Por Lécio Morais, no site da Fundação Maurício Grabois:
Desde o último dia 26 de agosto que o Banco Central vem intervindo no mercado de câmbio com um novo instrumento. Em vez de usar swaps futuros, que ao fim de certo período, geralmente de 30 dias, paga um prêmio ao investidor se o dólar não se elevar, ele passou a vender dólares físicos. Isso impediu que o dólar ultrapasse a taxa de 4,20 reais – um número mágico que tem mais razões psicológicas do que financeiras.
A intervenção do nosso Banco Central responde a um movimento de câmbio que está sendo considerado negativo aos interesses de nossa economia. Esse mesmo tipo de intervenção – mas em sentido inverso – ocorreu também na China no início de agosto, quando o Banco da China “permitiu” que sua moeda se desvalorizasse cinco centésimos acima de sete yuans – um outro patamar mágico.
No caso da China, a desvalorização, de imediato, provocou a acusação do governo americano de que o enfraquecimento do yuan é uma manipulação cambial para prejudicar os Estados Unidos, uma retaliação comercial. Em seguida, o Tesouro americano enquadrou-a oficialmente como manipuladora cambial.
As agências de notícias logo reproduziram o discurso pró-americano e informaram ser a desvalorização do yuan uma represália à nova imposição de tarifas pelo governo Trump.
A manipulação cambial de que se acusa a China é definida pelo FMI e pelos EUA com uma política cambial de seguidas desvalorizações da moeda nacional para baratear suas exportações, uma prática comercial considerada desleal para com seus concorrentes.
O Banco Central chinês negou a manipulação cambial, por ela não se enquadrar na definição canônica, argumentando que a desvalorização do yuan ocorreu devido a uma resposta do mercado ao aumento do fluxo de saídas de capitais da China. Um fluxo cambial que ocorre desde 2018, devido a escalada agressiva de tarifação dos EUA contra as exportações chinesas, recentemente agravada por Trump.
Na verdade, a China vem evitando a desvalorização do yuan, mantendo-o estável desde 2015, como decorrência de sua política de comércio exterior, que promovia a estabilidade dos preços das importações, ao mesmo tempo em que estabilizava a pressão americana. Isso custou caro às reservas da China. No entanto, durante todo esse período, a China nunca foi acusada de manipular seu câmbio.
Comentando essa desvalorização, Joseph Stiglitz, em recente artigo no site Project Syndicate (Trump’s Deficit Economy), comenta que o “mais irônico é o fato de que o recente declínio na taxa de câmbio da China surgiu porque a China deixou de interferir na taxa de câmbio, parando de sustentar a taxa de câmbio do yuan”.
O fato de o banco central chinês acompanhar o movimento do mercado de câmbio, não significa que essa autoridade fixe uma taxa corrente. O banco chinês certamente influencia e age no mercado, vendendo e comprando divisas, utilizando para tanto suas reservas. E assim o faz para defender a estabilidade e objetivos prioritários do país. Essa presença do banco central junto ao mercado ocorre em todo o lugar do mundo, inclusive nos EUA. É isso que o FED faz a cada 45 dias, nas atas de reuniões do seu conselho monetário, e até diariamente, ao aceitar reservas bancárias. Em situações de estresse, o banco central intervém e é necessário que assim o faça, não para salvar especuladores, mas para proteger a economia, o país e a sociedade. Todos fazem isso, basta que aconteça situações críticas.
Porém, se um país sofre uma fuga continuada de capitais – como é o caso da China desde o início da “guerra comercial” em 2018 e que se agravou ultimamente – sua moeda tem que se desvalorizar em algum momento. Sustentar uma moeda tem custo, há perdas de divisas.
Ademais, uma desvalorização do yuan também não é favorável à China. Desde os primeiros anos do século, o balanço comercial chinês tem-se mantido equilibrado, exportações empatam com importações. O superavit que ela tem com os EUA, é compensado pelo deficit que ela tem com outros países. Uma desvalorização eleva o preço interno das importações e, pior, prejudica todos seus parceiros comerciais.
O caso brasileiro
No caso brasileiro, a situação é exatamente a mesma. Assim como na China, estamos enfrentando uma fuga de capitais desde 2018 e que tem se acelerado no último mês. Nos últimos 12 meses, saíram da bolsa 30 bilhões de dólares, sendo 10 bilhões só em agosto. A razão é, em parte, a mesma da China, a fuga para buscar proteção em títulos do governo americano.
Na verdade, nessa lógica idealista e oportunista de Trump, haveria muito mais razão de sermos considerados um país que manipula seu câmbio. Aqui, o problema é termos um mercado de câmbio menor. Enquanto as transações cambiais cotidianas alcançam um giro normal de algumas centenas de milhões de dólares, nas grandes bolsas, esse giro chega a vários bilhões de dólares e o número de moedas conversíveis é também maior. Sendo menor, nosso mercado não tem profundidade, o que faz com que, frequentemente, falte liquidez, com todos querendo comprar sem ninguém na outra ponta querendo vender, e vice-versa.
O que obriga o Banco Central, mesmo em condições normais, a intervir semanalmente ou mesmo diariamente no mercado, comprando ou vendendo dólar. Uma iniciativa que permite artificialmente que possamos ostentar a existência de um mercado de moedas, embora para que funcione ele precise ser pesadamente subsidiado
Mas, em vez de proteger nossa balança comercial o funcionamento desse mercado só beneficia o capital, reduzindo seus riscos, com o Banco Central assumindo parte desses riscos, esforçando-se para manter o câmbio estável e compatível com a política monetária contracionista. Geralmente, essa ação estabilizadora é feita por meio de operações de swap que simulam uma compra ou venda de dólares, sem que os tomadores, investidores e especuladores tenham que ter dólares.
Agora, o Brasil, tal como a China, vem enfrentando uma fuga de dólares, que buscam a segurança nos títulos do Tesouro americano, devido à instabilidade mundial, causada principalmente pela política do America First de Trump.
Por essa razão, o fluxo de saída de dólares se acelerou. E o Banco Central mudou de tática, passando a utilizar como ação estabilizadora não mais os swaps, mas a venda de dólares físicos. Assim, o custo da intervenção foi transferido, passando da dívida pública para a perda de reservas.
Essa não é a melhor política para a economia brasileira. Ela, certamente, envolve uma evidente manipulação cambial, mas por ser sobremaneira favorável aos capitais financeiros, subsidiando-os, é considera positiva. Mas não é desenhada para ajudar nossa economia.
Na aparência, os casos da China e do Brasil parecem semelhantes, ambas não trazem benefícios às suas exportações, a diferença é que o banco chinês, assim como outros grandes bancos centrais, não subsidia seu mercado de câmbio, nem este parasita o seu governo.
Desde o último dia 26 de agosto que o Banco Central vem intervindo no mercado de câmbio com um novo instrumento. Em vez de usar swaps futuros, que ao fim de certo período, geralmente de 30 dias, paga um prêmio ao investidor se o dólar não se elevar, ele passou a vender dólares físicos. Isso impediu que o dólar ultrapasse a taxa de 4,20 reais – um número mágico que tem mais razões psicológicas do que financeiras.
A intervenção do nosso Banco Central responde a um movimento de câmbio que está sendo considerado negativo aos interesses de nossa economia. Esse mesmo tipo de intervenção – mas em sentido inverso – ocorreu também na China no início de agosto, quando o Banco da China “permitiu” que sua moeda se desvalorizasse cinco centésimos acima de sete yuans – um outro patamar mágico.
No caso da China, a desvalorização, de imediato, provocou a acusação do governo americano de que o enfraquecimento do yuan é uma manipulação cambial para prejudicar os Estados Unidos, uma retaliação comercial. Em seguida, o Tesouro americano enquadrou-a oficialmente como manipuladora cambial.
As agências de notícias logo reproduziram o discurso pró-americano e informaram ser a desvalorização do yuan uma represália à nova imposição de tarifas pelo governo Trump.
A manipulação cambial de que se acusa a China é definida pelo FMI e pelos EUA com uma política cambial de seguidas desvalorizações da moeda nacional para baratear suas exportações, uma prática comercial considerada desleal para com seus concorrentes.
O Banco Central chinês negou a manipulação cambial, por ela não se enquadrar na definição canônica, argumentando que a desvalorização do yuan ocorreu devido a uma resposta do mercado ao aumento do fluxo de saídas de capitais da China. Um fluxo cambial que ocorre desde 2018, devido a escalada agressiva de tarifação dos EUA contra as exportações chinesas, recentemente agravada por Trump.
Na verdade, a China vem evitando a desvalorização do yuan, mantendo-o estável desde 2015, como decorrência de sua política de comércio exterior, que promovia a estabilidade dos preços das importações, ao mesmo tempo em que estabilizava a pressão americana. Isso custou caro às reservas da China. No entanto, durante todo esse período, a China nunca foi acusada de manipular seu câmbio.
Comentando essa desvalorização, Joseph Stiglitz, em recente artigo no site Project Syndicate (Trump’s Deficit Economy), comenta que o “mais irônico é o fato de que o recente declínio na taxa de câmbio da China surgiu porque a China deixou de interferir na taxa de câmbio, parando de sustentar a taxa de câmbio do yuan”.
O fato de o banco central chinês acompanhar o movimento do mercado de câmbio, não significa que essa autoridade fixe uma taxa corrente. O banco chinês certamente influencia e age no mercado, vendendo e comprando divisas, utilizando para tanto suas reservas. E assim o faz para defender a estabilidade e objetivos prioritários do país. Essa presença do banco central junto ao mercado ocorre em todo o lugar do mundo, inclusive nos EUA. É isso que o FED faz a cada 45 dias, nas atas de reuniões do seu conselho monetário, e até diariamente, ao aceitar reservas bancárias. Em situações de estresse, o banco central intervém e é necessário que assim o faça, não para salvar especuladores, mas para proteger a economia, o país e a sociedade. Todos fazem isso, basta que aconteça situações críticas.
Porém, se um país sofre uma fuga continuada de capitais – como é o caso da China desde o início da “guerra comercial” em 2018 e que se agravou ultimamente – sua moeda tem que se desvalorizar em algum momento. Sustentar uma moeda tem custo, há perdas de divisas.
Ademais, uma desvalorização do yuan também não é favorável à China. Desde os primeiros anos do século, o balanço comercial chinês tem-se mantido equilibrado, exportações empatam com importações. O superavit que ela tem com os EUA, é compensado pelo deficit que ela tem com outros países. Uma desvalorização eleva o preço interno das importações e, pior, prejudica todos seus parceiros comerciais.
O caso brasileiro
No caso brasileiro, a situação é exatamente a mesma. Assim como na China, estamos enfrentando uma fuga de capitais desde 2018 e que tem se acelerado no último mês. Nos últimos 12 meses, saíram da bolsa 30 bilhões de dólares, sendo 10 bilhões só em agosto. A razão é, em parte, a mesma da China, a fuga para buscar proteção em títulos do governo americano.
Na verdade, nessa lógica idealista e oportunista de Trump, haveria muito mais razão de sermos considerados um país que manipula seu câmbio. Aqui, o problema é termos um mercado de câmbio menor. Enquanto as transações cambiais cotidianas alcançam um giro normal de algumas centenas de milhões de dólares, nas grandes bolsas, esse giro chega a vários bilhões de dólares e o número de moedas conversíveis é também maior. Sendo menor, nosso mercado não tem profundidade, o que faz com que, frequentemente, falte liquidez, com todos querendo comprar sem ninguém na outra ponta querendo vender, e vice-versa.
O que obriga o Banco Central, mesmo em condições normais, a intervir semanalmente ou mesmo diariamente no mercado, comprando ou vendendo dólar. Uma iniciativa que permite artificialmente que possamos ostentar a existência de um mercado de moedas, embora para que funcione ele precise ser pesadamente subsidiado
Mas, em vez de proteger nossa balança comercial o funcionamento desse mercado só beneficia o capital, reduzindo seus riscos, com o Banco Central assumindo parte desses riscos, esforçando-se para manter o câmbio estável e compatível com a política monetária contracionista. Geralmente, essa ação estabilizadora é feita por meio de operações de swap que simulam uma compra ou venda de dólares, sem que os tomadores, investidores e especuladores tenham que ter dólares.
Agora, o Brasil, tal como a China, vem enfrentando uma fuga de dólares, que buscam a segurança nos títulos do Tesouro americano, devido à instabilidade mundial, causada principalmente pela política do America First de Trump.
Por essa razão, o fluxo de saída de dólares se acelerou. E o Banco Central mudou de tática, passando a utilizar como ação estabilizadora não mais os swaps, mas a venda de dólares físicos. Assim, o custo da intervenção foi transferido, passando da dívida pública para a perda de reservas.
Essa não é a melhor política para a economia brasileira. Ela, certamente, envolve uma evidente manipulação cambial, mas por ser sobremaneira favorável aos capitais financeiros, subsidiando-os, é considera positiva. Mas não é desenhada para ajudar nossa economia.
Na aparência, os casos da China e do Brasil parecem semelhantes, ambas não trazem benefícios às suas exportações, a diferença é que o banco chinês, assim como outros grandes bancos centrais, não subsidia seu mercado de câmbio, nem este parasita o seu governo.
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