Por Paulo Bianchi e Elisângela Mendonça, no site The Intercept-Brasil:
Cinco suítes, lareira, três banheiras de hidromassagem, escadaria em mármore, espaço gourmet, churrasqueira, pomar, jardim, garagem para quatro carros, sauna, um campo de futebol próprio e até uma piscina aquecida que avança pela sala. Por R$ 5,8 milhões é possível comprar a humilde casa de campo em que os juízes federais Marcelo e Simone Bretas fogem do atarefado dia a dia que envolve, entre outras coisas, os julgamentos dos casos da Lava Jato no Rio de Janeiro.
Em abril, a revista Piauí somou em R$ 6,4 milhões o valor dos imóveis do casal. O patrimônio dos juízes – que entraram na Justiça para garantir o auxílio-moradia, penduricalho que permite que magistrados embolsem até R$ 4.377,73 caso não tenham um imóvel do Judiciário a seu dispor na cidade onde vivem –, no entanto, é ainda maior. Quase o dobro, de acordo com escrituras obtidas pelo Intercept.
Em junho, os Bretas colocaram a mansão à venda. Localizada em Itaipava, a 80 km do Rio de Janeiro, o imóvel de 600 m² faz parte de um condomínio de luxo, onde o casal divide áreas de convívio com vizinhos como o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, um dos delatores condenados na Lava Jato. Bretas e Costa são vizinhos, separados por um bosque.
Os Bretas também aceitam alugar a casa pelo valor de R$ 10 mil mensais, pouco a mais do que os R$ 8.755 que os dois juízes ganham juntos por mês a título de “auxílio-moradia”.
Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça proíbe o pagamento do bônus a dois juízes que morem sob o mesmo teto. Mas, por uma falha do Judiciário, o casal tinha o benefício. Marcelo Bretas ganhou o direito ao penduricalho graças a uma decisão em 1ª instância da Justiça Federal do Rio, em 2015. No começo do ano, a Advocacia-Geral da União solicitou à segunda instância, o TRF-2, que reavalie a decisão – o órgão não havia recorrido até então.
O salário de Marcelo Bretas, que já condenou o ex-governador Sérgio Cabral a mais de 100 anos de prisão e faz questão de adicionar lições de moral em suas sentenças contra corruptos, é de R$ 43.910,62 mensais; o de Simone, R$ 44.555,62, ambos já com o auxílio somado. Se o reajuste de 16,38% para o salário dos magistrados for aprovado, os dois devem passar a receber ainda outros R$ 7 mil a mais cada um.
O auxílio-moradia aos juízes existe formalmente desde 2000. Foi a forma encontrada pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso para encerrar uma greve da categoria. Não é necessário comprovar seu uso no pagamento de aluguel. Ou seja, os valores podem ser utilizados como os juízes quiserem.
Cerca de 17 mil juízes recebem auxílio-moradia – entre janeiro e agosto, o pagamento já custou quase R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Mas, mesmo para magistrados que tenham residência própria na cidade onde trabalham – caso dos Bretas, que vivem num apartamento com quatro suítes e vista para o Pão de Açúcar no bairro do Flamengo, na zona sul do Rio –, essa “ajuda de custos” não é ilegal.
Uma ação que pode derrubar o auxílio está parada no STF desde março. Na quarta-feira passada, o presidente Michel Temer acenou com a possibilidade de cortar o bônus em troca do aumento de R$ 8 bilhões nos contracheques de ministros do STF (e, em cascata, nos de todos os juízes) proposto pelo próprio Judiciário.
Em 2014, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux concedeu liminares a entidades representativas dos juízes liberando o pagamento a toda a magistratura. Entre os argumentos de Fux estava o de que tribunais nos estados já concediam o benefício por conta própria. Com isso, segundo ele, criou-se uma “odiosa” diferenciação entre os magistrados que recebiam e os que não recebiam o favorecimento.
Ao ser questionado sobre o auxílio-moradia por um deputado, Bretas respondeu aos seus quase 60 mil seguidores no Twitter que tinha apenas ido atrás de um “direito”.
“Pois é, tenho esse ‘estranho’ hábito. Sempre que penso ter direito a algo eu VOU À JUSTIÇA e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto, ou pegar escondido ou à força. Mas, como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito”, escreveu o juiz no dia 29 de janeiro.
Três dias antes, ele questionou o porquê de apenas o auxílio-moradia dos juízes federais ser debatido.
As duas mensagens já foram apagadas. Através da assessoria de imprensa da Justiça Federal, os Bretas informaram que não iriam se manifestar sobre a mansão na serra.
O condomínio
Após se tornarem juízes federais, Marcelo (1997) e Simone (1998), compraram um terreno de 3.600 m² em 2000. A construção da casa, registrada em cartório, foi finalizada em 2006 no Condomínio Quinta do Lago, considerado um dos melhores da região, com uma taxa de administração que ultrapassa os R$ 2 mil mensais.
Trecho da certidão de compra do terreno em que os Bretas construíram a casa, no Condomínio Quinta do Lago.
Há ainda uma casa para o caseiro, que recebe R$ 1.200 por mês, e a opção de manter sempre por perto uma cozinheira, também por R$ 1.200.
As ruas do condomínio, em plena serra fluminense, são margeadas por um córrego de águas cristalinas e mansões de, no mínimo, R$ 3 milhões – por regulamento, as casas no local precisam ter ao menos quatro suítes. Além de espaços coletivos como piscina, quadra de esportes e academia coletiva, os residentes do Quinta do Lago têm direito ainda a um cinema privado e até a um haras. São 3,7 milhões de m² de área verde, o equivalente ao tamanho do bairro de Copacabana.
Vizinho dos Bretas, Paulo Roberto da Costa comprou um terreno de 4.630 m² no local em 2005, por R$ 200 mil. Em 2012, anexou a área ao lado, já com uma casa de 419 m², por R$ 450 mil.
A casa hoje é o local onde o ex-executivo da Petrobras cumpre sua prisão domiciliar desde que foi condenado na Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro. O imóvel está entre seus bens bloqueados pela Justiça. Além de pagar uma multa de R$ 5 milhões, ele também precisa devolver à Justiça os 25,8 milhões de dólares que mantinha em contas bancárias na Suíça e nas Ilhas Cayman.
Um morador ouvido pelo Intercept comentou o endereço do morador presidiário aos sussurros, como quem revela uma doença. Mas se orgulhou em dizer que o condomínio tem “muita gente de bem, como empresários poderosos e o ministro Barroso”.
Em 2000, Barroso e a esposa adquiriram um terreno de 9.300 m² por R$ 230 mil. De lá para cá, construíram uma casa de oito quartos e 870 m², hoje também à venda por R$ 8,6 milhões.
Juízes não querem transparência
A luxuosa casa dos Bretas vai ao encontro de uma das mais marcantes características do judiciário brasileiro: o acúmulo de riqueza, que agora a classe quer tentar esconder.
Desde 2012, os salários dos magistrados são divulgados na página do Conselho Nacional de Justiça. A Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo entrou com um pedido no STF para que os magistrados do TRF-2 não sejam obrigados a divulgar seus vencimentos.
A associação, da qual Bretas faz parte, questiona a relevância do acesso público a informações e argumenta que sua publicação apenas compromete a privacidade e a intimidade da classe.
Casualmente, o caso ficou a cargo do vizinho do juiz, Barroso, que rejeitou a ação na semana passada. “É o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio do estado republicano”, afirmou o juiz ao declarar a legalidade da determinação do CNJ.
Cinco suítes, lareira, três banheiras de hidromassagem, escadaria em mármore, espaço gourmet, churrasqueira, pomar, jardim, garagem para quatro carros, sauna, um campo de futebol próprio e até uma piscina aquecida que avança pela sala. Por R$ 5,8 milhões é possível comprar a humilde casa de campo em que os juízes federais Marcelo e Simone Bretas fogem do atarefado dia a dia que envolve, entre outras coisas, os julgamentos dos casos da Lava Jato no Rio de Janeiro.
Em abril, a revista Piauí somou em R$ 6,4 milhões o valor dos imóveis do casal. O patrimônio dos juízes – que entraram na Justiça para garantir o auxílio-moradia, penduricalho que permite que magistrados embolsem até R$ 4.377,73 caso não tenham um imóvel do Judiciário a seu dispor na cidade onde vivem –, no entanto, é ainda maior. Quase o dobro, de acordo com escrituras obtidas pelo Intercept.
Em junho, os Bretas colocaram a mansão à venda. Localizada em Itaipava, a 80 km do Rio de Janeiro, o imóvel de 600 m² faz parte de um condomínio de luxo, onde o casal divide áreas de convívio com vizinhos como o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, um dos delatores condenados na Lava Jato. Bretas e Costa são vizinhos, separados por um bosque.
Os Bretas também aceitam alugar a casa pelo valor de R$ 10 mil mensais, pouco a mais do que os R$ 8.755 que os dois juízes ganham juntos por mês a título de “auxílio-moradia”.
Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça proíbe o pagamento do bônus a dois juízes que morem sob o mesmo teto. Mas, por uma falha do Judiciário, o casal tinha o benefício. Marcelo Bretas ganhou o direito ao penduricalho graças a uma decisão em 1ª instância da Justiça Federal do Rio, em 2015. No começo do ano, a Advocacia-Geral da União solicitou à segunda instância, o TRF-2, que reavalie a decisão – o órgão não havia recorrido até então.
O salário de Marcelo Bretas, que já condenou o ex-governador Sérgio Cabral a mais de 100 anos de prisão e faz questão de adicionar lições de moral em suas sentenças contra corruptos, é de R$ 43.910,62 mensais; o de Simone, R$ 44.555,62, ambos já com o auxílio somado. Se o reajuste de 16,38% para o salário dos magistrados for aprovado, os dois devem passar a receber ainda outros R$ 7 mil a mais cada um.
O auxílio-moradia aos juízes existe formalmente desde 2000. Foi a forma encontrada pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso para encerrar uma greve da categoria. Não é necessário comprovar seu uso no pagamento de aluguel. Ou seja, os valores podem ser utilizados como os juízes quiserem.
Cerca de 17 mil juízes recebem auxílio-moradia – entre janeiro e agosto, o pagamento já custou quase R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Mas, mesmo para magistrados que tenham residência própria na cidade onde trabalham – caso dos Bretas, que vivem num apartamento com quatro suítes e vista para o Pão de Açúcar no bairro do Flamengo, na zona sul do Rio –, essa “ajuda de custos” não é ilegal.
Uma ação que pode derrubar o auxílio está parada no STF desde março. Na quarta-feira passada, o presidente Michel Temer acenou com a possibilidade de cortar o bônus em troca do aumento de R$ 8 bilhões nos contracheques de ministros do STF (e, em cascata, nos de todos os juízes) proposto pelo próprio Judiciário.
Em 2014, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux concedeu liminares a entidades representativas dos juízes liberando o pagamento a toda a magistratura. Entre os argumentos de Fux estava o de que tribunais nos estados já concediam o benefício por conta própria. Com isso, segundo ele, criou-se uma “odiosa” diferenciação entre os magistrados que recebiam e os que não recebiam o favorecimento.
Ao ser questionado sobre o auxílio-moradia por um deputado, Bretas respondeu aos seus quase 60 mil seguidores no Twitter que tinha apenas ido atrás de um “direito”.
“Pois é, tenho esse ‘estranho’ hábito. Sempre que penso ter direito a algo eu VOU À JUSTIÇA e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto, ou pegar escondido ou à força. Mas, como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito”, escreveu o juiz no dia 29 de janeiro.
Três dias antes, ele questionou o porquê de apenas o auxílio-moradia dos juízes federais ser debatido.
As duas mensagens já foram apagadas. Através da assessoria de imprensa da Justiça Federal, os Bretas informaram que não iriam se manifestar sobre a mansão na serra.
O condomínio
Após se tornarem juízes federais, Marcelo (1997) e Simone (1998), compraram um terreno de 3.600 m² em 2000. A construção da casa, registrada em cartório, foi finalizada em 2006 no Condomínio Quinta do Lago, considerado um dos melhores da região, com uma taxa de administração que ultrapassa os R$ 2 mil mensais.
Trecho da certidão de compra do terreno em que os Bretas construíram a casa, no Condomínio Quinta do Lago.
Há ainda uma casa para o caseiro, que recebe R$ 1.200 por mês, e a opção de manter sempre por perto uma cozinheira, também por R$ 1.200.
As ruas do condomínio, em plena serra fluminense, são margeadas por um córrego de águas cristalinas e mansões de, no mínimo, R$ 3 milhões – por regulamento, as casas no local precisam ter ao menos quatro suítes. Além de espaços coletivos como piscina, quadra de esportes e academia coletiva, os residentes do Quinta do Lago têm direito ainda a um cinema privado e até a um haras. São 3,7 milhões de m² de área verde, o equivalente ao tamanho do bairro de Copacabana.
Vizinho dos Bretas, Paulo Roberto da Costa comprou um terreno de 4.630 m² no local em 2005, por R$ 200 mil. Em 2012, anexou a área ao lado, já com uma casa de 419 m², por R$ 450 mil.
A casa hoje é o local onde o ex-executivo da Petrobras cumpre sua prisão domiciliar desde que foi condenado na Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro. O imóvel está entre seus bens bloqueados pela Justiça. Além de pagar uma multa de R$ 5 milhões, ele também precisa devolver à Justiça os 25,8 milhões de dólares que mantinha em contas bancárias na Suíça e nas Ilhas Cayman.
Um morador ouvido pelo Intercept comentou o endereço do morador presidiário aos sussurros, como quem revela uma doença. Mas se orgulhou em dizer que o condomínio tem “muita gente de bem, como empresários poderosos e o ministro Barroso”.
Em 2000, Barroso e a esposa adquiriram um terreno de 9.300 m² por R$ 230 mil. De lá para cá, construíram uma casa de oito quartos e 870 m², hoje também à venda por R$ 8,6 milhões.
Juízes não querem transparência
A luxuosa casa dos Bretas vai ao encontro de uma das mais marcantes características do judiciário brasileiro: o acúmulo de riqueza, que agora a classe quer tentar esconder.
Desde 2012, os salários dos magistrados são divulgados na página do Conselho Nacional de Justiça. A Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo entrou com um pedido no STF para que os magistrados do TRF-2 não sejam obrigados a divulgar seus vencimentos.
A associação, da qual Bretas faz parte, questiona a relevância do acesso público a informações e argumenta que sua publicação apenas compromete a privacidade e a intimidade da classe.
Casualmente, o caso ficou a cargo do vizinho do juiz, Barroso, que rejeitou a ação na semana passada. “É o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio do estado republicano”, afirmou o juiz ao declarar a legalidade da determinação do CNJ.
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