sábado, 14 de outubro de 2017

"Ração pra pobres": Doria brinca com fogo

Por Gilberto Maringoni, na revista Fórum:

Não sei avaliar a qualidade da ração para pobres lançada por João Doria em vídeo para lá de bizarro. É bem possível que seja uma gororoba indigesta feita para saciar a demagogia endêmica do turista que ora ocupa a prefeitura de São Paulo.

Há algo mais grave na operação marqueteira. É o potencial socialmente desagregador da coisa.

Sem comparações mecanicistas, lembremos de como se deu a Revolta da Vacina, em novembro de 1904, no Rio de Janeiro. Ela irrompeu no bojo da campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, dirigida pelo governo federal.

A vacina em si era medida profilática positiva. A campanha fora proposta por Osvaldo Cruz e sua aplicação resultou em uma das medidas mais desastrosas da República Velha. Agentes sanitários tinham permissão para entrar em residências, acompanhados de escolta policial, para ministrar o medicamento.

Logo disseminou-se o boato de que a vacina era na verdade veneno para matar pobres. Pior: seria aplicada em partes íntimas das mulheres. Havia um caldo de cultura para lá de explosivo. Ainda não estava superada a brutal recessão produzida pelo governo Campos Salles (1898-1902), com o propósito de estabilizar a economia.

Não há indício algum que algo semelhante possa acontecer.

Mas se pegar a ideia de que Doria está destinando lixo aos pobres, as consequências podem levar a declinante popularidade do saltitante alcaide definitivamente para o ralo.

1 comentários:

DARCY BRASIL RODRIGUES DA SILVA disse...

Todos os restos de comida descartada podem, efetivamente, ser reaproveitados bioquimicamente. Na década de 1990, quando estudante de Medicina na UFMG (curso que abandonei por não ser capaz de conciliá-lo com o trabalho no CESEC do Banco do Brasil), me lembro de ter ouvido algo a respeito de pesquisas na universidade federal mineira que levaram ao desenvolvimento de uma farinha extremamente nutritiva, passível de ser acrescentada à refeição corriqueira de seres humanos , complementando-a com nutrientes indispensáveis ao bom funcionamento e desenvolvimento do organismo humano, melhorando, portanto, a nutrição das pessoas que viessem a utilizar essa farinha. O problema da proposta do Dória é o elitismo que sustentou a proposta. Deveríamos elogiar um governante qualquer que dissesse que destinaria recursos para o desenvolvimento de tecnologias destinadas ao aproveitamento dos descartes de comida, visando à produção de uma farinha como a que citei (essa é a forma final mais provável deste tipo de reciclagem de alimentos). O destino do produto final - da hipotética farinha com comprovado alto valor nutritivo e com sabor devidamente adequado ao paladar humano, de preferência neutro - poderia ser as creches e escolas públicas, onde se juntaria aos alimentos comprados junto aos pequenos produtores de alimentos. Mesmo em uma sociedade como a Noruega ou Japão, a produção de um alimento deste gênero deveria ser incentivado e acolhido como medida racionalmente correta. Portanto, a crítica ao Dória é correta porque a sua proposta foi envolvida com nítido caráter de classe, ao imaginar que tal alimento seria conveniente apenas aos pobres, e não a todos os membros de uma sociedade empenhada em aproveitar da melhor forma possível os recursos naturais, visando conviver em harmonia com o meio ambiente, otimizando o aproveitamento dos nutrientes produzidos, combatendo o desperdício absurdo e criminoso de alimentos, estimado em 30% de todo alimento que se produz no mundo.