Por Lidia Baltra, no site Carta Maior:
Os meios de comunicação de direita martelam todos os dias a ideia de que são as únicas vozes imparciais e objetivas quando se tratar de apresentar la realidade dos fatos que acontecem em cada país e no mundo. Porém, o que fazem, na verdade, é propalar o seu modelo de vida e de sociedade como os únicos possíveis, discurso que é reforçado em períodos de eleições. Esta sim é uma situação que limita gravemente a liberdade de expressão.
Os donos desses meios negam espaço a qualquer visão política ou ideológica que fuja do pensamento hegemônico defendido por eles. As acirradas eleições presidenciais dos Estados Unidos talvez tenham derrubado um pouco esta retórica. Dias atrás, o diário conservador USA Today causou polêmica ao anunciar publicamente seu apoio à candidatura de Hillary Clinton, em aberta oposição a Donald Trump, que seria o candidato natural de um periódico que sempre esteve do lado do Partido Republicano.
Outros jornais tradicionalmente republicanos fizeram o mesmo depois, e o canal de notícias CNN também adotou a mesma linha. Assim, abandonaram a hipocrisia de que se tratava de uma cobertura imparcial – sem deixar de apoiar o setor que sempre representaram, já que ninguém espera que Clinton impulse mudanças mais profundas na sociedade norte-americana.
Por isso, aqueles que não estão no privilegiado grupo dos 1 % mais ricos reclamam pela ausência de outros modelos de vida e pontos de vista mais divergentes no leque de opiniões oferecido pelo pelos grandes veículos jornalísticos. “Necessitamos diversidade e pluralismo, algo que os Estados deveriam promover”, afirma o jornalista uruguaio Edison Lanza, Relator sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A hegemonia quase total da imprensa escrita, audiovisual e eletrônica está nas mãos da direita, nos Estados Unidos e em enorme parte da América Latina. Essa patologia tem um nome: concentração midiática, e continua se alastrando pelo nosso continente. No Chile, para citar um exemplo, 75% dos meios escritos estão concentrados em apenas dois grupos. No caso da televisão aberta, 89% dos canais pertencem aos três grupos mais poderosos, que não apresentam grandes diferenças ideológicas entre si – e só os poucos canais estatais quebram um pouco essa lógica, oferecendo algo mais de diversidade, mas não muito.
Esta e outras cifras no mesmo sentido foram entregues por estudiosos do fenômeno num seminário internacional sobre o tema, realizado recentemente em Santiago, convocado pelo Observacom (Observatório Latino-Americano de Regulação, Meios e Convergência) e pela Associação dos Jornalistas do Chile.
Entre as apresentações de outros vários países, se destacou um estudo dirigido pelo professor Guillermo Mastrini, da Universidade de Buenos Aires, que demonstra a concentração da imprensa escrita, dos meios audiovisuais (rádio e televisão), das telecomunicações (telefonia fixa e móvel) e da internet em cinco países: Argentina, Peru, Chile, Colômbia e México. Em todos esses casos, a concentração da propriedade dos meios superava os 90 %. Em telefonia fixa, a maior taxa de concentração são as da Argentina e do México. Em termos de telefonia celular, o Chile lidera o quesito, assim como em termos de televisão fechada.
A era da tevê digital trouxe a expectativa de uma abertura do espectro radioelétrico, onde nascem os canais, o que permitiria a entrada de novos operadores, com distintas propostas, gerando assim a ansiada diversidade. Mas não foi isso o que aconteceu. O sistema televisivo continua restrito às mesmas opções de outrora, apesar das longas (e finalmente infrutíferas) discussões legislativas em busca de mudanças.
Alguns países conseguiram ao menos gerar novas legislações medianamente mais favoráveis a um jornalismo e um espaço comunicacional em geral com mais pluralismo, reservando parte do espectro aos meios comunitários – chegando até a 40%, em alguns casos. Porém, o tempo passa e os operadores dos canais abertos continuam sendo os mesmos de sempre, o que faz com que a oferta de canais esteja presa à mesma visão única, que casualmente apoia o modelo político e econômico que nos mantém entre os países mais desiguales do mundo.
Se alguém ainda se pergunta, ingenuamente, porque esta situação não muda, a resposta é simples: porque existe uma colusão entre o poder dos meios de comunicação e o poder político/econômico. São forças que apoiam mutuamente, o que é facilitado pelo fato de que seus protagonistas representam o mesmo setor.
Outra razão é que, mesmo quando há alternância no poder e as novas autoridades são conscientes do problema da concentração midiática, é pouco ou nada o que se faz para combater o problema. Há quem defenda que isso acontece porque aqueles que poderiam se rebelar contra essa estrutura foram freados pelo temor ao boicote contra si por parte dessa mesma mídia, suas fotos já não apareceriam nos meios, as notícias já não seriam favoráveis, o que é fundamental para um político manter sua imagem perante o eleitorado.
Mas também há os que estão dispostos a atacar esta patologia, mas não sabem bem por onde começar, já que são muitas as frentes em que se deve atuar. Por exemplo, na distribuição das frequências radioelétricas (no caso das rádios), das licenças de concessões televisivas, da distribuição da publicidade estatal na imprensa, entre outros. Para complicar as coisas, os novos atores que desejam ingressar no sistema midiático, mesmo no caso dos meios eletrônicos, necessitam de um alto conhecimento tecnológico.
Algumas legislações que defendem a livre concorrência, aplicadas aos meios de comunicação, poderiam ser um aliado, se fossem efetivas ao denunciar a concentração do ponto de vista econômico e tecnológico, mas elas raramente se aplicam a este setor. Os indicadores para medir o pluralismo e a diversidade, que é o resultado que se espera na gestão dos meios, ainda não estão oficialmente estabelecidos.
No momento, a regulação estatal é a via capaz de produzir um melhor equilíbrio entre operadores e produções jornalísticas. Seria melhor ainda se fosse acompanhada de políticas públicas ativas, que permitissem desconcentrar a mídia.
* Publicado na Rádio Cooperativa. Tradução de Victor Farinelli.
Os donos desses meios negam espaço a qualquer visão política ou ideológica que fuja do pensamento hegemônico defendido por eles. As acirradas eleições presidenciais dos Estados Unidos talvez tenham derrubado um pouco esta retórica. Dias atrás, o diário conservador USA Today causou polêmica ao anunciar publicamente seu apoio à candidatura de Hillary Clinton, em aberta oposição a Donald Trump, que seria o candidato natural de um periódico que sempre esteve do lado do Partido Republicano.
Outros jornais tradicionalmente republicanos fizeram o mesmo depois, e o canal de notícias CNN também adotou a mesma linha. Assim, abandonaram a hipocrisia de que se tratava de uma cobertura imparcial – sem deixar de apoiar o setor que sempre representaram, já que ninguém espera que Clinton impulse mudanças mais profundas na sociedade norte-americana.
Por isso, aqueles que não estão no privilegiado grupo dos 1 % mais ricos reclamam pela ausência de outros modelos de vida e pontos de vista mais divergentes no leque de opiniões oferecido pelo pelos grandes veículos jornalísticos. “Necessitamos diversidade e pluralismo, algo que os Estados deveriam promover”, afirma o jornalista uruguaio Edison Lanza, Relator sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A hegemonia quase total da imprensa escrita, audiovisual e eletrônica está nas mãos da direita, nos Estados Unidos e em enorme parte da América Latina. Essa patologia tem um nome: concentração midiática, e continua se alastrando pelo nosso continente. No Chile, para citar um exemplo, 75% dos meios escritos estão concentrados em apenas dois grupos. No caso da televisão aberta, 89% dos canais pertencem aos três grupos mais poderosos, que não apresentam grandes diferenças ideológicas entre si – e só os poucos canais estatais quebram um pouco essa lógica, oferecendo algo mais de diversidade, mas não muito.
Esta e outras cifras no mesmo sentido foram entregues por estudiosos do fenômeno num seminário internacional sobre o tema, realizado recentemente em Santiago, convocado pelo Observacom (Observatório Latino-Americano de Regulação, Meios e Convergência) e pela Associação dos Jornalistas do Chile.
Entre as apresentações de outros vários países, se destacou um estudo dirigido pelo professor Guillermo Mastrini, da Universidade de Buenos Aires, que demonstra a concentração da imprensa escrita, dos meios audiovisuais (rádio e televisão), das telecomunicações (telefonia fixa e móvel) e da internet em cinco países: Argentina, Peru, Chile, Colômbia e México. Em todos esses casos, a concentração da propriedade dos meios superava os 90 %. Em telefonia fixa, a maior taxa de concentração são as da Argentina e do México. Em termos de telefonia celular, o Chile lidera o quesito, assim como em termos de televisão fechada.
A era da tevê digital trouxe a expectativa de uma abertura do espectro radioelétrico, onde nascem os canais, o que permitiria a entrada de novos operadores, com distintas propostas, gerando assim a ansiada diversidade. Mas não foi isso o que aconteceu. O sistema televisivo continua restrito às mesmas opções de outrora, apesar das longas (e finalmente infrutíferas) discussões legislativas em busca de mudanças.
Alguns países conseguiram ao menos gerar novas legislações medianamente mais favoráveis a um jornalismo e um espaço comunicacional em geral com mais pluralismo, reservando parte do espectro aos meios comunitários – chegando até a 40%, em alguns casos. Porém, o tempo passa e os operadores dos canais abertos continuam sendo os mesmos de sempre, o que faz com que a oferta de canais esteja presa à mesma visão única, que casualmente apoia o modelo político e econômico que nos mantém entre os países mais desiguales do mundo.
Se alguém ainda se pergunta, ingenuamente, porque esta situação não muda, a resposta é simples: porque existe uma colusão entre o poder dos meios de comunicação e o poder político/econômico. São forças que apoiam mutuamente, o que é facilitado pelo fato de que seus protagonistas representam o mesmo setor.
Outra razão é que, mesmo quando há alternância no poder e as novas autoridades são conscientes do problema da concentração midiática, é pouco ou nada o que se faz para combater o problema. Há quem defenda que isso acontece porque aqueles que poderiam se rebelar contra essa estrutura foram freados pelo temor ao boicote contra si por parte dessa mesma mídia, suas fotos já não apareceriam nos meios, as notícias já não seriam favoráveis, o que é fundamental para um político manter sua imagem perante o eleitorado.
Mas também há os que estão dispostos a atacar esta patologia, mas não sabem bem por onde começar, já que são muitas as frentes em que se deve atuar. Por exemplo, na distribuição das frequências radioelétricas (no caso das rádios), das licenças de concessões televisivas, da distribuição da publicidade estatal na imprensa, entre outros. Para complicar as coisas, os novos atores que desejam ingressar no sistema midiático, mesmo no caso dos meios eletrônicos, necessitam de um alto conhecimento tecnológico.
Algumas legislações que defendem a livre concorrência, aplicadas aos meios de comunicação, poderiam ser um aliado, se fossem efetivas ao denunciar a concentração do ponto de vista econômico e tecnológico, mas elas raramente se aplicam a este setor. Os indicadores para medir o pluralismo e a diversidade, que é o resultado que se espera na gestão dos meios, ainda não estão oficialmente estabelecidos.
No momento, a regulação estatal é a via capaz de produzir um melhor equilíbrio entre operadores e produções jornalísticas. Seria melhor ainda se fosse acompanhada de políticas públicas ativas, que permitissem desconcentrar a mídia.
* Publicado na Rádio Cooperativa. Tradução de Victor Farinelli.
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