sábado, 1 de março de 2014

Os novos corvos da velhíssima UDN

Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:

A História é um longo, infinito rio, que corre manso, faz curvas, precipita-se veloz, em torrentes, some em cavernas e todos julgam ter se findado, mas logo ali reaparece.

Os pretensiosos vivem a ilusão de que este rio tem nascentes neles próprios ou que, mesmo tendo brotado de outras fontes, só neles se tornou caudal.

Vã idade, a que nos faz ingênuos assim, por excesso de juventude ou arrogância senil.

Porque a história, mais poderosa que os homens, define-se menos pelos papéis humanos e mais pelo papel que estes homens terão.

Por isso, recolhi este artigo do Nelson Paes Leme, observador de longo curso da cena brasileira, que diz coisas que há alguns anos poderiam ser julgadas exageros de um pensamento ultrapassado e hoje, estranhamente, tornam-se claras a quem observa o nosso processo político.

Longe de servir apenas para proclamar a longevidade da direita, serve para dar à nossa luta a única infinitude possível, a dos elos de uma corrente que atravessa os tempos, um processo social que dá ombros e prossegue, indiferente aos que acham que o reinventaram.

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A UDN não morreu

Nelson Paes Leme

A história brasileira é salpicada de golpes e quarteladas a todo instante. Nossa Independência foi um golpe de estado. A Proclamação da República, outro. A República Velha, pontuada por muitos: as duas revoltas de Boa Vista e a da Armada; a da Vacina e a da Chibata; a Guerra do Contestado, a de Canudos e por aí vai. Até a Revolução Constitucionalista de 32. Com a redemocratização resultante da Constituinte de 1946, ao fim da Segunda Guerra, em cujos campos de batalha estiveram envolvidos nossos militares, surgiu a UDN como opção eleitoral de oposição às oligarquias da política do “café com leite”, ao fascismo dos camisas-verdes e ao PCB, então legalizado, ainda que por pouco tempo.

A UDN brota do embrião da UDB restaurada e ampliada, o partido de Armando de Salles Oliveira no exílio, e como simbiose da facção não marxista da UNE com as forças progressistas da oposição, aí incluindo alguns militares. Entre eles, egressos dos Dezoito do Forte, como o brigadeiro Eduardo Gomes e um emblemático personagem, líder da Revolução de 1932: o general Euclydes de Figueiredo, pai do nosso último ditador do ciclo militar de 1964/84, e que chega a presidi-la provisoriamente junto com Mangabeira, nesse período esplendoroso de 1946, tendo como secretário-geral Virgílio de Mello Franco.

A UDN surge, portanto, com o DNA do militarismo em suas entranhas pretensamente democráticas. Quem a sucede depois do golpe de 64 (que vinha articulando desde a República do Galeão), durante a ditadura militar, é a Arena, depois o PDS e, já na redemocratização dos Oitenta, o PFL (hoje DEM), aliado ao PSDB na Aliança Democrática que derrota, com Tancredo e Sarney, a Ditadura de 64/84, no próprio Colégio Eleitoral casuísta dos militares, e depois elege e reelege Fernando Henrique e Marco Maciel nos Noventa. A UDN, na história republicana brasileira, tem migrado, quase sempre na oposição, camaleonicamente. Uma espécie de larva migrans. Transmuta-se. Mas não morre. Quem a ressuscita (a chamada UDN de esquerda, nessa aliança de 84) já não é mais o golpismo dos militares, nem seu acerbado anticomunismo, démodé depois da Queda do Muro de Berlim. Mas, sim, o sempre presente moralismo que elege e derruba Collor na primeira eleição direta depois de 64 (o mesmo moralismo que derrubara Getúlio com um único tiro, o dele próprio no peito, e elege Jânio Quadros e sua vassourinha asséptica nos Cinquenta e Sessenta). A UDN, hoje, continua bem viva. Mais viva e robusta nas classes A e B do que nunca. Mas desta vez sem os militares. Agora elege Joaquim Barbosa seu paradigma moral. Seu messias.

Qual o seu futuro? Ninguém pode prever. Mas continua o mesmo partido de classe média e alta de tendência oposicionista e moralista no cerne do discurso dos candidatos de oposição. O mesmo partido repugnado com a corrupção e com os simpatizantes de Cuba, do bolivarianismo e crítico contundente do peleguismo no governo, razão maior para o crescimento da tecnoburocracia, para o inchaço do Estado e o peso da dívida pública. A mesma indignação também contra a “esquerda” brasileira, no poder. A única novidade é que hoje os militares, parece, afastaram-se definitivamente da política, com exceção de um Bolsonaro ou outro. Sininho é uma liderança em emergência, sem a verve, nem o brilho, nem a erudição de um Carlos Lacerda, por exemplo, mas contando jogar água no ventilador das ruas, com a Copa do Mundo aí na nossa porta. Os quebra-quebras dos black blocks que se sucedem eram de outros matizes então e as redes sociais não existiam quando de sua fundação. Mas a UDN não morreu. Só não está registrada (ainda) no TSE. Por que será?

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