Por José Luís Fiori e William Nozaki, no site Outras Palavras:
"Eu gostaria de enfatizar que qualquer ataque de um submarino americano de mísseis balísticos, independentemente de suas características, será percebido como um ataque com armas nucleares. E, de acordo com nossa doutrina militar, uma ação desse tipo seria considerada motivo para uso retaliatório de armas nucleares pela Rússia" - Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa (in I. Gielow, “Rússia ameaça EUA com ataque nuclear”, FSP, 30/04/20)
Quando a China identificou a existência da epidemia do coronavírus, em dezembro de 2019, o mundo já estava sob pressão de duas grandes forças ou tendências internacionais de longo prazo, e altamente corrosivas: a da “saturação sistêmica” [
1] e a da “fragmentação ética” [
2] em escala global. Desde seu nascimento na Europa, durante o “longo século XVI” (1450-1650), o “sistema interestatal” expandiu-se de forma contínua, e de maneira cada vez mais acelerada, até alcançar sua plena globalização no final do século XX, em uma história que não foi linear. Esta envolveu uma competição e uma belicosidade quase permanentes entre seus Estados, que aumentaram seu poder, individual e coletivamente, na forma de grandes “explosões expansivas”, como a que estamos vivendo no início do século XXI. Essas “explosões expansivas” começaram no século passado, com a plena incorporação de grandes unidades territoriais, como foi o caso da Índia, e depois da China e da Rússia, em um sistema composto por 60 Estados ao fim da Segunda Guerra, e que hoje conta com cerca de 200 membros. No passado, quando ocorreram explosões similares, provocadas pelo aumento da pressão competitiva, elas foram acompanhadas, invariavelmente, de um aumento da desordem interna do sistema, de um movimento expansivo deste para fora de suas antigas fronteiras e, finalmente, de algum tipo de “guerra hegemônica” que ajudou a refazer a ordem e a hierarquia do sistema, depois de sua expansão dentro e fora da Europa. E tudo indica, neste início do século XXI, que a própria tendência à “fragmentação ética” do sistema mundial – em pleno curso – torne o atual processo de explosão e entropia o mais amplo da História.