sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Conclat e os desafios do sindicalismo (2)

A crise econômica mundial atingiu o Brasil numa situação distinta de outras recessões recentes que geraram explosões de desemprego e corrosão salarial. Não houve um tsunami, como torcia a oposição neoliberal-conservadora, mas também não foi uma suave “marolinha”, como afirmou o presidente Lula. O PIB brasileiro encolheu 0,2% em 2009, ceifando milhares de empregos. As empresas também utilizaram a crise para fazer terrorismo, cortando salários e benefícios sociais.

Mas, objetivamente, o Brasil demorou a entrar na crise e revelou surpreendente capacidade para sair rapidamente dela. O governo já projeta crescimento de 5% na economia em 2010; e o Fundo Monetário Internacional (FMI), saudoso das teses neoliberais, alerta para “o risco do país crescer mais de 6%”. Como na depressão de 1929, quando Getúlio Vargas apostou na industrialização e na superação da condição de nação arcaica, a atual crise também pode abrir uma nova “janela de oportunidades”. Para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a robusta retomada do crescimento projeta o Brasil como a quinta economia mundial, como melhores condições para enfrentar os seus gargalos estruturais e seus graves problemas sociais.

Quadro mais favorável às lutas

A rápida recuperação da economia é saudada pelos trabalhadores e cria um quadro bem mais favorável às lutas sindicais. Somente no primeiro trimestre deste ano, já foram criados 657.259 empregos com carteira assinada – o melhor resultado desde o início do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), em 1992. A estimativa é que o ano se encerre com a criação de mais de 2 milhões de postos de trabalho, o que aquece o mercado interno, reforça a produção e o comércio e eleva a renda dos assalariados num circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.

Dado surpreendente da vitalidade da economia nacional é que em pleno ápice da crise mundial a renda do trabalho não despencou. Segundo o Dieese, 93% das categorias obtiveram aumento real ou igual à inflação em 2009. O crescimento econômico, que já preocupa o FMI e os neoliberais nativos, também possibilitou o aumento da arrecadação tributária, o que garante a manutenção e ampliação dos programas sociais, maior investimento do estado na infra-estrutura e desmascara a falácia sobre déficit na Previdência como forma de se opor ao reajuste de aposentarias e pensões.

Causas da retomada econômica

A surpreendente retomada da economia nacional decorre de vários fatores. Não é expressão de pura sorte, como bravateiam os invejosos neoliberais. O sindicalismo brasileiro, que lutou e arrancou a política de aumento real do salário mínimo, é um dos responsáveis pela atual reação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova que a valorização do mínimo foi decisiva para aquecer o mercado interno, atenuando os estragos da crise mundial.

Já os programas sociais implantados pelo atual governo, que também derivam da pressão dos movimentos populares por saídas emergências para a fome e miséria, tiveram papel de destaque, principalmente nas regiões interioranas do país. O Bolsa Família é hoje um fator de dinamização das economias locais. Ele saltou de um atendimento de 3,6 milhões de famílias, em 2003, para 12,3 milhões, em 2009. Para Marcelo Neri, economista da FGV/RJ, a valorização do salário mínimo e os programas sociais foram os responsáveis pela contenção da crise. “Foi uma ‘pequena grande década’. A melhora da renda hoje é muita mais sustentável”, confessa Neri, um crítico do atual governo.

A melhora da renda garantiu maior consumo, o que alavancou a produção e gerou empregos. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais no Brasil. A renda média no país cresceu 5,3% ao ano; no Nordeste, o ritmo de crescimento foi “chinês”, de 7,3% - segundo a FGV. Em 2003, um salário mínimo comprava pouco mais de uma cesta básica. Hoje, paga 2,2 cestas.

Estatais e política externa

A rápida reação à crise mundial também decorreu da existência de potentes estatais, como a Petrobras, e de musculosos bancos públicos, como o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica – que não foram privatizados no reinado de FHC graças à intensa resistência social. Eles garantiram liquidez ao mercado interno num momento de sumiço dos recursos externos e de chantagens da ditadura financeira. Diferentemente das gestões neoliberais, o governo também utilizou medidas anticíclicas, reduzindo impostos, para aquecer a economia interna.

Por último, vale realçar o papel da política externa nos últimos anos. Fugindo da armadilha do “alinhamento automático com os EUA”, o Brasil procurou diversificar o seu comércio exterior e fortaleceu o Mercosul e as relações Sul-Sul. Caso mantivesse a política anterior, quando o país dependia em quase 30% do comércio com os EUA, o desastre brasileiro seria inevitável. A política externa soberana e altiva foi decisiva para salvar o Brasil dos graves efeitos da capitalista internacional.

Graves problemas estruturais

Estas conquistas, porém, não superam os graves problemas estruturais do país. Elas devem ser comemoradas, mas não podem nos embriagar ou acomodar. Afinal, o Brasil ainda é um país extremamente injusto. O capital financeiro mantém seus privilégios. Mesmo na crise, os bancos registraram as mais altas taxas de lucros das Américas, segundo a consultoria Economática, devido aos estratosféricos juros (153% nos cheques especiais), às taxas escorchantes dos serviços bancários (alta de 328% no ano passado) e à brutal exploração dos bancários.

Já a estrutura agrária ainda é uma das mais atrasadas do mundo, com 1% dos latifundiários controlando 48% das terras agricultáveis. E a renda do trabalho ainda é grotesca. Pesquisa da OIT revela que um em cada quatro brasileiros ganha menos de US$ 75 por mês e que a cobertura do seguro-desemprego atende menos de 10% de suas vítimas. Mesmo reconhecendo que houve melhoria na distribuição de renda – a pobreza caiu de 43%, em 2003, para 25,8%, em 2008 –, a OIT garante que o Brasil ainda é um dos países de pior distribuição de renda e riqueza do planeta.

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