quarta-feira, 11 de maio de 2016

Golpe coincide com ofensiva empresarial

Por Vitor Nuzzi, na Rede Brasil Atual:

O poder nem mudou de mãos, mas líderes empresariais já manifestam intenções que apontam para a chamada flexibilização de direitos ou abandono de políticas de proteção. Um exemplo ocorre neste momento no ABC paulista, onde montadoras declararam quase ao mesmo que não pretendem prorrogar a adesão ao Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado no segundo mandato do governo Dilma, e que desde o ano passado tem conseguido preservar postos de trabalho. Cauteloso, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Rafael Marques, vê indícios de "mudança de comportamento" das empresas. "O governo muda e a agenda muda", diz, com preocupação. "Isso pode encorajar as empresas a tomar medidas mais drásticas."

As três maiores empresas na base – Volkswagen (10.500 funcionários), Mercedes-Benz (9.800) e Ford (3.800) – dizem ter um excedente, somado, de 4.160 trabalhadores, ou 17% de sua mão de obra. Grande parte está no PPE, que prevê redução de jornada e salário, outros foram incluídos em acordos de lay-off (suspensão do contrato de trabalho). Os acordos vencem entre este mês e o próximo. Rafael não nega as dificuldades, mas já falou em assembleias que durante 11 anos, até 2015, as montadoras instaladas no Brasil cresceram e remeteram lucros (US$ 24,5 bilhões) para suas matrizes.

No final do mês passado, o presidente da Mercedes para a América Latina, Philipp Schiemer, disse que o PPE perdia a utilidade na fábrica de São Bernardo (onde haveria, segundo ele, excedente de 2 mil pessoas), criticou o governo e afirmou que "assinaria embaixo" do programa do PMDB, denominado Ponte para o Futuro – os trabalhadores costumam substituir a última palavra por "inferno" ou "abismo". As declarações desagradaram o líder metalúrgico. "Nunca vi um executivo desrespeitar tanto a própria empresa. Não só os trabalhadores, mas os executivos que o antecederam."

De acordo com o Ministério do Trabalho e Previdência Social, o PPE teve até agora 104 termos de adesão, sendo 53 em 2015 e 51 este ano. Com transferência de R$ 157 milhões, garantiu manutenção de 58 mil empregos.

As negociações no ABC começaram, pelo menos na Ford, que pensa em reduzir drasticamente sua produção, criando um excedente superior a mil funcionários. Serão difíceis e longas, avalia Rafael, que é funcionário da montadora. Os metalúrgicos ainda analisam se há uniformidade no discurso do setor, que desde 2012 negocia individualmente. Já notaram pelo menos uma semelhança: assim como a General Motors em São Caetano (base de outro sindicato), a Ford de São Bernardo quer retirar uma cláusula de estabilidade para acidentados e sequelados.

Por seu impacto na cadeia produtiva e na economia, o setor automobilístico é a parte mais visível desse movimento, mas não a única. Hoje (11) pela manhã, durante ato contra o impeachment realizado em São Bernardo, o presidente da Federação Estadual dos Metalúrgicos (FEM-CUT) em São Paulo, Luiz Carlos da Silva Dias, o Luizão, contou já ter recebido proposta da Federação das Indústrias do Estado (Fiesp) para retirar uma cláusula da convenção coletiva que determina pagamento de salários até o dia 5 "do mês subsequente ao trabalhado".
Experiência internacional

A apreensão de Rafael encontra base em outros países que vivenciaram a chamada flexibilização. "Tem experiências internacionais que nos servem de alerta. Saindo da crise, o que se deixou para trás foi menos empregos, menos direitos, acesso mais difícil à previdência. Os negócios voltam e a classe trabalhadora perde", comenta.

Existem, de fato, críticas na base metalúrgica em relação ao governo. "A Dilma está desgastada", diz Rafael. Mas ele também não vê qualquer esperança, ao menos consistente, dos trabalhadores em relação a uma possível gestão Temer. "É um grupo que sempre esteve no poder." No ato desta manhã, o dirigente já havia dito que dali só sairá "um projeto perverso" que prejudicará os trabalhadores, a sociedade, mas será comemorado pela indústria (Fiesp) e pelo setor financeiro (Febraban), além dos principais meios de comunicação. "Se consumado, o impeachment aprofunda a crise", afirma.

Faltou valorizar as conquistas do período recente, acredita o sindicalista, citando o papel da imprensa e de algumas manifestações, a partir de 2013. Mas faltou também, por parte do governo, "diálogo político com a população". As medidas de ajuste fiscal, no início do segundo mandato, aumentaram o distanciamento. "Houve ruído no diálogo. Faltou politização, no sentido de associar avanços com o modelo escolhido. Para sua agenda ser assertiva, tem de haver diálogo com a sociedade. E isso realmente foi um déficit. Faltou mais diálogo, mais conexão."

Isso teria sido ainda mais importante, acrescenta Rafael, no momento em que setores políticos deram guinadas no centro e a à direita. Talvez não resultasse em um Congresso tão "conservador, fisiológico e individualista". Há também um fator ligado ao comportamento: "Tem gente que acredita que um voto na área nobre de São Paulo "vale mais do que o da Vila São Pedro (bairro pobre de São Bernardo), que o de um indígena".

Mas ele acredita que atitudes de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), agora afastado da presidência da Câmara, e ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ajudaram a unificar a esquerda, com exceção de posições mais sectárias. Agora, a discussão passa pela rearticulação – e também por 2018. O metalúrgico tem cautela em relação a Lula, que precisa ser defendido, lembra. "Precisamos achar uma figura que unifique esse campo político." Ao mesmo tempo, preparar-se para os dias que virão: "Ataques não cessam com a saída da Dilma".

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