sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Índios: os ruralistas contra-atacam

Por Bruna Bernacchio, no sítio Outras Palavras:

O chamado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) levou milhares de pessoas às ruas para protestar, na semana de Mobilização Nacional Indígena, em pelo menos dez cidades do país e fora dele, em Londres. Durante cinco dias, representantes de mais de cem etnias ficaram acampados em frente ao Congresso Nacional, em Brasília – cenas que não se via desde a Constituinte.


Não se sabe ainda até que ponto a Semana de Mobilização Indígena alterou a correlação de forças políticas. Antes mesmo da chegada dos indígenas a Brasília, em 1º/10, os ruralistas já tinham desaparecido do Congresso e as atividades relacionadas à questão indígena haviam sido canceladas pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Ao final da semana, porém, já em 9/10, fizeram nova ofensiva. Para exigir a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 (que transfere o poder de decisão sobre a demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio ao Congresso Nacional), a bancada tentou obstruir a votação da MP do Programa Mais Médicos, de interesse do governo federal. Não funcionou: a MP foi aprovada.

Contudo, a PEC 215 seria apenas o boi de piranha da armadilha preparada para os indígenas, como observa o escritor Marcelo Degrazia. Daniel Pierri, pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios, concorda. “O fato é que a PEC 215 não parece ser o principal objetivo dos ruralistas. Eles colocam isso em pauta no Congresso, pra ameaçar o movimento indígena, pra ameaçar as organizações a se mobilizarem contra isso [...] e pelos cantos estão colocando uma série de outros projetos de lei, igualmente nocivos ao direito indígena e à sociedade brasileira. E o objetivo deles é de fato aprovar esses outros projetos”, afirmou, no primeiro programa da rádio web Observatório dos Ruralistas.

Passada a visibilidade da Semana, surgiu outra armadilha, ainda mais perigosa: o Projeto de Lei do Senado (PLS) 417/2011, aprovado na última quarta-feira pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). De roupagem inocente, propõe a seguinte alteração em texto do Estatuto do Índio: “que a demarcação de terras indígenas somente será realizada após a realização de trabalhos técnicos que atestem o efetivo caráter indígena da comunidade interessada e o caráter tradicional da ocupação”.

O perigo mora nas entrelinhas: por “caráter tradicional da ocupação” entendem que somente os grupos que se fixaram oficialmente em determinado território antes da Constituição de 1988 seriam considerados. A verdadeira intenção é não apenas evitar mais demarcações de terras indígenas, mas desqualificar as que já foram homologadas.

Na linha de frente do ataque estão treze deputados ruralistas. A sistematização das informações sobre eles, também resultantes da Semana de Mobilização Indígena, está sendo feita em conjunto por algumas organizações da sociedade civil. Ela identifica os parlamentares que apoiam os projetos que aumentam o poder do agronegócio e passam por cima das comunidades tradicionais e da preservação da natureza.

Governo

Diante da Mobilização, uma única reação foi manifestada pela presidente Dilma Rousseff: pelo twitter, disse que desaprova a PEC 215. Nada declarou sobre o pedido de reunião feito pelos representantes indígenas. Até aqui, seu governo tem o pior desempenho na regularização de Terras Indígenas desde o início do período da redemocratização, em 1985. Atualmente, 21 processos de demarcação estão parados – 14 aguardam sua assinatura de homologação.

Em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado, durante a mobilização, a liderança indígena Jurandir Guarany deixou bem claro: “Se o governo e o Congresso não cumprem a Constituição, também não obedeceremos o Estado. Vamos retomar e demarcar nossas terras do nosso modo”. Ainda na audiência, Jurandir e outros representantes indígenas anunciaram que no ano que vem, quando ocorrem eleições e Copa do Mundo, pretendem realizar retomadas de terras e trancamentos de rodovias caso as demarcações não avancem e os projetos anti-indígenas não sejam arquivados.

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