Por Marco Aurélio Cabral Pinto, no site Brasil Debate:
1. Neocolonialismo como resposta ao projeto brasileiro
Não é possível se entender o que acontece no Brasil sem que se leve em consideração a dinâmica do sistema internacional. A estrutura do sistema confunde-se com a hierarquia estabelecida entre as sociedades territoriais. Esta hierarquia pode ser descrita como topologia nas dimensões poder-dinheiro-espaço-tempo. A análise histórico-estrutural toma as transformações nesta topologia como objeto de estudo – as acelerações na acumulação de poder e riqueza, descritas e explicadas no espaço concreto e no tempo histórico das experiências específicas.
Visto desta maneira, o Brasil ocupa historicamente posição periférica, atrasada e subordinada em relação ao conjunto de países que disputam o topo na hierarquia. Visto de outra forma, os brasileiros ocupam estatura intermediária na topologia poder-dinheiro, a despeito da ótima relação entre habitantes por km2, quando comparado com outras sociedades territoriais.
Na “independência” houve transição entre dominadores externos, com a saída de Portugal e, literalmente, venda do Brasil para a Inglaterra. Em 1889 tratou-se de estabelecimento da República, diminuindo-se riscos político e de crédito para internação de interesses industriais e financeiros no Brasil.
Desde então o Brasil tem sido um país subordinado politicamente aos interesses financeiros e industriais norte-americanos. Nenhum ex-presidente brasileiro rompeu com o dominador externo. O país pode ser considerado aberto financeira e comercialmente. Entra aqui quem quer desde sempre, desde que disponha de recursos.
Na medida em que o tempo passa desde o “Golpe dos Corruptos” em fins de 2014, fica mais clara a intenção do dominador externo de interrupção do projeto brasileiro de desenvolvimento. O que distancia, contudo, esta desconstrução das anteriores é a ambição da solução final. Aparentemente, as elites norte-americanas pactuaram agir de maneira a destruir os meios, as condições, para que o Brasil possa algum dia, novamente, ousar afirmar um caminho autônomo e soberano.
Vencidos os alvos prioritários – Petrobrás, firmas de engenharia, BNDES – passou-se a uma segunda fase na desconstrução. As universidades, o Itamarati, a imprensa, as forças armadas etc. Qualquer instituição que represente o estatuto republicano no Brasil. Trata-se de um retorno strictu sensu à condição colonial. Neste sentido, mais que em qualquer outra época de peste neoliberal, o ódio às instituições públicas visa não à eficiência econômica, mas à liquidação do Estado Desenvolvimentista.
2. O que se espera da dinastia Bolsonaro?
Eu até aprecio o caráter afirmativo desta nova dinastia neocolonialista que se instalou no poder no Brasil. O problema com eles é que se comunicam muito mal. De tanto tomar a bolinha azul do S. Bannon passaram a achar que, no mundo pós-verdade, cabe como uma luva a verdade deles.
E em certo sentido têm razão. A fragmentação da realidade parece ensejar uma ruptura estrutural de grandes proporções. E esse fenômeno apenas começa a ser percebido por nós, excluídos das decisões do topo. A aplicação de tecnologias de big data e inteligência artificial vem se desdobrando como guerra. Uma guerra mundial. As primeiras vítimas são aquelas que Keynes denominou como convenções sociais. A Bomba Cambridge Analitica vem esfacelando os miolos dos “excluídos do topo”. Algo próximo do caos social criado a partir da incapacidade de qualquer indivíduo perceber, no coletivo, uma narrativa que espelhe as “opiniões da maioria”. Sem a ciência a separar o lógico do ilógico, o falso do verdadeiro, a sociedade mundial mergulhará provavelmente em caos social progressivo. Primeiro os jovens, cujos modelos mentais ainda estão em fase de esboço.
Me parece que a ultradireita judaico-cristã tem razão quando aposta que prevalecerá a verdade interna deles em meio ao caos mental criado com o emprego de suas armas. Ocorre que trabalham exatamente para que a religião triunfe diante de um mundo percebido como incognoscível. A palavra escrita na Bíblia judaico-cristã, oficializada como ancestral e sagrada, deverá voltar a ancorar as explicações sobre o mundo. Não a ciência, terreno para alienação e ideologia. Os “novos profetas”, forjados na teologia da prosperidade, ocuparão os postos-chave nas organizações e nos governos. Não me surpreenderia se alguém anunciasse para daqui a 100 anos uma teocracia mundial sob a égide do império norte-americano.
As consequências já começam a ser sentidas. A mais importante, o fim unilateral e abrupto da promessa de prosperidade evocada pelos mais ricos aos mais pobres nos últimos cerca de 150 anos. Ou seja, em um mundo de baixo crescimento, para que um ganhe, outros devem perder. Trata-se de um vale-tudo octanado pelo persistente e progressivo esforço dos EUA para “invadirem” a Ásia. Como no jogo War, submeter a Ásia não será nem pouco custoso e nem rápido. E quem custeará este histórico esforço será a periferia do subsistema judaico-cristão – África e América do Sul, através de crescentes excedentes de matérias-primas e fluxos financeiros.
Outra consequência da ofensiva imperial estadunidense pós-Trump tem sido a impossibilidade de afirmação de qualquer projeto de país não alinhado com a geopolítica da ultradireita. Não se tratou apenas de petróleo e firmas de engenharia. Na Coreia, os controladores da Samsung foram recentemente objeto de campanha política destruidora. Em cada país com ambições de autonomia, para cada elite local com meios para barganhar com os EUA, coube uma medida político-corretiva nos tempos recentes.
Imagine-se que Trump tenha prometido a Bolsonaro um Brasil industrializado. Um “convite” para redirecionar para o Brasil parte da produção industrial norte-americana hoje na China. Desde que impostos, meio ambiente e trabalho impliquem custos comparáveis com os praticados na China, claro. A disponibilidade de fontes seguras de energia e matérias-primas, aliado a crescente hostilidade contra a Ásia, explicariam a estratégia norte-americana para o Brasil pós-Trump.
Como nos EUA há alternância de poder entre interesses financeiros e do petróleo, pouco se pode dizer quanto ao futuro dos juros internacionais. Não obstante, o incremento na produção de petróleo no Brasil após o leilão de fins de 2019 deve ser suficiente para induzir impulso industrial sobre base de cálculo já bastante depreciada. Ou seja, caso a expansão de liquidez dure por ao menos 5 anos, a “estratégia” ultraliberal pode até colher algum sucesso no Brasil. Isto porque o ramp-up na produção de petróleo pode ajudar na recuperação econômica já no biênio 2020/2021.
Conclusivamente, ao contrário de um fenômeno político de curto-prazo, o bolsonarismo possui amparo nas estratégias do dominador externo para o Brasil nas próximas décadas de exploração do pré-sal. Diante disso, as forças políticas que ainda aglutinam o que restou de uma elite industrial-tecnológica no país devem redobrar esforços de coordenação. Este esforço de coordenação deve centrar-se no Congresso Nacional como último bastião de defesa dos interesses daqueles muitos excluídos da corte.
1. Neocolonialismo como resposta ao projeto brasileiro
Não é possível se entender o que acontece no Brasil sem que se leve em consideração a dinâmica do sistema internacional. A estrutura do sistema confunde-se com a hierarquia estabelecida entre as sociedades territoriais. Esta hierarquia pode ser descrita como topologia nas dimensões poder-dinheiro-espaço-tempo. A análise histórico-estrutural toma as transformações nesta topologia como objeto de estudo – as acelerações na acumulação de poder e riqueza, descritas e explicadas no espaço concreto e no tempo histórico das experiências específicas.
Visto desta maneira, o Brasil ocupa historicamente posição periférica, atrasada e subordinada em relação ao conjunto de países que disputam o topo na hierarquia. Visto de outra forma, os brasileiros ocupam estatura intermediária na topologia poder-dinheiro, a despeito da ótima relação entre habitantes por km2, quando comparado com outras sociedades territoriais.
Na “independência” houve transição entre dominadores externos, com a saída de Portugal e, literalmente, venda do Brasil para a Inglaterra. Em 1889 tratou-se de estabelecimento da República, diminuindo-se riscos político e de crédito para internação de interesses industriais e financeiros no Brasil.
Desde então o Brasil tem sido um país subordinado politicamente aos interesses financeiros e industriais norte-americanos. Nenhum ex-presidente brasileiro rompeu com o dominador externo. O país pode ser considerado aberto financeira e comercialmente. Entra aqui quem quer desde sempre, desde que disponha de recursos.
Na medida em que o tempo passa desde o “Golpe dos Corruptos” em fins de 2014, fica mais clara a intenção do dominador externo de interrupção do projeto brasileiro de desenvolvimento. O que distancia, contudo, esta desconstrução das anteriores é a ambição da solução final. Aparentemente, as elites norte-americanas pactuaram agir de maneira a destruir os meios, as condições, para que o Brasil possa algum dia, novamente, ousar afirmar um caminho autônomo e soberano.
Vencidos os alvos prioritários – Petrobrás, firmas de engenharia, BNDES – passou-se a uma segunda fase na desconstrução. As universidades, o Itamarati, a imprensa, as forças armadas etc. Qualquer instituição que represente o estatuto republicano no Brasil. Trata-se de um retorno strictu sensu à condição colonial. Neste sentido, mais que em qualquer outra época de peste neoliberal, o ódio às instituições públicas visa não à eficiência econômica, mas à liquidação do Estado Desenvolvimentista.
2. O que se espera da dinastia Bolsonaro?
Eu até aprecio o caráter afirmativo desta nova dinastia neocolonialista que se instalou no poder no Brasil. O problema com eles é que se comunicam muito mal. De tanto tomar a bolinha azul do S. Bannon passaram a achar que, no mundo pós-verdade, cabe como uma luva a verdade deles.
E em certo sentido têm razão. A fragmentação da realidade parece ensejar uma ruptura estrutural de grandes proporções. E esse fenômeno apenas começa a ser percebido por nós, excluídos das decisões do topo. A aplicação de tecnologias de big data e inteligência artificial vem se desdobrando como guerra. Uma guerra mundial. As primeiras vítimas são aquelas que Keynes denominou como convenções sociais. A Bomba Cambridge Analitica vem esfacelando os miolos dos “excluídos do topo”. Algo próximo do caos social criado a partir da incapacidade de qualquer indivíduo perceber, no coletivo, uma narrativa que espelhe as “opiniões da maioria”. Sem a ciência a separar o lógico do ilógico, o falso do verdadeiro, a sociedade mundial mergulhará provavelmente em caos social progressivo. Primeiro os jovens, cujos modelos mentais ainda estão em fase de esboço.
Me parece que a ultradireita judaico-cristã tem razão quando aposta que prevalecerá a verdade interna deles em meio ao caos mental criado com o emprego de suas armas. Ocorre que trabalham exatamente para que a religião triunfe diante de um mundo percebido como incognoscível. A palavra escrita na Bíblia judaico-cristã, oficializada como ancestral e sagrada, deverá voltar a ancorar as explicações sobre o mundo. Não a ciência, terreno para alienação e ideologia. Os “novos profetas”, forjados na teologia da prosperidade, ocuparão os postos-chave nas organizações e nos governos. Não me surpreenderia se alguém anunciasse para daqui a 100 anos uma teocracia mundial sob a égide do império norte-americano.
As consequências já começam a ser sentidas. A mais importante, o fim unilateral e abrupto da promessa de prosperidade evocada pelos mais ricos aos mais pobres nos últimos cerca de 150 anos. Ou seja, em um mundo de baixo crescimento, para que um ganhe, outros devem perder. Trata-se de um vale-tudo octanado pelo persistente e progressivo esforço dos EUA para “invadirem” a Ásia. Como no jogo War, submeter a Ásia não será nem pouco custoso e nem rápido. E quem custeará este histórico esforço será a periferia do subsistema judaico-cristão – África e América do Sul, através de crescentes excedentes de matérias-primas e fluxos financeiros.
Outra consequência da ofensiva imperial estadunidense pós-Trump tem sido a impossibilidade de afirmação de qualquer projeto de país não alinhado com a geopolítica da ultradireita. Não se tratou apenas de petróleo e firmas de engenharia. Na Coreia, os controladores da Samsung foram recentemente objeto de campanha política destruidora. Em cada país com ambições de autonomia, para cada elite local com meios para barganhar com os EUA, coube uma medida político-corretiva nos tempos recentes.
Imagine-se que Trump tenha prometido a Bolsonaro um Brasil industrializado. Um “convite” para redirecionar para o Brasil parte da produção industrial norte-americana hoje na China. Desde que impostos, meio ambiente e trabalho impliquem custos comparáveis com os praticados na China, claro. A disponibilidade de fontes seguras de energia e matérias-primas, aliado a crescente hostilidade contra a Ásia, explicariam a estratégia norte-americana para o Brasil pós-Trump.
Como nos EUA há alternância de poder entre interesses financeiros e do petróleo, pouco se pode dizer quanto ao futuro dos juros internacionais. Não obstante, o incremento na produção de petróleo no Brasil após o leilão de fins de 2019 deve ser suficiente para induzir impulso industrial sobre base de cálculo já bastante depreciada. Ou seja, caso a expansão de liquidez dure por ao menos 5 anos, a “estratégia” ultraliberal pode até colher algum sucesso no Brasil. Isto porque o ramp-up na produção de petróleo pode ajudar na recuperação econômica já no biênio 2020/2021.
Conclusivamente, ao contrário de um fenômeno político de curto-prazo, o bolsonarismo possui amparo nas estratégias do dominador externo para o Brasil nas próximas décadas de exploração do pré-sal. Diante disso, as forças políticas que ainda aglutinam o que restou de uma elite industrial-tecnológica no país devem redobrar esforços de coordenação. Este esforço de coordenação deve centrar-se no Congresso Nacional como último bastião de defesa dos interesses daqueles muitos excluídos da corte.
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