sexta-feira, 27 de maio de 2016

Duas semanas do (des)governo Temer

Por Lu Sudré, na revista Caros Amigos:

Apenas duas semanas após o afastamento da presidente Dilma, que aconteceu no dia 12 de maio, Michel Temer já mostrou qual é seu projeto de governo. Sem surpresa para os movimentos sociais, que continuam apresentando resistência, o presidente interino e seus ministros retrocederam em conquistas históricas em poucos dias.

Em uma de suas primeiras ações de governo, o peemedebista extinguiu o Ministério das Mulheres, dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial - que se tornaram três secretarias sob o comando do Ministério de Justiça e Cidadania; do Desenvolvimento Agrário, subordinado ao novo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; da Comunicação, incorporado ao de Ciência e Tecnologia; e por fim o da Cultura, levado para o Ministério da Educação. A Controladoria Geral da União (CGU), que tinha autonomia para investigar o próprio Governo Federal, se torna o Ministério da Transparência, Controle e Fiscalização subordinada diretamente ao presidente da República. A Casa Militar também foi extinta.

Sob a alegação de cortes orçamentários, as decisões foram amplamente criticadas nos últimos dias. O corte do Ministério da Cultura (Minc) gerou ocupações nas sedes da Fundação Nacional das Artes (Funarte) em diversos estados do País. Após pressão popular, nesta terça-feira (24), Temer recuou e decidiu recriar o Ministério, que será coordenado por Marcelo Calero.

Além da redução dos ministérios, a falta de representatividade na escolha dos ministros foi questionada. Não há nenhuma mulher ou negro na equipe ministerial de Temer. A ausência do gênero feminino na Esplanada não acontecia desde a ditadura militar de Ernesto Geisel (1974-1979).

Sete dos novos ministros são investigados por corrupção e foram citados diretamente pela Operação Lava Jato. São eles: Mendonça Filho, Romero Jucá, Raul Jungmann, Bruno Araújo, Ricardo Barros, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima.

Os povos indígenas, do campo e o meio ambiente também são alvos do governo interino. Blairo Maggi (PP-MT) foi nomeado para o Ministério da Agricultura e é relator do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 65, que permite a realização de obras sem licenciamento ambiental. Romero Jucá (PMDB-RR), citado na Lava Jato, é o novo ministro do Planejamento e autor de projeto de lei que visa liberar a mineração em terras indígenas. O senador já foi acusado publicamente de participar da exploração ilegal de ouro na Terra Indígena Yanomami, localizada na fronteira do Brasil com a Venezuela.

Pedro Fassoni Arruda, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), avalia que Temer nomeou um ministério extremamente conservador, que reverterá os poucos avanços que ocorreram durante o governo petista. “Assim como Macri na Argentina, Temer defende a retirada dos direitos dos trabalhadores, a reforma da Previdência, tenta obstruir as investigações de corrupção. Faz uma política identificada com o capital financeiro, com os empresários industriais, confrontando diretamente os trabalhadores, os movimentos sociais, feministas, as LGBT, os sem terra, os indígenas e quilombolas”, afirma.

Metas abandonadas

Já no início desta semana, o ministro interino das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), revogou portaria editada no governo Dilma que autorizava a contratação de 11.250 unidades do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades. Em resposta, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) protagonizou protestos em todo o País pelo "Fora Temer". Araújo também confirmou a suspensão da terceira fase do projeto, que tinha como objetivo a contratação de 2 milhões de moradias até 2018, meta do governo Dilma. A justificativa adotada pelo governo interino é que a equipe econômica de Temer realizará uma análise das contas públicas nos próximos quarenta dias, com a finalidade de traçar uma nova meta.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC), comandado agora por Mendonça Filho (DEM), suspendeu novos contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), restringiu a participação no Programa Universidade para todos (Prouni) e no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) em noves instituições. O governo alega que o motivo seria descumprimento do protocolo de compromisso.

Para Fassoni, vivemos a implementação de um liberalismo sem qualquer tipo de programa social. “Temer está governando justamente com aqueles que foram derrotados em 2014 pelo PT. Este governo é a expressão do Congresso mais conservador dos últimos 50 anos no Brasil. A perspectiva é que a luta de classe se acirre. Aumento de ocupações, de manifestações contra esse golpe.” O cientista político acredita que o futuro ainda está em aberto e que, com a pressão popular, muitos fatores podem se alterar no contexto político.

Controvérsias

Muitos ministros de Temer fizeram declarações polêmicas sobre como pretendem governar o Brasil. De acordo com Maurício Quintella, escolhido para o Ministério dos Transportes, que vai acumular as secretarias de Aviação Civil e de Porto, a ordem do presidente interino é privatizar "o que for possível" na área de infraestrutura.

No texto Ponte para o Futuro, plano de Temer para o País, o PMDB afirma que será necessário reorganizar gastos do governo brasileiro e sugere acabar com vinculações constitucionais previamente estabelecidas como, por exemplo, a obrigatoriedade de investimento na saúde e educação por meio de um percentual fixo da arrecadação de impostos.

Ricardo Barros, Ministro da Saúde interino, declarou que o País não conseguirá mais sustentar os direitos previstos na Constituição e que o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS) deveria passar por cortes e ser revisto, contradizendo a si mesmo com nota divulgada posteriormente. O sucateamento do SUS é uma das principais preocupações dos movimentos sociais.

O novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, que pela quarta vez não termina seu mandato num período de 21 anos, pediu análise de custo e utilidade dos postos diplomáticos abertos nos governos do PT. O estudo, que será elaborado pelo Itamaraty, tem como foco as embaixadas e consulados na África e no Caribe, que correm o risco de serem fechadas. A medida diverge da atuação petista, que, principalmente durante os mandatos de Lula, incentivou a relação e diplomacia com os países africanos e abriu 17 embaixadas no continente. Ao questionarem a legalidade do afastamento de Dilma e se posicionarem contra o processo de impeachment, Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua foram rechaçados por nota do Itamaraty, episódio que rompeu com a narrativa de relações sadias nutridas nos últimos anos entre os países da América Latina.

Henrique Meirelles, responsável pelo Ministério da Fazenda, estuda os próximos passos e as regras de transição para a reforma da Previdência, e defendeu publicamente a intenção de fixar uma idade mínima para a aposentadoria. A afirmação gerou protestos e críticas das centrais sindicais.

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Alexandre de Moraes, ex-secretário do governo Alckmin e conhecido dos movimentos sociais pela relação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e repressão às manifestações de rua, disse que o governo interino de Temer não teria a obrigatoriedade de nomear o mais votado da lista tríplice para a chefia da Procuradoria-Geral da República. Via assessoria de imprensa, algumas horas depois, Temer negou a declaração do ministro e reafirmou que manterá a tradição de escolher o primeiro nome da lista tríplice para a Procuradoria-Geral.

Segundo Pedro Fassoni Arruda, as primeiras semanas de Temer são sintomáticas da visão de mundo do governo interino. “Eles têm apoio da bancada BBB: Do boi, da bala e da Biblía. Daqueles que representam o latifúndio, que defendem o discurso de ódio de que ‘bandido bom é bandido morto’ e os fundamentalistas da família tradicional. Aqueles que protagonizaram o show de horrores que foi a votação do Impeachment na Câmara”, analisa o cientista político.

Censura e retaliação

A exoneração de Ricardo Mello da presidência da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) é considerada outro retrocesso do governo interino. A determinação foi publicada no dia 17 de maio. Melo foi substituído por Laerte Rímoli, homem de confiança de Eduardo Cunha na presidência da Câmara e relacionado ao PSDB.

Movimentos sociais e da área da comunicação protestam contra a decisão de Temer, já que, por se tratar de uma empresa pública, os cargos de direção são protegidos por mandato legal. Jornalistas denunciam que a pluralidade, democracia, diversidade e independência do veículo está em jogo e que a decisão do presidente interino tem como objetivo cercear e controlar o conteúdo editorial da EBC.

De acordo com Fassoni, a cobertura midiática da crise política é totalmente partidarizada e tendenciosa. “Nos últimos 60 anos, desde o suicídio do Vargas, passando pelo golpe de 1964, pela cobertura das Diretas Já, pela eleição do Collor, eleições presidenciais de Lula e Dilma, os barões da mídia fazem o jogo do capital, o jogo de quem está no poder”, finaliza.

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