Por Francisco Fonseca, no site Carta Maior:
O governo do prefeito Fernando Haddad vem promovendo algumas importantíssimas reformas e transformações que não aparecem na grande mídia, mas têm sido captadas pelo cidadão comum que vive e transita na cidade de São Paulo. Torna-se fundamental compreender quais e como esses avanços instituem políticas públicas transformadoras e incipientes novas relações democráticas.
Embora se trate de um governo com diversas ordens de problemas, tanto internos como derivados da draga do sistema político brasileiro, pois marcado pela coalizão e de financiamento privado, algumas grandes iniciativas merecem destaque, nesse cerca de um ano e meio de governo.
Em primeiro lugar, o destravamento da participação popular, embotada pelos obscurantistas Governos Serra/Kassab. Várias iniciativas merecem destaque: a criação do Conselho da Cidade, com mais de uma centena de membros, à luz do que ocorre no Governo Federal, é claramente a sinalização de um governo que quer ouvir a sociedade politicamente organizada. Mas destaque especial deve ser dado à criação do Conselho de Representantes em cada subprefeitura, pois se trata da mais significativa demonstração de apoio à democracia representativa de base, em que o cidadão comum pode se eleger e consequentemente participar, propor, vetar e fiscalizar ações das subprefeituras.
Várias subprefeituras já começaram a mobilizar seus representantes, assim como a ouvir suas demandas e as dos cidadãos em diversas regiões – por metodologias diversas –, o que é algo inteiramente inédito, em contraste ao obscurantismo simbolizado pela indicação de coronéis nas gestões Serra/Kassab para comandar as subprefeituras. Aliás, é fundamental lembrar que o então prefeito José Serra entrou com liminar no STF, ainda hoje não apreciada, vetando o Conselho de Representantes então aprovado pelo Plano Diretor da época.
Deve-se notar, nesse contexto, o profundo esvaziamento das subprefeituras em termos orçamentários, políticos, programáticos e de elaboração/implementação de políticas públicas efetivado nesses tempos sombrios do serrismo, o que torna essa iniciativa do Governo Haddad fundamental tanto à participação popular como à sinalização de que a descentralização – embora haja muito a avançar no próprio atual governo – é a alternativa ao enfrentamento dos grandes desafios de uma cidade como São Paulo.
Como aludido, algumas subprefeituras já têm realizado interessantes e inovadores processos de reflexão sobre o bairro – afinal, os conselheiros das subprefeituras atuam nos bairros – e a cidade e sobre o próprio papel dos conselheiros. Esse momento político democrático tem aberto espaço para a criação de métodos de audição das demandas, interesses e desejos dos cidadãos, na perspectiva “de baixo para cima”, isto é, sem pautas pré-definidas, o que implica a priorização potencial, por subprefeitura, de temas prioritários de debates e representação a partir dos próprios cidadãos, sendo, em determinados casos, os conselheiros porta-vozes dessas demandas surgidas na base da representação.
Por si só isso representa um rico processo de construção daquilo que Archon Fung chamou de “minipúblicos”, isto é, espaços de representação e deliberação relativamente autônomos surgidos da base da sociedade. Embora, no caso dos conselhos das subprefeituras, seja iniciativa do Poder Executivo municipal, há grande espaço para autonomia, invenção e participação autônoma, cabendo, dessa forma, o conceito de minipúblico em cada subprefeitura, uma vez que decididamente descentralizado.
Mesmo que, reitere-se, a agenda descentralizante – motivação para a criação das subprefeituras, em substituição às então Regionais – tenha muito a avançar quanto à autonomia orçamentária e administrativa e quanto à capacitação e empoderamento voltados à formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas, entre outros aspectos, é alvissareira a retomada da agenda participatória e descentralizante em São Paulo. Retomada em razão de os únicos avanços nessa direção terem vindos das ex-prefeitas Luíza Erundina e Marta Suplicy, e seguidamente embotados pelos antipopulares Governos Maluf/Pitta e Serra/Kassab.
Ainda nessa linha, o Conselho do Transporte (público) também foi criado e representa resposta do poder público municipal às manifestações de junho/2013, abrindo pela primeira vez a “caixa preta” das planilhas de custos do sistema de transporte. Diversos outros conselhos têm sido criados nessa perspectiva de incluir o cidadão comum, seja diretamente seja por meio de representantes, na vida da cidade. Tem-se observado, nesse sentido, não apenas vontade de participar, como o demonstram os números dos eleitos e suas votações, dados num contexto de baixa divulgação e de quase desprezo da grande mídia, como a preocupação do cidadão comum com um dos aspectos mais drásticos das grandes cidades: a especulação imobiliária. Mesmo sabendo-se não ser da competência legal dos representantes das subprefeituras atuar num tema exclusivo de legislação parlamentar, inúmeros conselheiros e, mais ainda, parcelas expressivas de cidadãos comuns têm demonstrado preocupação com a tomada do Estado pelos interesses do capital imobiliário: daí o tema da especulação imobiliária ser uma espécie de símbolo da redemocratização atual da cidade e da apropriação de seus espaços, pois vigorosamente esvaziados e travados pelos Governos Serra/Kassab.
Do ponto de vista das políticas públicas, a democratização do transporte é marcante, isto é, a priorização do transporte público sobre o particular tem sido outro aspecto fundamental de retomada, pelo Governo Haddad, de iniciativas instauradas pelos Governos Erundina e Marta, agora com novas modalidades que ampliam a utilização do bilhete único, mas sobretudo com a implantação das faixas exclusivas para ônibus em toda a cidade. Trata-se de medida com custos baixos, de efeito imediato e que aponta para a criação de uma nova cidade, em que o espaço das vias públicas progressivamente está sendo direcionado à esmagadora maioria dos habitantes e transeuntes de São Paulo: os que se utilizam do transporte público, notadamente do ônibus, que em São Paulo transporta cerca de seis milhões de passageiros ao dia. Mais ainda, os indicadores demonstram que a velocidade média dos ônibus tem aumentando constantemente, e que em determinadas faixas chega a até 80% a mais.
Não é por acaso que os 12% dos habitantes que se utilizam exclusivamente de automóveis e que são – desproporcionalmente – representados pela grande imprensa (jornais, revistas, rádios e televisões) têm no Governo Haddad seu inimigo declarado. Igual destaque deve ser dado à criação dos corredores de ônibus em locais estratégicos. Não é por acaso também que a foi a Fiesp a instituição que conseguiu barrar, no Poder Judiciário, outra iniciativa democratizando do Governo Haddad referente ao aumento do IPTU progressivo, uma vez que democratizador de um dos principais impostos municipais. Grande mídia, Fiesp e Poder Judiciário – sempre com exceções honrosas – formam uma tríade elitista sempre disposta a barrar políticas públicas e programas que revertam as históricas prioridades governamentais em prol dos pobres na principal cidade do país.
Voltando às inovações quanto ao transporte, o Projeto “CET no Seu Bairro” tem feito também inédita reversão de prioridades, isto é, voltado suas ações à mobilidade, além de atuar para além do centro expandido, isto é, em direção às grandes periferias historicamente esquecidas. Trata-se de um conjunto de intervenções, que vão desde a instalação das referidas faixas exclusivas de ônibus que cortam a cidade até intervenções urbanísticas na área de transporte, trânsito, acessibilidade, sinalização e mobilidade, entre outras, que significam a presença do Estado (municipal) nas áreas periféricas. Guardadas as devidas proporções, simbolicamente há certa semelhança com a ocupação das favelas do Rio de Janeiro pelos aparatos públicos, não apenas policiais, uma vez que, reitere-se, o poder público no que tange ao transporte/trânsito/mobilidade historicamente relegou a periferia a, de fato, um lugar periférico também na agenda governamental.
Nunca é demais assinalar o descaso com que os Governos Serra/Kassab e, antes, Maluf/Pitta, trataram o amplo e majoritário universo periférico de São Paulo: as poucas iniciativas inclusivas tiveram o tom ou de populismo casuístico ou de mera vitrine eleitoral de programas ínfimos. Avanços na área de participação e transporte colocam o Governo Haddad na linhagem dos Governos Erundina e Marta, o que pode ser exemplificado pelas aludidas revisões de prioridades, o que não é pouco para uma cidade complexa e elitista como São Paulo.
Por fim, e também em contraste com os governos conservadores da linhagem Maluf, Pitta, Serra e Kassab, ressalte-se os vigorosos progressos na área de transparência e combate à corrupção com a criação da Controladoria Geral do Município (CGM). A partir da experiência de sua congênere federal, da qual o controlador geral e outros membros provieram, a CGM tem desbarato máfias poderosíssimas e com potencial lesivo bilionário: as máfias de licenciamento de imóveis e do IPTU, sem contar a criação de mecanismos de gestão capazes de cruzar dados de servidores públicos envolvidos com fiscalização.
Nesse sentido, a suposta e autointitulada marca do PSDB de “partido da gestão competente” se desfaz inteiramente, tendo em vista o completo sucateamento dos mecanismos fiscalizatórios, dos recursos humanos públicos – que na gestão Serra/Kassab tiveram aumentos vexaminosos de 0,01% ao ano durante os dois mandatos – e da gestão pública, uma vez que fortemente privatizada, terceirizada e contratualizada e sem diretrizes e fiscalização programática e financeira.
Não bastasse isso, o processo de transparência, por meio seja da ampliação da participação popular, seja da criação da CGM e de mecanismos de gestão fiscalizatórios afins, seja ainda da reversão de prioridades com a participação das comunidades locais torna-se claramente mais eficaz e eficiente, diferentemente do que prega a cartilha neoliberal. Afinal, numa sociedade democrática os fins (políticas públicas transformadoras) e os meios (formas pelas quais se pretende atingir tais fins, notadamente pela gestão e pelo controle social) devem ser consoantes.
Por todo esse contexto, do qual o legado Serra/kassabisa é trágico – fins e meios –, a Gestão Haddad, apesar de inúmeras fragilidades e problemas, é, sem qualquer dúvida, infinitamente melhor aos pobres do que as de seus dois últimos predecessores. Certamente seu até aqui um ano e meio é muito superior aos oito anos de flagrante atraso dos Governos Serra/kassab.
A expectativa dos setores populares e progressistas é que as medidas aqui analisadas possam ser aprofundadas, e outras tantas criadas, tornando-se a gestão na cidade de São Paulo um possível paradigma para outras gestões progressistas nas macrometrópoles.
Falta, contudo, ao Governo Haddad, melhorar significativamente sua comunicação com a população – por meios diversos, sobretudo os populares –, saindo do cerco elitista dos privilegiados que querem a priorização do automóvel individual, o baixo valor de seus IPTUs nos bairros de classe média alta e a cidade voltada aos negócios, ao capital e ao consumo. A batalha da comunicação é uma batalha política, tal como as analisadas aqui.
Além disso, a descentralização, por meio das subprefeituras, como dissemos tem amplo potencial ainda pouco utilizado: caberia de fato ter um projeto político de descentralização a ser implantado em curto prazo e, para tanto, a experiência dos Conselhos de Representantes, paralelamente aos movimentos sociais, é fundamental na construção desse histórico projeto.
Por fim, a revisão do Plano Diretor é igualmente alvissareira, embora – como não poderia deixar de ser – se dê em meio a pressões assimétricas de todo tipo, a começar pelo impetuoso capital especulativo. A relatoria do vereador Nabil Bonduki tem sido garantia de um processo aberto e orgânico e sua própria visão de urbanista contempla vastos interesses populares. A questão, como sempre, é a capacidade da maioria dos cidadãos, constituída por pessoas pobres e sem acesso à cidade – que cada vez é mais sitiada –, de pressionar o poder público num sistema político pulverizado e de certa forma privatizado pelo sistema eleitoral e pelo financiamento privado das campanhas.
Apesar de todas as assimetrias, aliás históricas, os diversos avanços – estrategicamente pouco divulgados pela mídia – do Governo Fernando Haddad necessitam de divulgação e de ampliação com vistas a interceder na correlação de forças sociais no município de São Paulo.
O que tem sido feito nesse um ano e meio é um sinal de que o que se considera “possível” é sempre relativo e depende de vontade política, de projeto de governo, de apoios e de visão tática e estratégica do que está em jogo a partir do município de São Paulo.
* Francisco Fonseca, cientista político e historiador, é professor de ciência política no curso de Administração Pública e Governo na FGV/SP.
O governo do prefeito Fernando Haddad vem promovendo algumas importantíssimas reformas e transformações que não aparecem na grande mídia, mas têm sido captadas pelo cidadão comum que vive e transita na cidade de São Paulo. Torna-se fundamental compreender quais e como esses avanços instituem políticas públicas transformadoras e incipientes novas relações democráticas.
Embora se trate de um governo com diversas ordens de problemas, tanto internos como derivados da draga do sistema político brasileiro, pois marcado pela coalizão e de financiamento privado, algumas grandes iniciativas merecem destaque, nesse cerca de um ano e meio de governo.
Em primeiro lugar, o destravamento da participação popular, embotada pelos obscurantistas Governos Serra/Kassab. Várias iniciativas merecem destaque: a criação do Conselho da Cidade, com mais de uma centena de membros, à luz do que ocorre no Governo Federal, é claramente a sinalização de um governo que quer ouvir a sociedade politicamente organizada. Mas destaque especial deve ser dado à criação do Conselho de Representantes em cada subprefeitura, pois se trata da mais significativa demonstração de apoio à democracia representativa de base, em que o cidadão comum pode se eleger e consequentemente participar, propor, vetar e fiscalizar ações das subprefeituras.
Várias subprefeituras já começaram a mobilizar seus representantes, assim como a ouvir suas demandas e as dos cidadãos em diversas regiões – por metodologias diversas –, o que é algo inteiramente inédito, em contraste ao obscurantismo simbolizado pela indicação de coronéis nas gestões Serra/Kassab para comandar as subprefeituras. Aliás, é fundamental lembrar que o então prefeito José Serra entrou com liminar no STF, ainda hoje não apreciada, vetando o Conselho de Representantes então aprovado pelo Plano Diretor da época.
Deve-se notar, nesse contexto, o profundo esvaziamento das subprefeituras em termos orçamentários, políticos, programáticos e de elaboração/implementação de políticas públicas efetivado nesses tempos sombrios do serrismo, o que torna essa iniciativa do Governo Haddad fundamental tanto à participação popular como à sinalização de que a descentralização – embora haja muito a avançar no próprio atual governo – é a alternativa ao enfrentamento dos grandes desafios de uma cidade como São Paulo.
Como aludido, algumas subprefeituras já têm realizado interessantes e inovadores processos de reflexão sobre o bairro – afinal, os conselheiros das subprefeituras atuam nos bairros – e a cidade e sobre o próprio papel dos conselheiros. Esse momento político democrático tem aberto espaço para a criação de métodos de audição das demandas, interesses e desejos dos cidadãos, na perspectiva “de baixo para cima”, isto é, sem pautas pré-definidas, o que implica a priorização potencial, por subprefeitura, de temas prioritários de debates e representação a partir dos próprios cidadãos, sendo, em determinados casos, os conselheiros porta-vozes dessas demandas surgidas na base da representação.
Por si só isso representa um rico processo de construção daquilo que Archon Fung chamou de “minipúblicos”, isto é, espaços de representação e deliberação relativamente autônomos surgidos da base da sociedade. Embora, no caso dos conselhos das subprefeituras, seja iniciativa do Poder Executivo municipal, há grande espaço para autonomia, invenção e participação autônoma, cabendo, dessa forma, o conceito de minipúblico em cada subprefeitura, uma vez que decididamente descentralizado.
Mesmo que, reitere-se, a agenda descentralizante – motivação para a criação das subprefeituras, em substituição às então Regionais – tenha muito a avançar quanto à autonomia orçamentária e administrativa e quanto à capacitação e empoderamento voltados à formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas, entre outros aspectos, é alvissareira a retomada da agenda participatória e descentralizante em São Paulo. Retomada em razão de os únicos avanços nessa direção terem vindos das ex-prefeitas Luíza Erundina e Marta Suplicy, e seguidamente embotados pelos antipopulares Governos Maluf/Pitta e Serra/Kassab.
Ainda nessa linha, o Conselho do Transporte (público) também foi criado e representa resposta do poder público municipal às manifestações de junho/2013, abrindo pela primeira vez a “caixa preta” das planilhas de custos do sistema de transporte. Diversos outros conselhos têm sido criados nessa perspectiva de incluir o cidadão comum, seja diretamente seja por meio de representantes, na vida da cidade. Tem-se observado, nesse sentido, não apenas vontade de participar, como o demonstram os números dos eleitos e suas votações, dados num contexto de baixa divulgação e de quase desprezo da grande mídia, como a preocupação do cidadão comum com um dos aspectos mais drásticos das grandes cidades: a especulação imobiliária. Mesmo sabendo-se não ser da competência legal dos representantes das subprefeituras atuar num tema exclusivo de legislação parlamentar, inúmeros conselheiros e, mais ainda, parcelas expressivas de cidadãos comuns têm demonstrado preocupação com a tomada do Estado pelos interesses do capital imobiliário: daí o tema da especulação imobiliária ser uma espécie de símbolo da redemocratização atual da cidade e da apropriação de seus espaços, pois vigorosamente esvaziados e travados pelos Governos Serra/Kassab.
Do ponto de vista das políticas públicas, a democratização do transporte é marcante, isto é, a priorização do transporte público sobre o particular tem sido outro aspecto fundamental de retomada, pelo Governo Haddad, de iniciativas instauradas pelos Governos Erundina e Marta, agora com novas modalidades que ampliam a utilização do bilhete único, mas sobretudo com a implantação das faixas exclusivas para ônibus em toda a cidade. Trata-se de medida com custos baixos, de efeito imediato e que aponta para a criação de uma nova cidade, em que o espaço das vias públicas progressivamente está sendo direcionado à esmagadora maioria dos habitantes e transeuntes de São Paulo: os que se utilizam do transporte público, notadamente do ônibus, que em São Paulo transporta cerca de seis milhões de passageiros ao dia. Mais ainda, os indicadores demonstram que a velocidade média dos ônibus tem aumentando constantemente, e que em determinadas faixas chega a até 80% a mais.
Não é por acaso que os 12% dos habitantes que se utilizam exclusivamente de automóveis e que são – desproporcionalmente – representados pela grande imprensa (jornais, revistas, rádios e televisões) têm no Governo Haddad seu inimigo declarado. Igual destaque deve ser dado à criação dos corredores de ônibus em locais estratégicos. Não é por acaso também que a foi a Fiesp a instituição que conseguiu barrar, no Poder Judiciário, outra iniciativa democratizando do Governo Haddad referente ao aumento do IPTU progressivo, uma vez que democratizador de um dos principais impostos municipais. Grande mídia, Fiesp e Poder Judiciário – sempre com exceções honrosas – formam uma tríade elitista sempre disposta a barrar políticas públicas e programas que revertam as históricas prioridades governamentais em prol dos pobres na principal cidade do país.
Voltando às inovações quanto ao transporte, o Projeto “CET no Seu Bairro” tem feito também inédita reversão de prioridades, isto é, voltado suas ações à mobilidade, além de atuar para além do centro expandido, isto é, em direção às grandes periferias historicamente esquecidas. Trata-se de um conjunto de intervenções, que vão desde a instalação das referidas faixas exclusivas de ônibus que cortam a cidade até intervenções urbanísticas na área de transporte, trânsito, acessibilidade, sinalização e mobilidade, entre outras, que significam a presença do Estado (municipal) nas áreas periféricas. Guardadas as devidas proporções, simbolicamente há certa semelhança com a ocupação das favelas do Rio de Janeiro pelos aparatos públicos, não apenas policiais, uma vez que, reitere-se, o poder público no que tange ao transporte/trânsito/mobilidade historicamente relegou a periferia a, de fato, um lugar periférico também na agenda governamental.
Nunca é demais assinalar o descaso com que os Governos Serra/Kassab e, antes, Maluf/Pitta, trataram o amplo e majoritário universo periférico de São Paulo: as poucas iniciativas inclusivas tiveram o tom ou de populismo casuístico ou de mera vitrine eleitoral de programas ínfimos. Avanços na área de participação e transporte colocam o Governo Haddad na linhagem dos Governos Erundina e Marta, o que pode ser exemplificado pelas aludidas revisões de prioridades, o que não é pouco para uma cidade complexa e elitista como São Paulo.
Por fim, e também em contraste com os governos conservadores da linhagem Maluf, Pitta, Serra e Kassab, ressalte-se os vigorosos progressos na área de transparência e combate à corrupção com a criação da Controladoria Geral do Município (CGM). A partir da experiência de sua congênere federal, da qual o controlador geral e outros membros provieram, a CGM tem desbarato máfias poderosíssimas e com potencial lesivo bilionário: as máfias de licenciamento de imóveis e do IPTU, sem contar a criação de mecanismos de gestão capazes de cruzar dados de servidores públicos envolvidos com fiscalização.
Nesse sentido, a suposta e autointitulada marca do PSDB de “partido da gestão competente” se desfaz inteiramente, tendo em vista o completo sucateamento dos mecanismos fiscalizatórios, dos recursos humanos públicos – que na gestão Serra/Kassab tiveram aumentos vexaminosos de 0,01% ao ano durante os dois mandatos – e da gestão pública, uma vez que fortemente privatizada, terceirizada e contratualizada e sem diretrizes e fiscalização programática e financeira.
Não bastasse isso, o processo de transparência, por meio seja da ampliação da participação popular, seja da criação da CGM e de mecanismos de gestão fiscalizatórios afins, seja ainda da reversão de prioridades com a participação das comunidades locais torna-se claramente mais eficaz e eficiente, diferentemente do que prega a cartilha neoliberal. Afinal, numa sociedade democrática os fins (políticas públicas transformadoras) e os meios (formas pelas quais se pretende atingir tais fins, notadamente pela gestão e pelo controle social) devem ser consoantes.
Por todo esse contexto, do qual o legado Serra/kassabisa é trágico – fins e meios –, a Gestão Haddad, apesar de inúmeras fragilidades e problemas, é, sem qualquer dúvida, infinitamente melhor aos pobres do que as de seus dois últimos predecessores. Certamente seu até aqui um ano e meio é muito superior aos oito anos de flagrante atraso dos Governos Serra/kassab.
A expectativa dos setores populares e progressistas é que as medidas aqui analisadas possam ser aprofundadas, e outras tantas criadas, tornando-se a gestão na cidade de São Paulo um possível paradigma para outras gestões progressistas nas macrometrópoles.
Falta, contudo, ao Governo Haddad, melhorar significativamente sua comunicação com a população – por meios diversos, sobretudo os populares –, saindo do cerco elitista dos privilegiados que querem a priorização do automóvel individual, o baixo valor de seus IPTUs nos bairros de classe média alta e a cidade voltada aos negócios, ao capital e ao consumo. A batalha da comunicação é uma batalha política, tal como as analisadas aqui.
Além disso, a descentralização, por meio das subprefeituras, como dissemos tem amplo potencial ainda pouco utilizado: caberia de fato ter um projeto político de descentralização a ser implantado em curto prazo e, para tanto, a experiência dos Conselhos de Representantes, paralelamente aos movimentos sociais, é fundamental na construção desse histórico projeto.
Por fim, a revisão do Plano Diretor é igualmente alvissareira, embora – como não poderia deixar de ser – se dê em meio a pressões assimétricas de todo tipo, a começar pelo impetuoso capital especulativo. A relatoria do vereador Nabil Bonduki tem sido garantia de um processo aberto e orgânico e sua própria visão de urbanista contempla vastos interesses populares. A questão, como sempre, é a capacidade da maioria dos cidadãos, constituída por pessoas pobres e sem acesso à cidade – que cada vez é mais sitiada –, de pressionar o poder público num sistema político pulverizado e de certa forma privatizado pelo sistema eleitoral e pelo financiamento privado das campanhas.
Apesar de todas as assimetrias, aliás históricas, os diversos avanços – estrategicamente pouco divulgados pela mídia – do Governo Fernando Haddad necessitam de divulgação e de ampliação com vistas a interceder na correlação de forças sociais no município de São Paulo.
O que tem sido feito nesse um ano e meio é um sinal de que o que se considera “possível” é sempre relativo e depende de vontade política, de projeto de governo, de apoios e de visão tática e estratégica do que está em jogo a partir do município de São Paulo.
* Francisco Fonseca, cientista político e historiador, é professor de ciência política no curso de Administração Pública e Governo na FGV/SP.
3 comentários:
Infelizmente o eleitor paulistano é como aquele fumante que dá uma parada no cigarro durante a gripe, e depois de curado volta a fumar.
Com a cidade em frangalhos, votam no PT. Melhorou um pouco, voltam a eleger os demotucanos. E o ciclo se repete.
Mas professores que votaram em Haddad
da Prefeitura estão achando este governo péssimo para a categoria dos professores. Fiquei pasma, porque votaram nele e já estão decepcionados. Faro que é muito cedo
pra decepção.
O texto acima mostra, com clareza, a orientação política do autor, que mais se preocupou em criticar as gestões anteriores do que em expor a sua ideia central, que era a de mostrara avanços implantados pela atual gestão da Prefeitura.
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