terça-feira, 3 de abril de 2018

Mídia e a soberania informativo-cultural

Por Beto Almeida, no jornal Brasil Popular:

Extremamente necessário o curso realizado pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé – “Como enfrentar retrocessos?”, na semana passada em São Paulo, destinado a equipar o campo progressista com um leque de medidas práticas e de uma avaliação na esfera da comunicação popular, para um momento político que, embora ainda marcado por iniciativas golpistas, tem também revelado sinais de que uma reviravolta, em favor da democracia, não está descartada. E, conforme apontam o crescimento da popularidade de Lula e a recepção às suas caravanas, se surgir outra oportunidade de democratização da mídia, o campo progressista não tem qualquer razão ou justificativa para repetir os tremendos erros do passado recente.

Entre as grandes oportunidades perdidas para democratizar a mídia – nos governos Lula e Dilma – está aquela crise que levou a Rede Globo, em 2003, a solicitar ao BNDES que a salvasse das gravíssimas dificuldades financeiras. Na época, surgiu do campo popular uma sugestão: ao invés de simplesmente conceder mais um financiamento ao Conglomerado dos Marinho, medida conservadora, a oportunidade recomendava que o banco estatal se tornasse sócio da solicitante, comprando parte de suas ações com o que o governo federal poderia atuar na tomada de decisões da empresa. A proposta popular foi rejeitada, o empréstimo foi concedido, a Rede Globo foi salva pelo estado que tanto hostiliza editorialmente, e, como resultado, adicionou doses mortais de venenos golpistas em seu anti-jornalismo e em sua imunda grade de programação, brutalizando os mais mínimos padrões civilizatórios.

Lembramos durante o Curso do Barão, quantas outras oportunidades perdidas, que hoje nos cobram amarga fatura, deixamos de aproveitar para avançar na democratização da comunicação. No campo das TVs comunitárias, uma simples mudança por portaria administrativa, permitiria que este ramo da comunicação, por meio de mídia institucional, fosse fortalecido, dinamizado, equipado e qualificado, já que pela Lei do Cabo, sancionada por FHC, as emissoras comunitárias ainda são impedidas de ter acesso à publicidade. De FHC não caberia esperar outra coisa.

Apenas um exemplo para uma ideia de ordem de grandeza sobre o que chamamos de “oportunidades democratizantes perdidas”: estima-se que os gastos publicitários apenas com a Copa do Mundo e a Olimpíada, alcançaram a soma de 2 bilhões de reais, sendo 70 por cento do bolo abocanhados pelas Organizações Globo, aquela salva por um crédito estatal, lá em 2003. Todos os exemplos conduzem a uma conclusão basilar: os governos progressistas renunciaram à tarefa de construir outro modelo de comunicação.

Nos últimos meses tivemos pelo menos três declarações autocríticas de dirigentes petistas na área da comunicação. A primeira, de Lula, afirmando, agora, que irá regulamentar os meios de comunicação, o que de vários modos poderia ter realizado quando tinha as ferramentas nas mãos, o que não tem agora. É um honesto e justo reconhecimento do que deixou de fazer, tal como ao revisar a injusta hostilidade em relação a Getúlio Vargas, por meio de homenagem recente ao ex-presidente, em seu Mausoléu, na cidade de São Borja.

A segunda declaração vem de Dilma Rousseff, que, na presidência, chegou a repetir uma frase muito musical e harmônica aos ouvidos dos Marinho: o único controle social sobre a mídia que reconheço é o controle remoto. O que significou não fazer nada para mudar o controle antissocial. Aquela visão explicava porque as Teses da Conferência Nacional de Comunicação, que também contou com a participação de ramos empresariais, foram lamentavelmente engavetadas. Como moldura, tivemos a participação do Ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, no Congresso da ABERT, onde declarou ser favorável à “flexibilização da Voz do Brasil”. Pauta preciosa para a ABERT. Bernardo não prestou atenção na revisão histórica que Lula já fazia sobre o criador da Voz do Brasil, Getúlio Vargas.

A terceira declaração veio do ex-prefeito Fernando Haddad, que, ao buscar explicar sua derrota para João Dória afirmou que “o povo paulistano não estava informado das nossas realizações”. Mas, é importante informar que Haddad optou por não usar a prerrogativa que a lei 12485 lhe dava para criar – sem necessidade de outra aprovação parlamentar – uma emissora de tv municipal, que, pelas dimensões da capital, já teria um público estimado inicial, em torno de 1 milhão de telespectadores. Quando as tiragens dos jornais paulistas perdem volume e credibilidade, pode-se calcular que a tv municipal paulistana poderia ter cumprido relevante papel na informação democrática e cidadã, com possibilidade de evitar, quem sabe, até mesmo o desastre doriano. A prerrogativa legal está à disposição de governadores e prefeitos.

Uma parte do compromisso que Lula vem assumindo de público pela regulamentação da mídia, inclusive porque atribui, acertadamente, à TV Globo, o clima de ódio instalado no país suscita um outro debate para o movimento de democratização dos meios de comunicação. Diz Lula que não quer o modelo de regulamentação de Cuba, ou da China, mas o da Inglaterra. Ora, vale observar que a Inglaterra é país imperialista, altamente belicista, cujos meios de comunicação, incluindo a BBC, atuam em perfeita sintonia com esta agenda imperial hostil aos países em desenvolvimento e da periferia do mundo. Basta verificar a hostilidade editorial da BBC em relação a Cuba, à Venezuela, ou em defesa da ocupação militar criminosa da Líbia ou mesmo sustentando as agressões externas contra a Síria, com participação, ilegal, de militares ingleses. Acrescente-se, o noticiário permanente da BBC contra a Causa Palestina, contra a Revolução Iraniana, em favor de sanções à Rússia, numa linha editorial claramente otanista.

Sim, regulamentar a mídia é justo e necessário, gritantemente. Mas que tal pensar num caminho próprio, de acordo com as nossas condições. Quando, para as exigências vitais do desenvolvimento nacional, o Brasil precisou de petróleo, construímos a Petrobras e uma tecnologia rigorosamente nacional com capacidade de extrair petróleo a 7 mil metros no fundo do mar. Esta tecnologia é referência internacional, e é totalmente brasileira, embora esteja sendo criminosamente entregue. O desafio que pode ser lançado para o campo da comunicação é: se fomos capazes de inventar os meios para buscar petróleo a 7 mil metros no fundo do mar, por que não seríamos capazes, como forças progressistas brasileiras, de inventar um sistema de comunicação democrático que nos permitisse anunciar ao mundo, naquele momento, que o Brasil tinha saído do Mapa da Fome da ONU, e, agora, produzir comunicação com soberania informativo-cultural para ser parte das alavancas indispensáveis da emancipação estratégica do povo brasileiro?

1 comentários:

Anônimo disse...

É isso aí Beto. Agora o lulismo fica vertendo lágrimas de arrependimento pelo que não fez, e deveria tê-lo feito, com promessas de resgatar os erros. Não acredito nessas promessas do lulismo até porque o que falta ao PT e ao Lula é coragem e determinação. Isso nunca tiveram, infelizmente.