Por Larissa Gould, no Centro de Estudos Barão de Itararé:
As experiências latino-americanas de políticas públicas de comunicação e de democratização do setor foram temas de debate no sábado (19), durante o Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas. Representantes de Bolívia, Equador e Venezuela relataram os processos pelos quais passaram para garantir a democratização e pluralização de seus meios de comunicação e enfrentar o conservadorismo da mídia hegemônica.
Participaram da mesa Tania Valentina Diaz, jornalista, deputada do Partido Socialista Unificado Venezuelano e vice-presidenta da Assembleia Nacional da Venezuela; Osvaldo Leon, coordenador da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI); e Amanda Dávila, jornalista e ex-ministra das Comunicações da Bolívia.
As experiências dos países tiveram que se adaptar às suas respectivas necessidades e dificuldades, explicam os debatedores, acrescentando que os processos ainda estão em andamento. Porém, os relatos deixam claro que já é possível colher frutos desse novo cenário midiático. Em comum, coube a percepção de que a construção de um país democrático passa, necessariamente, pela democratização de seus meios de comunicação.
Venezuela: democratizar para resistir
O processo vivido na Venezuela, explicado por Tania Diaz, guarda algumas semelhanças com o brasileiro. Por lá, a democratização da comunicação foi ferramenta fundamental para a defesa da democracia do país. O governo bolivariano é vítima de ofensivas conservadoras e sucessivas tentativas de golpe desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998. O episódio mais emblemático foi o golpe econômico, militar e midiático de 2002 – durante o golpe, a mídia teve participação decisiva mentindo, distorcendo e omitindo os acontecimentos.
Em 1998, quando Chávez assumiu o governo, o país passou pela construção de uma nova constituinte, com protagonismo popular. Essa nova Constituição já assegurava o direito à liberdade de expressão, estabelecendo que todos têm a liberdade de se expressar livremente, desde que não seja feita a propaganda de guerra, veiculação de elementos discriminatórios e que incentivem a violência, seguindo normas internacionais de direitos humanos.
Em 2002, o governo normatizou o funcionamento das rádios e televisões comunitárias, e criou a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, aprovada pela Assembleia Nacional. Diaz enfatizou a importância da organização popular: “Foram os jornalistas que começaram a se unir em grupos de comunicação comunitária e que começaram a se articular”.
Desde então, o governo passou a identificar as suas maiores dificuldades e por meio do aumento do acesso da internet (são quase 16 milhões de venezuelanos conectados) e formação (quase 2 milhões de cidadãos alfabetizados tecnologicamente) tem fortalecido os comunicadores comunitários e populares do país.
Embora o país tenha avançado muito nessa questão, como no Brasil e em outros países da América Latina, a campanha difamatória da mídia, nacional e internacional, segue ameaçando a legitima democracia do país. “A campanha midiática é parte da estratégia do capitalismo para fortalecer sua hegemonia”, conclui. “As mídias alternativas, comunitárias e populares são a principal força de resistência contra o golpismo”.
Equador: modernizar para democratizar
A Ley Orgánica de Comunicación equatoriana, responsável por impor limites aos grandes empresários do setor e ampliar a diversidade de atores na mídia, completou 2 anos. Osvaldo Leon, coordenador da Agência Latino-americana de Informação (Alai-Equador), explicou que, como na Venezuela, o Equador viu na democratização da mídia uma arma contra as ofensivas golpistas do poder econômico e seus representantes midiáticos.
No ano de 2012, os meios exerciam o papel de ‘oposição não eleita’, avalia Leon. A campanha sistemática contrária ao governo fez com que o presidente Rafael Correa determinasse que os ministros de seu governo não concedessem mais entrevistas para jornais, revistas e emissoras monopolizadas. Outra medida foi a suspensão de publicidade oficial nesses veículos. Na época, Correa declarou: “Por que temos de dar satisfação aos meios que nada mais querem do que encher os bolsos de dinheiro? Não vamos beneficiar empresas corruptas que não pagam impostos”.
A lei equatoriana para a mídia redistribui o espectro radioelétrico, sendo 33% para os meios privados, 33% para os públicos e 34% para meios comunitários. A legislação também determinou a eliminação de monopólios, ou seja, proíbe mais que uma concessão de frequência para emissoras de rádio AM e FM e emissoras de televisão, além de impedir concessões de radiodifusão em uma mesma província para familiares diretos até o segundo grau de parentesco. O processo de construção dessas leis foi feita com diálogo permanente com os movimentos sociais, destaca Leon.
Para o jornalista, só assim é possível garantir a pluralidade. “Antes, a regulação que vigorava tinha as regras e a lógica do setor privado. Para conseguir uma licitação para radiodifusão é preciso milhares de dólares. Que rádio comunitária tem esse valor?”. Por isso o país também criou ações afirmativas como crédito preferencial para a criação de mídias comunitárias e para a compra de equipamentos, isenção de impostos para a importação de aparelhos e acesso à capacitação para a gestão técnica e administrativa.
“Antes, a comunicação do país estava nas mãos dos banqueiros”, denuncia Leon. “Ao perderem parte de seu poder, acusaram o governo de impor uma ‘lei da mordaça’. Mas agora a diversidades de vozes que ecoam tiram a força dos que, outrora, dominavam e hegemonizavam as narrativas no Equador”.
Bolívia: Processo de ‘cambio’ fomenta comunicação popular
De acordo com Amanda Dávila, ex-ministra das Comunicações da Bolívia, um país como o seu não pode pensar em democracia sem pensar em democratização dos meios de comunicação. Até pouco tempo atrás, o povo boliviano sobrevivia com altíssimos índices de miséria, reduzidos significativamente com a ascensão de Evo Morales ao poder.
A ex-ministra pontuou os passos do processo de democratização dos meios de comunicação no país. O primeiro deles foi em 2009, quando a nova constituição boliviana contemplou um capítulo exclusivo para a comunicação. A legislação passou a proibir a constituição de monopólios ou oligopólios dos meios de comunicação. Como afirma, Dávila, “a Comunicação passou a ser uma política de Estado”, explica.
O processo de transformações vivido pelo país e a legislação do setor comunicacional possibilitou o fortalecimento dos comunicadores populares. O governo passou a investir em técnicos para a construção e formação desses atores, relata Dávila. “Também houve um esforço grande para fortalecer financeiramente, tecnicamente e humanamente os veículos estatais”, diz a ex-ministra. “Vemos o acesso à informação e a comunicação como um direito”.
Em 2011, conta Dávila, foi a aprovada a Lei Geral de Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação. Com a nova regulamentação, a distribuição dos canais de rádio e televisão passou a ser da seguinte forma: 33% ao Estado; 33% ao setor comercial privado; 17% ao setor social e comunitário; e 17% aos povos indígenas originários, camponeses e comunidades afrobolivianas – a inclusão e o empoderamento destes últimos setores é uma das marcas do processo levado a cabo por Evo Morales.
As concessões são feitas mediante decisão do Executivo, no caso das frequências do Estado; por licitação pública, para frequências destinadas ao setor comercial; e mediante concurso de projetos, para o setor social comunitário e dos povos originários, camponeses e afrobolivianos.
Apesar de haver pluralidade de opiniões e ideias na mídia boliviana – com uma simples ‘zapeada’ de canais na televisão do país andino é possível ver diversos setores da sociedade se expressando –, Dávila critica a posição golpista de alguns veículos. “Em um episódio, um renomado jornalista boliviano disse, no ar, que Evo Morales deveria lavar a boca antes de falar pois estava cheia de folha de coca”, recorda. “Na Bolívia o direito a liberdade de expressão é importante e é respeitado. Mas nossa preocupação é garantir o direito à informação de qualidade e verídica”.
As experiências latino-americanas de políticas públicas de comunicação e de democratização do setor foram temas de debate no sábado (19), durante o Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas. Representantes de Bolívia, Equador e Venezuela relataram os processos pelos quais passaram para garantir a democratização e pluralização de seus meios de comunicação e enfrentar o conservadorismo da mídia hegemônica.
Participaram da mesa Tania Valentina Diaz, jornalista, deputada do Partido Socialista Unificado Venezuelano e vice-presidenta da Assembleia Nacional da Venezuela; Osvaldo Leon, coordenador da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI); e Amanda Dávila, jornalista e ex-ministra das Comunicações da Bolívia.
As experiências dos países tiveram que se adaptar às suas respectivas necessidades e dificuldades, explicam os debatedores, acrescentando que os processos ainda estão em andamento. Porém, os relatos deixam claro que já é possível colher frutos desse novo cenário midiático. Em comum, coube a percepção de que a construção de um país democrático passa, necessariamente, pela democratização de seus meios de comunicação.
Venezuela: democratizar para resistir
O processo vivido na Venezuela, explicado por Tania Diaz, guarda algumas semelhanças com o brasileiro. Por lá, a democratização da comunicação foi ferramenta fundamental para a defesa da democracia do país. O governo bolivariano é vítima de ofensivas conservadoras e sucessivas tentativas de golpe desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998. O episódio mais emblemático foi o golpe econômico, militar e midiático de 2002 – durante o golpe, a mídia teve participação decisiva mentindo, distorcendo e omitindo os acontecimentos.
Em 1998, quando Chávez assumiu o governo, o país passou pela construção de uma nova constituinte, com protagonismo popular. Essa nova Constituição já assegurava o direito à liberdade de expressão, estabelecendo que todos têm a liberdade de se expressar livremente, desde que não seja feita a propaganda de guerra, veiculação de elementos discriminatórios e que incentivem a violência, seguindo normas internacionais de direitos humanos.
Em 2002, o governo normatizou o funcionamento das rádios e televisões comunitárias, e criou a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, aprovada pela Assembleia Nacional. Diaz enfatizou a importância da organização popular: “Foram os jornalistas que começaram a se unir em grupos de comunicação comunitária e que começaram a se articular”.
Desde então, o governo passou a identificar as suas maiores dificuldades e por meio do aumento do acesso da internet (são quase 16 milhões de venezuelanos conectados) e formação (quase 2 milhões de cidadãos alfabetizados tecnologicamente) tem fortalecido os comunicadores comunitários e populares do país.
Embora o país tenha avançado muito nessa questão, como no Brasil e em outros países da América Latina, a campanha difamatória da mídia, nacional e internacional, segue ameaçando a legitima democracia do país. “A campanha midiática é parte da estratégia do capitalismo para fortalecer sua hegemonia”, conclui. “As mídias alternativas, comunitárias e populares são a principal força de resistência contra o golpismo”.
Equador: modernizar para democratizar
A Ley Orgánica de Comunicación equatoriana, responsável por impor limites aos grandes empresários do setor e ampliar a diversidade de atores na mídia, completou 2 anos. Osvaldo Leon, coordenador da Agência Latino-americana de Informação (Alai-Equador), explicou que, como na Venezuela, o Equador viu na democratização da mídia uma arma contra as ofensivas golpistas do poder econômico e seus representantes midiáticos.
No ano de 2012, os meios exerciam o papel de ‘oposição não eleita’, avalia Leon. A campanha sistemática contrária ao governo fez com que o presidente Rafael Correa determinasse que os ministros de seu governo não concedessem mais entrevistas para jornais, revistas e emissoras monopolizadas. Outra medida foi a suspensão de publicidade oficial nesses veículos. Na época, Correa declarou: “Por que temos de dar satisfação aos meios que nada mais querem do que encher os bolsos de dinheiro? Não vamos beneficiar empresas corruptas que não pagam impostos”.
A lei equatoriana para a mídia redistribui o espectro radioelétrico, sendo 33% para os meios privados, 33% para os públicos e 34% para meios comunitários. A legislação também determinou a eliminação de monopólios, ou seja, proíbe mais que uma concessão de frequência para emissoras de rádio AM e FM e emissoras de televisão, além de impedir concessões de radiodifusão em uma mesma província para familiares diretos até o segundo grau de parentesco. O processo de construção dessas leis foi feita com diálogo permanente com os movimentos sociais, destaca Leon.
Para o jornalista, só assim é possível garantir a pluralidade. “Antes, a regulação que vigorava tinha as regras e a lógica do setor privado. Para conseguir uma licitação para radiodifusão é preciso milhares de dólares. Que rádio comunitária tem esse valor?”. Por isso o país também criou ações afirmativas como crédito preferencial para a criação de mídias comunitárias e para a compra de equipamentos, isenção de impostos para a importação de aparelhos e acesso à capacitação para a gestão técnica e administrativa.
“Antes, a comunicação do país estava nas mãos dos banqueiros”, denuncia Leon. “Ao perderem parte de seu poder, acusaram o governo de impor uma ‘lei da mordaça’. Mas agora a diversidades de vozes que ecoam tiram a força dos que, outrora, dominavam e hegemonizavam as narrativas no Equador”.
Bolívia: Processo de ‘cambio’ fomenta comunicação popular
De acordo com Amanda Dávila, ex-ministra das Comunicações da Bolívia, um país como o seu não pode pensar em democracia sem pensar em democratização dos meios de comunicação. Até pouco tempo atrás, o povo boliviano sobrevivia com altíssimos índices de miséria, reduzidos significativamente com a ascensão de Evo Morales ao poder.
A ex-ministra pontuou os passos do processo de democratização dos meios de comunicação no país. O primeiro deles foi em 2009, quando a nova constituição boliviana contemplou um capítulo exclusivo para a comunicação. A legislação passou a proibir a constituição de monopólios ou oligopólios dos meios de comunicação. Como afirma, Dávila, “a Comunicação passou a ser uma política de Estado”, explica.
O processo de transformações vivido pelo país e a legislação do setor comunicacional possibilitou o fortalecimento dos comunicadores populares. O governo passou a investir em técnicos para a construção e formação desses atores, relata Dávila. “Também houve um esforço grande para fortalecer financeiramente, tecnicamente e humanamente os veículos estatais”, diz a ex-ministra. “Vemos o acesso à informação e a comunicação como um direito”.
Em 2011, conta Dávila, foi a aprovada a Lei Geral de Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação. Com a nova regulamentação, a distribuição dos canais de rádio e televisão passou a ser da seguinte forma: 33% ao Estado; 33% ao setor comercial privado; 17% ao setor social e comunitário; e 17% aos povos indígenas originários, camponeses e comunidades afrobolivianas – a inclusão e o empoderamento destes últimos setores é uma das marcas do processo levado a cabo por Evo Morales.
As concessões são feitas mediante decisão do Executivo, no caso das frequências do Estado; por licitação pública, para frequências destinadas ao setor comercial; e mediante concurso de projetos, para o setor social comunitário e dos povos originários, camponeses e afrobolivianos.
Apesar de haver pluralidade de opiniões e ideias na mídia boliviana – com uma simples ‘zapeada’ de canais na televisão do país andino é possível ver diversos setores da sociedade se expressando –, Dávila critica a posição golpista de alguns veículos. “Em um episódio, um renomado jornalista boliviano disse, no ar, que Evo Morales deveria lavar a boca antes de falar pois estava cheia de folha de coca”, recorda. “Na Bolívia o direito a liberdade de expressão é importante e é respeitado. Mas nossa preocupação é garantir o direito à informação de qualidade e verídica”.
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