Em 1928 o Partido Social Democrata da Alemanha (PSDA) obteve uma grande vitória eleitoral e formou um novo governo ao lado do Partido Popular e do Partido de Centro – católico,representante da pequena-burguesia e da burguesia republicana alemã. O Partido Comunista também viu sua votação crescer. E a grande derrotada foi a extrema-direita. A República democrática alemã parecia mais fortalecida do que nunca.
A Alemanha ensaiava uma retomada do desenvolvimento econômico e a superação das crises que a atingiam sucessivamente desde o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Esta situação criou um clima de otimismo entre parcelas importante dos trabalhadores. Mas este desenvolvimento era frágil e, em grande parte, sustentado pelos altos investimentos realizados pelo imperialismo estadunidense. Além disto, quase toda sua produção era destinada aos mercados externos, particularmente para os próprios Estados Unidos.
Apesar das aparências, a “paz social” e a democracia não eram sólidas. Existia ainda cerca de 1 milhão e meio de desempregados – fermento para a radicalização política. Neste clima, o governo social-democrata resolveu proibir as comemorações públicas do 1º de Maio. Na Prússia, o chefe da polícia e dirigente social-democrata Zörgiebel ordenou reprimir o ato promovido pelos trabalhadores comunistas, e o saldo foi 33 mortos e centenas de feridos – um acontecimento que ajudou a aumentar ainda mais o fosso existente entre socialistas e comunistas. Para os últimos a social-democracia e o fascismo passaram a ser considerados “farinha do mesmo saco”.
A crise da Bolsa de Nova Iorque, iniciada em outubro de 1929, teve efeito catastrófico na Alemanha. De repente, cessou todo ingresso de capitais estrangeiros e as portas do comércio internacional foram abruptamente fechadas. A fragilidade da economia alemã ficava assim claramente demonstrada. Centenas de indústrias faliram em pouco tempo e o índice de desemprego explodiu. No início de 1932 já existiam mais de 6 milhões de desempregados, o que representava cerca de ⅓ da força de trabalho do país.
Os grandes industriais queriam jogar o peso da crise nas costas dos trabalhadores e exigiram a diminuição de salários, o aumento da jornada de trabalho e a eliminação de direitos sociais. Uma das primeiras vítimas desta ofensiva conservadora foi o ministro das Finanças, o economista social-democrata Hilferding, destituído do cargo. O governo tentou fazer outras e maiores concessões à grande burguesia, como reduzir as pensões dadas aos desempregados, mas encontrou resistência de sua própria base parlamentar e dos sindicatos. E, em março de 1930, caiu o governo social-democrata. Melancolicamente ia chegando ao fim a República de Weimar, o curto período que vigorou a democracia parlamentar burguesa na Alemanha.
No lugar do social-democrata foi indicado um deputado do centro católico chamado Bruning. Não tendo maioria parlamentar, ele aproveitou-se de uma brecha na Constituição para governar através de decretos-lei. Dois meses depois de assumir, o governo dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições para setembro de 1930.
O maior partido alemão continuava sendo o PSDA, que diante do novo governo conservador adotou uma “política de tolerância”. Comprometia-se a não fazer qualquer oposição, na medida em que ele se mantivesse dentro da legalidade e defendesse a República. Afinal, segundo os social-democratas, um governo Bruning ainda seria melhor do que o governo Hitler.
Durante a crise, os comunistas também conheceram um significativo crescimento. Entre 1928 e 1930 passaram de 54 para 77 deputados e, em 1932, este número subiu para 100. Aumentou rapidamente a quantidade de filiados ao PCA, com grande parte deles formada de desempregados e de jovens trabalhadores. O proletariado mais velho das grandes fábricas permaneceu sob a influência da social-democracia. Havia, assim, uma grave cisão nas fileiras da classe operária alemã.
A euforia dos comunistas levou-os a não tirar todas as consequências dos resultados eleitorais. A maior novidade não era o crescimento do PCA, mas a acentuada expansão da extrema-direita nazi-fascista. Esta elegera apenas 12 deputados em 1928, no auge da recuperação econômica alemã, e 107 em 1930. Nas eleições de julho de 1932 pulou para 230 deputados. Ou seja, obtivera bem mais que o dobro de votos que os comunistas.
A Internacional Comunista e a teoria do social-fascismo
O VI Congresso da Internacional Comunista se realizou em julho de 1928. Nele, predominou uma concepção sectária e estreita sobre a política de alianças. Abandonou-se, na prática, a política de Frente Única estabelecida nos congressos anteriores; e foi desautorizado o estabelecimento de acordos políticos com as direções dos partidos e sindicatos social-democratas. As alianças, agora, só poderiam se dar com as bases operárias destas organizações reformistas.
Às vésperas da tomada do poder pelos nazistas, o principal dirigente do PCA, Thaelman, afirmou: “uma aliança entre o PCA e o PSDA é impossível (...) por motivos de princípios”. Continuou ele: “Nós comunistas, que rejeitamos fazer qualquer coisa de comum com os chefes do PSDA, tornamos a declarar que estamos, em qualquer tempo, dispostos a uma ação antifascista com os camaradas social-democratas da Reichbanner (Bandeira imperial) e com as organizações subordinadas que queiram lutar”.
Na prática, o inimigo principal passou a ser a social-democracia. Já em 1924 Zinoviev, presidente da Internacional Comunista, chegou a definir a social-democracia como a “ala esquerda do fascismo”. Na mesma linha, Stálin afirmou: “a social-democracia é objetivamente a ala moderada do fascismo”. Em outro texto disse: “O fascismo e a social-democrata são, não inimigos, mas gêmeos”. O fato era que, historicamente, o fascismo não poderia se implantar sem destruir completamente a social-democracia. Os dois fenômenos foram, portanto, de naturezas bastante distintas. A confusão quanto a isto contribuiria para a catástrofe que se seguiria.
Nas resoluções do VI Congresso da Internacional Comunista (IC) podemos ler: “Segundo as exigências da conjuntura política, a burguesia utiliza tanto métodos fascistas como as alianças com a social-democracia. No entanto, não é estranho que esta, em particular em momentos críticos para o capitalismo, assuma feições fascistas. No transcurso de sua evolução a social-democracia revela tendências fascistas”.
O termo social-fascismo adquiriu força após o massacre no 1° de Maio de 1929. Em julho daquele ano, na X Plenária da IC, o termo apareceu oficialmente numa de suas resoluções. A XII Plenária, realizada em setembro de 1932, ainda superestimava a força da corrente revolucionária na Alemanha e subestimava o poderio nazista. Por isso, defendeu que a palavra de ordem dos comunistas deveria ser “Por uma Alemanha Socialista e Soviética!”. Nada se dizia sobre a necessidade de constituir uma frente única com a social-democracia contra o nazismo, nem propugnava palavras de ordem de transição em defesa da democracia ameaçada.
A subestimação do significado da ditadura fascista pode ser aquilatada pelo discurso do dirigente e deputado comunista Remmele no Reichstag, em 14 de outubro de 1931. Afirmou ele: “quando eles (os fascistas) estiverem no poder, a unidade da frente proletária será realizada e varrerá tudo”. Esta falsa ideia ainda seria mantida por um breve período após a tomada do poder pelos nazistas.
O avanço nazista e as esquerdas alemãs
No começo de 1932 ocorreu eleição para presidência da República. Comunistas e social-democratas saíram separados. Os comunistas obtiveram 5 milhões de votos. No entanto, os dois candidatos mais votados foram Hindenburg e Hitler. No segundo turno Hindenburg contou com o apoio declarado da social-democracia – o que lhe garantiu uma tranquila vitória. Os comunistas se abstiveram.
Em junho Hindenburg demitiu Brüning e indicou em seu lugar o barão von Pappen, político da ala direita do Partido de Centro Católico. Este revogou a interdição aos grupos paramilitares nazistas e dissolveu o Parlamento, visando a garantir maioria conservadora nas eleições. A direita no poder resolveu derrubar o governo social-democrata na Prússia, através de uma intervenção federal anticonstitucional; ou seja, através de um golpe de Estado.
O Partido Comunista, sentindo o perigo, propôs a realização de uma greve geral contra a intervenção. O Partido Social-Democrata não aceitou a proposta e capitulou sem luta. O estado da Prússia possuía um corpo policial armado de cerca de 90 mil homens, em grande parte formado por ex-operários socialistas. Existiam ainda os grupos de autodefesa comunistas chamados Combatentes da Frente Vermelha e os agrupamentos armados dos social-democratas, os Reichbanner. A resistência operária e popular poderia significar o início de uma guerra civil, aquilo que menos queriam as lideranças social-democratas. Acreditavam que qualquer resultado advindo da mobilização revolucionária das massas, vitória ou derrota, lhes seria desfavorável.
Von Papen dissolveu novamente o Parlamento e convocou eleições para novembro de 1932. Desta vez os nazistas sofreram uma importante derrota. De 13,7 milhões de votos obtidos em março cairiam para 11,7 milhões; de 230 deputados reduziriam para 196. Os comunistas subiram de 89 para 100 deputados. O PSDA baixou de 133 para 121 deputados. A somatória dos dois partidos operários ainda era maior do que a do Partido Nazista tomado isoladamente. Nos dias seguintes os nazistas conheceriam sérios reveses nas eleições para as assembleias legislativas estaduais.
Entre setembro e novembro de 1932 uma onda grevista tomou conta da Alemanha. Destacou-se a greve dos transportes de Berlim que paralisou a cidade. A manutenção do impasse político e o aumento das lutas operárias começavam a amedrontar o grande capital financeiro. Era preciso pôr fim a esta crise interminável. Era preciso instaurar a ditadura aberta. A grande burguesia passou a defender a indicação de Hitler para a chancelaria do Reich. Hindeburg então destituiu Von Papen e indicou Von Schleicher. Este, por sua vez, ficaria apenas dois meses.
Os comunistas, além de subestimar a proposta de frente única, tendiam a considerar todos os governos autoritários como fascistas. Os governos Brüning e Von Papen já eram definidos como fascistas. Esta confusão desarmava os trabalhadores. Afinal, que diferença existiria entre o governo Brüning-Papen e um governo Hitler? Nenhuma. Eram considerados variações de um mesmo tema: o fascismo. A própria social-democracia era definida como ala esquerda do fascismo. Perdeu-se de vista, assim, quem seria o inimigo principal a ser derrotado e isso impossibilitou a conquista de novos aliados, ainda que precários.
Essa confusão durou até que, em 30 de janeiro de 1933, o presidente constitucional Hindenburg nomeou Adolf Hitler para o cargo de chanceler. Assim, os bandidos nazistas chegavam ao poder dentro da legalidade burguesa, respeitando a Constituição de Weimar. Mais uma vez a social-democracia capitulou e recusou a proposta de realizar uma greve geral. Confortava-lhe a ideia de que Hitler houvesse chegado ao poder por vias constitucionais e não por um golpe de Estado, como era previsto. Afinal, os nazistas eram minoritários no novo governo formado por uma coalizão de vários partidos conservadores. Era preciso manter a ordem e a legalidade, diziam muitas lideranças socialistas. No fundo, esperavam ingenuamente derrotar a direita nas próximas eleições parlamentares.
O nazista Frick foi indicado para o Ministério do Interior e Göring para a mesma função no principal estado alemão, a Prússia. Sua primeira medida foi demitir todos os oficiais e policiais suspeitos aos olhos dos nazistas, e incorporar à polícia do Estado os membros das SA e SS, tropas de choque hitleristas. Em uma de suas primeiras ordens do dia, afirmou: “Os oficiais de polícia que utilizarem armas de fogo na execução de seu dever pode contar com todo o apoio, independentemente das consequências de seus atos”. Começava o reino do terror.
Na madrugada de 27 de fevereiro de 1933 o Parlamento Alemão (Reichstag) foi incendiado e a acusação recaiu sobre o Partido Comunista Alemão. Na mesma noite cerca de 5 mil comunistas foram presos, e vários assassinados. Montou-se um processo-farsa contra o PCA e a Internacional Comunista.
Em 5 de março, poucos dias após uma grande repressão aos comunistas, se realizaram novas eleições. As principais cidades alemãs foram tomadas de assalto pela propaganda nazista. Parecia que, da noite para o dia, haviam desaparecido os socialistas e comunistas. Não se via suas propagandas em parte alguma. O Partido Nazista conquistou 17.250 milhões de votos. No entanto, apesar da violenta repressão, a social-democracia elegeu 120 deputados e o Partido Comunista 81. O “perigo socialista” reaparecia e precisava ser extirpado de uma vez por todas. Mal acabou a apuração, no dia 9, o PCA foi colocado na ilegalidade. Vários dirigentes social-democratas também foram presos ou obrigados a se exilar.
Com a cassação de todos os deputados comunistas e de alguns social-democratas, os nazistas e seus aliados passaram a ter maioria no Reichstag e no dia 23 de março apresentaram a “Lei de Autorização” revogando de fato a Constituição ainda em vigor e autorizando o governo nazista a ditar leis, sem a necessária aprovação do Parlamento. Esta lei foi aprovada por 441 votos contra apenas 94 – isto era o que restava da bancada social-democrata.
O PSDA, buscando manter-se na legalidade a qualquer preço, fez concessões inadmissíveis. Concordou em expulsar de suas fileiras os judeus e não incorporar na sua direção os exilados. Tudo isso de nada lhe valeu. Em maio o partido e seus sindicatos foram colocados fora da lei, os deputados cassados e vários dirigentes presos. No dia 14 de julho foram dissolvidos todos os partidos políticos, salvo o Partido Nazista. A ditadura terrorista estava agora consolidada.
As lições da derrota: nascem as frentes populares
Mesmo após a vitória do nazismo, não havia por parte dos comunistas plena compreensão do que estava ocorrendo na Alemanha e continuavam com uma visão triunfalista, que não correspondia à realidade adversa. Em março um documento da Internacional Comunista afirmava: “a calma atual que se seguiu à vitória do fascismo é apenas um fenômeno transitório. O ascenso revolucionário na Alemanha crescerá inevitavelmente, apesar do terror fascista (...). A instalação da ditadura fascista aberta, destruindo todas ilusões democráticas das massas e libertando-as da influência social-democrata, acelera o ritmo do desenvolvimento da Alemanha em direção à revolução proletária.”. Para os comunistas, apesar de tudo, havia algo de positivo na vitória de Hitler: o fim das ilusões democráticas e o desmascaramento da social-democracia entre as massas. Um erro grave que, rapidamente, precisaria ser corrigido se a classe operária quisesse romper o cerco de ferro e fogo que se construía em torno dela.
Felizmente, em 1935, a Internacional Comunista realizou uma guinada de 180 graus na sua política e, no seu VII Congresso, passou a compreender melhor o real perigo que representava a ofensiva nazi-fascista e a advogar a constituição de amplas frentes de caráter democrático e popular contra essa ameaça. O nazi-fascismo passou a ser considerado o inimigo principal a ser derrotado.
O informe de Georgy Dimitrov, apresentado naquele encontro, se tornou um dos principais documentos do movimento comunista internacional e significou uma ruptura com o período anterior no qual predominava o esquematismo e o esquerdismo. Para ele, “a subida do fascismo ao poder não era uma simples mudança de um governo burguês, mas sim a substituição de uma forma estatal de dominação de classe da burguesia – a democracia burguesa – por outra das suas formas, a ditadura terrorista declarada. Ignorar essa diferença é um grave erro, que impede o proletariado revolucionário de mobilizar as mais amplas camadas de trabalhadores da cidade e do campo contra a ameaça de tomada de poder pelos fascistas, assim como tirar proveito das contradições existentes no seio da própria burguesia”.
A autocrítica comunista expressa no documento era bastante dura: “O fascismo chegou ao poder, antes de mais nada, porque a classe operária achava-se dividida, desarmada política e organicamente frente à burguesia que partia para a ofensiva. Triunfou também porque o proletariado se encontrava isolado dos aliados naturais, os camponeses e a pequena-burguesia urbana”. Continua ele: “Nas nossas fileiras (...) existia a inconcebível subestimação do perigo fascista que, até o presente momento, não foi liquidada (...). O esquerdismo entre nós já não é uma ‘doença infantil’, como dizia Lênin, mas um vício arraigado, e sem nos livrarmos dele não poderemos criar uma Frente Única. Na situação atual, o sectarismo orgulhoso, satisfeito da sua estreiteza doutrinária, satisfeito com seus métodos simplistas para tentar resolver problemas complicados sobre a base de esquemas cortados por um modelo pronto, distanciado da vida real das massas, entorpece nosso esforço de construir a Frente Popular”.
Dimitrov aproveita também para recolocar de maneira correta a relação dos comunistas com a democracia burguesa: “Nós (...) defendemos nos países capitalistas, palmo a palmo, as liberdades democrático-burguesas contra as quais atentam o fascismo e a reação. Nós não somos anarquistas e não nos pode ser, de maneira alguma, indiferente qual regime político impera num dado país; se a ditadura burguesa em forma de democracia burguesa ou a ditadura burguesa, na sua forma mais descarada, fascista. Sem deixarmos de ser partidários da democracia soviética, defenderemos palmo a palmo as condições democráticas arrebatadas pela classe operária durante anos de luta acirrada e lutaremos decididamente por ampliá-las. O proletariado de todos os países verteu muito sangue para conquistar as liberdades democrático-burguesas e, é óbvio, que lute com todas as suas forças para conservá-las”. Graças a esta nova política, advogada por Dimitrov, a Internacional Comunista, os comunistas puderam se colocar na vanguarda do movimento mundial contra o nazi-fascismo e esmagá-lo em 1945.
* Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução burguesa: encontros e desencontros e Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos pela Editora Anita Garibaldi.
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