terça-feira, 17 de março de 2015

Problema de Dilma não é de comunicação

Por Igor Felippe, no blog Escrevinhador:

Mais de 500 mil pessoas saíram às ruas contra o governo Dilma em todo o país. A velha mídia diz que foram 2 milhões, com base em números evidentemente inflados pela Polícia Militar de diversos estados. Independente do número, a direita demonstrou uma capacidade mobilização que criou uma apreensão generalizada nos setores progressistas.

Esse processo de mobilização dos segmentos conservadores para esses protestos não começou ontem, mas tem raízes profundas lá em 2005. De lá pra cá, o PT ganhou três eleições presidenciais, mas quais instrumentos políticos construiu ou fortaleceu para enfrentar uma avalanche conservadora?

A ação política da direita incrustada no Poder Judiciário, na Polícia Federal, no Congresso e nos grandes meios de comunicação entrou em forte sintonia nesse período, colocando suas artilharias contra o governo.

A impressão que dá é que o comando do PT pensava que passaria desapercebido fazendo uma política de inclusão social, criação de emprego e valorização do salário mínimo, mantendo a lucratividade dos grandes empresários e sem aumentar a intensidade da luta política… Santa ingenuidade!

Uma leitura que tem ganhado força entre os blogueiros progressistas e nas universidades de comunicação, que repercute em setores críticos do PT, é que o problema central do governo é a dificuldade de comunicar com a sociedade.

A comunicação é parte do problema, decerto, mas não é a questão de fundo. Uma ação específica de comunicação corresponde a uma determinada estratégia política de uma organização ou campo político. A ausência de uma ação de comunicação é um sintoma, talvez o mais visível, do fracasso ou da falta de estratégia política do PT no governo. Aí que mora o problema.

Qual o projeto político estratégico do PT no governo federal? Como enfrentar os novos obstáculos que surgiram pela frente? Como encarar a forte reação dos setores de oposição ao governo depois de 13 anos?

Essas perguntas precisam ser respondidas para se compreender os limites do governo na área da comunicação. Um projeto político que não tem claro onde quer chegar não consegue desenvolver uma interlocução com a população.

O governo de composição de frações de classes liderado pelo PT teve como características a busca permanente de conciliação dos interesses divergentes, da despolitização da sociedade e da neutralização das organizações de esquerda.

O tipo de jornalismo insosso e inodoro desenvolvido nos instrumentos do governo federal, como a TV Brasil e a Agência Brasil, corresponde a essa tática de pacificar a luta de classes. Acredito que, se a Rede Globo passasse amanhã para as mãos do governo, os seus dirigentes não saberiam como usar essa artilharia da comunicação…

Só haverá um enfrentamento na área da comunicação se a estratégia passar do amortecimento das contradições para o acirramento da luta política, casando uma ação de governo para fortalecer a mobilização da sociedade e uma disputa ideológica com as forças neoliberais, que dirigem a oposição à presidenta Dilma.

O PT fugiu como o diabo da cruz dessa tática e apostou que poderia levar pra sempre em banho-maria, subindo o tom apenas nas eleições. No entanto, a água ferveu e não há outra saída diante da tática da direita, que é justamente acirrar a luta e fazer a batalha das ideias. Com suporte da mídia, milhares de pessoas foram às ruas manifestar sua insatisfação contra o governo nesse domingo.

As forças progressistas do movimento sindical, social e estudantil demonstraram que, independente da iniciativa governo, têm capacidade de mobilizar e fazer grandes protestos, com uma pauta avançada em defesa dos direitos, da soberania nacional e das reformas estruturas.

Somente será possível vencer essa luta se o governo cumprir o seu papel, assumindo uma tática de enfrentamento dos setores conservadores e lançando um programa de reformas estruturais.

Assim, estimulará a mobilização dos movimentos populares, ampliando a intervenção na sociedade e catalisando o sentimento difuso de insatisfação com o estado das coisas. Daí, sim, será possível colocar em curso uma estratégia de comunicação que corresponda ao novo momento político.

3 comentários:

Darcy Brasil Rodrigues da Silva disse...

A análise é quase perfeita. Peca apenas por depender da iniciativa do governo a virada do curso dos acontecimentos. Me parece que esse é o outro grande equívoco da crítica positiva ao governo. O PT e o PCdoB (partidos que integram a base do governo no plano institucional) jamais deveriam confundir, como confundiram, a sua atuação fora do governo com a sua atuação dentro do mesmo. O problema maior não é a falta de iniciativa do governo Dilma, mas a inexistência de um acúmulo, em termos de organização, mobilização e consciência política ideológica - e que deveria ter sido buscado, desde 2003 - por parte das forças de esquerda, visando disputar ( tomar a iniciativa, portanto) com as forças de centro, os rumos (as iniciativas) do governo. Assim, o articulista inverte o sinal ao considerar a questão da INICIATIVA POLÍTICA, fazendo-a depender do governo, esquecendo que por governo devemos entender todas as forças que o integram e que, entre essas forças, existem aquelas que não desejam tomar as referidas iniciativas,e que se encontram muito mais fortalecidas dentro do Congresso. Não se trata, sublinhe-se, da famigerada questão da governabilidade, entendida como a capacidade de governar com a correlação de forças DENTRO DO CONGRESSO. Trata-se outrossim da questão da pressão FORA DO CONGRESSO que, desde 2003, sempre fôra o fator fundamental para viabilizar um governo democrático e popular. O PT, assim como o PCdoB, se converteram em partidos que apoiam um governo que, sabidamente, nem sempre tomaria iniciativas que correspondem aos interesses que esses dois partidos afirmam defender, simplesmente porque trata-se - e desde sempre se tratou - de um governo disputado permanentemente, desde 2003, pelas forças que ajudaram a elegê-lo e que , de modo algum, tinham os mesmos interesses a defender. A meu ver, portanto, a grande responsável pela atual conjuntura política que vivemos foi a prevalência de uma concpção política ECONOMICISTA, POPULISTA E PATERNALISTA, por parte da esquerda que se representa no governo, que pretendeu, a grosso modo, governar para o povo, porém, sem governar com o povo, algo que depende de processos de mobilização, organização e conscientização política e ideológica operada em movimentos não institucionais fortalecidos e representativos de extratos populares expressivos. Assim, a iniciativa precisa partir dos movimentos sociais, criticando vigorosamente o governo, naqueles momentos em que este adota medidas como as medidas econômicas do ministro Levi, por não corresponder aos interesses que o PT e o PCdob - e demais partidos de esquerda- dizem defender. Somente assim, através dessa pressão de fora para dentro, a partir da mobilização SOBRE o governo NESSE MOMENTO, poderíamos esperar que os membros do referido governo se sentissem em condições de tomar medidas em sintonia com um programa popular correspondente ao defendido pelos movimentos sociais nas ruas. PS: a nossa capacidade de comunicação com a sociedade é potencialmente infinitamente maior do que o era, por exemplo, à época da mobilização pelas diretas já. Entretanto, aquela capacidade de comunicação correspondia a um acúmulo organizativo no movimento de massas que foi destroçado pela política economicista do PT.

Darcy Brasil Rodrigues da Silva disse...

Um lembrete. Está em curso em São Paulo uma greve de professores, deflagrada precisamente no dia 13 de março, data da realização das manifestações progressistas. A meu ver, todas as forças existentes em São Paulo e fora de São Paulo, deveriam se conjugar para fortalecer essa luta, para muito além das mensagens formais de apoio. Uma greve de um segmento da classe média de São Paulo, que contrasta com a classe média que saiu às ruas,e em luta contra um governo neoliberal,tucano, tem tudo para contribuir para organizar os movimentos sociais, fora e dentro do Estado de São Paulo, se for convenientemente apoiada, política e materialmente, por todas as forças políticas progressistas, sejam partidos como o PT, o PCdoB, Psol, etc, sejam sindicatos ou organizações como o MST, MTST etc. Ajudar como nunca, de forma combativa e determinada, os professores a vencerem essa luta contra o governo tucano,apode representar um inestimável ponto de virada para todos os movimentos sociais em São Paulo. Aqui em MG, a luta dos professores contra o governo Aécio foi uma das principais responsáveis pela vitória do candidato do PT no anos seguinte.

José Claudio de Paula disse...

A compreensão de que fazemos parte de um governo democrático e popular não pode nos fazer de advogados da acumulação capitalista, do aprofundamento da exploração da mão de obra e do enriquecimento de uma minoria... nós, militantes do PT, continuamos sendo defensores do socialismo e da superação da sociedade de classes... a aproximação com a militância de outros partidos da esquerda brasileira deve reforçar esse conteúdo e, ao mesmo tempo, deve assegurar que possamos influenciar a construção do futuro como já fizemos em outros momentos da história brasileira... é inegável que a redução de inúmeros preconceitos, o quase consenso sobre a importância da inclusão social e os avanços da democracia representativa e participativa são conquistas da maioria da população que aconteceram, em grande parte, por causa da atuação da esquerda...