quinta-feira, 10 de novembro de 2016

As certezas e o imponderável sobre Trump

Ilustração: Antonio Rodríguez/Rebelión
Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

Jorram nas mídias do mundo previsões sobre o que será dos Estados Unidos e do mundo com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Só lhe falta uma relação com o número 666 para ser apontado como a grande besta que, segundo o Apocalipse do profeta João, promoveria o fim do mundo. São previsões lógicas, fundadas em sua pregação conservadora na campanha: machismo, xenofobismo, nacionalismo antiglobalizante, onipotência americana e negação da política e dos fundamentos democráticos que melhor distinguem a sociedade americana.

Sua vitória representa a força avassaladora destas ideias de extrema direita em ascensão no mundo. Jair Bolsonaro festeja no Twitter. Mas Trump não é um político, um quadro do stablishment, não é sequer um republicano. É um outsider, e como tal, pode não fazer no governo tudo o que disse na campanha. Esta origem e natureza, e não o previsível discurso conciliador depois da vitória, recomendam certezas menos absolutas sobre o que será seu governo.

Seu grande trunfo foi ter conseguido canalizar para sua candidatura os anseios anti-globalização da classe média americana e usar isso contra Hillary, que representava a previsibilidade desejada pelos mercados, mas também a continuidade. Foi captar e responder às insatisfações com a recuperação da crise de 2008, que nunca foi plena para os americanos. Neste sentido, sua vitória é prima do Brexit inglês. Hillary seria mais do mesmo, para os americanos e para o mundo. 

Quem votou em Trump, além dos republicanos e conservadores tradicionais, foram os trabalhadores incomodados com a perda de empregos em indústrias como a do aço e a automotiva, em função da globalização e dos acordos comerciais que Trump prometeu rever, como o TPP e o Nafta. O Partido Democrata perdeu sua base na classe média-média, entre os trabalhadores de “colarinho azul” e os produtores e trabalhadores rurais.

A pregação eleitoral de Trump aponta para um menor intervencionismo americano nas diversas regiões do Globo, e se isso se confirmar, será uma inflexão sem precedentes, desde a I Guerra, na política externa americana. Na campanha ele disse que a Coreia do Sul e o Japão devem tratar de produzir seu próprio armamento de defesa, reduzindo a dependência da proteção americana. Que os países europeus devem pagar mais pelos elevados custos de manutenção da OTAN. Os conflitos no mundo continuarão existindo, independentemente da participação americana, mas se assim for, não teremos mais os Estados Unidos como grande porrete do mundo, querendo impor pela força valores ocidentais. Será mais “cada um por si”, para o bem ou para mal. 

Com isso, China e Rússia tendem a ganhar mais espaço para exercer o poder político na Eurásia. A China, especialmente, deve ampliar exponencialmente sua influência política, embora vá enfrentar uma forte guerra comercial dos EUA sob Trump. Diferente, certamente o mundo será. Os valores que emergem são preocupantes, são regressivos e anacrônicos. Mas a previsão do fim do mundo é impressionista. Decorre de impressões deixadas pela campanha, que nem sempre molda rigidamente os governos eleitos.

O governo Temer, com seu discurso de falsa indiferença, tem razões para se preocupar. Torceu por Hillary, como todo mundo sabe. O que Trump fará na relação comercial com a América do Sul é uma incógnita. E o Estados Unidos ainda são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.

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