forma de propostas concretas elaboradas pelo movimento sindical e representantes patronais - do que a tal Ponte do Futuro. Enquanto o Compromisso pelo Desenvolvimento frisa a importância de relançar a economia pela execução de políticas de emprego e produção, aquela Ponte alarga ainda mais o caminho de privilégios ao grande capital e ao rentismo.

Esse conteúdo embutido do impeachment começou a ser percebido pelos deputados federais entre patos plagiados e a formação da frente de atraso, em torno do vice-presidente Michel Temer, de feitio de extrema direita, haja vista a liderança exercida, ali, por caras como Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado. Na frente econômica, o mentor José Serra e o serviçal Paulo Skaf se encarregam da formulação e divulgação do plano antinacional.

Pelo impeachment, para citar um exemplo crucial, a política de recuperação da Petrobras seria urgentemente trocada pela entrega pura e simples do pré-sal ao grupo das cinco irmãs do petróleo global e, logo, logo a privatização, a venda de toda a estatal da qual o Brasil sempre se orgulhou estaria sendo consumada.

No campo político, uma prova das más intenções no futuro exercício do poder foi divulgada pela jornalista Dora Kramer, do Estadão, que se referiu ao estabelecimento do Estado de Defesa como um dos primeiros atos do projetado governo Temer. Um instrumento à mão para tirar o povo da rua, com direito a lançar a Força Nacional, de importantes serviços prestados ao país, contra manifestações e atos legítimos da democracia em qualquer lugar do mundo. A ordem de baixar a repressão sobre o povo faz parte sim do arsenal de maldades dos que espreitam, a favor do impeachment, pela decisão da Câmara.

O que os deputados em número suficiente para barrar o impeachment passaram a perceber, segundo prognósticos, o povo já sabia. Com todos os avanços sociais conquistados nos últimos 20 anos, a partir da estabilização da moeda e durante o formidável governo do presidente Lula, a população não aceitaria quieta e calada um golpe dessas proporções.

Por mais que a recessão, o desemprego e a carestia estejam castigando duramente a todos, voltou a prevalecer a compreensão de que a alternativa, disfarçada na tal Ponte para o Futuro, é infinitamente pior ao que temos hoje. Economistas como Serra, Ilan Goldfajn (economista-chefe do Itaú, cotadíssimo para assumir o Ministério da Fazenda se Temer subir a rampa) e Murilo Portugal (tucano de quatro costados transformado em presidente da Federação Brasileira dos Bancos e pule de dez para chefiar o Banco Central) planejam fazer do Brasil uma economia bem menor do que atual, mas totalmente afeita aos apetites da tigrada financeira. Operam para o País voltar 30 anos no tempo, excluir os pobres do jogo, massacrar a organização sindical e perenizar regras que solapam qualquer chance de economia autônoma frente aos países ricos como os EUA.

Politicamente, uma perseguição dura e crua ainda faz parte dos planos não confessos dessa articulação ultraconservadora à volta de Temer, na qual o juiz Sérgio Moro e os procuradores seletivos da República de Curitiba se encarregariam de capturar a maior liderança popular do Brasil, Lula, e destroçar seu partido, o PT.

A esses fatores se somou, a partir da sexta-feira, a vergonha de ter de se reconhecer, lá na hora do voto aberto, que se estava votando, ao chancelar o impeachment, a favor de Eduardo Cunha. Se há alguém, por todas as provas apresentadas, que a opinião pública pode chamar sem medo de estar sendo injusta de corrupto, este é Eduardo Cunha.

E ele seria, simplesmente, o maior beneficiário do impeachment. O novo vice-presidente da República de fato.

Na lama, ou fora do baralho, uma presidenta que todos, inclusive a pior laia dos oposicionistas, reconhecem ser honesta seria sacrificada. É correto isso, em nome do combate à corrupção?

A Câmara Federal, ao menos uma parte dele com votos suficientes para barrar esse pesadelo, despertou - o impeachment não passará.

* João Carlos Gonçalves, o Juruna, é metalúrgico, secretário-geral da central Força Sindical e vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

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