Desde a eleição de Donald Trump, uma nova “ameaça global” tem espalhado insegurança pelo mundo: a disseminação de notícias falsas, mais conhecidas internacionalmente como fake news. Rapidamente, elas foram classificadas como as novas pragas da era digital e têm inspirado governos e empresas (principalmente grandes conglomerados de mídia) a adotarem medidas para combater a sua distribuição, utilizando o que for necessário para exterminar as “mentiras” que circulam pela internet. Mas todo esse debate está perigosamente contaminado por interesses políticos e econômicos que precisam ficar mais explícitos para que a sociedade não seja manipulada e a liberdade de expressão atacada em nome de uma verdade que sequer seja possível determinar.
Vivemos numa sociedade hiper conectada que ampliou de forma exponencial o volume de conteúdos disponíveis, produzidos pelas mais variadas fontes e sobre todos os assuntos que se possa imaginar. A internet permitiu a ampliação das vozes na arena pública de debate, possibilitou o surgimento e fortalecimento de meios alternativos, independentes, colaborativos, que passaram a disputar com os tradicionais meios de comunicação — mesmo sem o mesmo poder econômico — o “mercado de notícias”. São centenas, milhares de jornalistas, comunicadores sociais, comunidades, pessoas e organizações que estavam historicamente excluídos do sistema de mídia privado monopolizado — principalmente no Brasil — e que puderam passar a exercer de forma mais efetiva o direito à comunicação, tal qual previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos que completa 70 anos em dezembro: o direito de procurar, receber e transmitir informações e opiniões.
Esse ampliação de vozes gerou incômodo para a mídia hegemônica tradicional, que viu seu monopólio do discurso ameaçado, seu modelo de negócios baseado na monetização da notícia obsoleto, e que começou a perder vultosos volumes de recursos publicitários para a internet. De outro lado, também começou a incomodar empresas de vários setores econômicos, a elite política, como também muitos governos e instituições que passaram a ser confrontados pela nova mídia independente.
Com essa explosão informacional, também cresceu a quantidade de informação de baixa qualidade e surgiram oportunistas que abusam da liberdade de expressão para espalhar desinformação, calúnias, difamação e preconceitos na internet.
Nesse contexto, o desafio de produzir informação de qualidade se torna ainda maior. Também se amplia a responsabilidade dos intermediários — aqueles que distribuem os conteúdos produzidos — e dos próprios leitores, internautas, ou melhor dizendo, dos indivíduos que precisam adotar uma postura mais crítica com relação aos conteúdos que recebem.
Vivemos numa sociedade hiper conectada que ampliou de forma exponencial o volume de conteúdos disponíveis, produzidos pelas mais variadas fontes e sobre todos os assuntos que se possa imaginar. A internet permitiu a ampliação das vozes na arena pública de debate, possibilitou o surgimento e fortalecimento de meios alternativos, independentes, colaborativos, que passaram a disputar com os tradicionais meios de comunicação — mesmo sem o mesmo poder econômico — o “mercado de notícias”. São centenas, milhares de jornalistas, comunicadores sociais, comunidades, pessoas e organizações que estavam historicamente excluídos do sistema de mídia privado monopolizado — principalmente no Brasil — e que puderam passar a exercer de forma mais efetiva o direito à comunicação, tal qual previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos que completa 70 anos em dezembro: o direito de procurar, receber e transmitir informações e opiniões.
Esse ampliação de vozes gerou incômodo para a mídia hegemônica tradicional, que viu seu monopólio do discurso ameaçado, seu modelo de negócios baseado na monetização da notícia obsoleto, e que começou a perder vultosos volumes de recursos publicitários para a internet. De outro lado, também começou a incomodar empresas de vários setores econômicos, a elite política, como também muitos governos e instituições que passaram a ser confrontados pela nova mídia independente.
Com essa explosão informacional, também cresceu a quantidade de informação de baixa qualidade e surgiram oportunistas que abusam da liberdade de expressão para espalhar desinformação, calúnias, difamação e preconceitos na internet.
Nesse contexto, o desafio de produzir informação de qualidade se torna ainda maior. Também se amplia a responsabilidade dos intermediários — aqueles que distribuem os conteúdos produzidos — e dos próprios leitores, internautas, ou melhor dizendo, dos indivíduos que precisam adotar uma postura mais crítica com relação aos conteúdos que recebem.
Verdade ou mentira?
O debate sobre fake news — termo que tem sido cada vez mais criticado por especialistas e substituído por outro que é mais adequado para explicar o fenômeno que se deseja de fato combater, a desinformação — precisa levar em consideração esse cenário bastante novo e muito complexo.
Precisa, também, fazer uma reflexão sobre a própria noção de verdade, disputada amplamente por várias correntes filosóficas desde os seus primórdios. A complexidade intrínseca de definir A verdade, como algo uno e inquestionável, é derivada do próprio reconhecimento filosófico de que uma verdade pode ser atribuída a algo a partir de diferentes juízos culturais e históricos.
Trazendo essa reflexão para o campo jornalístico, atribuir a uma notícia — que por si só já é produto de um processo de seleção e recorte de um fato — a classificação de verdadeiro ou falso é algo ainda mais complexo e delicado, uma vez que o que se está analisando já não é o fato em si, mas uma narrativa de outrem sobre ele.
A busca de mais objetividade e clareza na produção de uma notícia deve ser sempre uma preocupação de quem produz conteúdo, seja para a mídia tradicional ou para a internet. Mas a existência de conteúdos de baixa qualidade não pode ser pretexto para se iniciar uma cruzada em busca do “Santo Graal da verdade”. Esse é o movimento que tem se construído por veículos da mídia hegemônica e poderes políticos com o objetivo de reposicionar a velha indústria jornalística no mercado ou reprimir críticas e calar vozes dissonantes.
É a partir dessas complexidades, dos vários interesses envolvidos, e das muitas camadas que se podem construir entre uma suposta verdade e a mentira factual — algo mais facilmente identificável — é que devemos discutir o fenômeno das fake news, ou melhor, da desinformação.
Outro aspecto que precisa ser contextualizado nesse assunto é o reconhecimento de que a produção e divulgação de desinformação não é algo novo na história da humanidade, muito menos do jornalismo e, desta forma, não nasceu com a internet e com as redes sociais. Episódios envolvendo a publicação de notícias que não tinham o apreço necessário com a busca da objetividade — essa sim uma premissa básica da atividade jornalística — são bastante abundantes nos anais dos mais variados veículos de comunicação tradicionais (jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão). Dessa forma, a desinformação não é um fenômeno restrito ao ambiente digital, mas que ganhou nova dimensão a partir dele.
E se é assim, a manipulação de disputas eleitorais a partir da disseminação da desinformação também não é novidade. São inúmeros os casos que podemos citar envolvendo desinformação e manipulação da informação pela mídia tradicional que interferiram no resultado de uma eleição, ameaçando a democracia e a soberania popular. Podemos citar a edição do Jornal Nacional do último debate entre os candidatos Lula e Collor no segundo turno da eleição presidencial de 1989, ou a tentativa de relacionar a campanha de Lula, nesta mesma eleição, ao sequestro do empresário Abílio Diniz. Mais recentemente, a antecipação da capa da revista Veja “Eles sabiam de tudo”, encartada em jornais de todo o país, também foi uma tentativa de alterar o resultado da eleição de 2014. Ou o clássico exemplo da cobertura da Rede Globo sobre o comício das diretas no Vale do Anhangabaú, em 1984, deliberadamente noticiado pela emissora como uma festa de aniversário da cidade de São Paulo.
A desinformação pode ser fruto de erro de apuração, erro de edição e portanto não intencional ou pode ser, como apontado em recente documento da Comissão Europeia, “criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente o público”1. As duas formas de informação podem causar danos à sociedade, mas precisam ser tratadas de forma distinta.
Além disso, é preciso considerar que na internet (assim como na sociedade) não circulam apenas notícias jornalísticas, mas também muita análise e opinião, que não podem e nem devem ser passíveis de classificação dentro de um “espectrômetro” da verdade ou da mentira. E aqui há outro desafio: separar informação e notícia de análise e opinião neste debate, sem desconhecer que também no campo da análise e opinião, e talvez principalmente neste, ocorre a manipulação.
Ou seja, a manipulação da informação no jornalismo ocorre e sempre ocorreu a partir da seleção do que deve ou não ser notícia, da perspectiva adotada pelo repórter que vai narrar o acontecimento, das escolhas feitas para fazer essa narrativa, dos “eleitos” para serem os personagens da matéria e os especialistas ouvidos. O noção de imparcialidade e neutralidade em torno do qual se erigiu as empresas jornalísticas já está bastante desmistificada. Foi com base nessa falsa ideia que os grandes conglomerados de comunicação construíram sua credibilidade e monetizaram a notícia.
O debate sobre fake news — termo que tem sido cada vez mais criticado por especialistas e substituído por outro que é mais adequado para explicar o fenômeno que se deseja de fato combater, a desinformação — precisa levar em consideração esse cenário bastante novo e muito complexo.
Precisa, também, fazer uma reflexão sobre a própria noção de verdade, disputada amplamente por várias correntes filosóficas desde os seus primórdios. A complexidade intrínseca de definir A verdade, como algo uno e inquestionável, é derivada do próprio reconhecimento filosófico de que uma verdade pode ser atribuída a algo a partir de diferentes juízos culturais e históricos.
Trazendo essa reflexão para o campo jornalístico, atribuir a uma notícia — que por si só já é produto de um processo de seleção e recorte de um fato — a classificação de verdadeiro ou falso é algo ainda mais complexo e delicado, uma vez que o que se está analisando já não é o fato em si, mas uma narrativa de outrem sobre ele.
A busca de mais objetividade e clareza na produção de uma notícia deve ser sempre uma preocupação de quem produz conteúdo, seja para a mídia tradicional ou para a internet. Mas a existência de conteúdos de baixa qualidade não pode ser pretexto para se iniciar uma cruzada em busca do “Santo Graal da verdade”. Esse é o movimento que tem se construído por veículos da mídia hegemônica e poderes políticos com o objetivo de reposicionar a velha indústria jornalística no mercado ou reprimir críticas e calar vozes dissonantes.
É a partir dessas complexidades, dos vários interesses envolvidos, e das muitas camadas que se podem construir entre uma suposta verdade e a mentira factual — algo mais facilmente identificável — é que devemos discutir o fenômeno das fake news, ou melhor, da desinformação.
Outro aspecto que precisa ser contextualizado nesse assunto é o reconhecimento de que a produção e divulgação de desinformação não é algo novo na história da humanidade, muito menos do jornalismo e, desta forma, não nasceu com a internet e com as redes sociais. Episódios envolvendo a publicação de notícias que não tinham o apreço necessário com a busca da objetividade — essa sim uma premissa básica da atividade jornalística — são bastante abundantes nos anais dos mais variados veículos de comunicação tradicionais (jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão). Dessa forma, a desinformação não é um fenômeno restrito ao ambiente digital, mas que ganhou nova dimensão a partir dele.
E se é assim, a manipulação de disputas eleitorais a partir da disseminação da desinformação também não é novidade. São inúmeros os casos que podemos citar envolvendo desinformação e manipulação da informação pela mídia tradicional que interferiram no resultado de uma eleição, ameaçando a democracia e a soberania popular. Podemos citar a edição do Jornal Nacional do último debate entre os candidatos Lula e Collor no segundo turno da eleição presidencial de 1989, ou a tentativa de relacionar a campanha de Lula, nesta mesma eleição, ao sequestro do empresário Abílio Diniz. Mais recentemente, a antecipação da capa da revista Veja “Eles sabiam de tudo”, encartada em jornais de todo o país, também foi uma tentativa de alterar o resultado da eleição de 2014. Ou o clássico exemplo da cobertura da Rede Globo sobre o comício das diretas no Vale do Anhangabaú, em 1984, deliberadamente noticiado pela emissora como uma festa de aniversário da cidade de São Paulo.
A desinformação pode ser fruto de erro de apuração, erro de edição e portanto não intencional ou pode ser, como apontado em recente documento da Comissão Europeia, “criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente o público”1. As duas formas de informação podem causar danos à sociedade, mas precisam ser tratadas de forma distinta.
Além disso, é preciso considerar que na internet (assim como na sociedade) não circulam apenas notícias jornalísticas, mas também muita análise e opinião, que não podem e nem devem ser passíveis de classificação dentro de um “espectrômetro” da verdade ou da mentira. E aqui há outro desafio: separar informação e notícia de análise e opinião neste debate, sem desconhecer que também no campo da análise e opinião, e talvez principalmente neste, ocorre a manipulação.
Ou seja, a manipulação da informação no jornalismo ocorre e sempre ocorreu a partir da seleção do que deve ou não ser notícia, da perspectiva adotada pelo repórter que vai narrar o acontecimento, das escolhas feitas para fazer essa narrativa, dos “eleitos” para serem os personagens da matéria e os especialistas ouvidos. O noção de imparcialidade e neutralidade em torno do qual se erigiu as empresas jornalísticas já está bastante desmistificada. Foi com base nessa falsa ideia que os grandes conglomerados de comunicação construíram sua credibilidade e monetizaram a notícia.
Ministério da Verdade?
Diante do que foi exposto, será possível, ou melhor, será desejável criar alguma instância — pública ou privada — que terá o poder de definir o que deve ou não circular de informação na sociedade, sob o pretexto de combater a desinformação e suas consequências? Vamos enveredar para a validação de um Ministério da Verdade ou para autorizar agências privadas de checagem de fatos e notícias decidirem o que é notícia/informação de qualidade, ou ainda pior, o que é verdade ou mentira?
A pergunta não é meramente retórica. Porque esse é o modelo que parece estar se delineando na prática. Desde a eleição de Trump, já mencionada aqui, houve um boom de agências de checagens de fatos pelo mundo, e de iniciativas envolvendo veículos de mídia, plataformas e essas agências para adotar medidas contra a circulação de “notícias falsas”.
A checagem de informações jornalísticas é tarefa essencial e permanente para o aprimoramento da atividade de jornalistas, comunicadores sociais, blogueiros, enfim, de todos e todas que produzem e distribuem conteúdos na sociedade. Essa não é uma atividade nova. Nas redações, sempre existiu um departamento de checagem composto por profissionais que checavam as informações contidas nas notícias produzidas pelos repórteres. A existência dos observatórios da imprensa — apesar de não terem o intuito de classificar as notícias — sempre contribuiu para o debate da qualidade da informação. Ombudsmen, ouvidorias e as sessões de erramos também cumprem, em níveis diferentes esse papel.
Na internet, com o aumento exponencial do volume de informações em circulação, o surgimento de agências de checagem de fatos pode até prestar um serviço importante para ajudar o cidadão na busca de mais informação sobre determinado conteúdo. O que é muito preocupante, é a tentativa de transformar essas agências em certificadoras de notícias.
As agências de fact-cheking alardeiam que possuem um sistema neutro e imparcial de classificação. Elas colocam informações em caixinhas que vão de notícia verdadeira até falsa, passando por exagerada, imprecisa, contraditória, insustentável, discutível, distorcida, sem contexto, de olho e por aí vai. Todos critérios bastante subjetivos, que nada têm de imparciais, pelo contrário, são passíveis de interpretação a partir de valores e viés editorial.
Além disso, boa parte das principais agências são iniciativas ou possuem parcerias com grandes e tradicionais veículos de comunicação. Um estratégia bastante interessante para quem quer “remonetizar” a notícia como mercadoria, recuperando o discurso da imparcialidade, isenção e apartidarismo. Nesse processo se resgata com força o argumento de que notícia de qualidade é aquela produzida nos grandes veículos de comunicação, que fazem um jornalismo profissional.
Dessa forma, pretende-se claramente fazer uma distinção entre o que é produzido pela mídia hegemônica (jornalismo profissional e de qualidade) e todo esse novo ecossistema de comunicação surgido na internet, a mídia alternativa, independente que é taxada pejorativamente de jornalismo engajado e, portanto, de baixa qualidade.
Além de estarem vinculadas à veículos da mídia tradicional (a Lupa, por exemplo, tem vínculo com a revista Piaui, e está hospedada no Uol, que é do Grupo Folha; a Aos Fatos também tem parceria com o Uol e com a revista Nova Escola, esta do grupo Abril), e ainda têm parcerias com as plataformas de internet como Facebook e Google.
E as plataformas estão utilizando a classificação das notícias feitas por essas agências para definir quando um conteúdo deve ou não ter sua circulação reduzida ou mesmo ocultada. O Google indica na sua busca quando uma notícia foi checada — e neste caso ela pode ter preferência no retorno da primeira página. O Facebook pode punir páginas que tenham suas notícias classificadas de forma negativa pelas agências, e reduzir seu alcance na plataforma.
As experiências internacionais e nacionais já existentes nesse campo mostram que essas agências e suas alianças com as plataformas têm atingido exatamente o que a internet produziu de melhor – a possibilidade da existência de outras fontes de informação, independentes e alternativas, e que tem dado visibilidade para setores historicamente silenciados pela mídia hegemônica se expressarem. O alcance de páginas da mídia alternativa e independente tem sido afetado negativamente por estas classificações.
Por tudo isso é preciso ter muita cautela ao propor medidas. Conferir ao Estado ou ao setor privado a prerrogativa de ser o Supremo Tribunal da Verdade pode levar a um cenário de graves violações à liberdade de expressão, de restrição da diversidade e pluralidade, e até de censura.
Diante do que foi exposto, será possível, ou melhor, será desejável criar alguma instância — pública ou privada — que terá o poder de definir o que deve ou não circular de informação na sociedade, sob o pretexto de combater a desinformação e suas consequências? Vamos enveredar para a validação de um Ministério da Verdade ou para autorizar agências privadas de checagem de fatos e notícias decidirem o que é notícia/informação de qualidade, ou ainda pior, o que é verdade ou mentira?
A pergunta não é meramente retórica. Porque esse é o modelo que parece estar se delineando na prática. Desde a eleição de Trump, já mencionada aqui, houve um boom de agências de checagens de fatos pelo mundo, e de iniciativas envolvendo veículos de mídia, plataformas e essas agências para adotar medidas contra a circulação de “notícias falsas”.
A checagem de informações jornalísticas é tarefa essencial e permanente para o aprimoramento da atividade de jornalistas, comunicadores sociais, blogueiros, enfim, de todos e todas que produzem e distribuem conteúdos na sociedade. Essa não é uma atividade nova. Nas redações, sempre existiu um departamento de checagem composto por profissionais que checavam as informações contidas nas notícias produzidas pelos repórteres. A existência dos observatórios da imprensa — apesar de não terem o intuito de classificar as notícias — sempre contribuiu para o debate da qualidade da informação. Ombudsmen, ouvidorias e as sessões de erramos também cumprem, em níveis diferentes esse papel.
Na internet, com o aumento exponencial do volume de informações em circulação, o surgimento de agências de checagem de fatos pode até prestar um serviço importante para ajudar o cidadão na busca de mais informação sobre determinado conteúdo. O que é muito preocupante, é a tentativa de transformar essas agências em certificadoras de notícias.
As agências de fact-cheking alardeiam que possuem um sistema neutro e imparcial de classificação. Elas colocam informações em caixinhas que vão de notícia verdadeira até falsa, passando por exagerada, imprecisa, contraditória, insustentável, discutível, distorcida, sem contexto, de olho e por aí vai. Todos critérios bastante subjetivos, que nada têm de imparciais, pelo contrário, são passíveis de interpretação a partir de valores e viés editorial.
Além disso, boa parte das principais agências são iniciativas ou possuem parcerias com grandes e tradicionais veículos de comunicação. Um estratégia bastante interessante para quem quer “remonetizar” a notícia como mercadoria, recuperando o discurso da imparcialidade, isenção e apartidarismo. Nesse processo se resgata com força o argumento de que notícia de qualidade é aquela produzida nos grandes veículos de comunicação, que fazem um jornalismo profissional.
Dessa forma, pretende-se claramente fazer uma distinção entre o que é produzido pela mídia hegemônica (jornalismo profissional e de qualidade) e todo esse novo ecossistema de comunicação surgido na internet, a mídia alternativa, independente que é taxada pejorativamente de jornalismo engajado e, portanto, de baixa qualidade.
Além de estarem vinculadas à veículos da mídia tradicional (a Lupa, por exemplo, tem vínculo com a revista Piaui, e está hospedada no Uol, que é do Grupo Folha; a Aos Fatos também tem parceria com o Uol e com a revista Nova Escola, esta do grupo Abril), e ainda têm parcerias com as plataformas de internet como Facebook e Google.
E as plataformas estão utilizando a classificação das notícias feitas por essas agências para definir quando um conteúdo deve ou não ter sua circulação reduzida ou mesmo ocultada. O Google indica na sua busca quando uma notícia foi checada — e neste caso ela pode ter preferência no retorno da primeira página. O Facebook pode punir páginas que tenham suas notícias classificadas de forma negativa pelas agências, e reduzir seu alcance na plataforma.
As experiências internacionais e nacionais já existentes nesse campo mostram que essas agências e suas alianças com as plataformas têm atingido exatamente o que a internet produziu de melhor – a possibilidade da existência de outras fontes de informação, independentes e alternativas, e que tem dado visibilidade para setores historicamente silenciados pela mídia hegemônica se expressarem. O alcance de páginas da mídia alternativa e independente tem sido afetado negativamente por estas classificações.
Por tudo isso é preciso ter muita cautela ao propor medidas. Conferir ao Estado ou ao setor privado a prerrogativa de ser o Supremo Tribunal da Verdade pode levar a um cenário de graves violações à liberdade de expressão, de restrição da diversidade e pluralidade, e até de censura.
Dados, Inteligência Artificial e Desinformação
Se a desinformação sempre existiu, o que há de novo no fenômeno atual é a sua forma de distribuição, que ganhou escala e velocidade jamais vistos antes em função do modelo de negócio das redes sociais e dos agregadores de conteúdo. A partir da coleta e tratamento de dados pessoais é possível traçar um perfil político, ideológico, psicológico dos usuários da internet, que possibilita o direcionamento quase que individualizado de conteúdos. O outro aspecto que precisa ser considerado é o atual contexto político de polarização extrema dos posicionamentos e de intolerância no debate de ideias.
O modelo de negócios e a forma de funcionamento das plataformas e aplicações da internet são em grande medida os principais impulsionadores da desinformação no ambiente digital. Baseado na economia da atenção e do “like”, a monetização dos conteúdos se dá pelo tempo que as pessoas permanecem nas plataformas, pela quantidade de reações (likes) e compartilhamentos dos conteúdos. Então, quanto mais reagimos e compartilhamos determinados conteúdos — mesmo se o fizermos para discordar dele — mais relevante aquele conteúdo se torna e maior será a sua rentabilidade para quem o produziu e para a plataforma.
Essas manifestações e cada clique que damos em um site na internet, cada busca que fazemos, cada site que visitamos, cada compra que fazemos geram uma quantidade enorme de dados que são coletados, armazenados e tratados pelas plataformas e aplicações que são utilizadas pelos algoritmos de programação para nos direcionar mensagens cada vez mais específicas, com o intuito de nos proporcionar “uma melhor experiência de navegação”.
Esses algoritmos são as fórmulas matemáticas utilizadas para determinar o que aparece no meu feed de notícias, qual o grupo de pessoas que eu visualizo e com as quais eu interajo, criando bolhas de afinidades por posições políticas, religiosas, etárias, de gênero, raça, interesses culturais etc. O objetivo explícito dessas plataformas é juntar as pessoas (connecting people) que pensam igual e têm interesses comuns. Ao fazer isso, é possível direcionar conteúdos para reforçar discursos, preconceitos, ressaltar medos, ou seja, plasmar posições já existentes.
Foi isso o que aconteceu no escândalo Cambridge Analítica-Facebook, quando o vazamento de dados de milhares de usuários da plataforma foi parar nas mãos de uma agência de publicidade política que as utilizou para direcionar mensagens a favor ou contra Trump e Hillary na disputa eleitoral norte-americana.
Num cenário de crise e “guerra ideológica”, perde-se boa parte da racionalidade, o importante é validar a sua opinião, reforçar os seus argumentos para derrotar o outro que pensa diferente de você. Este é um ambiente propício para a proliferação da desinformação e do discurso do ódio. As pessoas ficam mais suscetíveis a acreditar em qualquer história que favoreça o seu argumento.
Nesse sentido, é urgente debater a responsabilidade das plataformas na disseminação da desinformação e questionar o seu modelo de funcionamento, de confinamento das pessoas em bolhas ideológicas. Essa ideia de que a melhor experiência de navegação é reunir os que pensam igual e nos apartar dos que pensam diferentes é um total desserviço à democracia. A sociedade precisa do confronto de ideias, de uma dose de desconforto diante do que o outro pensa para ser mais crítica e democrática. Sem isso não é possível construir pontes de diálogo respeitosas e que permitam, a partir da diferença, produzir novas ideais e sínteses sociais. Toda a unanimidade é burra e cheira a autoritarismo.
Exigir das plataformas e agregadores de conteúdos transparência sobre os seus algoritmos, sobre os critérios e parâmetros de indexação e distribuição de conteúdo, transparência de informações sobre os impulsionamentos é indispensável para a restrição da circulação de conteúdos caça-níqueis e de desinformação de todos os tipos.
Se a desinformação sempre existiu, o que há de novo no fenômeno atual é a sua forma de distribuição, que ganhou escala e velocidade jamais vistos antes em função do modelo de negócio das redes sociais e dos agregadores de conteúdo. A partir da coleta e tratamento de dados pessoais é possível traçar um perfil político, ideológico, psicológico dos usuários da internet, que possibilita o direcionamento quase que individualizado de conteúdos. O outro aspecto que precisa ser considerado é o atual contexto político de polarização extrema dos posicionamentos e de intolerância no debate de ideias.
O modelo de negócios e a forma de funcionamento das plataformas e aplicações da internet são em grande medida os principais impulsionadores da desinformação no ambiente digital. Baseado na economia da atenção e do “like”, a monetização dos conteúdos se dá pelo tempo que as pessoas permanecem nas plataformas, pela quantidade de reações (likes) e compartilhamentos dos conteúdos. Então, quanto mais reagimos e compartilhamos determinados conteúdos — mesmo se o fizermos para discordar dele — mais relevante aquele conteúdo se torna e maior será a sua rentabilidade para quem o produziu e para a plataforma.
Essas manifestações e cada clique que damos em um site na internet, cada busca que fazemos, cada site que visitamos, cada compra que fazemos geram uma quantidade enorme de dados que são coletados, armazenados e tratados pelas plataformas e aplicações que são utilizadas pelos algoritmos de programação para nos direcionar mensagens cada vez mais específicas, com o intuito de nos proporcionar “uma melhor experiência de navegação”.
Esses algoritmos são as fórmulas matemáticas utilizadas para determinar o que aparece no meu feed de notícias, qual o grupo de pessoas que eu visualizo e com as quais eu interajo, criando bolhas de afinidades por posições políticas, religiosas, etárias, de gênero, raça, interesses culturais etc. O objetivo explícito dessas plataformas é juntar as pessoas (connecting people) que pensam igual e têm interesses comuns. Ao fazer isso, é possível direcionar conteúdos para reforçar discursos, preconceitos, ressaltar medos, ou seja, plasmar posições já existentes.
Foi isso o que aconteceu no escândalo Cambridge Analítica-Facebook, quando o vazamento de dados de milhares de usuários da plataforma foi parar nas mãos de uma agência de publicidade política que as utilizou para direcionar mensagens a favor ou contra Trump e Hillary na disputa eleitoral norte-americana.
Num cenário de crise e “guerra ideológica”, perde-se boa parte da racionalidade, o importante é validar a sua opinião, reforçar os seus argumentos para derrotar o outro que pensa diferente de você. Este é um ambiente propício para a proliferação da desinformação e do discurso do ódio. As pessoas ficam mais suscetíveis a acreditar em qualquer história que favoreça o seu argumento.
Nesse sentido, é urgente debater a responsabilidade das plataformas na disseminação da desinformação e questionar o seu modelo de funcionamento, de confinamento das pessoas em bolhas ideológicas. Essa ideia de que a melhor experiência de navegação é reunir os que pensam igual e nos apartar dos que pensam diferentes é um total desserviço à democracia. A sociedade precisa do confronto de ideias, de uma dose de desconforto diante do que o outro pensa para ser mais crítica e democrática. Sem isso não é possível construir pontes de diálogo respeitosas e que permitam, a partir da diferença, produzir novas ideais e sínteses sociais. Toda a unanimidade é burra e cheira a autoritarismo.
Exigir das plataformas e agregadores de conteúdos transparência sobre os seus algoritmos, sobre os critérios e parâmetros de indexação e distribuição de conteúdo, transparência de informações sobre os impulsionamentos é indispensável para a restrição da circulação de conteúdos caça-níqueis e de desinformação de todos os tipos.
E o que fazer?
A sociedade precisa tomar cuidado ao propor soluções de caráter punitivista, que atentem contra direitos fundamentais e que, provavelmente, não irão solucionar o problema que está se querendo sanar.
Praticamente todas as iniciativas em curso no Brasil têm esse caráter. O Tribunal Superior Eleitoral constituiu, no final de 2017, uma comissão para combater “fake news” nas eleições deste ano com a participação da Abin e da Polícia Federal. Declarações recentes do ex-presidente do TSE, ministro Luiz Fux, ressaltando que é preciso vigiar a ação dos internautas demonstram isso. Ele chegou a dizer em mais de uma ocasião que se ficar comprovado que houve influência de “fake news” no resultado da eleição que esta poderia ser anulada. Bravata ou não, a declaração mostra o perigo que isso representa para a soberania do voto popular num momento de grave crise política e restrição democrática.
Também as mais de 20 propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional sobre o tema dão uma ideia de como os projetos flertam perigosamente com a criminalização generalizada de cidadãos. As propostas de penas para quem distribui “fake news” variam de multas que partem de R$1.500 e chegam a oito anos de reclusão. Mas não só, muitos desses projetos criminalizam, também, as pessoas que compartilham fake news, o que é gravíssimo. Isso pode gerar uma vigilância massiva de discursos na rede, autocensura, e censura.
Parte desses projetos também propõe colocar as plataformas (Facebook e Google) como promotores da censura privada, com propostas equivocadas de alteração do Marco Civil da Internet. O objetivo é obrigar as plataformas a retirarem conteúdos sempre que houver um pedido, mesmo sem ordem judicial, medida que é conhecida pelo termo “notice and take down”. Vale dizer que o MCI já permite que as plataformas retirem conteúdos com base nos seus termos de uso, mas elas só são obrigadas a fazê-lo se notificadas por ordem judicial. Ou seja, só se tornam responsáveis por conteúdos de terceiros caso se recusem a cumprir uma notificação judicial.
Criar novos tipos criminais para combater desinformação ou mesmo discurso de ódio é muito prematuro e bastante temerário. O país já possui leis suficientes para enfrentar esses problemas, como o Marco Civil da Internet. No código penal, já há previsão de penas para crimes de injúria, calúnia e difamação.
Um importante passo para combater o problema na sua origem foi dado recentemente, com a sanção da Lei de Proteção de Dados Pessoais, que será fundamental para garantir a privacidade e restringir o direcionamento de conteúdos. A lei 13.709/2018 é fruto de um amplo debate e o relatório final do projeto proposto pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) foi aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado. No entanto, um aspecto essencial para a efetivação da lei foi vetado pelo governo federal. Temer vetou a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, sem os quais a lei nasce desgovernada, sem um espaço concreto de “governança” dos dispositivos da lei. Garantir a recomposição de uma autoridade independente e autônoma com caráter multissetorial e técnico é indispensável para que a legislação seja efetiva e o direito à privacidade seja respeitado.
Para combater desinformação na internet é preciso ter proteção de dados pessoais, mais transparência das principais plataformas de distribuição e agregadores de conteúdos, enfrentar o debate sobre a governança e ética de algoritmos e adotar políticas públicas de educação para o uso das novas tecnologias de comunicação, além de de leitura crítica da mídia.
Só se combate desinformação com mais informação, com mais pluralidade e diversidade na produção e circulação da informação. Para isso, é fundamental enfrentar os velhos monopólios privados da mídia, conforme previsto no artigo 220 da Constituição, mas também os novos monopólios digitais da internet.
1 – Documento da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu: Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia. Disponível aqui.
* Artigo publicado originalmente no número 155 da Revista Princípios.
A sociedade precisa tomar cuidado ao propor soluções de caráter punitivista, que atentem contra direitos fundamentais e que, provavelmente, não irão solucionar o problema que está se querendo sanar.
Praticamente todas as iniciativas em curso no Brasil têm esse caráter. O Tribunal Superior Eleitoral constituiu, no final de 2017, uma comissão para combater “fake news” nas eleições deste ano com a participação da Abin e da Polícia Federal. Declarações recentes do ex-presidente do TSE, ministro Luiz Fux, ressaltando que é preciso vigiar a ação dos internautas demonstram isso. Ele chegou a dizer em mais de uma ocasião que se ficar comprovado que houve influência de “fake news” no resultado da eleição que esta poderia ser anulada. Bravata ou não, a declaração mostra o perigo que isso representa para a soberania do voto popular num momento de grave crise política e restrição democrática.
Também as mais de 20 propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional sobre o tema dão uma ideia de como os projetos flertam perigosamente com a criminalização generalizada de cidadãos. As propostas de penas para quem distribui “fake news” variam de multas que partem de R$1.500 e chegam a oito anos de reclusão. Mas não só, muitos desses projetos criminalizam, também, as pessoas que compartilham fake news, o que é gravíssimo. Isso pode gerar uma vigilância massiva de discursos na rede, autocensura, e censura.
Parte desses projetos também propõe colocar as plataformas (Facebook e Google) como promotores da censura privada, com propostas equivocadas de alteração do Marco Civil da Internet. O objetivo é obrigar as plataformas a retirarem conteúdos sempre que houver um pedido, mesmo sem ordem judicial, medida que é conhecida pelo termo “notice and take down”. Vale dizer que o MCI já permite que as plataformas retirem conteúdos com base nos seus termos de uso, mas elas só são obrigadas a fazê-lo se notificadas por ordem judicial. Ou seja, só se tornam responsáveis por conteúdos de terceiros caso se recusem a cumprir uma notificação judicial.
Criar novos tipos criminais para combater desinformação ou mesmo discurso de ódio é muito prematuro e bastante temerário. O país já possui leis suficientes para enfrentar esses problemas, como o Marco Civil da Internet. No código penal, já há previsão de penas para crimes de injúria, calúnia e difamação.
Um importante passo para combater o problema na sua origem foi dado recentemente, com a sanção da Lei de Proteção de Dados Pessoais, que será fundamental para garantir a privacidade e restringir o direcionamento de conteúdos. A lei 13.709/2018 é fruto de um amplo debate e o relatório final do projeto proposto pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) foi aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado. No entanto, um aspecto essencial para a efetivação da lei foi vetado pelo governo federal. Temer vetou a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, sem os quais a lei nasce desgovernada, sem um espaço concreto de “governança” dos dispositivos da lei. Garantir a recomposição de uma autoridade independente e autônoma com caráter multissetorial e técnico é indispensável para que a legislação seja efetiva e o direito à privacidade seja respeitado.
Para combater desinformação na internet é preciso ter proteção de dados pessoais, mais transparência das principais plataformas de distribuição e agregadores de conteúdos, enfrentar o debate sobre a governança e ética de algoritmos e adotar políticas públicas de educação para o uso das novas tecnologias de comunicação, além de de leitura crítica da mídia.
Só se combate desinformação com mais informação, com mais pluralidade e diversidade na produção e circulação da informação. Para isso, é fundamental enfrentar os velhos monopólios privados da mídia, conforme previsto no artigo 220 da Constituição, mas também os novos monopólios digitais da internet.
1 – Documento da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu: Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia. Disponível aqui.
* Artigo publicado originalmente no número 155 da Revista Princípios.
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