sexta-feira, 17 de junho de 2016

Temer: Um interino com a marca da suspeita

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

1. Ecos da delação de Sérgio Machado.

Eco 1 - Segundo o repórter Jorge Bastos Moreno, em frase atribuída a um Ministro Palaciano:

“O presidente, citado injusta, mentirosa e irresponsavelmente, não deixaria, por coerência, Henriquinho sair só por isso. Seria, paradoxal, com a indignação do governo com essas mentiras. Seria referendar essas mentiras”. (http://migre.me/u7K5J)

Henriquinho é amigo de Jorge, que é amigo de Temer, que é amigo do Ministro que é amigo do Henriquinho, que vem a ser o Ministro do Turismo demissionário. Todos são amiguinhos e atuam em corrente – com exceção de Jorge, que é apenas o Américo Vespúcio das caravelas cabralinas. O índice 3 de adjetivação do amigo do Jorge e do Henriquinho demonstra elevado grau de preocupação.

Eco 2 – do próprio Temer:

“Quero fazer uma declaração a respeito da manifestação irresponsável, leviana, mentirosa e criminosa do cidadão Sérgio Machado”.

Assim como o amigo de Henriquinho, a profusão de adjetivos visa refletir a indignação de Temer. O índice 4 de adjetivação denota situação de alta tensão do interino.

E, aí, apelou para uma frase temerária: “Se tivesse cometido o crime de que Machado me acusou em delação premiada, não teria condições de governar o país” (http://migre.me/u7K8G). E alertou que se pronunciava como ser humano, homem e presidente da República. Ah, bom!

Eco 3 – sobre o significado das palavras.

Provavelmente o significado que quis dar à frase era o de que, se está presidindo o país, logo não poderia ter cometido o crime de que Machado o acusou. A lógica é outra: o próprio Temer admite que a imputação que lhe foi feita por Machado configura um crime que, se comprovado, o inabilitaria a continuar presidindo o país.

É simples conferir a veracidade do episódio. Basta levantar:

· se, no dia do encontro informado por Sérgio Machado, a Base Aérea de Brasília recebeu Temer e Machado no mesmo horário.

· Se a Queiroz Galvão efetivamente depositou R$ 1,5 milhão para o PMDB nacional.

· Se, no mesmo período, o PMDB nacional transferiu R$ 1,5 milhão para a campanha de Gabriel Chalita.

· Conferir o fato com o presidente da Queiroz Galvão, a empresa doadora.

· A ordem cronológica dos fatos.

Se as cinco condições forem confirmadas, como ficaria a situação do presidente interino? Continuaria valendo sua afirmação de que “não teria condições de governar o país”? Ou teria sido apenas uma frase solta, irresponsável, escapista, retórica, vazia de um interino que se destaca no uso dos adjetivos, como forma de contornar o substantivo?

É uma bela questão para Jorginho, ops, o repórter Jorge Moreno trabalhar.

2. Desdobramentos da ação do interino

O abate de Henriquinho em pleno voo é apenas o primeiro dos desdobramentos de um nova leva de denúncias sobre a tribo que se aboletou no poder.

Ontem, no seu discurso, Temer apresentou os pontos positivos do seu governo, como que uma carta-testamento extemporânea, assinalando o que o país perderia com sua saída. Informou o país que em qualquer lugar onde aparece é saudado como um salvador. Por modéstia, evitou confessar que, dificuldades de audição, fazem com que entenda o grito nacional do momento como #simboraTemer, um estímulo ao homem que não teme o ridículo.

O arremate da ópera foi o deputado Pauderley Tomas Avelino apresentando as excelsas virtudes do governo Temer: a qualquer suspeita, ele responde com a demissão imediata do suspeito, mostrando determinação. Nesse tropel, com o nível do seu Ministério, o interino ainda terá muitas oportunidades para continuar mostrando determinação.

No Jornal Nacional, a explicação do deputado Pauderley, provavelmente filho de Paula e Vanderley (com Y), veio logo após a reportagem em que se revelava que a situação de Henriquinho já era conhecida há tempos, o próprio Temer foi aconselhado a não nomeá-lo, mas a lealdade do cappo falou mais alto.

O interino mostra, assim, ao lado das qualidades da prontidão, a de lealdade.

3. E volta-se à questão da hipocrisia

Ontem, no JN, o interino Temer estava tão deslocado no papel de presidente indignado, quanto seu chanceler José Serra vivendo o papel de diplomata. Nos últimos tempos Serra tem aparecido em entrevistas de corredor falando em tom mecânico, voz baixa, escandindo cada sílaba como manda o figurino do Itamarati. É admirável sua capacidade de assimilação de novos papéis.

Mas, voltando a Temer, qual o nível de credibilidade de sua aparição ao vivo? No papel, o nível 4 de adjetivação pode passar ao leitor algum sentimento de indignação. Ao vivo, em cores, na boca e nas expressões do interino, passa uma emoção similar à do cardeal Ratzinger cantando ópera.

Independentemente de linhas políticas, nenhum cidadão minimamente informado conseguiria crer na inocência do interino, meramente analisando suas expressões faciais procurando demonstrar indignação.

Menos o amigo Jorge, que defendeu o interino, valendo-se da lógica pauderleyana.

Segundo Jorge, o presidente fez o que “a Nação sempre esperou: respostas de seus governantes”. “Foi contundente”, sentenciou Jorge.

O dicionário define contundente como “aquilo que não se pode contestar”, ou seja, o inquestionável, ou seja, o argumento que convence a multidão. Dá para sustentar que convenceu? Para o amigo Jorge “se convenceu ou não, é outro problema”.

Pode ser também que Jorge, com enorme sutileza, tenha querido insinuar o outro significado de contundência: aquilo que causa contusão.

Como fica, aos olhos da nação, pessoas com a ficha de Gedel, Eliseu Padilha, Moreira Franco e o próprio Temer, comandando uma organização que, a cada dia que passa, tem seu viés criminoso exposto à Nação e, ao mesmo tempo, abrindo uma brecha de R$ 170 bilhões no orçamento e negando o reajuste de 9% nos valores irrisórios do Bolsa Família, que consumiria apenas 0,6% dessa sobra? Ou reduzido em 90 mil matrículas o FIES deste ano?

Hoje, os beneficiários do Bolsa Familia irão receber seu pagamento. Já estava previsto o reajuste pela inflação, provisionados os recursos. Mas o grupo dos 4 tratou de tirar o pão da boca dos famintos para entregar à gula dos políticos. De forma contundente, é claro.

Apenas a cegueira dos muito apaixonados permitirá fechar os olhos a essa tragédia brasileira, de um país da dimensão do país, que logrou reconquistar as liberdades democráticas, que consolidou uma das mais avançadas constituições do mundo, cair nas mãos do que de pior a política produziu nas últimas décadas. E, como a maioria da opinião pública não tem a sensibilidade do amigo Jorge, esse jogo não vai longe.

Ontem previ o crescimento da campanha por novas eleições.

Retifico: a campanha a ser deflagrada será por uma nova Constituição. A de 1988 foi avacalhada pela ousadia do baixo mundo e pela tibieza do alto clero. Tornou-se refém do baixo clero que invadiu a Esplanada comandado pelo condomínio dos homens probos.

Sempre é hora para o recomeço.

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