segunda-feira, 21 de março de 2016

Impeachment, capital e trabalho

Por Carlos Juliano Barros, na revista CartaCapital:

Daqui a alguns anos, quando o tempo tiver assentado as análises sobre o tsunami que varre o Brasil desde as jornadas de junho de 2013, a importância dos acontecimentos desta época turbulenta não residirá na suposta cruzada contra a corrupção ou na anedótica batalha entre coxinhas e petralhas.

Na verdade, o que está em curso é um realinhamento de forças no eterno e insolúvel conflito entre “capital e trabalho”. O papo é cabeça e complexo – mas tem tudo a ver com assuntos atualíssimos, como a reforma da Previdência e a flexibilização das relações de trabalho.

É inegável que durante os governos petistas, sobretudo na era Lula, os trabalhadores tiveram um importante incremento de renda. Para além dos programas sociais, como o Bolsa Família, o principal vetor desse processo foi o aumento contínuo do salário mínimo. Com dinheiro no bolso, a classe trabalhadora dinamizou a economia com a explosão da demanda por geladeiras, televisores de plasma e automóveis zero quilômetro.

No ganha-ganha, venceram os trabalhadores que engrossaram a população “consumistamente” ativa e o empresariado nacional – que inflou vendas e turbinou margens de lucro. Entre 2003 e 2013, período em que o país também foi abençoado pelas vacas gordas no mercado internacional de commodities, o PIB cresceu em média 3,7%. Mas isso é passado.

De fato, não restam dúvidas de que a política econômica baseada na expansão desenfreada do consumo se esgotou. Os gargalos da infraestrutura somados ao baixo nível de investimento – do governo e da iniciativa privada, asfixiados pelas altas taxas de juros – impuseram duros limites à economia brasileira.

O curioso é que, durante os oito anos do mandato de Lula, o governo teve em média uma arrecadação 2,6% superior aos gastos – ou seja, fez o bendito superávit primário, mas as taxas de juros continuaram estratosféricas. Para agravar o quadro, o aumento contínuo da demanda, sem a contrapartida da oferta, provocou pressões inflacionárias.

Há algum tempo, como reação à crise econômica, renasceu com força uma agenda tipicamente liberal, defendida por economistas ligados sobretudo ao mercado financeiro que colonizam o noticiário econômico da imprensa. Como esperado, a receita do bolo prevê uma série de reformas estruturais que afetam tão somente o trabalho – e nunca o capital.

Voltamos, então, ao primeiro parágrafo. A deposição do governo Dilma Rousseff pega carona no discurso do combate à corrupção com o objetivo de limpar de vez o terreno para uma repactuação das forças entre capital e trabalho. A reforma da Previdência e a flexibilização das relações trabalhistas – da qual o libera-geral das terceirizações é apenas o prólogo – são, ao mesmo tempo, fins e meios.

Os economistas liberais não se cansam de repetir o mantra: os salários no Brasil crescem a uma velocidade superior ao da produtividade da economia. Ao dificultar a aposentadoria dos trabalhadores e ao aumentar a competição por empregos, rasgando a legislação trabalhista e inibindo aumentos salariais, a varinha mágica liberal pretende recolocar a economia nos trilhos, tolhendo as parcas conquistas que os trabalhadores obtiveram nos anos 2000.

Curiosamente, esse movimento já teve início no indefensável governo de Dilma Roussef. Não à toa, uma das primeiras medidas do ajuste fiscal do seu ex-ministro da Fazenda,Joaquim Levy, foi limitar o acesso ao seguro-desemprego. E o atual titular da pasta, Nelson Barbosa, tem como meta de vida ou morte a reforma da Previdência.

Infelizmente, não se escuta uma palavra sequer sobre o fim da isenção de impostos sobre lucros e dividendos. Ou a respeito de tributos mais agressivos sobre grandes heranças e fortunas. Ou acerca de uma maior progressividade nas alíquotas do Imposto de Renda. Ou sobre a perversidade das altas taxas de juros. Quando se trata de tirar dos mais ricos para aliviar para os mais pobres, o silêncio é sepulcral.

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