Esta opção de classe, neoliberal, vingou na primeira eleição direta para presidente pós-ditadura, em novembro de 1989. Temendo a vitória de Lula, o operário que se projetou nas greves contra o regime militar, a mídia cumpriu o papel de unificadora das elites, até então divididas entre vários postulantes. Ela fabricou a candidatura do “caçador de marajás”, Fernando Collor. A revista Veja e os jornalões deram várias capas ao inexpressivo oligarca nordestino e os meios de comunicação de massas trataram de difundir a sua imagem. Como dono da afiliada da TV Globo em Alagoas, Collor teve tratamento privilegiado na emissora, que massificou o mito do “caçador de marajás”.
Apesar de todo o marketing, Lula ainda chegou ao segundo turno, o que causou pânico na mídia. “As rotinas de fechamento nos jornais foram modificadas, assim como suas cadeias de comando. Os quadros de confiança afastaram jornalistas com alguma espinha dorsal e passaram a dirigir e fechar as páginas políticas como questão estratégica” [15]. A mídia inclusive divulgou grosseiras provocações, como a do seqüestro do empresário Abílio Dinis na véspera do segundo turno. Um seqüestrador surgiu nos telejornais com a camiseta do PT e depois foi comprovado que a polícia o forçou a colocar a roupa. O golpe fatal, porém, foi dado pelo Jornal Nacional da TV Globo, que fraudou a edição do último debate da televisão e reverteu a tendência de vitória de Lula.
Pouco tempo depois, quando Fernando Collor afundou na lama e colocou em perigo a aplicação do receituário neoliberal, a mídia não vacilou em descartá-lo, engrossando o coro das ruas pelo seu impeachment. Habilidosa, ela tratou de ofuscar os efeitos destrutivos do neoliberalismo e de limitar a campanha ao slogan da “ética na política” – logo ela que sempre se aliou aos políticos patrimonialistas. Na eleição seguinte, em 1994, novamente a mídia estava unida na campanha do “príncipe de Sorbonne”, o ex-ministro FHC. Segundo denúncia de Bernardo Kucinski, houve um “alinhamento natural dos proprietários dos grandes jornais com Fernando Henrique, tornando desnecessária a compra direta de jornalistas, como havia ocorrido na campanha de Collor”.
Sua campanha foi planejada com base nas técnicas publicitárias mais modernas, com a assessoria de James Carville, marqueteiro de Bill Clinton. Tudo foi feito para desqualificar o operário Lula, “analfabeto e despreparado”, e para fixar a imagem de FHC como “o pai do Real”, o responsável pelo fim da inflação. A imprensa sequer repercutiu as confissões do ministro Rubens Ricupero ao repórter da TV Globo, Carlos Monforte, que foram captadas por antenas parabólicas: “Eu não tenho escrúpulo. O que é bom a gente fatura, o que é ruim, a gente esconde”. A mídia também não teve qualquer escrúpulo para pavimentar as duas vitórias eleitorais do neoliberal FHC.
Durante seus dois mandatos, a mídia defendeu militantemente todas as medidas de desmonte do Estado, da nação e do trabalho. Ela apoiou as privatizações criminosas, a libertinagem financeira, a desnacionalização da economia e a flexibilização das leis trabalhistas. Demonstrando seu total oportunismo no tratamento da “ética na política”, ela não deu qualquer destaque às denúncias de corrupção contra o governo FHC, como na compra de votos para a sua reeleição ou no bilionário socorro aos banqueiros. Todas estas manipulações, porém, não evitaram o crescente desgaste do seu serviçal, que deixou o governo como um dos presidentes mais detestados da história do país.
Governo Lula e o ódio de classe
Diante da fadiga do “pensamento único” neoliberal e da iminente vitória de Lula, a mídia refinou sua tática. Na campanha presidencial de 2002, ela criou um clima de terrorismo para enquadrar o futuro governante. O “risco-Lula”, o retorno da inflação e a explosão do dólar foram manchetes nos jornais, revistas e emissoras de TV. Somente quando o candidato assinou a famosa “carta ao povo brasileiro”, comprometendo-se a não “romper contratos” e a não alterar a ortodoxa política macroeconômica, é que o terrorismo midiático foi abrandado. No seu livro autobiográfico, o ex-ministro Antonio Palocci confessa que consultou João Roberto Marinho, um dos herdeiros do império, para redigir a versão final da carta e para “tranqüilizar o mercado financeiro” [16].
Apesar do pacto firmado com o capital financeiro, que frustrou muitas expectativas de mudança, a mídia não deu folga ao governo Lula. Prevaleceu seu crônico ódio de classe. Ela nunca tolerou um operário no Palácio do Planalto; um novo bloco de forças políticas, oriundo das lutas sociais, no poder. “Esses veículos e seus homens de confiança nas redações simplesmente não aceitavam a idéia de que Lula vencera as eleições. Qualquer motivo servia não apenas para criticá-lo, mas para tentar desqualificá-lo, numa escalada que independia dos fatos, tratamento bem diferente da cordialidade que a maior parte da imprensa revelara para com o governo anterior” [17].
Quando surgiu a primeira brecha, a mídia partiu para o ataque. Em maio de 2005, Veja mostrou Maurício Marinho, chefe de um departamento da Empresa Brasileira de Correios, recebendo R$ 3 mil de suborno. A partir daí, iniciou-se a onda de denúncias contra o governo. A revista editou 15 capas sucessivas sobre corrupção. A maioria das denúncias não foi comprovada, como a que envolveu o filho do presidente em irregularidades ou as capas sobre os dólares provenientes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e de Cuba para as campanhas do PT. No seu ódio visceral, ela acusou “a quadrilha que avançou sobre o dinheiro público no governo Lula, naquele que vem se revelando o maior e mais audacioso esquema de corrupção da história”.
Durante longos 17 meses, a mídia “sangrou” o presidente Lula, visando desgastá-lo com vistas à sucessão em outubro de 2006. Alguns veículos mais afoitos, como a Veja e o Estadão, chegaram a sugerir o seu impeachment e depois recuaram temendo a revolta das ruas. Tudo foi usado para debilitar o governo. O colunista Clóvis Rossi, da Folha, jogou seu passado no lixo e encontrou “as digitais do PT” no assassinato do brasileiro Jean Charles em Londres, em setembro de 2005. Até mesmo uma manifestação estudantil contra o golpismo das elites, em Porto Alegre (RS), foi transmitida nas TVs como “protesto de neocaras-pintadas de verde-e-amarelo” contra o governo.
A imprensa explorou ao máximo o chamado “escândalo político midiático” (EPM), fenômeno estudado pelo sociólogo estadunidense John Thompson [18]. “Muitas das mais importantes crises políticas do mundo contemporâneo, desde a metade do século passado, têm como origem um escândalo político midiático. Isso é verdade no Japão, na Itália, na Inglaterra, Estados Unidos, Argentina e também no Brasil. Nosso exemplo mais significativo, embora pouco estudado e lembrado como tal, talvez seja o EPM que levou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954... A crise política que o país viveu desde maio de 2005 certamente se enquadra nas características de um EPM” [19].
Para Venício de Lima, antes mesmo das denúncias dos Correios, “o enquadramento da cobertura que a grande mídia fez, tanto do governo Lula como do PT, expressava a ‘presunção de culpa’, que, ao longo dos meses seguintes, foi se consolidando por meio de uma narrativa própria e pela omissão e/ou saliência de fatos importantes”. A presunção da inocência está inscrita no artigo 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A obediência a esse princípio, dever de qualquer veículo, nunca foi respeitada. A mídia abusou do poder de “fazer e desfazer reputações” e de ditar a agenda política. Desprezando a Constituição e a ética jornalística, ela exacerbou no seu papel golpista de “partido da direita”.
A manipulação atingiu o seu ápice na campanha sucessória de 2006. Estudos independentes, do Observatório Brasileiro de Mídia e do Laboratório de Pesquisas do Iuperj, comprovaram que a cobertura eleitoral foi totalmente distorcida. “O presidente Lula teve os maiores percentuais de reportagens negativas, sempre superiores a 50%... Mesmo com a indicação de derrota apontada nas pesquisas, o candidato do PSDB teve mais matérias positivas do que negativas” [20]. Apesar do bombardeio midiático, o carismático Lula manteve altos índices de popularidade e, segundo todas as sondagens, venceria com folga já no primeiro turno. Novamente, a TV Globo entrou em cena para forçar o segundo turno, num dos golpes mais rasteiros da história do jornalismo.
Às vésperas do pleito, Edmilson Bruno, delegado da Polícia Federal, vazou ilegalmente fotos do dinheiro apreendido para a compra de dossiê que incriminava o PSDB na aquisição fraudulenta de ambulâncias na gestão FHC. Em conversa gravada, ele ordenou que as fotos fossem exibidas no Jornal Nacional de 29 de setembro. A TV Globo não só omitiu a gravação como escondeu a queda do avião da Gol, no mesmo dia, para não ofuscar seu factóide. Duas reportagens da Carta Capital, redigidas pelo experiente jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, desvendaram “a trama que levou ao segundo turno” [21]. Apesar deste golpe sujo, os eleitores garantiram a reeleição do presidente Lula, numa histórica e desnorteante derrota da mídia manipuladora e prepotente [22].
Ilusão e pragmatismo diante da mídia
O comportamento da mídia diante do governo Lula, principalmente no processo eleitoral, serviu ao menos para alertar os atuais ocupantes do Palácio do Planalto sobre o nocivo papel dos meios de comunicação, concentrados e com forte poder de manipulação. Durante o primeiro mandato, o governo adotou uma postura acovardada diante dos donos da mídia. Além do pacto com o capital financeiro, Lula parece ter firmado outro com a ditadura midiática. Houve um misto de ilusão e pragmatismo. Um influente ministro do presidente Lula chegou a afirmar que tinha a “TV Globo nas mãos” – pouco depois foi defenestrado pela família Marinho. O Palácio do Planalto procurou cultivar relações amigáveis com a mídia, apostando na sua neutralidade. Pura ilusão!
Numa ação pragmática, o governo cedeu em quase tudo aos barões da mídia. Seus três ministros das Comunicações, em especial Hélio Costa, tiveram a benção dos empresários. Nenhuma medida efetiva de democratização do setor foi implantada. O projeto de classificação indicativa para menores foi abortado após milionária campanha contra a “censura” das empresas. “As emissoras de televisão no Brasil, concessionárias de um serviço público (é sempre bom lembrar), não admitem qualquer tipo de regras. Trabalham no vácuo legal e pretendem continuar assim... É inadmissível que algo tão delicado, como a exposição de crianças e jovens a cenas incompatíveis com os respectivos desenvolvimentos físico e mental, fique a critério exclusivo dos empresários da mídia” [23].
Outro projeto fritado foi o da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, que visava retirar das mãos do deus-mercado a exclusividade na produção cultural. “A Ancinav deveria abranger toda a cadeia produtiva do audiovisual, inclusive as intocáveis redes de TV. A Globo, que iniciou o atual milênio atingindo 98% dos municípios brasileiros e recebendo sozinha verba publicitária maior do que todas as outras emissoras juntas – chegou a abocanhar 68% das verbas –, comandou a reação ao projeto, movendo campanha nacional. Em emissoras de rádio, jornais e na TV, seus astros de novela protestaram contra o ‘absurdo intervencionismo’” [24]. O governo Lula também recuou na criação do Conselho Federal de Jornalismo, antiga proposta da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), que foi “massacrada pela mídia antes mesmo de entrar em pauta” [25].
A cedência maior, porém, ocorreu com a adoção do modelo japonês de televisão digital (ISDB), anunciada três meses antes da eleição de 2006. Foi um baita presente para a TV Globo e que não teve qualquer retribuição na cobertura eleitoral. Outra prova do misto de ilusão e pragmatismo. O governo simplesmente rifou seu projeto do Sistema Brasileiro de TV Digital, que se baseava nos princípios da democratização da comunicação, diversidade e inclusão cultural e desenvolvimento da indústria nacional, e que implicou em investimentos de R$ 50 milhões e na montagem de 22 consórcios de universidades, envolvendo 1.500 pesquisadores. Ao optar pelo ISDB, o governo Lula adotou um padrão digital caro e excludente, que serve principalmente à Rede Globo [26].
O jornalista Bernardo Kucinski, que trabalhou no Palácio do Planalto naquele período, faz um balanço bastante ácido das relações estabelecidas com a mídia. Para ele, o governo Lula não entendeu o papel deste poderoso setor na atualidade. Apesar do governo manter “religiosamente seu acordo estratégico com o capital financeiro, que é o setor dominante hoje do capitalismo”, a imprensa nunca perdoou sua origem social. Diante desta hostilidade, foi “equivocada a política do governo Lula, a começar por não atribuir à comunicação e às relações com a mídia o mesmo peso estratégico que atribuiu às suas relações com a banca internacional” [27]. Kucinski critica, inclusive, a corrosão do sistema estatal de comunicação, através da Radiobrás.
No segundo mandato, talvez incomodado com as manipulações, o governo Lula passou a adotar algumas medidas, ainda que tímidas, para encarar esta questão estratégica. A criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que gerencia a TV Brasil, representa um importante passo na construção de uma rede pública no país, superando a exclusividade do modelo privado importado dos EUA. O presidente também tem encarado as polêmicas com a mídia, como quando afirmou à revista Piauí que a leitura dos jornais lhe dá “azia”. A decisão de convocar a Conferência Nacional de Comunicação, desafiando os poderosos do setor, caminha neste rumo. Pela primeira vez na história, a sociedade será chamada a discutir a concentração e manipulação da mídia.
NOTAS
15- Bernardo Kucinski. A síndrome da antena parabólica. Editora Perseu Abramo, SP, 1998.
16- Antonio Palocci. Sobre formigas e cigarras. Editora Objetiva, SP, 2007.
17- Ricardo Kotscho. Do golpe ao Planalto. Editora Companhia das Letras, SP, 2006.
18- J. B. Thompson. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia. Editora Vozes, RJ, 2002.
19- Venício A. de Lima. Mídia: crise política e poder no Brasil. Editora Perseu Abramo, SP, 2006.
20- Kjeld Jakobsen. “A cobertura da mídia imprensa aos candidatos nas eleições presidenciais de 2006”. Venício A. de Lima (org.). A mídia nas eleições de 2006. Editora Perseu Abramo, SP, 2006.
21- Raimundo Rodrigues Pereira. “A trama que levou ao segundo turno”. Revista Carta Capital, 18/10/06; “Contribuições ao dossiê da mídia”, Carta Capital, 25/10/06.
22- Renato Rovai. “As muitas derrotas da mídia comercial tradicional”. Venício A. de Lima (org.). A mídia nas eleições de 2006. Editora Perseu Abramo, SP, 2006.
23- Laurindo Lalo Leal Filho. “O poder da TV”. Agência Carta Maior, 24/11/08.
24- “Mídia poderosa”. Retrato do Brasil, Editora Manifesto, MG, 2006.
25- Raquel Paulino, Pedro Venceslau e James Cimino. “Crônica de (mais) uma derrota anunciada”. Revista Imprensa, agosto de 2006.
26- Mais detalhes no artigo “TV digital: dormindo com o inimigo”, na página ?????
27- Bernardo Kucinski. “Por que o governo Lula perdeu a batalha da comunicação”. Agência Carta Maior, 24/06/08.
- Extraído do quarto capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
sábado, 30 de janeiro de 2010
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Do golpe militar às Diretas-Já (11)
O golpe militar de 1964 serviu aos interesses – ideológicos, políticos e empresariais – dos barões da mídia. Com exceção da Última Hora, os principais jornais, revistas, emissoras de TV e rádio participaram da conspiração que derrubou João Goulart. O editorial da Folha de S.Paulo de 17 de fevereiro de 2009, que usou o neologismo “ditabranda” para qualificar a sanguinária ditadura, ajudou a reavivar esta história sinistra – além de resultar num manifesto de repúdio com 8 mil adesões de intelectuais e na perda de mais de 2 mil assinantes. Afinal, não foi apenas a Folha que clamou pelo golpe. Vários livros documentaram a participação ativa da mídia, inclusive listando veículos e jornalistas a serviço dos golpistas [9]. Os editoriais da época escancararam essa postura ilegal.
“Graças à decisão e heroísmo das Forças Armadas, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo a rumos contrários à sua vocação e tradições... Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares”, comemorou o jornal O Globo. “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”, afirmou, descaradamente, o Jornal do Brasil. “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comunos-carreiristas-negocistas-sindicalistas”, disparou o fascistóide Carlos Lacerda na Tribuna da Imprensa.
Na sequência, alguns veículos ingeriram seu próprio veneno e sentiram a fúria dos fascistas, que prenderam, mataram, cassaram mandatos e impuseram a censura. Lacerda, que ambicionava ser presidente, foi escorraçado pelos generais. Já o Estadão, com a sua linha liberal-conservadora, discordou do rumo estatizante do regime e teve várias edições censuradas. Este não foi o caso do grupo Frias, que tornou a Folha da Tarde “uma filial da Operação Bandeirantes”, a temida Oban, e no jornal de maior “tiragem” do país devido ao grande número de “tiras” (policiais) na sua redação [10]. Também não foi o caso da Rede Globo, que ergueu seu império graças ao irrestrito apoio à ditadura [11].
Até quando a ditadura já dava sinais de fraqueza, a TV Globo insistiu em salvá-la. Nas eleições de 1982, a corporação de Roberto Marinho montou um esquema, através da empresa Proconsult, para fraudar a apuração dos votos e evitar a vitória do recém-anistiado Leonel Brizola. A fraude foi denunciada por Homero Sanchez, ex-diretor de pesquisas da própria emissora. Ela também tentou desqualificar todos os principais líderes da oposição à ditadura. Numa entrevista ao jornal The New York Times, Roberto Marinho confessou: “Em um determinado momento, me convenci que o Sr. Leonel Brizola era um mau governador... Passei a considerar o Sr. Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Realmente, usei todas as possibilidades para derrotá-lo”.
A manipulação mais grosseira, que popularizou o refrão “O povo não é bobo, fora Rede Globo”, ocorreu na campanha pelas Diretas-Já. Até duas semanas antes da votação da emenda Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta para presidente, ela omitiu a mobilização que contagiava milhões de brasileiros. Ela recusou até matéria paga com chamadas para o comício em Curitiba (PR). Já o ato na capital paulista, que reuniu 300 mil de pessoas em 25 de janeiro de 1984, foi apresentado pelo âncora da emissora como “festa em São Paulo; a cidade comemora seus 430 anos”. “O Jornal Nacional sonegou ao público o fato – notório, na época – de que o ato fazia parte da campanha nacional por eleições diretas. Sonegou que essa campanha era liderada publicamente pelos principais expoentes da oposição” [12]. Um verdadeiro crime!
Das greves à histeria na Constituinte
Alguns veículos perceberam o naufrágio da ditadura militar e jogaram papel positivo na luta pela redemocratização. O caso mais curioso foi o da Folha, que até usou suas capas para convocar os comícios das Diretas-Já. O grupo Frias, que apoiara os generais “linha dura”, mudou de lado por oportunismo político e “mercadológico” [13]. Apesar destas nuances, nenhum barão da mídia abdicou de sua visão de classe. Jornalões e emissoras de TV e rádio nunca vacilaram diante das lutas dos trabalhadores, procurando criminalizar suas greves e satanizar suas lideranças. Numa das massivas assembléias em Vila Euclides, em maio de 1980, os metalúrgicos do ABC paulista destruíram câmeras e veículos da TV Globo, indignados com as suas recorrentes manipulações.
Esta opção de classe ficou visível durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987/1988. Meticulosa pesquisa de Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas, prova que os quatro principais diários do país (Jornal do Brasil, O Globo, Estadão e Folha) uniformizaram os seus ataques aos direitos trabalhistas. “Através dos editoriais, que definem a linha editorial e ideológica de cada veículo, a grande imprensa operou nos debates constituintes, sobretudo nos temas que se referiam aos direitos sociais... Alguns dos direitos propostos, como a diminuição da jornada de trabalho, a ampliação da licença-maternidade, a licença-paternidade e o aumento do valor da hora extra, foram tratados como catastróficos à produção” [14].
“A Constituinte embarcou em um caminho de distribuição de benefícios sociais cujo produto só pode ser um e único: a redução da taxa de investimentos, com o conseqüente atraso econômico”, afirmou o editorial terrorista do JB (28/02/88). “Concessões feitas em total descompasso com os efeitos não prejudicarão apenas os trabalhadores, [mas também] a estabilidade institucional”, ameaçou o golpista O Globo (15/11/87). O Estadão, com sua linha liberal-conservadora, pregou a supremacia do deus-mercado, afirmando que tais direitos “acarretariam pernicioso desestímulo aos melhores” (18/06/87). Já a Folha atacou a “demagogia”, inclusive nas propostas do adicional de férias, aviso prévio aos demitidos e limite de seis horas nos turnos ininterruptos (08/07/88).
Além de rejeitar qualquer avanço trabalhista, a mídia bombardeou o direito de greve e procurou fragilizar o sindicalismo. “A liberdade de greve é um abuso conceitual”, atacou o JB (07/07/88). A Folha exagerou ao dizer que as propostas dos constituintes estimulariam o “direito irrestrito de greve... [com] artigos condenáveis” (15/07/88). Já O Globo, no editorial “A porta da anarquia”, afirmou que este direito “significa a porta aberta à desordem e ao caos” (17/08/88). E o Estadão explicitou sua aversão às greves, principalmente no setor público. “São exércitos de empregados que agem com todas as regalias e mordomias de funcionários públicos, promovendo greves que ganham, hoje, aspectos nitidamente políticos e ideológicos, que levam à violência” (19/11/88).
Diante da ascensão das forças democráticas nos anos de 1980 e das conquistas da “Constituição-cidadã”, segundo a célebre definição do deputado Ulisses Guimarães, a mídia percebeu os riscos na origem e deu seu grito de guerra. “A hora é dos liberais acordarem, porque depois será tarde... Os liberais brasileiros têm diante de si uma ingente tarefa; se não se organizarem para combater o populismo estatizante (...), o Brasil corre o risco de regredir”, alertou o Estadão. “Não há outro caminho senão o de todos nos unirmos pondo acima de superadas divergências ideológicas ou de futuras disputas eleitorais os supremos objetivos da nação”, clamou o golpista Roberto Marinho.
NOTAS
9- Renê Armand Dreifuss. 1964: A conquista do estado. Editora Vozes, RJ, 1981.
10- Beatriz Kushnir. Cães de guarda. Boitempo Editorial, SP, 2004.
11- Valério Brittos e César Bolaño. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. Editora Paulus, SP, 2005.
12- Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl. Videologias. Boitempo Editorial, SP, 2004.
13- Armando Sartori. “Oportunismo mercadológico”. Revista Retrato do Brasil, setembro de 2006.
14- Francisco Fonseca. “O conservadorismo patronal da grande imprensa brasileira”. Dezembro de 2002.
- Extraído do quarto capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
“Graças à decisão e heroísmo das Forças Armadas, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo a rumos contrários à sua vocação e tradições... Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares”, comemorou o jornal O Globo. “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”, afirmou, descaradamente, o Jornal do Brasil. “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comunos-carreiristas-negocistas-sindicalistas”, disparou o fascistóide Carlos Lacerda na Tribuna da Imprensa.
Na sequência, alguns veículos ingeriram seu próprio veneno e sentiram a fúria dos fascistas, que prenderam, mataram, cassaram mandatos e impuseram a censura. Lacerda, que ambicionava ser presidente, foi escorraçado pelos generais. Já o Estadão, com a sua linha liberal-conservadora, discordou do rumo estatizante do regime e teve várias edições censuradas. Este não foi o caso do grupo Frias, que tornou a Folha da Tarde “uma filial da Operação Bandeirantes”, a temida Oban, e no jornal de maior “tiragem” do país devido ao grande número de “tiras” (policiais) na sua redação [10]. Também não foi o caso da Rede Globo, que ergueu seu império graças ao irrestrito apoio à ditadura [11].
Até quando a ditadura já dava sinais de fraqueza, a TV Globo insistiu em salvá-la. Nas eleições de 1982, a corporação de Roberto Marinho montou um esquema, através da empresa Proconsult, para fraudar a apuração dos votos e evitar a vitória do recém-anistiado Leonel Brizola. A fraude foi denunciada por Homero Sanchez, ex-diretor de pesquisas da própria emissora. Ela também tentou desqualificar todos os principais líderes da oposição à ditadura. Numa entrevista ao jornal The New York Times, Roberto Marinho confessou: “Em um determinado momento, me convenci que o Sr. Leonel Brizola era um mau governador... Passei a considerar o Sr. Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Realmente, usei todas as possibilidades para derrotá-lo”.
A manipulação mais grosseira, que popularizou o refrão “O povo não é bobo, fora Rede Globo”, ocorreu na campanha pelas Diretas-Já. Até duas semanas antes da votação da emenda Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta para presidente, ela omitiu a mobilização que contagiava milhões de brasileiros. Ela recusou até matéria paga com chamadas para o comício em Curitiba (PR). Já o ato na capital paulista, que reuniu 300 mil de pessoas em 25 de janeiro de 1984, foi apresentado pelo âncora da emissora como “festa em São Paulo; a cidade comemora seus 430 anos”. “O Jornal Nacional sonegou ao público o fato – notório, na época – de que o ato fazia parte da campanha nacional por eleições diretas. Sonegou que essa campanha era liderada publicamente pelos principais expoentes da oposição” [12]. Um verdadeiro crime!
Das greves à histeria na Constituinte
Alguns veículos perceberam o naufrágio da ditadura militar e jogaram papel positivo na luta pela redemocratização. O caso mais curioso foi o da Folha, que até usou suas capas para convocar os comícios das Diretas-Já. O grupo Frias, que apoiara os generais “linha dura”, mudou de lado por oportunismo político e “mercadológico” [13]. Apesar destas nuances, nenhum barão da mídia abdicou de sua visão de classe. Jornalões e emissoras de TV e rádio nunca vacilaram diante das lutas dos trabalhadores, procurando criminalizar suas greves e satanizar suas lideranças. Numa das massivas assembléias em Vila Euclides, em maio de 1980, os metalúrgicos do ABC paulista destruíram câmeras e veículos da TV Globo, indignados com as suas recorrentes manipulações.
Esta opção de classe ficou visível durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987/1988. Meticulosa pesquisa de Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas, prova que os quatro principais diários do país (Jornal do Brasil, O Globo, Estadão e Folha) uniformizaram os seus ataques aos direitos trabalhistas. “Através dos editoriais, que definem a linha editorial e ideológica de cada veículo, a grande imprensa operou nos debates constituintes, sobretudo nos temas que se referiam aos direitos sociais... Alguns dos direitos propostos, como a diminuição da jornada de trabalho, a ampliação da licença-maternidade, a licença-paternidade e o aumento do valor da hora extra, foram tratados como catastróficos à produção” [14].
“A Constituinte embarcou em um caminho de distribuição de benefícios sociais cujo produto só pode ser um e único: a redução da taxa de investimentos, com o conseqüente atraso econômico”, afirmou o editorial terrorista do JB (28/02/88). “Concessões feitas em total descompasso com os efeitos não prejudicarão apenas os trabalhadores, [mas também] a estabilidade institucional”, ameaçou o golpista O Globo (15/11/87). O Estadão, com sua linha liberal-conservadora, pregou a supremacia do deus-mercado, afirmando que tais direitos “acarretariam pernicioso desestímulo aos melhores” (18/06/87). Já a Folha atacou a “demagogia”, inclusive nas propostas do adicional de férias, aviso prévio aos demitidos e limite de seis horas nos turnos ininterruptos (08/07/88).
Além de rejeitar qualquer avanço trabalhista, a mídia bombardeou o direito de greve e procurou fragilizar o sindicalismo. “A liberdade de greve é um abuso conceitual”, atacou o JB (07/07/88). A Folha exagerou ao dizer que as propostas dos constituintes estimulariam o “direito irrestrito de greve... [com] artigos condenáveis” (15/07/88). Já O Globo, no editorial “A porta da anarquia”, afirmou que este direito “significa a porta aberta à desordem e ao caos” (17/08/88). E o Estadão explicitou sua aversão às greves, principalmente no setor público. “São exércitos de empregados que agem com todas as regalias e mordomias de funcionários públicos, promovendo greves que ganham, hoje, aspectos nitidamente políticos e ideológicos, que levam à violência” (19/11/88).
Diante da ascensão das forças democráticas nos anos de 1980 e das conquistas da “Constituição-cidadã”, segundo a célebre definição do deputado Ulisses Guimarães, a mídia percebeu os riscos na origem e deu seu grito de guerra. “A hora é dos liberais acordarem, porque depois será tarde... Os liberais brasileiros têm diante de si uma ingente tarefa; se não se organizarem para combater o populismo estatizante (...), o Brasil corre o risco de regredir”, alertou o Estadão. “Não há outro caminho senão o de todos nos unirmos pondo acima de superadas divergências ideológicas ou de futuras disputas eleitorais os supremos objetivos da nação”, clamou o golpista Roberto Marinho.
NOTAS
9- Renê Armand Dreifuss. 1964: A conquista do estado. Editora Vozes, RJ, 1981.
10- Beatriz Kushnir. Cães de guarda. Boitempo Editorial, SP, 2004.
11- Valério Brittos e César Bolaño. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. Editora Paulus, SP, 2005.
12- Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl. Videologias. Boitempo Editorial, SP, 2004.
13- Armando Sartori. “Oportunismo mercadológico”. Revista Retrato do Brasil, setembro de 2006.
14- Francisco Fonseca. “O conservadorismo patronal da grande imprensa brasileira”. Dezembro de 2002.
- Extraído do quarto capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Histórias da manipulação da mídia (10)
“O Sr. Getúlio Vargas, Senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Carlos Lacerda, dono do jornal golpista Tribuna da Imprensa (01/05/1950).
“Sim, eu uso o poder [da Rede Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente”.
Roberto Marinho, proprietário do maior conglomerado midiático do Brasil.
Desde a sua origem, a chamada grande imprensa se aliou às forças mais reacionárias da política brasileira. Ela nunca escondeu o seu ódio aos movimentos sociais, seja aos camponeses em luta por um pedaço de terra ou aos operários em greve por melhores salários e condições de trabalho. Diante dos governos progressistas, mesmo os mais tímidos, ela conspirou e pregou golpes. Com raras exceções, ela deu apoio às ditaduras mais arbitrárias e sanguinárias. Através de expedientes sujos, como o denuncismo vazio, chantageou o poder público para obter concessões e subsídios. O discurso da “liberdade de imprensa” sempre serviu aos propósitos ilícitos dos barões da mídia.
Como sintetiza o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, um dos primeiros a alertar para o perigo do golpe militar de 1964, a mídia hegemônica protagonizou todas as iniciativas de desestabilização política dos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. “A grande imprensa levou Getúlio ao suicídio, com base em nada; quase impediu Juscelino de tomar posse, com base em nada; levou Jânio Quadros à renúncia, aproveitando-se da maluquice dele, com base em nada; tentou impedir a posse de Goulart, com base em nada. A grande imprensa, em países em desenvolvimento, é a grande porca das instituições” [1].
Elitista e golpista já na origem
Os poucos jornais burgueses que se consolidaram, tornando-se porta-vozes da elite nativa, nunca esconderam sua opção de classe. O Jornal do Brasil, fundado em abril de 1891, dois meses após a promulgação da primeira Constituição republicana, publicou vários artigos pregando o retorno à monarquia. Devido ao seu conservadorismo, a sede do jornal foi atacada por grupos armados e os redatores abandonaram seus postos. Já O Estado de S.Paulo, criado em 1875, até defendeu algumas idéias progressistas na sua origem, como a abolição da escravatura, com a “indenização aos proprietários”. Desde o início, porém, o jornal foi um ardoroso inimigo das lutas sociais.
Na revolta de Canudos (1893-1897), o Estadão publicou artigo de Olavo Bilac saudando o cruel massacre dos camponeses. “Enfim, arrasada a cidadela maldita! Enfim, dominado o antro negro, cavado no centro do adusto sertão, onde o profeta das longas barbas sujas concentrava sua força diabólica” [2]. Não poupou papel no ataque às primeiras greves operárias, satanizando os líderes anarquistas. Em 1932, ele insuflou a oligarquia cafeeira paulista num fracassado levante militar. Sob o comando de Júlio Mesquita, o jornal foi participante ativo das conspirações que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e ao golpe militar que derrubou João Goulart em 1964.
A Folha de S.Paulo nasceu em 1962 da fusão de três jornais – as Folhas da Manhã, da Tarde e da Noite. A Folha da Manhã, fundada em 1921, fez oposição cerrada à chamada revolução de 1930. Tanto que em 24 de outubro daquele ano, a multidão que festejava a deposição de Washington Luís destruiu as máquinas de escrever e os móveis da redação deste jornal. O grupo, dominado pela oligarquia paulista, não deu tréguas para Getúlio Vargas e, já como Folha de S.Paulo, sob o comando de Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira, clamou pelo golpe. Na sequência, deu apoio à “linha dura” dos generais e cedeu suas peruas para levar presos políticos à tortura [3].
A trajetória do primeiro império midiático do Brasil, os Diários Associados, foi mais pragmática. Assis Chateaubriand apoiou “a revolução de 1930, mas apenas no que ela tinha de conservadora – um nacionalismo com cores fascistas... Logo depois da rápida aproximação, ele aderiu ao bloco conservador. Primeiro, ligou-se aos interesses britânicos; depois, aos norte-americanos. Fez campanha contra a criação da Petrobras. Dizia que ‘a exploração dos recursos naturais do país por estatais brasileiras era coisa de comunista’ e que o lema ‘O petróleo é nosso’ era um ‘chavão soviético’” [4]. Chatô apoiou o golpe de 1964 e lançou a campanha “ouro para o bem do Brasil” para legitimar a ditadura e, de forma oportunista, para salvar seu império que afundava na crise.
Os Diários Associados, através de dezenas de jornais e rádios e da primeira emissora de televisão do país, a TV Tupi, criada em 1950, adotaram o estilo do “jornalismo marrom”, criado nos EUA no final do século 19 por Handolph Hearst e Joseph Pulitzer. Através de artigos sensacionalistas, Chatô pressionou governos e empresários, arrancando benesses públicas e anúncios publicitários [5]. Seu império midiático foi erguido com base na corrupção ativa. “Chatô fez tudo isso usando estritamente o dinheiro dos outros e os favores do Estado. Ele foi amigo de todos os presidentes: sentia-se dono do Brasil, ou o ‘rei’, como prefere Fernando Morais em sua biografia de Chatô, talvez para enfatizar as arbitrariedades e o absolutismo desse barão da imprensa tupiniquim” [6].
Anarquistas, comunistas e Última Hora
No conturbado período histórico que antecedeu o golpe de 1964, a imprensa ainda não havia se consolidado como poderosa indústria monopolista. Na tardia formação do capitalismo nacional, o jovem movimento operário e sindical investiu na luta de idéias e construiu veículos próprios. Os anarquistas, hegemônicos nesta fase, editaram jornais com expressiva tiragem, concorrendo com os veículos burgueses. Estudos apontam a existência de mais de 500 jornais operários desde o surgimento das primeiras oficinas até a revolução de 1930. O primeiro deles foi o Jornal dos Tipógrafos, criado no Rio de Janeiro, em 1858, como decorrência da primeira greve no país.
Com a crise do anarquismo e a fundação do Partido Comunista, em 1922, “a imprensa anarquista perde espaço e o seu lugar é assumido pela imprensa comunista. Esta será a principal ferramenta de disputa ideológica e política com a nova burguesia industrial e as velhas oligarquias”, explica Vito Giannotti. “Em 1946, os comunistas tinham, em quase todos os estados, vários jornais. Oito eram diários: Tribuna Popular (RJ), Jornal do Povo (PE), Hoje (SP), Momento (BA), Democrata (CE), Folha do Povo (PE), Tribuna Gaúcha e Folha Capixaba... Nos subúrbios da capital, no Rio de Janeiro, era comum encontrar brigadas de comunistas vendendo a Tribuna Popular. Entre eles estavam comunistas ilustres, como Oscar Niemeyer, Gregório Bezerra e Graciliano Ramos” [7]. Foi a segunda maior rede de jornais diários do país, superada apenas pelos Diários Associados.
A imprensa anarquista e comunista, porém, foi sempre barbaramente perseguida. Jornalistas e gráficos de esquerda foram presos e assassinados e seus jornais foram empastelados. Para conter o avanço das idéias socialistas, o governo autoritário do general Eurico Gaspar Dutra cassou, em 7 de maio de 1947, o registro legal do Partido Comunista do Brasil – que teve curtos suspiros de vida legal neste período da história. Em 10 de maio de 1948, também cassou o mandato de todos os parlamentares comunistas – um senador, 14 deputados federais e 46 deputados estaduais. Seus jornais foram fechados e 15% dos sindicatos reconhecidos oficialmente sofreram intervenção.
Além destes veículos anticapitalistas, um jornal disputou a hegemonia neste período com as suas idéias nacionalistas – a Última Hora. Criado em 1951 por Samuel Wainer, um judeu nascido na Bessarábia (região situada entre a Romênia e a Ucrânia), o jornal inovou com reportagens vivas, diagramação criativa e um time qualificado de jornalistas. Ele cresceu rapidamente e montou sua rede nacional, com edições em várias capitais. Getúlio Vargas, acossado pela imprensa golpista, investiu pesado neste veículo, reunindo o apoio de empresários nacionalistas, como o banqueiro Walter Moreira Sales e os industriais Francisco Matarazzo e Ricardo Jafet. Instituições estatais, como o Banco do Brasil, também participaram do consórcio que financiou a Última Hora.
A “oligarquia da grande imprensa”, como atacava Wainer, não deu trégua ao concorrente. Chatô, Roberto Marinho e Carlos Lacerda, dono da golpista Tribuna de Imprensa, usaram o artigo 160 da Constituição, que proibia estrangeiros de serem donos de jornais, para exigir o fechamento da Última Hora. Em 1953, eles arrancaram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a origem e o financiamento do jornal. Wainer se defendeu num documento intitulado “O livro branco da imprensa amarela”, mas chegou a ser preso. O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, levou multidões às ruas e fez a Última Hora vender 700 mil exemplares. Na seqüência, o jornal deu irrestrito apoio a João Goulart até sua deposição em 1964.
Uma das primeiras ações dos generais golpistas foi cassar os direitos políticos de Samuel Wainer, que se exilou na Europa. Outros veículos nacionalistas e de esquerda, como A Classe Operária, fundado em 1925, também foram fechados. O regime militar uniformizou a imprensa brasileira. Somente a mídia conservadora, de direita, pôde prosperar. Nos primeiros anos da brutal ditadura, prevaleceu o clima da “paz dos cemitérios”. A liberdade de expressão, e não a falsa “liberdade de imprensa” dos empresários do setor, foi suprimida com truculência. Aos poucos, organizações e jornalistas progressistas reuniram força e coragem para erguer a heróica imprensa alternativa, com jornais como O Pasquim, Opinião e Movimento [8].
NOTAS
1- “Wanderley Guilherme dos Santos analisa a crise”. Entrevista para Maurício Dias. Revista Carta Capital, 17/06/05.
2- Maria de Lourdes Eleutério. “A imprensa a serviço do progresso”. História da imprensa no Brasil. Editora Contexto, SP, 2008.
3- Ler o artigo “A morte do ‘democrata’ Octavio Frias”, na página ??? deste livro.
4- “Meias verdades”. Retrato do Brasil. Editora Manifesto, MG, 2006.
5- Ana Maria de Abreu Laurenza. “Batalhas em letra de fôrma: Chatô, Wainer e Lacerda. História da imprensa no Brasil. Editora Contexto, SP, 2008.
6- Bernardo Kucinski. “Chatô: o poder da chantagem”. Revista Teoria&Debate, março/abril de 1995.
7- Vito Giannotti. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Editora Mauad, RJ, 2007.
8- José Carlos Ruy. “Alternativos: imprensa de resistência”. Revista Princípios, agosto de 2007.
- Extraído do quarto capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Quem desejar adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
“Sim, eu uso o poder [da Rede Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente”.
Roberto Marinho, proprietário do maior conglomerado midiático do Brasil.
Desde a sua origem, a chamada grande imprensa se aliou às forças mais reacionárias da política brasileira. Ela nunca escondeu o seu ódio aos movimentos sociais, seja aos camponeses em luta por um pedaço de terra ou aos operários em greve por melhores salários e condições de trabalho. Diante dos governos progressistas, mesmo os mais tímidos, ela conspirou e pregou golpes. Com raras exceções, ela deu apoio às ditaduras mais arbitrárias e sanguinárias. Através de expedientes sujos, como o denuncismo vazio, chantageou o poder público para obter concessões e subsídios. O discurso da “liberdade de imprensa” sempre serviu aos propósitos ilícitos dos barões da mídia.
Como sintetiza o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, um dos primeiros a alertar para o perigo do golpe militar de 1964, a mídia hegemônica protagonizou todas as iniciativas de desestabilização política dos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. “A grande imprensa levou Getúlio ao suicídio, com base em nada; quase impediu Juscelino de tomar posse, com base em nada; levou Jânio Quadros à renúncia, aproveitando-se da maluquice dele, com base em nada; tentou impedir a posse de Goulart, com base em nada. A grande imprensa, em países em desenvolvimento, é a grande porca das instituições” [1].
Elitista e golpista já na origem
Os poucos jornais burgueses que se consolidaram, tornando-se porta-vozes da elite nativa, nunca esconderam sua opção de classe. O Jornal do Brasil, fundado em abril de 1891, dois meses após a promulgação da primeira Constituição republicana, publicou vários artigos pregando o retorno à monarquia. Devido ao seu conservadorismo, a sede do jornal foi atacada por grupos armados e os redatores abandonaram seus postos. Já O Estado de S.Paulo, criado em 1875, até defendeu algumas idéias progressistas na sua origem, como a abolição da escravatura, com a “indenização aos proprietários”. Desde o início, porém, o jornal foi um ardoroso inimigo das lutas sociais.
Na revolta de Canudos (1893-1897), o Estadão publicou artigo de Olavo Bilac saudando o cruel massacre dos camponeses. “Enfim, arrasada a cidadela maldita! Enfim, dominado o antro negro, cavado no centro do adusto sertão, onde o profeta das longas barbas sujas concentrava sua força diabólica” [2]. Não poupou papel no ataque às primeiras greves operárias, satanizando os líderes anarquistas. Em 1932, ele insuflou a oligarquia cafeeira paulista num fracassado levante militar. Sob o comando de Júlio Mesquita, o jornal foi participante ativo das conspirações que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e ao golpe militar que derrubou João Goulart em 1964.
A Folha de S.Paulo nasceu em 1962 da fusão de três jornais – as Folhas da Manhã, da Tarde e da Noite. A Folha da Manhã, fundada em 1921, fez oposição cerrada à chamada revolução de 1930. Tanto que em 24 de outubro daquele ano, a multidão que festejava a deposição de Washington Luís destruiu as máquinas de escrever e os móveis da redação deste jornal. O grupo, dominado pela oligarquia paulista, não deu tréguas para Getúlio Vargas e, já como Folha de S.Paulo, sob o comando de Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira, clamou pelo golpe. Na sequência, deu apoio à “linha dura” dos generais e cedeu suas peruas para levar presos políticos à tortura [3].
A trajetória do primeiro império midiático do Brasil, os Diários Associados, foi mais pragmática. Assis Chateaubriand apoiou “a revolução de 1930, mas apenas no que ela tinha de conservadora – um nacionalismo com cores fascistas... Logo depois da rápida aproximação, ele aderiu ao bloco conservador. Primeiro, ligou-se aos interesses britânicos; depois, aos norte-americanos. Fez campanha contra a criação da Petrobras. Dizia que ‘a exploração dos recursos naturais do país por estatais brasileiras era coisa de comunista’ e que o lema ‘O petróleo é nosso’ era um ‘chavão soviético’” [4]. Chatô apoiou o golpe de 1964 e lançou a campanha “ouro para o bem do Brasil” para legitimar a ditadura e, de forma oportunista, para salvar seu império que afundava na crise.
Os Diários Associados, através de dezenas de jornais e rádios e da primeira emissora de televisão do país, a TV Tupi, criada em 1950, adotaram o estilo do “jornalismo marrom”, criado nos EUA no final do século 19 por Handolph Hearst e Joseph Pulitzer. Através de artigos sensacionalistas, Chatô pressionou governos e empresários, arrancando benesses públicas e anúncios publicitários [5]. Seu império midiático foi erguido com base na corrupção ativa. “Chatô fez tudo isso usando estritamente o dinheiro dos outros e os favores do Estado. Ele foi amigo de todos os presidentes: sentia-se dono do Brasil, ou o ‘rei’, como prefere Fernando Morais em sua biografia de Chatô, talvez para enfatizar as arbitrariedades e o absolutismo desse barão da imprensa tupiniquim” [6].
Anarquistas, comunistas e Última Hora
No conturbado período histórico que antecedeu o golpe de 1964, a imprensa ainda não havia se consolidado como poderosa indústria monopolista. Na tardia formação do capitalismo nacional, o jovem movimento operário e sindical investiu na luta de idéias e construiu veículos próprios. Os anarquistas, hegemônicos nesta fase, editaram jornais com expressiva tiragem, concorrendo com os veículos burgueses. Estudos apontam a existência de mais de 500 jornais operários desde o surgimento das primeiras oficinas até a revolução de 1930. O primeiro deles foi o Jornal dos Tipógrafos, criado no Rio de Janeiro, em 1858, como decorrência da primeira greve no país.
Com a crise do anarquismo e a fundação do Partido Comunista, em 1922, “a imprensa anarquista perde espaço e o seu lugar é assumido pela imprensa comunista. Esta será a principal ferramenta de disputa ideológica e política com a nova burguesia industrial e as velhas oligarquias”, explica Vito Giannotti. “Em 1946, os comunistas tinham, em quase todos os estados, vários jornais. Oito eram diários: Tribuna Popular (RJ), Jornal do Povo (PE), Hoje (SP), Momento (BA), Democrata (CE), Folha do Povo (PE), Tribuna Gaúcha e Folha Capixaba... Nos subúrbios da capital, no Rio de Janeiro, era comum encontrar brigadas de comunistas vendendo a Tribuna Popular. Entre eles estavam comunistas ilustres, como Oscar Niemeyer, Gregório Bezerra e Graciliano Ramos” [7]. Foi a segunda maior rede de jornais diários do país, superada apenas pelos Diários Associados.
A imprensa anarquista e comunista, porém, foi sempre barbaramente perseguida. Jornalistas e gráficos de esquerda foram presos e assassinados e seus jornais foram empastelados. Para conter o avanço das idéias socialistas, o governo autoritário do general Eurico Gaspar Dutra cassou, em 7 de maio de 1947, o registro legal do Partido Comunista do Brasil – que teve curtos suspiros de vida legal neste período da história. Em 10 de maio de 1948, também cassou o mandato de todos os parlamentares comunistas – um senador, 14 deputados federais e 46 deputados estaduais. Seus jornais foram fechados e 15% dos sindicatos reconhecidos oficialmente sofreram intervenção.
Além destes veículos anticapitalistas, um jornal disputou a hegemonia neste período com as suas idéias nacionalistas – a Última Hora. Criado em 1951 por Samuel Wainer, um judeu nascido na Bessarábia (região situada entre a Romênia e a Ucrânia), o jornal inovou com reportagens vivas, diagramação criativa e um time qualificado de jornalistas. Ele cresceu rapidamente e montou sua rede nacional, com edições em várias capitais. Getúlio Vargas, acossado pela imprensa golpista, investiu pesado neste veículo, reunindo o apoio de empresários nacionalistas, como o banqueiro Walter Moreira Sales e os industriais Francisco Matarazzo e Ricardo Jafet. Instituições estatais, como o Banco do Brasil, também participaram do consórcio que financiou a Última Hora.
A “oligarquia da grande imprensa”, como atacava Wainer, não deu trégua ao concorrente. Chatô, Roberto Marinho e Carlos Lacerda, dono da golpista Tribuna de Imprensa, usaram o artigo 160 da Constituição, que proibia estrangeiros de serem donos de jornais, para exigir o fechamento da Última Hora. Em 1953, eles arrancaram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a origem e o financiamento do jornal. Wainer se defendeu num documento intitulado “O livro branco da imprensa amarela”, mas chegou a ser preso. O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, levou multidões às ruas e fez a Última Hora vender 700 mil exemplares. Na seqüência, o jornal deu irrestrito apoio a João Goulart até sua deposição em 1964.
Uma das primeiras ações dos generais golpistas foi cassar os direitos políticos de Samuel Wainer, que se exilou na Europa. Outros veículos nacionalistas e de esquerda, como A Classe Operária, fundado em 1925, também foram fechados. O regime militar uniformizou a imprensa brasileira. Somente a mídia conservadora, de direita, pôde prosperar. Nos primeiros anos da brutal ditadura, prevaleceu o clima da “paz dos cemitérios”. A liberdade de expressão, e não a falsa “liberdade de imprensa” dos empresários do setor, foi suprimida com truculência. Aos poucos, organizações e jornalistas progressistas reuniram força e coragem para erguer a heróica imprensa alternativa, com jornais como O Pasquim, Opinião e Movimento [8].
NOTAS
1- “Wanderley Guilherme dos Santos analisa a crise”. Entrevista para Maurício Dias. Revista Carta Capital, 17/06/05.
2- Maria de Lourdes Eleutério. “A imprensa a serviço do progresso”. História da imprensa no Brasil. Editora Contexto, SP, 2008.
3- Ler o artigo “A morte do ‘democrata’ Octavio Frias”, na página ??? deste livro.
4- “Meias verdades”. Retrato do Brasil. Editora Manifesto, MG, 2006.
5- Ana Maria de Abreu Laurenza. “Batalhas em letra de fôrma: Chatô, Wainer e Lacerda. História da imprensa no Brasil. Editora Contexto, SP, 2008.
6- Bernardo Kucinski. “Chatô: o poder da chantagem”. Revista Teoria&Debate, março/abril de 1995.
7- Vito Giannotti. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Editora Mauad, RJ, 2007.
8- José Carlos Ruy. “Alternativos: imprensa de resistência”. Revista Princípios, agosto de 2007.
- Extraído do quarto capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Quem desejar adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
O coronelismo eletrônico no Brasil (9)
A ausência de regras contrárias à monopolização decorre da influência da mídia, que agenda a pauta política, sataniza os adversários e atemoriza os críticos, e também da promiscuidade nas relações com o poder público. Na lógica patrimonialista vigente no país, instituiu-se um tipo coronelismo eletrônico que atrela setores do Executivo e Legislativo às redes de comunicação. Apesar de a Constituição proibir quem estiver no “exercício de mandato eletivo” de ocupar funções de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio e TV, esta distorção se alastrou no país, tornando ainda mais difícil o regramento do setor. A mídia está incrustada no poder.
O finado Antônio Carlos Magalhães, ministro das Comunicações do governo José Sarney, foi um poderoso empresário do setor. A TV Bahia, retransmissora da TV Globo, não era, formalmente, do senador ACM, mas a gerente da emissora era Arlete Maron, mulher do parlamentar, e os seus filhos e netos detêm o grosso das ações da empresa [12]. O próprio ex-presidente José Sarney é forte na área de comunicação. Ele não é dono da TV Mirante, também afiliada da Rede Globo, mas os seus três filhos são sócios da empresa. Mesmo o ministro das Comunicações do governo Lula, Hélio Costa, tem vínculos com o setor, como acionista de canais de rádio e televisão em Barbacena, interior de Minas Gerais, e como ex-funcionário graduado da TV Globo.
“O vínculo entre radiodifusão e política é um fenômeno fortemente arraigado na cultura e prática política brasileira que perpassa os tempos da ditadura e os tempos da democracia” [13]. Nos dias finais do regime militar, o general João Batista Figueiredo assinou 91 decretos de concessões de canais de radiodifusão. Já José Sarney, o primeiro presidente civil pós-ditadura, bancou 1.028 outorgas. Dos agraciados, 92,3% (84 constituintes) retribuíram sua “gentileza” aprovando o presidencialismo e 90,1% (82) votaram na ampliação do mandato para cinco anos. “Na era FHC, foram autorizadas 1.848 licenças de RTV, repetidoras de televisão, sendo que 268 para entidades ou empresas controladas por 87 políticos, todos favoráveis à emenda da reeleição” [14].
Esta relação promíscua persiste até hoje. Pesquisa realizada em 2005 comprova que 40 geradoras filiadas à TV Globo (39,6% do total), 128 de todas as emissoras de TV (36,6%) e 1.765 de todas as retransmissoras de televisão do país (18,03%) eram controladas, direta ou indiretamente, por políticos. Outro estudo revela que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados federais eleitos para o quadriênio 2007-2010 controlam concessões de radiodifusão. Dos 76 deputados da atual Comissão de Ciência e Tecnologia, que discute os projetos do setor, 16 participam direta ou indiretamente do capital de alguma empresa da área de comunicação. Foi constituída, inclusive, uma Frente Parlamentar da Radiodifusão, que é composta por 171 deputados e 15 senadores.
Através deste poderoso lobby, os “barões da mídia” conseguem novas concessões, reforçando as teias da propriedade cruzada, além de fartos subsídios dos poderes públicos. No reinado de FHC, iludidas com a paridade dólar-real e animadas com o pretenso potencial da TV paga, as empresas do setor foram beneficiadas pelos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na seqüência, quase todas afundaram na crise, principalmente a TV Globo. Já no governo Lula, elas tentaram emplacar um programa especial do BNDES, o Pró-Mídia, que foi barrado pelo ex-presidente do órgão, Carlos Lessa – não por acaso, um dos alvos prediletos das emissoras de TV e dos jornalões [15]. Apesar da derrota parcial, as poderosas empresas do setor continuam mamando nos cofres do Estado, apesar do discurso contra os “gastos públicos” [16].
Os desafios da convergência digital
Como se nota, há no Brasil uma autêntica ditadura da mídia, com longa história de concentração, ramificações em todos os recantos da República e enorme capacidade de atuação. Este poder, no entanto, não é imbatível. Ele sofre crescentes questionamentos da sociedade e também padece de inúmeras contradições internas. Os avanços tecnológicos no setor, com o processo acelerado de convergência digital, afetam o status quo nesta área estratégica. Sem maior alarde, está em curso no submundo do capital um violento confronto entre as empresas de radiodifusão, “nacionais”, e as poderosas operadoras de telefonia, a maioria de capital estrangeiro.
“O duelo entre as emissoras de tevê e as operadoras de telefonia pela supremacia no futuro das comunicações se assemelha a uma briga entre Davi e Golias... As redes televisivas simbolizam um modelo posto em xeque pelos avanços tecnológicos. Juntas, elas movimentaram cerca de R$ 19 bilhões em 2006, cinco vezes menos que as telefônicas, cuja receita passa dos R$ 100 bilhões. Enquanto as emissoras mantêm a estrutura familiar de controle, enfrentam enormes dificuldades para captar dinheiro e assistem à chegada de novos competidores, como a internet, as operadoras pertencem a grandes grupos nacionais e estrangeiros, negociam ações nas bolsas de valores e obtêm linhas volumosas de crédito do BNDES e no mercado financeiro” [17].
Para contrabalançar o poder econômico das operadoras de telefonia, as empresas de radiodifusão contam com enorme capacidade de pressão política. A “bancada da comunicação” no parlamento é numerosa e ativa. Além disso, as redes nacionais de mídia têm presença assegurada no Palácio do Planalto, através do próprio ministro das Comunicações, e exercem forte poder de influência sobre a chamada opinião pública. Diante do poderio econômico das multinacionais, uma parcela das empresas nacionais de radiodifusão também já se associa ao capital estrangeiro, acelerando o perigoso processo de desnacionalização do setor estratégico das comunicações.
“Inabalável até a virada do século, a hegemonia exercida pelas cinco redes nacionais de televisão e seus grupos afiliados encontrou um adversário de peso viabilizado pela digitalização do setor... A entrada em cena dos grandes conglomerados mundiais de comunicação e telecomunicações, proporcionada pela alteração constitucional que permitiu o controle total ou parcial de setores por sócios estrangeiros, junto com o surgimento de novas mídias, vem transformando substancialmente o modelo de financiamento do mercado de comunicações. De uma hora para outra, as mídias tradicionais passaram a dividir o bolo publicitário com operadores de TVs pagas, provedores de internet e até guias e listas”. Em seis anos, a soma da verba investida em internet e na TV paga saltou de 1,69% para 5,07%, superando as rádios e aproximando-se das revistas [18].
Esta briga de titãs deve definir o futuro da mídia brasileira. O que está em jogo é quem comandará o lucrativo negócio das comunicações quando estiver concluído o processo de digitalização. Em poucos anos, não haverá muita diferença entre TV aberta ou a cabo, telefones fixos ou celulares e terminais de computadores. Prevendo este enorme potencial de lucros, as operadoras estrangeiras de telefonia querem produzir e distribuir conteúdos audiovisuais. Já as empresas de radiodifusão, que tanto atacaram a Constituição e pregaram a internacionalização da economia, agora afirmam que o texto constitucional proíbe a invasão das teles. O seu discurso nacionalista, em defesa da cultura brasileira, evidentemente soa falso, mas o temor com a desnacionalização é procedente.
Esta batalha está sendo travada a cada instante. Ela, inclusive, está na raiz da própria convocação da Conferência Nacional de Comunicação. Teles e empresas de radiodifusão tentarão resolver as suas pendengas, inclusive com a possibilidade de inusitadas alianças. A preocupação de ambas, porém, nada tem a ver com a urgência da democratização dos meios de comunicação. Para o capital, o que importa é o lucro. Caso as forças organizadas da sociedade, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, não interfiram nesta contenda, teles e radiodifusores apenas dividirão o botim, reforçando a concentração e o poder de manipulação da ditadura midiática.
NOTAS
12- Leandro Fortes. “O poder que emana da tela”. Revista Carta Capital, 14/03/07.
13- Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes. “Rádios Comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”. Revista Carta Capital, agosto de 2007.
14- Israel Fernando Bayma. “A concentração da propriedade dos meios de comunicação e o coronelismo eletrônico no Brasil”. Texto da assessoria técnica da bancada do PT, 27/11/01.
15- Tânia Caliari. “O negócio da notícia”. Revista Retrato do Brasil, setembro de 2006.
16- Hamilton Octavio de Souza. “Dinheiro público para a concentração privada”. Jornal Brasil de Fato, 07/07/07.
17- Ana Paula Sousa e Sérgio Lírio. “O ringe está pronto”. Revista Carta Capital, 14/03/07.
18- James Görgen. “Apontamentos sobre a regulação dos sistemas e mercados de comunicação no Brasil”. Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa. Editora Fundação Getúlio Vargas, SP, 2008.
- Extraído do terceiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
O finado Antônio Carlos Magalhães, ministro das Comunicações do governo José Sarney, foi um poderoso empresário do setor. A TV Bahia, retransmissora da TV Globo, não era, formalmente, do senador ACM, mas a gerente da emissora era Arlete Maron, mulher do parlamentar, e os seus filhos e netos detêm o grosso das ações da empresa [12]. O próprio ex-presidente José Sarney é forte na área de comunicação. Ele não é dono da TV Mirante, também afiliada da Rede Globo, mas os seus três filhos são sócios da empresa. Mesmo o ministro das Comunicações do governo Lula, Hélio Costa, tem vínculos com o setor, como acionista de canais de rádio e televisão em Barbacena, interior de Minas Gerais, e como ex-funcionário graduado da TV Globo.
“O vínculo entre radiodifusão e política é um fenômeno fortemente arraigado na cultura e prática política brasileira que perpassa os tempos da ditadura e os tempos da democracia” [13]. Nos dias finais do regime militar, o general João Batista Figueiredo assinou 91 decretos de concessões de canais de radiodifusão. Já José Sarney, o primeiro presidente civil pós-ditadura, bancou 1.028 outorgas. Dos agraciados, 92,3% (84 constituintes) retribuíram sua “gentileza” aprovando o presidencialismo e 90,1% (82) votaram na ampliação do mandato para cinco anos. “Na era FHC, foram autorizadas 1.848 licenças de RTV, repetidoras de televisão, sendo que 268 para entidades ou empresas controladas por 87 políticos, todos favoráveis à emenda da reeleição” [14].
Esta relação promíscua persiste até hoje. Pesquisa realizada em 2005 comprova que 40 geradoras filiadas à TV Globo (39,6% do total), 128 de todas as emissoras de TV (36,6%) e 1.765 de todas as retransmissoras de televisão do país (18,03%) eram controladas, direta ou indiretamente, por políticos. Outro estudo revela que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados federais eleitos para o quadriênio 2007-2010 controlam concessões de radiodifusão. Dos 76 deputados da atual Comissão de Ciência e Tecnologia, que discute os projetos do setor, 16 participam direta ou indiretamente do capital de alguma empresa da área de comunicação. Foi constituída, inclusive, uma Frente Parlamentar da Radiodifusão, que é composta por 171 deputados e 15 senadores.
Através deste poderoso lobby, os “barões da mídia” conseguem novas concessões, reforçando as teias da propriedade cruzada, além de fartos subsídios dos poderes públicos. No reinado de FHC, iludidas com a paridade dólar-real e animadas com o pretenso potencial da TV paga, as empresas do setor foram beneficiadas pelos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na seqüência, quase todas afundaram na crise, principalmente a TV Globo. Já no governo Lula, elas tentaram emplacar um programa especial do BNDES, o Pró-Mídia, que foi barrado pelo ex-presidente do órgão, Carlos Lessa – não por acaso, um dos alvos prediletos das emissoras de TV e dos jornalões [15]. Apesar da derrota parcial, as poderosas empresas do setor continuam mamando nos cofres do Estado, apesar do discurso contra os “gastos públicos” [16].
Os desafios da convergência digital
Como se nota, há no Brasil uma autêntica ditadura da mídia, com longa história de concentração, ramificações em todos os recantos da República e enorme capacidade de atuação. Este poder, no entanto, não é imbatível. Ele sofre crescentes questionamentos da sociedade e também padece de inúmeras contradições internas. Os avanços tecnológicos no setor, com o processo acelerado de convergência digital, afetam o status quo nesta área estratégica. Sem maior alarde, está em curso no submundo do capital um violento confronto entre as empresas de radiodifusão, “nacionais”, e as poderosas operadoras de telefonia, a maioria de capital estrangeiro.
“O duelo entre as emissoras de tevê e as operadoras de telefonia pela supremacia no futuro das comunicações se assemelha a uma briga entre Davi e Golias... As redes televisivas simbolizam um modelo posto em xeque pelos avanços tecnológicos. Juntas, elas movimentaram cerca de R$ 19 bilhões em 2006, cinco vezes menos que as telefônicas, cuja receita passa dos R$ 100 bilhões. Enquanto as emissoras mantêm a estrutura familiar de controle, enfrentam enormes dificuldades para captar dinheiro e assistem à chegada de novos competidores, como a internet, as operadoras pertencem a grandes grupos nacionais e estrangeiros, negociam ações nas bolsas de valores e obtêm linhas volumosas de crédito do BNDES e no mercado financeiro” [17].
Para contrabalançar o poder econômico das operadoras de telefonia, as empresas de radiodifusão contam com enorme capacidade de pressão política. A “bancada da comunicação” no parlamento é numerosa e ativa. Além disso, as redes nacionais de mídia têm presença assegurada no Palácio do Planalto, através do próprio ministro das Comunicações, e exercem forte poder de influência sobre a chamada opinião pública. Diante do poderio econômico das multinacionais, uma parcela das empresas nacionais de radiodifusão também já se associa ao capital estrangeiro, acelerando o perigoso processo de desnacionalização do setor estratégico das comunicações.
“Inabalável até a virada do século, a hegemonia exercida pelas cinco redes nacionais de televisão e seus grupos afiliados encontrou um adversário de peso viabilizado pela digitalização do setor... A entrada em cena dos grandes conglomerados mundiais de comunicação e telecomunicações, proporcionada pela alteração constitucional que permitiu o controle total ou parcial de setores por sócios estrangeiros, junto com o surgimento de novas mídias, vem transformando substancialmente o modelo de financiamento do mercado de comunicações. De uma hora para outra, as mídias tradicionais passaram a dividir o bolo publicitário com operadores de TVs pagas, provedores de internet e até guias e listas”. Em seis anos, a soma da verba investida em internet e na TV paga saltou de 1,69% para 5,07%, superando as rádios e aproximando-se das revistas [18].
Esta briga de titãs deve definir o futuro da mídia brasileira. O que está em jogo é quem comandará o lucrativo negócio das comunicações quando estiver concluído o processo de digitalização. Em poucos anos, não haverá muita diferença entre TV aberta ou a cabo, telefones fixos ou celulares e terminais de computadores. Prevendo este enorme potencial de lucros, as operadoras estrangeiras de telefonia querem produzir e distribuir conteúdos audiovisuais. Já as empresas de radiodifusão, que tanto atacaram a Constituição e pregaram a internacionalização da economia, agora afirmam que o texto constitucional proíbe a invasão das teles. O seu discurso nacionalista, em defesa da cultura brasileira, evidentemente soa falso, mas o temor com a desnacionalização é procedente.
Esta batalha está sendo travada a cada instante. Ela, inclusive, está na raiz da própria convocação da Conferência Nacional de Comunicação. Teles e empresas de radiodifusão tentarão resolver as suas pendengas, inclusive com a possibilidade de inusitadas alianças. A preocupação de ambas, porém, nada tem a ver com a urgência da democratização dos meios de comunicação. Para o capital, o que importa é o lucro. Caso as forças organizadas da sociedade, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, não interfiram nesta contenda, teles e radiodifusores apenas dividirão o botim, reforçando a concentração e o poder de manipulação da ditadura midiática.
NOTAS
12- Leandro Fortes. “O poder que emana da tela”. Revista Carta Capital, 14/03/07.
13- Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes. “Rádios Comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”. Revista Carta Capital, agosto de 2007.
14- Israel Fernando Bayma. “A concentração da propriedade dos meios de comunicação e o coronelismo eletrônico no Brasil”. Texto da assessoria técnica da bancada do PT, 27/11/01.
15- Tânia Caliari. “O negócio da notícia”. Revista Retrato do Brasil, setembro de 2006.
16- Hamilton Octavio de Souza. “Dinheiro público para a concentração privada”. Jornal Brasil de Fato, 07/07/07.
17- Ana Paula Sousa e Sérgio Lírio. “O ringe está pronto”. Revista Carta Capital, 14/03/07.
18- James Görgen. “Apontamentos sobre a regulação dos sistemas e mercados de comunicação no Brasil”. Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa. Editora Fundação Getúlio Vargas, SP, 2008.
- Extraído do terceiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Desnacionalização da mídia no Brasil (8)
Na fase mais recente, sob a égide do neoliberalismo, outro perigo passou a rondar os meios de comunicação – o da sua total desnacionalização. Desde a aprovação da Emenda Constitucional 36/2002 e de sua regulamentação pela Lei 10.610, de dezembro de 2002, o capital estrangeiro foi autorizado a adquirir até 30% das ações das empresas do ramo. Já a Lei da TV a Cabo permite o ingresso do capital externo em até 49% e as normas que regem a telefonia fixa e celular e a TV paga em MMDS (via microondas) e em DTH (satélite) não fixam qualquer proteção ao mercado interno. Esta invasão ameaça a produção cultural brasileira, torna a mídia mais vulnerável às manipulações das corporações mundiais e tende a agravar ainda mais a concentração no setor.
Na prática, a desnacionalização já está em curso e relativiza o discurso nacionalista das empresas de radiodifusão, que afirmam temer as operadoras de telefonia no processo da digitalização. “A Globo negociou a venda da Net Serviços (a operadora do grupo) à Telmex, de propriedade do homem mais rico da América, o mexicano Carlos Slim Helu. Helu é dono, no Brasil, da empresa de telefonia celular Claro, da Embratel e da antiga AT&T Latin... A Telmex passa a controlar diretamente 37,5% das ações da Net Serviços e, indiretamente, através da GB, mais 24,99%. Ou seja, ainda que não tenha formalmente o controle da Net Serviços, a Telmex fica com 62,49% das ações ordinárias (com direito a voto) da Net Serviços. E a Globo apenas com 24,99%” [10].
O mesmo já ocorre em outras empresas do setor. Em julho de 2004, a Abril anunciou a venda de 13,8% de suas ações para a Capital International, gestora de fundos de investimentos dos EUA. Já em maio de 2006, ela comunicou “a sociedade com o grupo de mídia sul-africano Naspers, que passa a ter 30% do capital do grupo, adquirido por US$ 422 milhões... É o maior investimento no exterior feito pela Naspers. O negócio tem o respaldo na emenda constitucional de 2002... O acordo envolve a holding Abril S/A, integrada pela Editora Abril, as editoras Ática e Scipione e a TVA”. Vale registrar que a Naspers foi erguida durante o regime de apartheid na África do Sul; três dos seus executivos governaram o país nos períodos mais sangrentos do racismo.
A desnacionalização também atinge a publicidade. Em 1989, entre as dez maiores agências do país, somente quatro eram multinacionais. Em 2004, apenas duas delas continuavam nas mãos de empresas nacionais. Já no setor de TVs por assinatura, a invasão já está quase completa. Em maio de 2006, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra da operadora de televisão por satélite (DTH) DirecTV, da Hughes Eletronics Corporation, por outra operadora de DTH, a Sky, uma associação entre a News Corporation e a Rede Globo. Com essa fusão, o novo grupo passou a controlar 77% do mercado brasileiro de TVs pagas.
Ausência de legislação reguladora
O processo de concentração da mídia no Brasil, um dos mais vertiginosos do planeta, só vingou devido à total fragilidade da legislação sobre o setor. Desde as normas que iniciaram a regulação da radiodifusão na década de 1930 (decretos 20.047/1931 e 21.111/1932), passando pelo Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 (Lei nº. 4.137), até a Lei da TV a Cabo de 1995 (Lei nº 8.977), nunca houve barreiras à monopolização. Os “barões da mídia”, cada vez mais poderosos economicamente e influentes politicamente, sabotaram todas as medidas reguladoras. Sob o falso pretexto da “liberdade de imprensa”, eles praticaram a “liberdade dos monopólios”.
Resultado do avanço das lutas democráticas, a Constituição de 1988 até fixou normas para evitar tais distorções. O parágrafo quinto do artigo 220 fixou que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. O parágrafo segundo do artigo 221 definiu como princípio das emissoras de rádio e TV “a promoção da cultura nacional e regional e o estímulo à produção independente”. O artigo 222 determinou que “a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão é privativa de brasileiros natos ou naturalizados”. O artigo 223 fixou “o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” e o artigo 224 instituiu o Conselho de Comunicação Social para fiscalizar a aplicação destes preceitos.
A Constituinte foi palco de encarniçadas disputas. A “bancada da comunicação”, composta por concessionários de radiodifusão e formada por 146 parlamentares (26,1% dos 559 constituintes), fez de tudo para evitar mudanças no setor. No outro extremo, os movimentos sociais e partidos progressistas fincaram a bandeira da democratização da mídia. A Frente Nacional de Luta por Políticas Democráticas de Comunicação apresentou emenda popular, em 1987, com uma proposta avançada de redação para o capítulo da Comunicação Social. Prova do caráter estratégico desta batalha, os cinco capítulos sobre o tema foram os últimos a serem acordados, mas ficaram com redações genéricas, dependentes de futura regulamentação.
“A Constituição de 1988 estabeleceu uma situação singular em relação à institucionalidade dos sistemas de comunicação: consolidou os privilégios dos grandes grupos instalados no país, mas também deixou lacunas que dependem da legislação ordinária, abrindo a possibilidade de profundas transformações na organização do sistema de comunicação. No entanto, a correlação de forças que assegurou esses privilégios e travou os avanços da Constituição não se alterou e permanece desfavorável. Em alguns aspectos, a situação atual é ainda mais desfavorável em decorrência da conjuntura aberta pela eleição de Collor de Mello para a Presidência”, registrou, na época, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) [11].
Se fossem aplicados, os preceitos constitucionais poderiam até coibir a concentração e evitar a desnacionalização. Mas nenhum deles foi regulamentado e, portanto, nunca foram aplicados. No reinado entreguista de FHC, uma emenda ainda adulterou a Constituição, permitindo o ingresso de multinacionais. Além disso, a Lei Geral de Telecomunicações e a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) consolidaram a separação entre os serviços de radiodifusão e de telecomunicações, garantindo a privatização do setor e inviabilizando qualquer regulação. Já o Conselho de Comunicação Social só foi instalado em 2002, mas seu funcionamento é precário.
NOTAS
10- Gustavo Gindre. “Globo: discurso nacionalista, negócios nem tanto”. Observatório da Imprensa, 21/01/06.
11- “Proposta dos jornalistas à sociedade civil”. Federação Nacional dos Jornalistas, 1991.
- Extraído do terceiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
Na prática, a desnacionalização já está em curso e relativiza o discurso nacionalista das empresas de radiodifusão, que afirmam temer as operadoras de telefonia no processo da digitalização. “A Globo negociou a venda da Net Serviços (a operadora do grupo) à Telmex, de propriedade do homem mais rico da América, o mexicano Carlos Slim Helu. Helu é dono, no Brasil, da empresa de telefonia celular Claro, da Embratel e da antiga AT&T Latin... A Telmex passa a controlar diretamente 37,5% das ações da Net Serviços e, indiretamente, através da GB, mais 24,99%. Ou seja, ainda que não tenha formalmente o controle da Net Serviços, a Telmex fica com 62,49% das ações ordinárias (com direito a voto) da Net Serviços. E a Globo apenas com 24,99%” [10].
O mesmo já ocorre em outras empresas do setor. Em julho de 2004, a Abril anunciou a venda de 13,8% de suas ações para a Capital International, gestora de fundos de investimentos dos EUA. Já em maio de 2006, ela comunicou “a sociedade com o grupo de mídia sul-africano Naspers, que passa a ter 30% do capital do grupo, adquirido por US$ 422 milhões... É o maior investimento no exterior feito pela Naspers. O negócio tem o respaldo na emenda constitucional de 2002... O acordo envolve a holding Abril S/A, integrada pela Editora Abril, as editoras Ática e Scipione e a TVA”. Vale registrar que a Naspers foi erguida durante o regime de apartheid na África do Sul; três dos seus executivos governaram o país nos períodos mais sangrentos do racismo.
A desnacionalização também atinge a publicidade. Em 1989, entre as dez maiores agências do país, somente quatro eram multinacionais. Em 2004, apenas duas delas continuavam nas mãos de empresas nacionais. Já no setor de TVs por assinatura, a invasão já está quase completa. Em maio de 2006, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra da operadora de televisão por satélite (DTH) DirecTV, da Hughes Eletronics Corporation, por outra operadora de DTH, a Sky, uma associação entre a News Corporation e a Rede Globo. Com essa fusão, o novo grupo passou a controlar 77% do mercado brasileiro de TVs pagas.
Ausência de legislação reguladora
O processo de concentração da mídia no Brasil, um dos mais vertiginosos do planeta, só vingou devido à total fragilidade da legislação sobre o setor. Desde as normas que iniciaram a regulação da radiodifusão na década de 1930 (decretos 20.047/1931 e 21.111/1932), passando pelo Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 (Lei nº. 4.137), até a Lei da TV a Cabo de 1995 (Lei nº 8.977), nunca houve barreiras à monopolização. Os “barões da mídia”, cada vez mais poderosos economicamente e influentes politicamente, sabotaram todas as medidas reguladoras. Sob o falso pretexto da “liberdade de imprensa”, eles praticaram a “liberdade dos monopólios”.
Resultado do avanço das lutas democráticas, a Constituição de 1988 até fixou normas para evitar tais distorções. O parágrafo quinto do artigo 220 fixou que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. O parágrafo segundo do artigo 221 definiu como princípio das emissoras de rádio e TV “a promoção da cultura nacional e regional e o estímulo à produção independente”. O artigo 222 determinou que “a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão é privativa de brasileiros natos ou naturalizados”. O artigo 223 fixou “o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” e o artigo 224 instituiu o Conselho de Comunicação Social para fiscalizar a aplicação destes preceitos.
A Constituinte foi palco de encarniçadas disputas. A “bancada da comunicação”, composta por concessionários de radiodifusão e formada por 146 parlamentares (26,1% dos 559 constituintes), fez de tudo para evitar mudanças no setor. No outro extremo, os movimentos sociais e partidos progressistas fincaram a bandeira da democratização da mídia. A Frente Nacional de Luta por Políticas Democráticas de Comunicação apresentou emenda popular, em 1987, com uma proposta avançada de redação para o capítulo da Comunicação Social. Prova do caráter estratégico desta batalha, os cinco capítulos sobre o tema foram os últimos a serem acordados, mas ficaram com redações genéricas, dependentes de futura regulamentação.
“A Constituição de 1988 estabeleceu uma situação singular em relação à institucionalidade dos sistemas de comunicação: consolidou os privilégios dos grandes grupos instalados no país, mas também deixou lacunas que dependem da legislação ordinária, abrindo a possibilidade de profundas transformações na organização do sistema de comunicação. No entanto, a correlação de forças que assegurou esses privilégios e travou os avanços da Constituição não se alterou e permanece desfavorável. Em alguns aspectos, a situação atual é ainda mais desfavorável em decorrência da conjuntura aberta pela eleição de Collor de Mello para a Presidência”, registrou, na época, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) [11].
Se fossem aplicados, os preceitos constitucionais poderiam até coibir a concentração e evitar a desnacionalização. Mas nenhum deles foi regulamentado e, portanto, nunca foram aplicados. No reinado entreguista de FHC, uma emenda ainda adulterou a Constituição, permitindo o ingresso de multinacionais. Além disso, a Lei Geral de Telecomunicações e a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) consolidaram a separação entre os serviços de radiodifusão e de telecomunicações, garantindo a privatização do setor e inviabilizando qualquer regulação. Já o Conselho de Comunicação Social só foi instalado em 2002, mas seu funcionamento é precário.
NOTAS
10- Gustavo Gindre. “Globo: discurso nacionalista, negócios nem tanto”. Observatório da Imprensa, 21/01/06.
11- “Proposta dos jornalistas à sociedade civil”. Federação Nacional dos Jornalistas, 1991.
- Extraído do terceiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Os latifundiários da mídia no Brasil (7)
“O sistema brasileiro de mídia, além de historicamente concentrado, é controlado por poucos grupos familiares, é vinculado às elites políticas locais e regionais, revela um avanço sem precedentes das igrejas e é hegemonizado por um único grupo, as Organizações Globo”. Venício A. de Lima, autor do livro “Mídia: crise política e poder no Brasil”
“Temos uma pequena televisão, uma das menores, talvez, da Rede Globo. E por motivos políticos. Se não fôssemos políticos, não teríamos necessidade de ter meios de comunicação”. Senador José Sarney.
O processo de concentração dos meios de comunicação no Brasil teve suas marcas distintivas e resultou numa mídia altamente elitista e impermeável, ligada às oligarquias familiares e às forças políticas de direita e que sempre usurpou das benesses públicas, numa espécie de “coronelismo eletrônico”. Desde o nascimento do primeiro jornal, o Correio Braziliense, publicado em 1808 e redigido em Londres devido à censura do império português, os veículos de comunicação foram sendo incorporados à lógica monopolista do capital, causando já em meados do século passado a extinção da “figura mítica do jornalismo”, descrita no clássico de Nelson Werneck Sodré [1].
Diferentemente da Europa, que investiu num sistema público de radiodifusão, o Brasil copiou o modelo privado dos EUA, mas sem as ressalvas legais vigentes neste país desde 1943, que coibiram os monopólios e que só foram extintas no reinado neoliberal de Bush. A ausência de legislações reguladoras e a relação promíscua com o Estado permitiram um tipo sui generis de concentração com a chamada propriedade cruzada, na qual os “donos da mídia” garantem a posse de diferentes meios – jornais, revistas, rádios, televisão, internet. No Brasil, o modelo privado e a propriedade cruzada resultaram numa mídia extremamente concentrada e historicamente antidemocrática.
De Chateaubriand a Marinho
Até meados do século passado, ainda prevalecia certa diversidade na artesanal mídia impressa do país. Levantamento do Departamento Nacional de Estatísticas, de 1931, registrou a existência de 2.959 jornais e revistas – sendo 524 no Rio Janeiro e 702 em São Paulo. Não havia veículos de expressão nacional num território de dimensões continentais. Os jornais pertenciam às pequenas empresas. No início da rádio, nos anos 1920, a pulverização também predominou. Aos poucos, aproveitando-se da ausência de normas restritivas à propriedade cruzada, alguns donos de jornais adquiriram rádios e montaram departamentos de publicidade. “Na proporção e no ritmo em que se desenvolvem as relações capitalistas, desenvolveu-se a empresa jornalística”, explica Sodré.
A ascensão dos Diários Associados marca o colapso da fase concorrencial. Assis Chateaubriand será o primeiro barão da mídia no país. Ele ingressa no setor com a compra do pequeno O Jornal do Rio de Janeiro, em 1924. Utilizando-se das brechas legais e com seus métodos agressivos da chantagem e do jornalismo denuncista, ele rapidamente prosperou. Em 1959, Chatô já era dono do maior império jornalístico da América Latina, com 40 jornais e revistas, mais de 20 estações de rádio, uma dezena de emissoras de televisão, uma agência de notícias e outra de publicidade – “além de um castelo na Normandia, nove fazendas espalhadas por quatro estados, de indústrias químicas e laboratórios farmacêuticos”, segundo balanço do Atlas da Fundação Getúlio Vargas.
A ausência de “herdeiros legítimos” e, principalmente, o golpe militar de 1964 abalaram o poder dos Diários Associados [2]. Chatô é desbancado pelas Organizações Globo, que passam a deter a total hegemonia até os dias atuais. Irineu Marinho também estreou num pequeno jornal, A Noite, fundado em 1911. A partir dos anos 20, o grupo estendeu os seus tentáculos às rádios. Mas a sua ascensão ocorre, de fato, com a criação da TV Globo, em 1965. Ela é beneficiada pela ditadura militar, que ergue toda a estrutura de telecomunicações para garantir a “segurança nacional”. O regime militar também foi cúmplice de várias negociatas do grupo, como na obscura associação com a multinacional estadunidense Time-Life, o que era proibido pela legislação em vigor [3].
A ditadura cristaliza a concentração da mídia. “O projeto de integração nacional, perseguido pelo regime militar, adquiriu materialidade nas redes de televisão e encontrou sua melhor tradução no modelo constituído pela Rede Globo. Ao longo de quase quatro décadas, enquanto expandiam-se país adentro, com a patriótica missão que lhes foi atribuída, as redes de tevê aberta forjaram um mapa do Brasil baseado nos interesses políticos e comerciais privados dos seus proprietários... O resultado foi a criação de um Brasil refém das grandes empresas da mídia, imunes a qualquer forma de controle público, comandados de forma vertical e sustentados em alianças regionais que reproduzem e amplificam idéias, concepções e valores para 170 milhões de habitantes” [4].
No mesmo período, outro grupo fincou os alicerces do seu império. Victor Civita, filho de italianos, nascido nos EUA, muda-se para o Brasil em 1949 trazendo na sua bagagem um sinistro acordo com a empresa Disney. Em 1950, ele lança as tiras do Pato Donald e logo desbanca todos os concorrentes no mercado das revistas infantis. Na sequência, ele ingressa no lucrativo negócio das fotonovelas e investe na segmentação com revistas de moda, automóveis, turismo e outras. “Fiel à sua intuição para as oportunidades inéditas, Civita decidiu que São Paulo seria sua sede. ‘Era onde estava o dinheiro’, dizia”, relata um texto bajulatório [5]. Após consolidar seu império, que inclui a maior distribuidora em bancas, o Grupo Abril lança a revista Veja em 1968.
Além destes, outros veículos se projetaram, como o jornal O Estado de S.Paulo. Criado em 1875, com o nome de Província de S.Paulo, ele é fruto “da aliança entre as elites rurais e a burguesia ascendente” e nunca escondeu seu perfil conservador [6]. O jornal do clã Mesquita será o porta-voz da elite paulista desde o fracassado levante militar da oligarquia cafeeira em 1932. A Folha, fundada em 1921 e durante décadas um jornal provinciano, só ganhará fama após o golpe militar de 64. Comprado em 1962 por Carlos Caldeira e Octávio Frias de Oliveira, metido em negócios obscuros, como a Rodoviária Júlio Prestes, na capital paulista, o grupo vai prosperar na ditadura. A Folha da Tarde será o jornal de maior tiragem do país graças ao número de tiras (policiais) na sua redação [7].
Quadro atual da monopolização
A ausência de uma legislação proibitiva da propriedade cruzada, o desrespeito à Constituição e às tímidas leis reguladoras, o respaldo da ditadura militar, as relações promiscuas com o Estado e a própria lógica monopolista do capitalismo, entre outros fatores, explicam a brutal concentração da mídia. Na década passada, nove famílias dominavam o setor: Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Saad (Bandeirantes), Bloch (Manchete), Civita (Abril), Mesquita (Estado), Frias (Folha), Levy (Gazeta) e Nascimento e Silva (Jornal do Brasil). Hoje são apenas cinco, já que as famílias Bloch, Levy e Nascimento faliram e o clã Mesquita atravessa uma grave crise financeira.
Na original classificação de Daniel Herz, fundador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), quatro “times” operam na mídia nacional. O “primeiro time” é composto pelos “cabeças-de-rede”, geradores de programação nacional, incluindo as principais emissoras de TV, a Editora Abril e os jornais Estadão e Folha. O “segundo time” inclui grupos regionais e nacionais com certo alcance, como o Jornal do Brasil e a RBS do Rio Grande do Sul. O “terceiro time” é formado por emissoras regionais afiliadas às redes nacionais de TV; já o “quarto time” inclui milhares de pequenas e frágeis empresas de comunicação [8]. Na fase recente, também despontaram algumas emissoras de origem religiosa, como a TV Record, da Igreja Universal.
As Organizações Globo, porém, ainda preservam avassaladora hegemonia no setor, como atesta o mais recente relatório do projeto “Donos da Mídia”: “São 35 grupos afiliados que controlam, ao todo, 340 veículos. Sua influência é forte não apenas no setor de TV. A relação com empresas em todos os Estados permite que o conteúdo gerado pelos 69 veículos próprios do grupo carioca seja distribuído por um sistema que inclui 33 jornais, 52 rádios AM, 76 rádios FM, 11 rádios OC, 105 emissoras de TV, 27 revistas e 17 canais e nove operadoras de TV paga. Além disso, a penetração de sua rede é reforçada por um sistema que inclui 3.305 retransmissoras” [9].
Disputando o segundo lugar entre as redes nacionais encontra-se a SBT. “A rede controlada pelo Sistema Brasileiro de Televisão, do empresário Sílvio Santos, foi criada a partir do espólio da extinta Rede Tupi, fundada por Assis Chateaubriand na década de 1950. O primeiro canal no Rio de Janeiro, chamado TVS, foi assumido pelo grupo já em 1976, mas apenas em 1981 o governo militar entregou as concessões que permitiram a formação da rede nacional. Em pouco tempo, o SBT tornou-se a segunda maior rede de TV do país, título que divide hoje com a Rede Record. O SBT possui relação com 195 veículos no Brasil, tendo 37 grupos afiliados. A distribuição da programação para todo o país é garantida por suas 1.441 retransmissoras”.
Já a Rede Record, que hoje está vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus, “entrou no ar em 1953. De lá para cá, sua história foi de altos e baixos (sucessos, crises, incêndios), mas a partir da década de 1990 a emissora inicia um processo de reformulação de sua programação. Atualmente, ela já é considerada a vice-líder em audiência em todo o país, apesar de ser a quarta em número de afiliados. Para alcançar a vice-liderança vale destacar a expansão territorial, os investimentos em produções próprias (novelas, reality shows), em esporte e em jornalismo de qualidade... São 30 grupos afiliados à Rede Record, controlando direta e indiretamente 142 veículos. O seu sinal está presente em todo o Brasil por meio de 870 retransmissoras”.
Além destas redes, o projeto “Donos da Mídia” dá destaque ao império da família Civita. “Desde sua fundação, em 1950, a Abril vem se mantendo como a primeira empresa do mercado editorial do Brasil. O grupo emprega hoje 7.440 pessoas e é composto pelas seguintes empresas: Editora Abril (revistas), Abril Digital, MTV, FIZ TV e Canal Ideal (TVs segmentadas), TVA (parceria estratégica com a Telefônica), além das Editoras Ática e Scipione... Sete das dez revistas mais lidas no país são da Abril, sendo a Veja a quarta maior revista semanal de informação do mundo e a maior fora dos Estados Unidos. A Abril também detém a liderança do mercado brasileiro de livros escolares”, além de monopolizar o sistema de distribuição das publicações em bancas.
NOTAS
1- Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Editora Maud, RJ, 2007, 4ª edição.
2- Ana Maria Laurenza. “Batalhas em letra de forma: Chatô, Wainer e Lacerda”. História da imprensa no Brasil. Ana Luiza Martins e Tânia de Luca (orgs.). Editora Contexto, SP, 2008.
3- Valério Brittos e César Bolãno (orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. Editora Paulus, SP, 2005.
4- “Quem são os donos”. Relatório do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação. Revista Carta Capital, 06/03/02.
5- Thomaz Souto Corrêa. “A era das revistas de consumo”. História da Imprensa no Brasil, 2008.
6- Maria de Lourdes Eleutério. “Imprensa a serviço do progresso”. História da Imprensa no Brasil, 2008.
7- Beatriz Kushnir. Cães de guarda – Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. Boitempo Editorial, São Paulo, 2004.
8- Luiz Egypto. “Quem são os donos da mídia no Brasil”. Observatório da Imprensa, 24/04/02.
9- O projeto “donos da mídia” monitora do setor e foi idealizado pelo jornalista Daniel Herz. As informações são sempre atualizadas. Consultar o endereço: www.donosdamidia.com.br
- Extraído do terceiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
“Temos uma pequena televisão, uma das menores, talvez, da Rede Globo. E por motivos políticos. Se não fôssemos políticos, não teríamos necessidade de ter meios de comunicação”. Senador José Sarney.
O processo de concentração dos meios de comunicação no Brasil teve suas marcas distintivas e resultou numa mídia altamente elitista e impermeável, ligada às oligarquias familiares e às forças políticas de direita e que sempre usurpou das benesses públicas, numa espécie de “coronelismo eletrônico”. Desde o nascimento do primeiro jornal, o Correio Braziliense, publicado em 1808 e redigido em Londres devido à censura do império português, os veículos de comunicação foram sendo incorporados à lógica monopolista do capital, causando já em meados do século passado a extinção da “figura mítica do jornalismo”, descrita no clássico de Nelson Werneck Sodré [1].
Diferentemente da Europa, que investiu num sistema público de radiodifusão, o Brasil copiou o modelo privado dos EUA, mas sem as ressalvas legais vigentes neste país desde 1943, que coibiram os monopólios e que só foram extintas no reinado neoliberal de Bush. A ausência de legislações reguladoras e a relação promíscua com o Estado permitiram um tipo sui generis de concentração com a chamada propriedade cruzada, na qual os “donos da mídia” garantem a posse de diferentes meios – jornais, revistas, rádios, televisão, internet. No Brasil, o modelo privado e a propriedade cruzada resultaram numa mídia extremamente concentrada e historicamente antidemocrática.
De Chateaubriand a Marinho
Até meados do século passado, ainda prevalecia certa diversidade na artesanal mídia impressa do país. Levantamento do Departamento Nacional de Estatísticas, de 1931, registrou a existência de 2.959 jornais e revistas – sendo 524 no Rio Janeiro e 702 em São Paulo. Não havia veículos de expressão nacional num território de dimensões continentais. Os jornais pertenciam às pequenas empresas. No início da rádio, nos anos 1920, a pulverização também predominou. Aos poucos, aproveitando-se da ausência de normas restritivas à propriedade cruzada, alguns donos de jornais adquiriram rádios e montaram departamentos de publicidade. “Na proporção e no ritmo em que se desenvolvem as relações capitalistas, desenvolveu-se a empresa jornalística”, explica Sodré.
A ascensão dos Diários Associados marca o colapso da fase concorrencial. Assis Chateaubriand será o primeiro barão da mídia no país. Ele ingressa no setor com a compra do pequeno O Jornal do Rio de Janeiro, em 1924. Utilizando-se das brechas legais e com seus métodos agressivos da chantagem e do jornalismo denuncista, ele rapidamente prosperou. Em 1959, Chatô já era dono do maior império jornalístico da América Latina, com 40 jornais e revistas, mais de 20 estações de rádio, uma dezena de emissoras de televisão, uma agência de notícias e outra de publicidade – “além de um castelo na Normandia, nove fazendas espalhadas por quatro estados, de indústrias químicas e laboratórios farmacêuticos”, segundo balanço do Atlas da Fundação Getúlio Vargas.
A ausência de “herdeiros legítimos” e, principalmente, o golpe militar de 1964 abalaram o poder dos Diários Associados [2]. Chatô é desbancado pelas Organizações Globo, que passam a deter a total hegemonia até os dias atuais. Irineu Marinho também estreou num pequeno jornal, A Noite, fundado em 1911. A partir dos anos 20, o grupo estendeu os seus tentáculos às rádios. Mas a sua ascensão ocorre, de fato, com a criação da TV Globo, em 1965. Ela é beneficiada pela ditadura militar, que ergue toda a estrutura de telecomunicações para garantir a “segurança nacional”. O regime militar também foi cúmplice de várias negociatas do grupo, como na obscura associação com a multinacional estadunidense Time-Life, o que era proibido pela legislação em vigor [3].
A ditadura cristaliza a concentração da mídia. “O projeto de integração nacional, perseguido pelo regime militar, adquiriu materialidade nas redes de televisão e encontrou sua melhor tradução no modelo constituído pela Rede Globo. Ao longo de quase quatro décadas, enquanto expandiam-se país adentro, com a patriótica missão que lhes foi atribuída, as redes de tevê aberta forjaram um mapa do Brasil baseado nos interesses políticos e comerciais privados dos seus proprietários... O resultado foi a criação de um Brasil refém das grandes empresas da mídia, imunes a qualquer forma de controle público, comandados de forma vertical e sustentados em alianças regionais que reproduzem e amplificam idéias, concepções e valores para 170 milhões de habitantes” [4].
No mesmo período, outro grupo fincou os alicerces do seu império. Victor Civita, filho de italianos, nascido nos EUA, muda-se para o Brasil em 1949 trazendo na sua bagagem um sinistro acordo com a empresa Disney. Em 1950, ele lança as tiras do Pato Donald e logo desbanca todos os concorrentes no mercado das revistas infantis. Na sequência, ele ingressa no lucrativo negócio das fotonovelas e investe na segmentação com revistas de moda, automóveis, turismo e outras. “Fiel à sua intuição para as oportunidades inéditas, Civita decidiu que São Paulo seria sua sede. ‘Era onde estava o dinheiro’, dizia”, relata um texto bajulatório [5]. Após consolidar seu império, que inclui a maior distribuidora em bancas, o Grupo Abril lança a revista Veja em 1968.
Além destes, outros veículos se projetaram, como o jornal O Estado de S.Paulo. Criado em 1875, com o nome de Província de S.Paulo, ele é fruto “da aliança entre as elites rurais e a burguesia ascendente” e nunca escondeu seu perfil conservador [6]. O jornal do clã Mesquita será o porta-voz da elite paulista desde o fracassado levante militar da oligarquia cafeeira em 1932. A Folha, fundada em 1921 e durante décadas um jornal provinciano, só ganhará fama após o golpe militar de 64. Comprado em 1962 por Carlos Caldeira e Octávio Frias de Oliveira, metido em negócios obscuros, como a Rodoviária Júlio Prestes, na capital paulista, o grupo vai prosperar na ditadura. A Folha da Tarde será o jornal de maior tiragem do país graças ao número de tiras (policiais) na sua redação [7].
Quadro atual da monopolização
A ausência de uma legislação proibitiva da propriedade cruzada, o desrespeito à Constituição e às tímidas leis reguladoras, o respaldo da ditadura militar, as relações promiscuas com o Estado e a própria lógica monopolista do capitalismo, entre outros fatores, explicam a brutal concentração da mídia. Na década passada, nove famílias dominavam o setor: Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Saad (Bandeirantes), Bloch (Manchete), Civita (Abril), Mesquita (Estado), Frias (Folha), Levy (Gazeta) e Nascimento e Silva (Jornal do Brasil). Hoje são apenas cinco, já que as famílias Bloch, Levy e Nascimento faliram e o clã Mesquita atravessa uma grave crise financeira.
Na original classificação de Daniel Herz, fundador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), quatro “times” operam na mídia nacional. O “primeiro time” é composto pelos “cabeças-de-rede”, geradores de programação nacional, incluindo as principais emissoras de TV, a Editora Abril e os jornais Estadão e Folha. O “segundo time” inclui grupos regionais e nacionais com certo alcance, como o Jornal do Brasil e a RBS do Rio Grande do Sul. O “terceiro time” é formado por emissoras regionais afiliadas às redes nacionais de TV; já o “quarto time” inclui milhares de pequenas e frágeis empresas de comunicação [8]. Na fase recente, também despontaram algumas emissoras de origem religiosa, como a TV Record, da Igreja Universal.
As Organizações Globo, porém, ainda preservam avassaladora hegemonia no setor, como atesta o mais recente relatório do projeto “Donos da Mídia”: “São 35 grupos afiliados que controlam, ao todo, 340 veículos. Sua influência é forte não apenas no setor de TV. A relação com empresas em todos os Estados permite que o conteúdo gerado pelos 69 veículos próprios do grupo carioca seja distribuído por um sistema que inclui 33 jornais, 52 rádios AM, 76 rádios FM, 11 rádios OC, 105 emissoras de TV, 27 revistas e 17 canais e nove operadoras de TV paga. Além disso, a penetração de sua rede é reforçada por um sistema que inclui 3.305 retransmissoras” [9].
Disputando o segundo lugar entre as redes nacionais encontra-se a SBT. “A rede controlada pelo Sistema Brasileiro de Televisão, do empresário Sílvio Santos, foi criada a partir do espólio da extinta Rede Tupi, fundada por Assis Chateaubriand na década de 1950. O primeiro canal no Rio de Janeiro, chamado TVS, foi assumido pelo grupo já em 1976, mas apenas em 1981 o governo militar entregou as concessões que permitiram a formação da rede nacional. Em pouco tempo, o SBT tornou-se a segunda maior rede de TV do país, título que divide hoje com a Rede Record. O SBT possui relação com 195 veículos no Brasil, tendo 37 grupos afiliados. A distribuição da programação para todo o país é garantida por suas 1.441 retransmissoras”.
Já a Rede Record, que hoje está vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus, “entrou no ar em 1953. De lá para cá, sua história foi de altos e baixos (sucessos, crises, incêndios), mas a partir da década de 1990 a emissora inicia um processo de reformulação de sua programação. Atualmente, ela já é considerada a vice-líder em audiência em todo o país, apesar de ser a quarta em número de afiliados. Para alcançar a vice-liderança vale destacar a expansão territorial, os investimentos em produções próprias (novelas, reality shows), em esporte e em jornalismo de qualidade... São 30 grupos afiliados à Rede Record, controlando direta e indiretamente 142 veículos. O seu sinal está presente em todo o Brasil por meio de 870 retransmissoras”.
Além destas redes, o projeto “Donos da Mídia” dá destaque ao império da família Civita. “Desde sua fundação, em 1950, a Abril vem se mantendo como a primeira empresa do mercado editorial do Brasil. O grupo emprega hoje 7.440 pessoas e é composto pelas seguintes empresas: Editora Abril (revistas), Abril Digital, MTV, FIZ TV e Canal Ideal (TVs segmentadas), TVA (parceria estratégica com a Telefônica), além das Editoras Ática e Scipione... Sete das dez revistas mais lidas no país são da Abril, sendo a Veja a quarta maior revista semanal de informação do mundo e a maior fora dos Estados Unidos. A Abril também detém a liderança do mercado brasileiro de livros escolares”, além de monopolizar o sistema de distribuição das publicações em bancas.
NOTAS
1- Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Editora Maud, RJ, 2007, 4ª edição.
2- Ana Maria Laurenza. “Batalhas em letra de forma: Chatô, Wainer e Lacerda”. História da imprensa no Brasil. Ana Luiza Martins e Tânia de Luca (orgs.). Editora Contexto, SP, 2008.
3- Valério Brittos e César Bolãno (orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. Editora Paulus, SP, 2005.
4- “Quem são os donos”. Relatório do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação. Revista Carta Capital, 06/03/02.
5- Thomaz Souto Corrêa. “A era das revistas de consumo”. História da Imprensa no Brasil, 2008.
6- Maria de Lourdes Eleutério. “Imprensa a serviço do progresso”. História da Imprensa no Brasil, 2008.
7- Beatriz Kushnir. Cães de guarda – Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. Boitempo Editorial, São Paulo, 2004.
8- Luiz Egypto. “Quem são os donos da mídia no Brasil”. Observatório da Imprensa, 24/04/02.
9- O projeto “donos da mídia” monitora do setor e foi idealizado pelo jornalista Daniel Herz. As informações são sempre atualizadas. Consultar o endereço: www.donosdamidia.com.br
- Extraído do terceiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
domingo, 24 de janeiro de 2010
Guerrilha midiática na América Latina (6)
Com a fadiga neoliberal e aguçamento da luta de classes na América Latina, que desembocou na vitória de governantes progressistas, este papel concentrado e manipulador da mídia hegemônica passou a ser alvo de mais atenção das forças políticas e sociais de esquerda. Hoje há consenso de que não é possível avançar nas lutas emancipadoras sem investir no fortalecimento dos veículos próprios dos movimentos sociais e sem enfrentar a ditadura midiática. O sindicalismo brasileiro, por exemplo, produz mensalmente cerca de 10 milhões de exemplares de jornais e boletins [24]. As rádios comunitárias se multiplicaram na Venezuela, Equador e Bolívia e já ocupam um papel protagonista na mobilização, conscientização e organização dos setores populares.
A internet também possibilitou a criação de milhares de sítios e blogs progressistas que realizam a guerrilha informativa contra-hegemônica e já incomodam os barões da mídia. Em vários países do continente, jornalistas críticos, intelectuais engajados, estudantes e comunicadores populares hoje militam em entidades que priorizam a luta pela democratização dos meios de comunicação. As articulações contra a ditadura midiática, inclusive, já adquirem caráter regional. Em março de 2008, o 1º Encontro Latino-Americano contra o Terrorismo Midiático reuniu lutadores sociais de 14 países em Caracas. O documento final, além das duras críticas à mídia hegemônica, apresenta propostas para fortalecer os veículos alternativos e integração regional na área da comunicação.
“O terrorismo midiático somente poderá ser confrontado com o desenvolvimento de políticas públicas de comunicação. Se cada vez mais se constata a impossibilidade de recuperar, civilizar ou humanizar os meios privados prisioneiros da lógica do mercado, um esforço redobrado deve ser dirigido para construir o nosso sistema público de comunicação, tal como já está se fazendo na Venezuela, Brasil, Bolívia e Nicarágua. Partindo do raciocínio de Karl Marx, segundo o qual ‘a primeira liberdade de imprensa é não se tornar um negócio’, concluímos que somente meios comunitários livres da lógica capitalista poderão fazer uma comunicação libertária, humanista e solidária, e permitirão outro jornalismo, construtor da unidade latino-americana”, defendeu no encontro o jornalista brasileiro Beto Almeida, membro do conselho diretivo da Telesur [25].
Os avanços na construção dos veículos alternativos e das redes públicas são sensíveis nos países da região. Na Venezuela, após o traumático o “golpe midiático” de 2002, houve uma explosão de rádios e TVs comunitárias, de jornais e de sítios na internet. Esta comunicação popular é uma das bases de sustentação da revolução bolivariana [26]. Segundo o mais recente balanço, existem no país 167 rádios e 26 TVs comunitárias; a área de cobertura destes 193 veículos é de 116 das 335 cidades venezuelanas. “A população com acesso a estes meios é de 11,9 milhões de habitantes (46% do total)... Atualmente, também se editam 164 jornais e 117 meios digitais. Estudiosos têm qualificado esta proliferação de veículos populares na Venezuela de fenômeno inédito” [27].
Na Bolívia, além da explosão das rádios e TVs comunitárias, como a rede Erbol, ligada à igreja progressista, o governo iniciou em janeiro de 2009 a publicação do jornal Cambio, que se soma à rádio Pátria Nueva e ao Canal 7 de TV. “Agressões, humilhações e mentiras de alguns meios de comunicação nos obrigaram a criar este diário”, justificou Evo Morales no ato de lançamento do periódico [28]. Neste sofrido país, a mídia é controlada por latifundiários e pelo grupo espanhol Prisa, que dirige o segundo maior jornal e a emissora ATB, “a mais abertamente de oposição ao governo” [29]. No Equador, também ocorre a proliferação de rádios comunitárias, em especial nas comunidades indígenas, e o governo iniciou a construçao da sua rede pública [30].
Na Nicarágua, os jornais alternativos já concorrem com os jornalões tradicionais ligados à direita anti-sandinista, apesar das deficiências editoriais [31]. No Paraguai, o presidente Fernando Lugo inaugurou em janeiro de 2009 a primeira agência de notícias do governo, afirmando que nela “os únicos ausentes serão a propaganda simulada e a manipulação midiática para fins sectários, que envenenam o exercício jornalístico”. O diretor da nova agência é Osmar Sostoa, ex-dirigente do Sindicato dos Jornalistas do Paraguai [32]. Já na Argentina, que teve o primeiro boom de rádios comunitárias em meados dos anos 1980, após o fim da ditadura militar, agora vive nova fase de florescimento, com cerca de 500 emissoras “criadas por organizações populares, escolas, grupos temáticos, associações de trabalhadores, movimentos camponeses e indígenas” [33].
Os maiores obstáculos ao avanço dos meios contra-hegemônicos ocorrem exatamente nos países governados por representantes do neoliberalismo, aliados de Washington. No México, em 2006, o parlamento aprovou a Lei de Rádio e Televisão, batizada de Lei Televisa em referência a maior rede de TV privada da América Latina. Ela tornava quase automática a renovação de concessões, ampliava sua validade para 20 anos e proibia “povos indígenas de adquirir, operar e administrar estações de rádio e televisão”. A lei foi aprovada nas vésperas da vitória fraudulenta de Felipe Calderon, com base em chantagem e suspeitas de corrupção [34]. Pouco depois, a Suprema Corte vetou os principais artigos desta vergonhosa lei [35]. Já na Colômbia, impera o terrorismo de Estado, com o assassinato de jornalistas e o desrespeito à verdadeira liberdade de expressão.
Redes públicas e mudanças legais
A realidade mostra que o novo ciclo político aberto na América Latina – com a eleição de vários governantes progressistas, com seus ritmos e visões diferenciadas, com posturas mais ousadas ou moderadas – tem impulsionado a luta pela democratização da comunicação e o florescimento dos meios alternativos. Os reflexos já começam a ser sentidos no reforço das redes pública e estatal e nas próprias legislações sobre o setor, apavorando os donos da mídia. Num livro recém-lançado, indispensável para se entender este novo quadro, o professor Dênis de Moraes faz um minucioso levantamento sobre as mudanças na área nos últimos anos [36]. Os avanços são surpreendentes.
Há um acelerado reforço das redes públicas e estatais de comunicação. A pesquisa confirma que a Venezuela é o país que mais avançou neste setor estratégico. “Chávez criou o mais abrangente esquema de comunicação estatal da região. Pela variedade de órgãos vinculados pode-se medir o volume dos investimentos: quatro canais televisivos (Vive TV, Venezolana de Televisíon-VTV, Ávila TV e Asamblea Nacional), duas cadeias radiofônicas (Nacional e Mundial AM), Agencia Venezolana de Noticias, Imprensa Nacional, Fundación Vicente Emilio Sojo (Instituto de Musicología) e Centro Nacional de Tecnologías de Información”. O governo também firmou um convênio com a China para o lançamento do satélite Simon Bolívar, em 29 de outubro de 2008, “que passou a transmitir os sinais das emissoras públicas e comunitárias venezuelanas”.
O sistema de comunicação da Bolívia também passa por rápidas transformações. Ele inclui hoje a Agência Boliviana de Informação, a cadeia radiofônica Patria Nueva e a televisão estatal Canal 7. No Equador, Rafael Correa obteve apoio do Banco de Desenvolvimento Econômico-Social da Venezuela para implantar o canal Ecuador TV, inaugurado em dezembro de 2007. “É a primeira emissora estatal da história do país”, enfatiza o autor. Já na Argentina, o governo Kirchner aumentou o orçamento do Sistema Nacional de Meios Públicos, que congrega a Rádio Nacional, com quatro emissoras AM e FM, a Agência Telam, o Canal 7 e o Canal Encuentro – que está no ar desde maio de 2007, produz 40% do que veicula e conquistou bons índices de audiência.
Dênis de Moraes também destaca os avanços na cooperação informativa na América Latina. A criação da Telesur, em 2005, com o slogan “Nosso Norte é o Sul”, representou expressivo passo nesta integração. A rede, sediada em Caracas, é financiada pelos governos da Venezuela (51% das cotas), Cuba, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador e Nicarágua. Em setembro de 2008, o presidente Fernando Lugo assinou a adesão do Paraguai. Mais de 80% da sua programação têm conteúdo informativo; os 20% restantes são ocupados por filmes e documentários independentes produzidos na região. Também aumentaram as permutas de notícias e imagens entre as agências oficiais da Venezuela, Argentina, Bolívia, Brasil e Telesur, o mesmo ocorrendo nas televisões.
Além da criação e fortalecimento das redes públicas, os países da região têm mudado os marcos regulatórios, enfrentando o poder concentrado da mídia privada. “O Equador é um dos países que mais avançou em termos de legislação antimonopólica. Na visão de Rafael Correa, leis severas devem impedir a ‘relação incestuosa’ entre meios de comunicação e poder econômico”. A nova Constituição, aprovada em agosto de 2008, define que os cidadãos têm o direito “à comunicação livre, equitativa, diversificada e includente”. Também determina que “o Estado deve garantir a concessão, através de métodos transparentes e em igualdade de condições, das freqüências do espectro radioelétrico, para a gestao das estações de rádio e televisão públicas, privadas e comunitárias”. Ela fixa que o controle social da imprensa será feito por ouvidorias públicas.
Na Venezuela, a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, a Lei Resorte, aprovada em dezembro de 2004, estabelece direitos e deveres das empresas concessionárias e do governo; institiu a classificação indicativa de programas; tipifica abusos da liberdade de expressão, proíbe a censura previa; protege a privacidade dos cidadãos e a honra das autoridades; e impõe sanções às violações cometidas. Em maio de 2008, o governo criou os primeiros comitês de usuários para acompanhamento dos canais sob concessão pública. “O objetivo é estimular a visão crítica dos ouvintes e telespectadores, em uma avaliação sistematizada dos conteúdos oferecidos”.
Na Bolívia, a Constituição aprovada em dezembro de 2007 assegura a liberdade de expressão e o direito à comunicação a todos os cidadãos, proíbe monopólios e exige que os veículos respeitem a pluralidade de idéias. O capítulo 7, que trata da comunicação social, prevê a universalização do acesso à informação, inclusive para as comunidades indígenas, e garante o direito à comunicação comunitária. Na Nicarágua, Daniel Ortega sancionou lei que amplia a “comunicação coletiva”. Na Argentina, Cristina Kirchner enviou um projeto de comunicação audiovisual que revoluciona o setor. Um dos artigos determina que “33% das licenças de TV e rádio serão para organizações sem fins lucrativos. Poderão ser licenciados cooperativas, igrejas, fundações e sindicatos”.
Caso surpreendente dos avanços no continente ocorre no Uruguai, com a aprovação de várias leis visando democratizar o acesso à informação e à cultura, como a Lei do Cinema e Audiovisual, de maio de 2008. Já a Lei de Radiodifusão Comunitária, sacionada pelo presidente Tabaré Vázquez em dezembro de 2007, “é considerada uma das mais avançadas do mundo”. O texto enquadra a rádio comunitária como terceiro setor, complementar às rádios privadas e estatais, e reserva-lhe um terço das freqüências disponíveis em AM e FM. Dênis de Moraes registra outras importantes conquistas legais na radiodifusão comunitária na Bolívia, Equador, Venezuela e até mesmo no Chile, onde a presidente Michelle Bachelet adota medidas ambíguas na área da comunicação.
O vibrante livro “A batalha da mídia” confirma, com farta documentação, os históricos avanços neste setor estratégico. “É precipitado asseverar que o atual horizonte de mudanças na América Latina levará a alterações definitivas nos sistemas de comunicação e cultura, até porque o destino dos projetos políticos e econômicos no continente ainda é incerto. Contudo, pela primeira vez na região, divisa-se um elenco de promissoras ações governamentais. As providências indicam ser perfeitamente possível assumir uma direção democratizadora e antimonopólica, a partir de interferências do poder público eleito pelo voto popular”, conclui Dênis de Moraes.
NOTAS
24- João Franzin. Imprensa sindical: comunicação que organiza. Editora Agência Sindical, SP, 2007.
25- Beto Almeida. “Fortalecer el campo público de la comunicación para combatir el terrorismo mediático”. Caracas, 2008.
26- Mônica Simioni. “Comunicação e disputa hegemônica na Venezuela no pós-golpe de abril de 2002”. Tese de mestrado em ciência política apresentada na PUC-SP, em 2007.
27- Yuri Pimentel. “Hay que construir um nuevo orden socialista mundial de la comunicación y la información”. Telesur, 27/05/07.
28- “Comienza a circular em Bolivia el periódico estatal Cambio”. Prensa Latina, 23/01/09.
29- Ricardo Bajo e Pascual Serrano. “Bolívia: quién controla los médios de comunicación?”. Le Monde Diplomatique, 06/01/09.
30- Eduardo Tamayo. “Ecuador: Medios públicos em etapa de construcción”. Alainet, 14/12/08.
31- Karla Jacobs. “Los medios corporativos em Nicaragua y sus contrapartidas del FSLN”. Rebelión, 16/01/09.
32- Oscar Serrat. “El presidente Lugo inauguró la primera agencia paraguaya de noticias”. Rebelión, 21/01/2209.
33- Dafne Sabanes. “Argentina: convergencia tecnologica y participación popular”. Alainet, 13/06/07.
34- Nildo Ouriques. “Hugo Chávez e a ‘liberdade de imprensa’”.
35- Raul Juste Lores. “Justiça do México derruba ‘Lei Televisa’”. Folha de S.Paulo, 07/07/09.
36- Dênis de Moraes. A batalha da mídia. Governos progressistas e políticas de comunicação na América Latina e outros ensaios. Editora Pão e Rosas, RJ, 2009.
- Extraído do segundo capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço – livro@vermelho.org.br
A internet também possibilitou a criação de milhares de sítios e blogs progressistas que realizam a guerrilha informativa contra-hegemônica e já incomodam os barões da mídia. Em vários países do continente, jornalistas críticos, intelectuais engajados, estudantes e comunicadores populares hoje militam em entidades que priorizam a luta pela democratização dos meios de comunicação. As articulações contra a ditadura midiática, inclusive, já adquirem caráter regional. Em março de 2008, o 1º Encontro Latino-Americano contra o Terrorismo Midiático reuniu lutadores sociais de 14 países em Caracas. O documento final, além das duras críticas à mídia hegemônica, apresenta propostas para fortalecer os veículos alternativos e integração regional na área da comunicação.
“O terrorismo midiático somente poderá ser confrontado com o desenvolvimento de políticas públicas de comunicação. Se cada vez mais se constata a impossibilidade de recuperar, civilizar ou humanizar os meios privados prisioneiros da lógica do mercado, um esforço redobrado deve ser dirigido para construir o nosso sistema público de comunicação, tal como já está se fazendo na Venezuela, Brasil, Bolívia e Nicarágua. Partindo do raciocínio de Karl Marx, segundo o qual ‘a primeira liberdade de imprensa é não se tornar um negócio’, concluímos que somente meios comunitários livres da lógica capitalista poderão fazer uma comunicação libertária, humanista e solidária, e permitirão outro jornalismo, construtor da unidade latino-americana”, defendeu no encontro o jornalista brasileiro Beto Almeida, membro do conselho diretivo da Telesur [25].
Os avanços na construção dos veículos alternativos e das redes públicas são sensíveis nos países da região. Na Venezuela, após o traumático o “golpe midiático” de 2002, houve uma explosão de rádios e TVs comunitárias, de jornais e de sítios na internet. Esta comunicação popular é uma das bases de sustentação da revolução bolivariana [26]. Segundo o mais recente balanço, existem no país 167 rádios e 26 TVs comunitárias; a área de cobertura destes 193 veículos é de 116 das 335 cidades venezuelanas. “A população com acesso a estes meios é de 11,9 milhões de habitantes (46% do total)... Atualmente, também se editam 164 jornais e 117 meios digitais. Estudiosos têm qualificado esta proliferação de veículos populares na Venezuela de fenômeno inédito” [27].
Na Bolívia, além da explosão das rádios e TVs comunitárias, como a rede Erbol, ligada à igreja progressista, o governo iniciou em janeiro de 2009 a publicação do jornal Cambio, que se soma à rádio Pátria Nueva e ao Canal 7 de TV. “Agressões, humilhações e mentiras de alguns meios de comunicação nos obrigaram a criar este diário”, justificou Evo Morales no ato de lançamento do periódico [28]. Neste sofrido país, a mídia é controlada por latifundiários e pelo grupo espanhol Prisa, que dirige o segundo maior jornal e a emissora ATB, “a mais abertamente de oposição ao governo” [29]. No Equador, também ocorre a proliferação de rádios comunitárias, em especial nas comunidades indígenas, e o governo iniciou a construçao da sua rede pública [30].
Na Nicarágua, os jornais alternativos já concorrem com os jornalões tradicionais ligados à direita anti-sandinista, apesar das deficiências editoriais [31]. No Paraguai, o presidente Fernando Lugo inaugurou em janeiro de 2009 a primeira agência de notícias do governo, afirmando que nela “os únicos ausentes serão a propaganda simulada e a manipulação midiática para fins sectários, que envenenam o exercício jornalístico”. O diretor da nova agência é Osmar Sostoa, ex-dirigente do Sindicato dos Jornalistas do Paraguai [32]. Já na Argentina, que teve o primeiro boom de rádios comunitárias em meados dos anos 1980, após o fim da ditadura militar, agora vive nova fase de florescimento, com cerca de 500 emissoras “criadas por organizações populares, escolas, grupos temáticos, associações de trabalhadores, movimentos camponeses e indígenas” [33].
Os maiores obstáculos ao avanço dos meios contra-hegemônicos ocorrem exatamente nos países governados por representantes do neoliberalismo, aliados de Washington. No México, em 2006, o parlamento aprovou a Lei de Rádio e Televisão, batizada de Lei Televisa em referência a maior rede de TV privada da América Latina. Ela tornava quase automática a renovação de concessões, ampliava sua validade para 20 anos e proibia “povos indígenas de adquirir, operar e administrar estações de rádio e televisão”. A lei foi aprovada nas vésperas da vitória fraudulenta de Felipe Calderon, com base em chantagem e suspeitas de corrupção [34]. Pouco depois, a Suprema Corte vetou os principais artigos desta vergonhosa lei [35]. Já na Colômbia, impera o terrorismo de Estado, com o assassinato de jornalistas e o desrespeito à verdadeira liberdade de expressão.
Redes públicas e mudanças legais
A realidade mostra que o novo ciclo político aberto na América Latina – com a eleição de vários governantes progressistas, com seus ritmos e visões diferenciadas, com posturas mais ousadas ou moderadas – tem impulsionado a luta pela democratização da comunicação e o florescimento dos meios alternativos. Os reflexos já começam a ser sentidos no reforço das redes pública e estatal e nas próprias legislações sobre o setor, apavorando os donos da mídia. Num livro recém-lançado, indispensável para se entender este novo quadro, o professor Dênis de Moraes faz um minucioso levantamento sobre as mudanças na área nos últimos anos [36]. Os avanços são surpreendentes.
Há um acelerado reforço das redes públicas e estatais de comunicação. A pesquisa confirma que a Venezuela é o país que mais avançou neste setor estratégico. “Chávez criou o mais abrangente esquema de comunicação estatal da região. Pela variedade de órgãos vinculados pode-se medir o volume dos investimentos: quatro canais televisivos (Vive TV, Venezolana de Televisíon-VTV, Ávila TV e Asamblea Nacional), duas cadeias radiofônicas (Nacional e Mundial AM), Agencia Venezolana de Noticias, Imprensa Nacional, Fundación Vicente Emilio Sojo (Instituto de Musicología) e Centro Nacional de Tecnologías de Información”. O governo também firmou um convênio com a China para o lançamento do satélite Simon Bolívar, em 29 de outubro de 2008, “que passou a transmitir os sinais das emissoras públicas e comunitárias venezuelanas”.
O sistema de comunicação da Bolívia também passa por rápidas transformações. Ele inclui hoje a Agência Boliviana de Informação, a cadeia radiofônica Patria Nueva e a televisão estatal Canal 7. No Equador, Rafael Correa obteve apoio do Banco de Desenvolvimento Econômico-Social da Venezuela para implantar o canal Ecuador TV, inaugurado em dezembro de 2007. “É a primeira emissora estatal da história do país”, enfatiza o autor. Já na Argentina, o governo Kirchner aumentou o orçamento do Sistema Nacional de Meios Públicos, que congrega a Rádio Nacional, com quatro emissoras AM e FM, a Agência Telam, o Canal 7 e o Canal Encuentro – que está no ar desde maio de 2007, produz 40% do que veicula e conquistou bons índices de audiência.
Dênis de Moraes também destaca os avanços na cooperação informativa na América Latina. A criação da Telesur, em 2005, com o slogan “Nosso Norte é o Sul”, representou expressivo passo nesta integração. A rede, sediada em Caracas, é financiada pelos governos da Venezuela (51% das cotas), Cuba, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador e Nicarágua. Em setembro de 2008, o presidente Fernando Lugo assinou a adesão do Paraguai. Mais de 80% da sua programação têm conteúdo informativo; os 20% restantes são ocupados por filmes e documentários independentes produzidos na região. Também aumentaram as permutas de notícias e imagens entre as agências oficiais da Venezuela, Argentina, Bolívia, Brasil e Telesur, o mesmo ocorrendo nas televisões.
Além da criação e fortalecimento das redes públicas, os países da região têm mudado os marcos regulatórios, enfrentando o poder concentrado da mídia privada. “O Equador é um dos países que mais avançou em termos de legislação antimonopólica. Na visão de Rafael Correa, leis severas devem impedir a ‘relação incestuosa’ entre meios de comunicação e poder econômico”. A nova Constituição, aprovada em agosto de 2008, define que os cidadãos têm o direito “à comunicação livre, equitativa, diversificada e includente”. Também determina que “o Estado deve garantir a concessão, através de métodos transparentes e em igualdade de condições, das freqüências do espectro radioelétrico, para a gestao das estações de rádio e televisão públicas, privadas e comunitárias”. Ela fixa que o controle social da imprensa será feito por ouvidorias públicas.
Na Venezuela, a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, a Lei Resorte, aprovada em dezembro de 2004, estabelece direitos e deveres das empresas concessionárias e do governo; institiu a classificação indicativa de programas; tipifica abusos da liberdade de expressão, proíbe a censura previa; protege a privacidade dos cidadãos e a honra das autoridades; e impõe sanções às violações cometidas. Em maio de 2008, o governo criou os primeiros comitês de usuários para acompanhamento dos canais sob concessão pública. “O objetivo é estimular a visão crítica dos ouvintes e telespectadores, em uma avaliação sistematizada dos conteúdos oferecidos”.
Na Bolívia, a Constituição aprovada em dezembro de 2007 assegura a liberdade de expressão e o direito à comunicação a todos os cidadãos, proíbe monopólios e exige que os veículos respeitem a pluralidade de idéias. O capítulo 7, que trata da comunicação social, prevê a universalização do acesso à informação, inclusive para as comunidades indígenas, e garante o direito à comunicação comunitária. Na Nicarágua, Daniel Ortega sancionou lei que amplia a “comunicação coletiva”. Na Argentina, Cristina Kirchner enviou um projeto de comunicação audiovisual que revoluciona o setor. Um dos artigos determina que “33% das licenças de TV e rádio serão para organizações sem fins lucrativos. Poderão ser licenciados cooperativas, igrejas, fundações e sindicatos”.
Caso surpreendente dos avanços no continente ocorre no Uruguai, com a aprovação de várias leis visando democratizar o acesso à informação e à cultura, como a Lei do Cinema e Audiovisual, de maio de 2008. Já a Lei de Radiodifusão Comunitária, sacionada pelo presidente Tabaré Vázquez em dezembro de 2007, “é considerada uma das mais avançadas do mundo”. O texto enquadra a rádio comunitária como terceiro setor, complementar às rádios privadas e estatais, e reserva-lhe um terço das freqüências disponíveis em AM e FM. Dênis de Moraes registra outras importantes conquistas legais na radiodifusão comunitária na Bolívia, Equador, Venezuela e até mesmo no Chile, onde a presidente Michelle Bachelet adota medidas ambíguas na área da comunicação.
O vibrante livro “A batalha da mídia” confirma, com farta documentação, os históricos avanços neste setor estratégico. “É precipitado asseverar que o atual horizonte de mudanças na América Latina levará a alterações definitivas nos sistemas de comunicação e cultura, até porque o destino dos projetos políticos e econômicos no continente ainda é incerto. Contudo, pela primeira vez na região, divisa-se um elenco de promissoras ações governamentais. As providências indicam ser perfeitamente possível assumir uma direção democratizadora e antimonopólica, a partir de interferências do poder público eleito pelo voto popular”, conclui Dênis de Moraes.
NOTAS
24- João Franzin. Imprensa sindical: comunicação que organiza. Editora Agência Sindical, SP, 2007.
25- Beto Almeida. “Fortalecer el campo público de la comunicación para combatir el terrorismo mediático”. Caracas, 2008.
26- Mônica Simioni. “Comunicação e disputa hegemônica na Venezuela no pós-golpe de abril de 2002”. Tese de mestrado em ciência política apresentada na PUC-SP, em 2007.
27- Yuri Pimentel. “Hay que construir um nuevo orden socialista mundial de la comunicación y la información”. Telesur, 27/05/07.
28- “Comienza a circular em Bolivia el periódico estatal Cambio”. Prensa Latina, 23/01/09.
29- Ricardo Bajo e Pascual Serrano. “Bolívia: quién controla los médios de comunicación?”. Le Monde Diplomatique, 06/01/09.
30- Eduardo Tamayo. “Ecuador: Medios públicos em etapa de construcción”. Alainet, 14/12/08.
31- Karla Jacobs. “Los medios corporativos em Nicaragua y sus contrapartidas del FSLN”. Rebelión, 16/01/09.
32- Oscar Serrat. “El presidente Lugo inauguró la primera agencia paraguaya de noticias”. Rebelión, 21/01/2209.
33- Dafne Sabanes. “Argentina: convergencia tecnologica y participación popular”. Alainet, 13/06/07.
34- Nildo Ouriques. “Hugo Chávez e a ‘liberdade de imprensa’”.
35- Raul Juste Lores. “Justiça do México derruba ‘Lei Televisa’”. Folha de S.Paulo, 07/07/09.
36- Dênis de Moraes. A batalha da mídia. Governos progressistas e políticas de comunicação na América Latina e outros ensaios. Editora Pão e Rosas, RJ, 2009.
- Extraído do segundo capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço – livro@vermelho.org.br
sábado, 23 de janeiro de 2010
Golpismo da mídia na América Latina (5)
O papel da mídia hegemônica neste processo aupicioso de mudança é revelador do seu caráter de classe burguês – elitista e autoritário. Ela rasga sua fantasia “democrática” e assume sua clássica postura golpista, fazendo de tudo para evitar a eleição dos candidatos antineoliberais e, quando isso não é possível, para desestabilizar os novos governantes. Diante da grave crise dos partidos burgueses, desgastados pela ressaca neoliberal, a mídia assume o papel do “partido da direita”. O caso mais grotesco ocorreu na Venezuela, em especial na tentativa frustrada de “golpe midiático” de abril de 2002 e no locaute petroleiro de dezembro/janeiro de 2003. Até os dias atuais, a mídia faz de tudo para abortar o processo original e ousado de mudanças da revolução bolivariana [10].
No livro “Midiático poder”, o jornalista Renato Rovai fornece farta documentação que comprova a participação ativa das redes privadas de rádio e TV e dos jornais na oposição a Hugo Chávez. Quando sua candidatura despontou nas pesquisas, a mídia procurou impedir sua eleição; quando percebeu que sua vitória era inevitável, ela tentou chantageá-lo e cooptá-lo; como não conseguiu, ela partiu para o golpismo escancarado. Ela padronizou sua cobertura política numa conspiração batizada de “una sola voz”, com ataques diários e unificados ao governo. A fúria não era exibida apenas nos telejornais, mas também nas novelas, nos programas humorísticos e até de esportes.
A mídia orquestou o golpe de 11 de abril de 2002. As passeatas da oposição foram convocadas e “acompanhadas por um pool de TVs, que trocavam imagens da cobertura. A vinheta usada pelas emissoras para anunciá-las não deixava dúvida sobre o tom editoral: ‘ni um paso atrás’”. O golpe durou pouco; derrotada, a mídia impôs um “apagão informativo”, omitindo a revolta dos morros que forçou o retorno de Chávez. Já nos 64 dias da greve patronal de dezembro/janeiro de 2003, as quatro principais redes de TV alteraram sua programação, cortando até comerciais, novelas e desenhos animados, e exibiram 17.600 anúncios contra o governo e a favor do locaute petroleiro. “O slogan midiático do novo calendário golpista passou a ser ‘Natal sem Chávez’” [11].
A experiência venezuelana é a mais traumática, mas não é única a confirmar o papel nefasto dos meios de comunicação na América Latina. Na Bolívia, a mídia dirigida pela oligarquia de Santa Cruz nunca escondeu seu ódio ao líder indígena e camponês Evo Morales. Nas eleições de 2005, segundo estudos independentes, 83% das notícias dos jornais, rádios e TVs foram desfavoráveis à sua candidatura. Após sua posse, a mídia passou a estimular os piores instintos racistas e jogou na divisão do país, sendo uma das responsáveis pela violência separatista, com as suas suásticas nazistas, em 2008. Sem se intimidar, o presidente Evo Morales desabafou recentemente: “90% da mídia está contra mim, mas dois terços do país aprovam esse processo de mudanças” [12].
Já no Equador, a mídia controlada por banqueiros faz oposição cerrada a Rafael Correa. Poucos dias após sua eleição no final de 2006, a presidente do diário El Comercio de Quito, Gaudalupe Mantilla, convocou os funcionários e afirmou que os simpatizantes do novo governo “deveriam se retirar do jornal, que a partir desse momento assumirá a postura de oposição” [13]. Diante da iniciativa de Rafael Correa de construir uma rede pública de comunicação, que inexistia no país, a oposição dos empresários se acirrou. Jaime Mantilla, proprietário do jornal Hoy e presidente da Associação Equatoriana de Periódicos (Aeped), criticou a “perigosa publicidade oficial” [14].
O terrorismo midiático não se manifesta somente nos países que experimentam processos mais avançados, radicalizados, de mudanças políticas, econômicas e sociais. Mesmo governos menos ousados são alvos desta fúria. Na Argentina, El Clarín fez campanha aberta contra as eleições de Nestor e Cristina Kirchner. Em 2008, o jornal incentivou o boicote do agronegócio, que quase levou ao desabastecimento de alimentos no país. “O chamado ‘conflito no campo’ evidenciou a capacidade do sistema midiático contra-insurgente de atuar sobre uma sociedade fragmentada e passível de ser intoxicada. O país foi colocado a bordo de um ‘golpe suave’”. [15]. No Chile, o El Mercurio não poupou críticas à progressista reforma previdenciária de Michelle Bachelet.
No geral, a região rebelde vive a “era da desinformação”, segundo o escritor Tariq Ali. Os barões da mídia e alguns jornalistas-capachos esperneiam para preservar os privilégios das oligarquias e para abortar as mínimas reformas. “A mais sofisticada tecnologia de comunicação é colocada a serviço das mais primitivas e simplistas necessidades do sistema, fornecendo o que é pedido, inclusive golpes e substituições escabrosas de presidentes eleitos... Não foram poucos os jornalistas e acadêmicos de fala mansa e hipócrita que se transformaram da noite para o dia em guerreiros da causa imperial, desesperados para agradar seus novos mestres” [16].
A SIP e o serviço sujo da CIA
No esforço para conter as mudanças, os barões da mídia das saqueadas nações latino-americanas contam com a ajuda, inclusive financeira, de organismos ligados ao império estadunidense – que sempre encarou a região como seu “quintal”. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) é a entidade mais ativa na conspiração contra os governos progressistas do continente. Em março de 2009, ela chegou a incluir o presidente Lula na lista dos inimigos da “liberdade de expressão”, ao lado de Hugo Chávez, Evo Morales e outros. “O presidente brasileiro sempre ataca a imprensa e lança críticas desmedidas quando o enfoque do noticiário não lhe agrada”, justificou a entidade.
A SIP foi criada em 1943 numa conferência em Havana, durante a ditadura de Fulgencio Batista, e logo foi tomada de assalto pela CIA. Em 1950, na sua conferência de Quito, dois agentes desta central, Joshua Powers e Jules Dubois, passaram a comandá-la. “A Sociedade Interamericana de Imprensa é um cartel dos donos de meios de comunicação, que nasceu nos marcos da II Guerra e que se moldou no calor da ‘guerra fria’ para protagonizar uma história de defesa dos interesses oligopólicos, de aliança com os poderes imperiais e de atentados contra a soberania dos povos latino-americanos... É um aparato político a serviço dos objetivos internacionais dos EUA” [17].
Para defender os interesses do império, seus estatutos foram adulterados, garantindo maioria aos empresários dos EUA, e sua sede foi transferida para Miami. Nos anos 1950, a SIP fez oposição ao governo nacionalista de Juan Perón e elegeu o ditador nicaragüense Anastácio Somoza como “o anjo tutelar da liberdade de pensamento”. Nos anos 1960, o seu alvo foi a revolução cubana; na década seguinte, atacou Salvador Allende. Na fase recente, ela apoiou o “golpe midiático” na Venezuela. Apavorada com a guinada à esquerda na região, ele crítica os governos progressistas e concentra suas baterias na defesa dos monopólios e contra qualquer regulamentação do setor.
Na prática, a SIP reúne a máfia da mídia privada da América Latina e não tem moral para falar em “liberdade de expressão”, já que apoiou todos os golpes e ditaduras. Ela nunca defendeu os jornalistas perseguidos e assassinados na região [18]. Um de seus presidentes, Danilo Arbilla, foi integrante do regime militar do Uruguai e decretou, em julho de 1973, a censura dos jornais que “pertubem a ordem pública” – 173 veículos foram fechados [19]. Já o atual dirigente é primo do ministro da Defesa e irmão do vice-presidente da Colômbia, país recordista mundial em mortes de jornalistas, governado pelo narco-traficante Álvaro Uribe, aliado preferencial dos EUA [20].
Outra entidade bastante ativa na conspiração contra os governos progressistas do continente é a Repórteres Sem Fronteiras, uma pseudo-organização não-governamental que recebe volumosos recursos dos EUA e é dirigida pelo “anticastrista obssessivo” Robert Ménard [21]. A ingerência do “império do mal” na mídia latino-americana é escancarada. Inúmeras agências ianques, como o NED e a Usaid, financiam sua ação. No livro “El Código Chávez”, a advogada Eva Golinger fornece provas documentais sobre o envio ilegal de dólares para veículos e ONGs que estiveram diretamente envolvidos na tentativa frustrada de golpe na Venezuela em abril de 2002 [22].
Em 2007, o Departamento de Estado dos EUA bancou cerca de US$ 10 milhões para custear um projeto de “intercâmbio”, conhecido como Grant IV, que envolveu 467 jornalistas. Em 2005, o mesmo órgão patrocinou 15 oficinas sobre “liberdade de expressão” na Bolívia. Segundo o seu relatório oficial, “jornalistas e estudantes de comunicação discutiram a ética profissional, as boas práticas da difusão das notícias e o papel da mídia na democracia”. Pouco depois, vários destes “jornalistas” participaram da campanha suja contra Evo Morales. Para Eva Golinger, estas ações fazem parte da “doutrina oficial de guerra do Departamento de Defesa dos EUA, definidas como ‘operações psicológicas’”, e visam desgastar e derrubar governos opostos ao imperialismo [23].
NOTAS
10- Gilberto Maringoni. A Venezuela que se inventa. Editora Fundação Perseu Abramo, SP, 2004. Altamiro Borges. Venezuela: originalidade e ousadia. Editora Anita Garibaldi, SP, 2005.
11- Renato Rovai. Midiático poder. O caso Venezuela e a guerrilha informativa. Editora Publisher, SP, 2007.
12- Leonardo Wexell Severo. Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo. Editora Limiar, SP, 2008.
13- Andrés Iari. “Chávez, Evo y Correa contra los medios de comunicación”.
14- Eduardo Tamayo. “Ecuador: Medios públicos em etapa de construcción”. Alainet, 14/12/08.
15- Stella Calloni. “Contrainsurgencia informativa en la guerra de baja intensidad”. Cuba Debate, 21/11/08.
16- Tariq Ali. Piratas do Caribe. O eixo da esperança. Editora Record, RJ, 2008.
17- Yaifred Ron. “Los amos de la SIP”. Rebelión.
18- Darvin Romero Montiel. “Sicarios implacables del periodismo”. Rebelión.
19- Antonio Guilhermo Danglades. “La SIP: falta de autoridad moral e interés tergiversado”. Rebelión.
20- Pascual Serrano. “Preguntas de un ciudadano a la Sociedade Interamericana de Prensa”. Rebelión.
21- Mais detalhes sobre a ONG Repórteres Sem Fronteiras.
22- Eva Golinger. El Código Chávez. Decifrando la intervención de los EE.UU en Venezuela. Fondo Editorial Question, Caracas, 2005.
23- Eva Golinger. “El terrorismo midiático y las operaciones psicológicas”. Aporrea.
- Extraído do segundo capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço – livro@vermelho.org.br
No livro “Midiático poder”, o jornalista Renato Rovai fornece farta documentação que comprova a participação ativa das redes privadas de rádio e TV e dos jornais na oposição a Hugo Chávez. Quando sua candidatura despontou nas pesquisas, a mídia procurou impedir sua eleição; quando percebeu que sua vitória era inevitável, ela tentou chantageá-lo e cooptá-lo; como não conseguiu, ela partiu para o golpismo escancarado. Ela padronizou sua cobertura política numa conspiração batizada de “una sola voz”, com ataques diários e unificados ao governo. A fúria não era exibida apenas nos telejornais, mas também nas novelas, nos programas humorísticos e até de esportes.
A mídia orquestou o golpe de 11 de abril de 2002. As passeatas da oposição foram convocadas e “acompanhadas por um pool de TVs, que trocavam imagens da cobertura. A vinheta usada pelas emissoras para anunciá-las não deixava dúvida sobre o tom editoral: ‘ni um paso atrás’”. O golpe durou pouco; derrotada, a mídia impôs um “apagão informativo”, omitindo a revolta dos morros que forçou o retorno de Chávez. Já nos 64 dias da greve patronal de dezembro/janeiro de 2003, as quatro principais redes de TV alteraram sua programação, cortando até comerciais, novelas e desenhos animados, e exibiram 17.600 anúncios contra o governo e a favor do locaute petroleiro. “O slogan midiático do novo calendário golpista passou a ser ‘Natal sem Chávez’” [11].
A experiência venezuelana é a mais traumática, mas não é única a confirmar o papel nefasto dos meios de comunicação na América Latina. Na Bolívia, a mídia dirigida pela oligarquia de Santa Cruz nunca escondeu seu ódio ao líder indígena e camponês Evo Morales. Nas eleições de 2005, segundo estudos independentes, 83% das notícias dos jornais, rádios e TVs foram desfavoráveis à sua candidatura. Após sua posse, a mídia passou a estimular os piores instintos racistas e jogou na divisão do país, sendo uma das responsáveis pela violência separatista, com as suas suásticas nazistas, em 2008. Sem se intimidar, o presidente Evo Morales desabafou recentemente: “90% da mídia está contra mim, mas dois terços do país aprovam esse processo de mudanças” [12].
Já no Equador, a mídia controlada por banqueiros faz oposição cerrada a Rafael Correa. Poucos dias após sua eleição no final de 2006, a presidente do diário El Comercio de Quito, Gaudalupe Mantilla, convocou os funcionários e afirmou que os simpatizantes do novo governo “deveriam se retirar do jornal, que a partir desse momento assumirá a postura de oposição” [13]. Diante da iniciativa de Rafael Correa de construir uma rede pública de comunicação, que inexistia no país, a oposição dos empresários se acirrou. Jaime Mantilla, proprietário do jornal Hoy e presidente da Associação Equatoriana de Periódicos (Aeped), criticou a “perigosa publicidade oficial” [14].
O terrorismo midiático não se manifesta somente nos países que experimentam processos mais avançados, radicalizados, de mudanças políticas, econômicas e sociais. Mesmo governos menos ousados são alvos desta fúria. Na Argentina, El Clarín fez campanha aberta contra as eleições de Nestor e Cristina Kirchner. Em 2008, o jornal incentivou o boicote do agronegócio, que quase levou ao desabastecimento de alimentos no país. “O chamado ‘conflito no campo’ evidenciou a capacidade do sistema midiático contra-insurgente de atuar sobre uma sociedade fragmentada e passível de ser intoxicada. O país foi colocado a bordo de um ‘golpe suave’”. [15]. No Chile, o El Mercurio não poupou críticas à progressista reforma previdenciária de Michelle Bachelet.
No geral, a região rebelde vive a “era da desinformação”, segundo o escritor Tariq Ali. Os barões da mídia e alguns jornalistas-capachos esperneiam para preservar os privilégios das oligarquias e para abortar as mínimas reformas. “A mais sofisticada tecnologia de comunicação é colocada a serviço das mais primitivas e simplistas necessidades do sistema, fornecendo o que é pedido, inclusive golpes e substituições escabrosas de presidentes eleitos... Não foram poucos os jornalistas e acadêmicos de fala mansa e hipócrita que se transformaram da noite para o dia em guerreiros da causa imperial, desesperados para agradar seus novos mestres” [16].
A SIP e o serviço sujo da CIA
No esforço para conter as mudanças, os barões da mídia das saqueadas nações latino-americanas contam com a ajuda, inclusive financeira, de organismos ligados ao império estadunidense – que sempre encarou a região como seu “quintal”. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) é a entidade mais ativa na conspiração contra os governos progressistas do continente. Em março de 2009, ela chegou a incluir o presidente Lula na lista dos inimigos da “liberdade de expressão”, ao lado de Hugo Chávez, Evo Morales e outros. “O presidente brasileiro sempre ataca a imprensa e lança críticas desmedidas quando o enfoque do noticiário não lhe agrada”, justificou a entidade.
A SIP foi criada em 1943 numa conferência em Havana, durante a ditadura de Fulgencio Batista, e logo foi tomada de assalto pela CIA. Em 1950, na sua conferência de Quito, dois agentes desta central, Joshua Powers e Jules Dubois, passaram a comandá-la. “A Sociedade Interamericana de Imprensa é um cartel dos donos de meios de comunicação, que nasceu nos marcos da II Guerra e que se moldou no calor da ‘guerra fria’ para protagonizar uma história de defesa dos interesses oligopólicos, de aliança com os poderes imperiais e de atentados contra a soberania dos povos latino-americanos... É um aparato político a serviço dos objetivos internacionais dos EUA” [17].
Para defender os interesses do império, seus estatutos foram adulterados, garantindo maioria aos empresários dos EUA, e sua sede foi transferida para Miami. Nos anos 1950, a SIP fez oposição ao governo nacionalista de Juan Perón e elegeu o ditador nicaragüense Anastácio Somoza como “o anjo tutelar da liberdade de pensamento”. Nos anos 1960, o seu alvo foi a revolução cubana; na década seguinte, atacou Salvador Allende. Na fase recente, ela apoiou o “golpe midiático” na Venezuela. Apavorada com a guinada à esquerda na região, ele crítica os governos progressistas e concentra suas baterias na defesa dos monopólios e contra qualquer regulamentação do setor.
Na prática, a SIP reúne a máfia da mídia privada da América Latina e não tem moral para falar em “liberdade de expressão”, já que apoiou todos os golpes e ditaduras. Ela nunca defendeu os jornalistas perseguidos e assassinados na região [18]. Um de seus presidentes, Danilo Arbilla, foi integrante do regime militar do Uruguai e decretou, em julho de 1973, a censura dos jornais que “pertubem a ordem pública” – 173 veículos foram fechados [19]. Já o atual dirigente é primo do ministro da Defesa e irmão do vice-presidente da Colômbia, país recordista mundial em mortes de jornalistas, governado pelo narco-traficante Álvaro Uribe, aliado preferencial dos EUA [20].
Outra entidade bastante ativa na conspiração contra os governos progressistas do continente é a Repórteres Sem Fronteiras, uma pseudo-organização não-governamental que recebe volumosos recursos dos EUA e é dirigida pelo “anticastrista obssessivo” Robert Ménard [21]. A ingerência do “império do mal” na mídia latino-americana é escancarada. Inúmeras agências ianques, como o NED e a Usaid, financiam sua ação. No livro “El Código Chávez”, a advogada Eva Golinger fornece provas documentais sobre o envio ilegal de dólares para veículos e ONGs que estiveram diretamente envolvidos na tentativa frustrada de golpe na Venezuela em abril de 2002 [22].
Em 2007, o Departamento de Estado dos EUA bancou cerca de US$ 10 milhões para custear um projeto de “intercâmbio”, conhecido como Grant IV, que envolveu 467 jornalistas. Em 2005, o mesmo órgão patrocinou 15 oficinas sobre “liberdade de expressão” na Bolívia. Segundo o seu relatório oficial, “jornalistas e estudantes de comunicação discutiram a ética profissional, as boas práticas da difusão das notícias e o papel da mídia na democracia”. Pouco depois, vários destes “jornalistas” participaram da campanha suja contra Evo Morales. Para Eva Golinger, estas ações fazem parte da “doutrina oficial de guerra do Departamento de Defesa dos EUA, definidas como ‘operações psicológicas’”, e visam desgastar e derrubar governos opostos ao imperialismo [23].
NOTAS
10- Gilberto Maringoni. A Venezuela que se inventa. Editora Fundação Perseu Abramo, SP, 2004. Altamiro Borges. Venezuela: originalidade e ousadia. Editora Anita Garibaldi, SP, 2005.
11- Renato Rovai. Midiático poder. O caso Venezuela e a guerrilha informativa. Editora Publisher, SP, 2007.
12- Leonardo Wexell Severo. Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo. Editora Limiar, SP, 2008.
13- Andrés Iari. “Chávez, Evo y Correa contra los medios de comunicación”.
14- Eduardo Tamayo. “Ecuador: Medios públicos em etapa de construcción”. Alainet, 14/12/08.
15- Stella Calloni. “Contrainsurgencia informativa en la guerra de baja intensidad”. Cuba Debate, 21/11/08.
16- Tariq Ali. Piratas do Caribe. O eixo da esperança. Editora Record, RJ, 2008.
17- Yaifred Ron. “Los amos de la SIP”. Rebelión.
18- Darvin Romero Montiel. “Sicarios implacables del periodismo”. Rebelión.
19- Antonio Guilhermo Danglades. “La SIP: falta de autoridad moral e interés tergiversado”. Rebelión.
20- Pascual Serrano. “Preguntas de un ciudadano a la Sociedade Interamericana de Prensa”. Rebelión.
21- Mais detalhes sobre a ONG Repórteres Sem Fronteiras.
22- Eva Golinger. El Código Chávez. Decifrando la intervención de los EE.UU en Venezuela. Fondo Editorial Question, Caracas, 2005.
23- Eva Golinger. “El terrorismo midiático y las operaciones psicológicas”. Aporrea.
- Extraído do segundo capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço – livro@vermelho.org.br
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Mídia na berlinda na America Latina (4)
“O terrorismo midiático é a primeira expressão e condição necessária do terrorismo militar e econômico que o Norte industrializado emprega para impor à humanidade a sua hegemonia imperial e o seu domínio neocolonial”. Manifesto do 1º Encontro Latino-Americano contra o Terrorismo Midiático (março de 2008).
“As mobilizações populares e a ascensão de governos progressistas realçam a oportunidade de uma América Latina pós-neoliberal [...], que permita maior controle social sobre a mídia”. Dênis de Moraes, autor do livro “As batalhas da mídia”.
A América Latina vive um processo inédito e intenso de mudanças políticas, que já se refletem no terreno econômico e social e também nos rumos da integração regional. O continente que foi saqueado pelas nações colonialistas, como tão bem retratou o escritor Eduardo Galeano no livro “As veias abertas da América Latina”, que sofreu com sangrentas ditaduras militares e que foi o principal laboratório das destrutivas políticas neoliberais, atualmente se levanta e tateia caminhos alternativos, que garantam mais democracia, soberania nacional e justiça social. A perspectiva do “socialismo do século 21” volta a se colocar no horizonte na região da heróica revolução cubana.
Nesta América Latina rebelde, a mídia hegemônica está na berlinda. Ela é criticada por seu papel manipulador, pela postura de criminalização dos movimentos sociais e pela ação destabilizadora contra governos democraticamente eleitos. Em todos os países surgem entidades que priorizam a batalha pela democratização dos meios de comunicação. Governantes progressistas, oriundos das lutas contra a regressão neoliberal, também adotam medidas para se contrapor ao terrorismo midiático. Mais ousados ou mais moderados, conforme a correlação de forças de cada país, eles tentam regulamentar o setor, incentivam redes públicas e polemizam com os barões da mídia.
Apoio aos golpes e às ditaduras
A revolta contra a mídia hegemônica é plenamente justificada. Com raras e honrosas exceções, o seu passado a condena! Afinal, ela sempre expressou o que há de mais antidemocrático, antipovo e antinação no sofrido continente latinoamericano. Sempre serviu às elites rascistas e golpistas e reproduziu servilmente os interesses das potências imperialistas, em especial os dos EUA. Num passado mais remoto, a imprensa burguesa, que ainda não havia erguido seus impérios midáticos, satanizou o jovem movimento camponês e operário da região e fez de tudo para sabotar governos burgueses nacional-desenvolvimentistas, como o de Lázaro Cárdenas (México), Jacobo Arbens (Guatemala), Juan Perón (Argentina), Velasco Alvarado (Peru) e Getúlio Vargas (Brasil).
Já no passado mais recente, estimulada pela propaganda estadunidense da “guerra fria”, a mídia hegemônica clamou por golpes militares para evitar o “perigo comunista” e o risco de contágio da revolução cubana. Muitas das atuais corporações midiáticas prosperaram durante as violentas ditaduras e têm as mãos sujas de sangue. Um dos casos mais execráveis foi o do Chile. Agustín Edwards, dono do jornal El Mercurio, foi um dos principais mentores do golpe que derrubou o presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. Relatórios desclassificados da CIA, a agência terrorista dos EUA, confirmam que o empresário recebeu US$ 1,5 milhão de subsídios para criar o clima favorável à conspiração militar comandada pelo general Augusto Pinochet [1].
Além da ajuda da CIA, o First National Bank anistiou as dívidas do caloteiro Agustín e inúmeras empresas envolvidas na preparação do golpe fizeram depósitos ilegais na sua conta na Suíça. “El Mercurio é importante. É um espinho cravado nas costas de Allende. Ajuda a manter alta a moral das forças opositoras”, explicou, às vésperas do golpe, Willian Jorden, assessor do secretário de Defesa Henry Kissinger. Um memorando da CIA de 1972 enalteceu o jornal, que “publica quase diariamente editoriais com críticas ao governo” e atua “como centro da agrupação da oposição”. Outro relatório afirmou que “a assistência dada a El Mercurio tinha como objetivo que o jornal independente pudesse sobreviver como porta-voz da democracia e contra a Unidade Popular”, a coalisão de esquerda que elegeu e dava sustentava o governo democrático de Salvador Allende.
A retribuição do sanguinário Pinochet foi generosa. Durante a ditadura, a corporação prosperou e hoje possuí quatro jornais nacionais, 21 diários regionais e a rede de rádios FM Digital. Um livro recém-lançado, “El diario de Agustín”, revela que o império cresceu acorbertando as violações de direitos humanos durante os 17 anos do cruel regime militar – que resultaram, segundo dados oficiais, em mais de 3 mil chilenos mortos e cerca de 35 mil torturados. El Mercurio noticiava os assassinatos como se fossem suicídios ou “acidentes de trânsito”, como na morte do diplomata chileno-espanhol Carmelo Soria, em julho de 1974. Quando não dava para ocultar, ele justificava os assassinatos como “conseqüência da guerra civil iniciada em 1973 pelos marxistas” [2].
A mesma postura golpista foi adotada por outros barões da mídia da América Latina [3]. O grupo El Clarín, que hoje compõe o clube dos 50 maiores impérios midiáticos do planeta, articulou a conspiração militar na Argentina. “A economia se encontra numa etapa vizinha ao colapso total. A violência subversiva e sua ação criminosa exigem ordenar medidas adequadas para exterminá-las... Abre-se agora uma nova etapa com renascidas esperanças”, afirmou o editorial do jonal El Clarín de 24 de março de 1976. A sua linha editorial “serviu para justificar os horrendos crimes da ditadura... Só quando os ‘subversivos’ foram virtualmente eliminados pelos militares e estes já não eram mais necessários, El Clarín se transformou num embandeirado da democracia” [4].
Porta-voz da devastação neoliberal
A exemplo da Argentina, quando as crises econômicas e políticas isolaram os regimes militares e a resistência popular avançou no continente, as maiores corporações da mídia se travestiram de democratas e passaram a pregar o receituário neoliberal. Elas substituíram a ditadura militar pela ditadura do mercado. Ajudaram a criar o consenso neoliberal em defesa do desmonte do Estado, da nação e do trabalho. Adoradores do “deus-mercado”, as maiores redes de rádio e televisão e os jornais tradicionais pregaram a privatização criminosa das estatais, o corte dos gastos sociais, a flexiblização dos direitos trabalhistas e a total libertinagem financeira. Os jornalistas críticos do neoliberalismo foram afastados das redações, que foram ocupadas pelos agentes do rentismo [5].
Através de técnicas requintadas de publicidade, a mídia fabricou “candidatos” e ajudou a eleger e reeleger vários presidentes neoliberais, adpetos do “Consenso de Washington”, como Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Alberto Fujimore (Peru) e Carlos Menem (Argentina), entre outros. Após a “década perdida”, que fragilizou a economia nos anos 1980, veio a “década maldita” do neoliberalismo, com as suas taxas declinantes de crescimento e a explosão do desemprego e da informalidade. As nações foram escancaradas para os capitais estrangeiros, os Estados foram privatizados, a miséria explodiu e a vida foi mercantilizada. As “relações carnais com os EUA”, pregadas por Menem, tornaram a região ainda mais servil aos desígnios do “império do mal”.
Mas o devastador tsunami neoliberal, que inicialmente seduziu parcelas das camadas médias e dos próprios trabalhadores, como aponta estudo do sociólogo Armando Boito Jr. [6], não durou muito tempo. Aos poucos, a luta contra os seus efeitos destrutivos e regressivos ganhou impulso, desafiando o “pensamento único” emburrecedor da mídia hegemônica. Através de várias formas de rebeldia, dos levantes populares que derrubaram 11 presidentes em curto espaço de tempo aos Fóruns Sociais Mundiais deflagrados no Brasil, a resistência cresceu e ganhou protagonismo. No geral, a crescente revolta contra o neoliberalismo desaguou na vitória das forças progressistas nas eleições presidenciais, que adquiriram centralidade na luta política no continente [7].
O ciclo inédito e impressionante de vitórias de candidatos progressistas na América Latina teve início com a eleição do militar rebelde Hugo Chávez, na Venezuela, em dezembro de 1998. Na seqüência, numa guinada à esquerda, chegam ao governo central um líder operário no Brasil, um peronista antineoliberal na Argentina, um ex-exilado político no Uruguai, um líder indígena na Bolívia, um economista heterodoxo no Equador, um ex-guerrilheiro na Nicarágua, uma mulher vítima da ditadura no Chile, um teólogo da libertação no Paraguai – no início de 2009, um jovem candidato da FMLN, a guerrilha que depôs suas armas, é eleito em El Salvador. De laboratório do neoliberalismo, a América Latina despontou como vanguarda mundial da luta por mudanças.
Com ritmos e visões diferenciadas, cada um destes novos governantes procura avançar nas novas “vias abertas na América Latina”, visando superar a destruição neoliberal e construir nações mais democráticas, soberanas e justas. Eles também apostam na integração regional como contraponto à desintegração imposta pelos EUA. Com todas as suas contradições, este novo ciclo tem sentido progressista (8). Para o sociólogo Emir Sader, “o continente onde o neoliberalismo nasceu – no Chile e na Bolívia –, ainda mais se estendeu e encontrou um território privilegiado, tornou-se, em pouco tempo, o espaço de maior resistência e construção de alternativas... São duas faces da mesma moeda: justamente por ter sido laboratório das experiências neoliberais, a América Latina viveu a ressaca dessas experiências, tornando-se o elo mais fraco da cadeia neoliberal” [9].
NOTAS
1- Mário Augusto Jakobskind. “Reações à democratização da informação”. Observatório da Imprensa, 07/11/06.
2- Daniela Estrada. “El Mercurio y la dictadura. Historia de una colusión". Rebelión, 26/05/09.
3- A postura da mídia brasileira no golpe e na ditadura militar é descrita no Capítulo IV.
4- Andrés Iari. “Chávez, Evo y Correa contra los medios de comunicación”. Rebelión, 12/05/09.
5- Pascual Serrano. “Los medios e la crisis mundial”. Exposição apresentada no Fórum Mundial de Mídia Livre em Belém do Pará, em janeiro de 2009.
6- Armando Boito Jr. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. Editora Xamã, SP, 1999.
7- Roberto Regalado. América Latina entre siglos. Dominación, crisis, lucha social e alternativas politicas de la izquierda. Editora Ocian Press, Cuba, 2006.
8- Altamiro Borges. “As vias abertas da América Latina”.
9- Emir Sader. A nova toupeira. Os caminhos da esquerda latino-americana. Boitempo Editorial, SP, 2009.
- Extraído do segundo capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço – livro@vermelho.org.br
“As mobilizações populares e a ascensão de governos progressistas realçam a oportunidade de uma América Latina pós-neoliberal [...], que permita maior controle social sobre a mídia”. Dênis de Moraes, autor do livro “As batalhas da mídia”.
A América Latina vive um processo inédito e intenso de mudanças políticas, que já se refletem no terreno econômico e social e também nos rumos da integração regional. O continente que foi saqueado pelas nações colonialistas, como tão bem retratou o escritor Eduardo Galeano no livro “As veias abertas da América Latina”, que sofreu com sangrentas ditaduras militares e que foi o principal laboratório das destrutivas políticas neoliberais, atualmente se levanta e tateia caminhos alternativos, que garantam mais democracia, soberania nacional e justiça social. A perspectiva do “socialismo do século 21” volta a se colocar no horizonte na região da heróica revolução cubana.
Nesta América Latina rebelde, a mídia hegemônica está na berlinda. Ela é criticada por seu papel manipulador, pela postura de criminalização dos movimentos sociais e pela ação destabilizadora contra governos democraticamente eleitos. Em todos os países surgem entidades que priorizam a batalha pela democratização dos meios de comunicação. Governantes progressistas, oriundos das lutas contra a regressão neoliberal, também adotam medidas para se contrapor ao terrorismo midiático. Mais ousados ou mais moderados, conforme a correlação de forças de cada país, eles tentam regulamentar o setor, incentivam redes públicas e polemizam com os barões da mídia.
Apoio aos golpes e às ditaduras
A revolta contra a mídia hegemônica é plenamente justificada. Com raras e honrosas exceções, o seu passado a condena! Afinal, ela sempre expressou o que há de mais antidemocrático, antipovo e antinação no sofrido continente latinoamericano. Sempre serviu às elites rascistas e golpistas e reproduziu servilmente os interesses das potências imperialistas, em especial os dos EUA. Num passado mais remoto, a imprensa burguesa, que ainda não havia erguido seus impérios midáticos, satanizou o jovem movimento camponês e operário da região e fez de tudo para sabotar governos burgueses nacional-desenvolvimentistas, como o de Lázaro Cárdenas (México), Jacobo Arbens (Guatemala), Juan Perón (Argentina), Velasco Alvarado (Peru) e Getúlio Vargas (Brasil).
Já no passado mais recente, estimulada pela propaganda estadunidense da “guerra fria”, a mídia hegemônica clamou por golpes militares para evitar o “perigo comunista” e o risco de contágio da revolução cubana. Muitas das atuais corporações midiáticas prosperaram durante as violentas ditaduras e têm as mãos sujas de sangue. Um dos casos mais execráveis foi o do Chile. Agustín Edwards, dono do jornal El Mercurio, foi um dos principais mentores do golpe que derrubou o presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. Relatórios desclassificados da CIA, a agência terrorista dos EUA, confirmam que o empresário recebeu US$ 1,5 milhão de subsídios para criar o clima favorável à conspiração militar comandada pelo general Augusto Pinochet [1].
Além da ajuda da CIA, o First National Bank anistiou as dívidas do caloteiro Agustín e inúmeras empresas envolvidas na preparação do golpe fizeram depósitos ilegais na sua conta na Suíça. “El Mercurio é importante. É um espinho cravado nas costas de Allende. Ajuda a manter alta a moral das forças opositoras”, explicou, às vésperas do golpe, Willian Jorden, assessor do secretário de Defesa Henry Kissinger. Um memorando da CIA de 1972 enalteceu o jornal, que “publica quase diariamente editoriais com críticas ao governo” e atua “como centro da agrupação da oposição”. Outro relatório afirmou que “a assistência dada a El Mercurio tinha como objetivo que o jornal independente pudesse sobreviver como porta-voz da democracia e contra a Unidade Popular”, a coalisão de esquerda que elegeu e dava sustentava o governo democrático de Salvador Allende.
A retribuição do sanguinário Pinochet foi generosa. Durante a ditadura, a corporação prosperou e hoje possuí quatro jornais nacionais, 21 diários regionais e a rede de rádios FM Digital. Um livro recém-lançado, “El diario de Agustín”, revela que o império cresceu acorbertando as violações de direitos humanos durante os 17 anos do cruel regime militar – que resultaram, segundo dados oficiais, em mais de 3 mil chilenos mortos e cerca de 35 mil torturados. El Mercurio noticiava os assassinatos como se fossem suicídios ou “acidentes de trânsito”, como na morte do diplomata chileno-espanhol Carmelo Soria, em julho de 1974. Quando não dava para ocultar, ele justificava os assassinatos como “conseqüência da guerra civil iniciada em 1973 pelos marxistas” [2].
A mesma postura golpista foi adotada por outros barões da mídia da América Latina [3]. O grupo El Clarín, que hoje compõe o clube dos 50 maiores impérios midiáticos do planeta, articulou a conspiração militar na Argentina. “A economia se encontra numa etapa vizinha ao colapso total. A violência subversiva e sua ação criminosa exigem ordenar medidas adequadas para exterminá-las... Abre-se agora uma nova etapa com renascidas esperanças”, afirmou o editorial do jonal El Clarín de 24 de março de 1976. A sua linha editorial “serviu para justificar os horrendos crimes da ditadura... Só quando os ‘subversivos’ foram virtualmente eliminados pelos militares e estes já não eram mais necessários, El Clarín se transformou num embandeirado da democracia” [4].
Porta-voz da devastação neoliberal
A exemplo da Argentina, quando as crises econômicas e políticas isolaram os regimes militares e a resistência popular avançou no continente, as maiores corporações da mídia se travestiram de democratas e passaram a pregar o receituário neoliberal. Elas substituíram a ditadura militar pela ditadura do mercado. Ajudaram a criar o consenso neoliberal em defesa do desmonte do Estado, da nação e do trabalho. Adoradores do “deus-mercado”, as maiores redes de rádio e televisão e os jornais tradicionais pregaram a privatização criminosa das estatais, o corte dos gastos sociais, a flexiblização dos direitos trabalhistas e a total libertinagem financeira. Os jornalistas críticos do neoliberalismo foram afastados das redações, que foram ocupadas pelos agentes do rentismo [5].
Através de técnicas requintadas de publicidade, a mídia fabricou “candidatos” e ajudou a eleger e reeleger vários presidentes neoliberais, adpetos do “Consenso de Washington”, como Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Alberto Fujimore (Peru) e Carlos Menem (Argentina), entre outros. Após a “década perdida”, que fragilizou a economia nos anos 1980, veio a “década maldita” do neoliberalismo, com as suas taxas declinantes de crescimento e a explosão do desemprego e da informalidade. As nações foram escancaradas para os capitais estrangeiros, os Estados foram privatizados, a miséria explodiu e a vida foi mercantilizada. As “relações carnais com os EUA”, pregadas por Menem, tornaram a região ainda mais servil aos desígnios do “império do mal”.
Mas o devastador tsunami neoliberal, que inicialmente seduziu parcelas das camadas médias e dos próprios trabalhadores, como aponta estudo do sociólogo Armando Boito Jr. [6], não durou muito tempo. Aos poucos, a luta contra os seus efeitos destrutivos e regressivos ganhou impulso, desafiando o “pensamento único” emburrecedor da mídia hegemônica. Através de várias formas de rebeldia, dos levantes populares que derrubaram 11 presidentes em curto espaço de tempo aos Fóruns Sociais Mundiais deflagrados no Brasil, a resistência cresceu e ganhou protagonismo. No geral, a crescente revolta contra o neoliberalismo desaguou na vitória das forças progressistas nas eleições presidenciais, que adquiriram centralidade na luta política no continente [7].
O ciclo inédito e impressionante de vitórias de candidatos progressistas na América Latina teve início com a eleição do militar rebelde Hugo Chávez, na Venezuela, em dezembro de 1998. Na seqüência, numa guinada à esquerda, chegam ao governo central um líder operário no Brasil, um peronista antineoliberal na Argentina, um ex-exilado político no Uruguai, um líder indígena na Bolívia, um economista heterodoxo no Equador, um ex-guerrilheiro na Nicarágua, uma mulher vítima da ditadura no Chile, um teólogo da libertação no Paraguai – no início de 2009, um jovem candidato da FMLN, a guerrilha que depôs suas armas, é eleito em El Salvador. De laboratório do neoliberalismo, a América Latina despontou como vanguarda mundial da luta por mudanças.
Com ritmos e visões diferenciadas, cada um destes novos governantes procura avançar nas novas “vias abertas na América Latina”, visando superar a destruição neoliberal e construir nações mais democráticas, soberanas e justas. Eles também apostam na integração regional como contraponto à desintegração imposta pelos EUA. Com todas as suas contradições, este novo ciclo tem sentido progressista (8). Para o sociólogo Emir Sader, “o continente onde o neoliberalismo nasceu – no Chile e na Bolívia –, ainda mais se estendeu e encontrou um território privilegiado, tornou-se, em pouco tempo, o espaço de maior resistência e construção de alternativas... São duas faces da mesma moeda: justamente por ter sido laboratório das experiências neoliberais, a América Latina viveu a ressaca dessas experiências, tornando-se o elo mais fraco da cadeia neoliberal” [9].
NOTAS
1- Mário Augusto Jakobskind. “Reações à democratização da informação”. Observatório da Imprensa, 07/11/06.
2- Daniela Estrada. “El Mercurio y la dictadura. Historia de una colusión". Rebelión, 26/05/09.
3- A postura da mídia brasileira no golpe e na ditadura militar é descrita no Capítulo IV.
4- Andrés Iari. “Chávez, Evo y Correa contra los medios de comunicación”. Rebelión, 12/05/09.
5- Pascual Serrano. “Los medios e la crisis mundial”. Exposição apresentada no Fórum Mundial de Mídia Livre em Belém do Pará, em janeiro de 2009.
6- Armando Boito Jr. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. Editora Xamã, SP, 1999.
7- Roberto Regalado. América Latina entre siglos. Dominación, crisis, lucha social e alternativas politicas de la izquierda. Editora Ocian Press, Cuba, 2006.
8- Altamiro Borges. “As vias abertas da América Latina”.
9- Emir Sader. A nova toupeira. Os caminhos da esquerda latino-americana. Boitempo Editorial, SP, 2009.
- Extraído do segundo capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço – livro@vermelho.org.br
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Sinais de vulnerabilidade da mídia (3)
Apesar do enorme poder de manipular “corações e mentes”, a mídia vem sofrendo abalos na fase recente. Pesquisas apontam o aumento da vulnerabilidade das corporações midiáticas. “Durante os últimos quatro anos, a audiência dos telejornais das três principais cadeias norte-americanas teve queda de 60% a 38% do total de telespectadores. 72% dos temas tratados têm caráter local ou se referem à violência, drogas, agressões e delitos” [26]. Parcela crescente dos estadunidenses já passa mais tempo em frente à tela do computador do que assistindo, como receptor passivo, aos programas de baixa qualidade e à overdose de publicidade das emissoras de televisão.
Mais dramática é a situação da mídia impressa. Nos EUA, somente 19% da população entre 18 e 34 anos se declara leitora de jornais. Vários periódicos decretaram falência e alguns migraram para a internet. Um caso emblemático ocorreu no final de 2008. Um dos mais tradicionais jornais dos EUA, o centenário The Christian Science Monitor, anunciou que seria veiculado apenas pela internet. Sua circulação diária caiu de 220 mil exemplares, em 1970, para 52 mil em 2008, o que fez despencar a publicidade deste periódico editado pela igreja First Church of Christ. O jornal já havia recebido sete prêmios Pulitzer e exercia certa influência na formação da opinião pública.
“Pouca gente acredita que os jornais, na forma impressa de hoje, tenham chance de sobreviver. Eles estão perdendo anunciantes, leitores, valor de mercado e, em alguns casos, o próprio senso de missão... Nos últimos três anos, os jornais americanos perderam 42% do valor de mercado. Poucas companhias foram tão punidas em Wall Street quanto aquelas que ousaram investir no ramo jornalístico... O New York Times Company viu as suas ações caírem 54% desde 2004. A Washington Post Company só evitou o mesmo destino ao se apresentar como ‘empresa de educação e comunicação’; seu braço didático, a Kaplan, agora responde por pelo menos metade do faturamento total... A maioria dos executivos reagiu ao colapso de seu modelo de negócios com uma espiral de cortes orçamentários, sucursais fechadas, fusões, demissões e reduções de formato. De 1990 para cá, um quarto dos empregos no ramo jornalístico desapareceu”, aponta o jornalista Eric Alterman [27].
Principais fatores do declínio
Vários fatores explicam o declínio relativo da mídia hegemônica. O principal deles, segundo boa parte dos especialistas, é o fator tecnológico. A internet e o acelerado processo de convergência digital possibilitam novas opções de informação, cultura e entretenimento, mais democráticas e interativas. São uma brecha, mesmo que parcial e temporária, ao poder da ditadura midiática. As corporações, porém, já perceberam este vasto potencial, impõem legislações restritivas em vários países e integram a internet aos seus domínios. O ranking mundial revela que os sítios mais freqüentados em qualquer país já pertencem aos mesmos conglomerados. No futuro, prognostica Ignacio Ramonet, a internet poderá até servir para reforçar ainda mais o poder das corporações.
A mídia hegemônica também é vítima da própria crise capitalista que ajudou a criar. Apostou na orgia financeira e agora afunda com os títulos tóxicos. Além disso, ela sofre com a multiplicação de emissoras abertas e de jornais gratuitos. Por último, vale destacar a perda de credibilidade dos veículos tradicionais. Pesquisa da Universidade do Sagrado Coração revelou que menos de 20% dos estadunidenses acreditam no noticiário jornalístico – número que despencou 27% em cinco anos. “Menos de uma em cada cinco pessoas acredita no que lê na imprensa”, apontou o relatório “O estado da mídia”, de 2007. O descrédito cresceu devido às mentiras veiculadas após a invasão do Iraque e deu espaço para o crescimento de sítios e blogs progressistas nos EUA e na Europa.
Um caso exemplar é o da página eletrônica Huffington Post, fundada em maio de 2005 e que se projetou ao desmascarar os impérios midiáticos que aderiram à política de Bush. Já na campanha de Barack Obama, ela registrou visitas diárias de 11 milhões de pessoas. A sua equipe é reduzida e o noticiário é compartilhado por milhares de voluntários, entre eles, mais de 1.800 blogueiros. O fenômeno da blogosfera progressista já preocupa os barões da mídia. Numa palestra recente, o editor-executivo do New York Times, Bill Keller, atacou os que “mastigam e reciclam notícias”. Após afirmar que “a grande imprensa perdeu seu verniz de confiabilidade absoluta”, Arianna Huffington disparou: “Os blogueiros não mastigam notícias, eles cospem notícias”.
A ditadura da mídia, como se nota, não é inabalável. A sua perda de credibilidade tende a crescer com o acirramento da luta de classes no mundo. Como aponta Pascual Serrano, no texto citado, o declínio atual decorre, entre outros fatores, da “crise de identidade” (o público já não confia nos veículos, tendo provado várias vezes como eles mentem e ocultam os elementos fundamentais da realidade); “crise de objetividade” (o mito da neutralidade sucumbe e a confiança no jornalismo despenca com ele); “crise de autoridade” (a internet e as novas tecnologias revelam a capacidade das organizações sociais e dos jornalistas alternativos para enfrentar o poder das corporações midiáticas); e da “crise de informação” (a dinâmica mercantilista e a necessidade de aumentar a produtividade e a rentabilidade provocam a perda de qualidade da atividade jornalística).
NOTAS
26- Ryszard Kapuscinski. “Reflejan los medios la realidade del mundo?”. Le Monde Diplomatique, 24/02/2001.
27- Eric Alterman. “O futuro dos jornais”. Folha de S.Paulo, “Caderno Mais!”, 08/06/08.
- Extraído do primeiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado em julho passado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
Mais dramática é a situação da mídia impressa. Nos EUA, somente 19% da população entre 18 e 34 anos se declara leitora de jornais. Vários periódicos decretaram falência e alguns migraram para a internet. Um caso emblemático ocorreu no final de 2008. Um dos mais tradicionais jornais dos EUA, o centenário The Christian Science Monitor, anunciou que seria veiculado apenas pela internet. Sua circulação diária caiu de 220 mil exemplares, em 1970, para 52 mil em 2008, o que fez despencar a publicidade deste periódico editado pela igreja First Church of Christ. O jornal já havia recebido sete prêmios Pulitzer e exercia certa influência na formação da opinião pública.
“Pouca gente acredita que os jornais, na forma impressa de hoje, tenham chance de sobreviver. Eles estão perdendo anunciantes, leitores, valor de mercado e, em alguns casos, o próprio senso de missão... Nos últimos três anos, os jornais americanos perderam 42% do valor de mercado. Poucas companhias foram tão punidas em Wall Street quanto aquelas que ousaram investir no ramo jornalístico... O New York Times Company viu as suas ações caírem 54% desde 2004. A Washington Post Company só evitou o mesmo destino ao se apresentar como ‘empresa de educação e comunicação’; seu braço didático, a Kaplan, agora responde por pelo menos metade do faturamento total... A maioria dos executivos reagiu ao colapso de seu modelo de negócios com uma espiral de cortes orçamentários, sucursais fechadas, fusões, demissões e reduções de formato. De 1990 para cá, um quarto dos empregos no ramo jornalístico desapareceu”, aponta o jornalista Eric Alterman [27].
Principais fatores do declínio
Vários fatores explicam o declínio relativo da mídia hegemônica. O principal deles, segundo boa parte dos especialistas, é o fator tecnológico. A internet e o acelerado processo de convergência digital possibilitam novas opções de informação, cultura e entretenimento, mais democráticas e interativas. São uma brecha, mesmo que parcial e temporária, ao poder da ditadura midiática. As corporações, porém, já perceberam este vasto potencial, impõem legislações restritivas em vários países e integram a internet aos seus domínios. O ranking mundial revela que os sítios mais freqüentados em qualquer país já pertencem aos mesmos conglomerados. No futuro, prognostica Ignacio Ramonet, a internet poderá até servir para reforçar ainda mais o poder das corporações.
A mídia hegemônica também é vítima da própria crise capitalista que ajudou a criar. Apostou na orgia financeira e agora afunda com os títulos tóxicos. Além disso, ela sofre com a multiplicação de emissoras abertas e de jornais gratuitos. Por último, vale destacar a perda de credibilidade dos veículos tradicionais. Pesquisa da Universidade do Sagrado Coração revelou que menos de 20% dos estadunidenses acreditam no noticiário jornalístico – número que despencou 27% em cinco anos. “Menos de uma em cada cinco pessoas acredita no que lê na imprensa”, apontou o relatório “O estado da mídia”, de 2007. O descrédito cresceu devido às mentiras veiculadas após a invasão do Iraque e deu espaço para o crescimento de sítios e blogs progressistas nos EUA e na Europa.
Um caso exemplar é o da página eletrônica Huffington Post, fundada em maio de 2005 e que se projetou ao desmascarar os impérios midiáticos que aderiram à política de Bush. Já na campanha de Barack Obama, ela registrou visitas diárias de 11 milhões de pessoas. A sua equipe é reduzida e o noticiário é compartilhado por milhares de voluntários, entre eles, mais de 1.800 blogueiros. O fenômeno da blogosfera progressista já preocupa os barões da mídia. Numa palestra recente, o editor-executivo do New York Times, Bill Keller, atacou os que “mastigam e reciclam notícias”. Após afirmar que “a grande imprensa perdeu seu verniz de confiabilidade absoluta”, Arianna Huffington disparou: “Os blogueiros não mastigam notícias, eles cospem notícias”.
A ditadura da mídia, como se nota, não é inabalável. A sua perda de credibilidade tende a crescer com o acirramento da luta de classes no mundo. Como aponta Pascual Serrano, no texto citado, o declínio atual decorre, entre outros fatores, da “crise de identidade” (o público já não confia nos veículos, tendo provado várias vezes como eles mentem e ocultam os elementos fundamentais da realidade); “crise de objetividade” (o mito da neutralidade sucumbe e a confiança no jornalismo despenca com ele); “crise de autoridade” (a internet e as novas tecnologias revelam a capacidade das organizações sociais e dos jornalistas alternativos para enfrentar o poder das corporações midiáticas); e da “crise de informação” (a dinâmica mercantilista e a necessidade de aumentar a produtividade e a rentabilidade provocam a perda de qualidade da atividade jornalística).
NOTAS
26- Ryszard Kapuscinski. “Reflejan los medios la realidade del mundo?”. Le Monde Diplomatique, 24/02/2001.
27- Eric Alterman. “O futuro dos jornais”. Folha de S.Paulo, “Caderno Mais!”, 08/06/08.
- Extraído do primeiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado em julho passado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
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