Em recente entrevista ao jornal italiano Il Manifesto, o economista egípcio Samir Amin, um dos maiores intelectuais da atualidade, falou do seu novo livro “A life looking forward” – ainda não traduzido no Brasil. A entrevista é instigante e polêmica. Reproduzo-a abaixo:
Com a crise econômico-financeira, interrogamo-nos novamente sobre os limites da globalização neoliberal e, mais em geral, sobre os limites do capitalismo. Pode nos explicar em que sentido, como o senhor escreve em "The World We Wish to See", "o desenvolvimento mundial do capitalismo sempre foi polarizante", e o imperialismo representa não "uma fase do capitalismo, mas sim a característica permanente da sua expansão global"?
No início, adotei a tese de Lenin, segundo a qual o capitalismo dos monopólios constitui uma nova fase na história do capitalismo, anunciada no fim do século XIX, e o capitalismo se tornou uma forma de imperialismo apenas a partir daquela data. Em seguida, porém, acabei elaborando a ideia do caráter originariamente polarizante – portanto, de algum modo imperialista – do capitalismo desde as suas origens.
Considero, de fato, que a acumulação em escala mundial sempre existiu, de modo não exclusivo, mas prevalente, uma acumulação por expropriação. Uma expropriação que não se refere apenas à "acumulação primitiva" analisada por Marx e referida nas origens do capitalismo, mas que é sim um traço permanente na história do capitalismo realmente existente, a partir da época mercantilista. Aquele longo período de transição em que o papel central na mundialização, organizada em torno à conquista das Américas e à obtenção de escravos, assume a forma evidente e indiscutível da acumulação por expropriação. Essa acumulação se estende depois ao longo de todo o século XIX e se radicaliza com a formação dos monopólios, que favorecem a exportação de capital em uma escala muito mais ampla, "instalando" segmentos do sistema capitalista mundializado nas colônias "de além mar", nas semicolônias, nas colônias da América Latina.
De outro lado, o fato de a polarização ser imanente ao desenvolvimento mundializado do capitalismo, acompanhando-o desde as origens, é demonstrado por um simples dado: até aproximadamente 1820, o PIB per capita da China era superior ao PIB médio da Europa avançada. Entre 1820 e 1900, passa-se ao invés de uma relação 1-1 a uma relação 1-20, e, de 1900 ao ano 2000, de 1-20 a 1-50.
Ainda em "Oltre il capitalismo senile", o senhor escrevia que, justamente por causa do seu "calcanhar de Aquiles" – a dimensão financeira –, o sistema capitalista estaria preparando "uma iminente catástrofe financeira". Ora, a iminência é realidade: o que o senhor entende quando defende que a crise atual é "a crise do capitalismo imperialista dos oligopólios", organicamente ligados à financeirização do sistema?
Prosseguindo na direção da pesquisa inaugurada pelo livro de Sweezy e Baran de 1966, "Monopoly Capital" – a primeira formulação coerente da transformação qualitativa do capitalismo ocorrida no final do século XIX com a instituição dos monopólios – localizei o impacto de duas grandes ondas no processo de monopolização: a primeira, tem início no final do século XIX e se estende até 1945, a segunda começa nos anos 60 do século passado e, portanto, não coincide de fato com a crise financeira de 2008.
Nessa segunda onda, o grau de monopolização assume um relevo sem comparações, o que me leva a considerar que o capitalismo contemporâneo é um capitalismo dos oligopólios generalizados, mundializados e financeirizados. Oligopólios generalizados porque controlam a economia no seu conjunto (além do âmbito político e cultural), até aqueles setores não diretamente monopolizados. E mundializados também por efeito das políticas liberais e neoliberais dos anos 80, 90 e 2000.
Agora, no que se refere à financeirização, também da "esquerda", boa parte das análises sobre o sistema financeiro tendem a separar a financeirização, artificial e negativa, do bom capitalismo produtivo. Não é assim: os dois aspectos vão lado a lado. Os oligopólios são financeirizados justamente no sentido de que não há de um lado um setor financeirizado, o dos bancos, dos seguros, dos fundos de pensão, e de outro um setor produtivo sadio. Pelo contrário, são os próprios oligopólios que são proprietários das grandes empresas produtivas e, ao mesmo tempo, das grandes instituições financeiras. E, por sua vez, esses oligopólios têm necessidade da expansão financeira para assegurarem o domínio sobre a economia e sobre a sociedade inteira.
A "sobreposição", como Baran já defendia, é total. E tem razíes em um sistema que leva por si mesmo à estagnação relativa, particularmente marcada a partir de 1970, quando nos países da Tríade imperialista (EUA, Europa e Japão) verificou-se uma drástica redução das taxas de lucro, de crescimento e de investimento. É essa estagnação – um excesso de superávit com relação à possibilidade de expansão do capital para ampliar e incrementar os investimentos produtivos – que alimenta as bolhas financeiras, que não são o produto de derivações ou desregulamentações, mas sim uma exigência imanente do sistema capitalista contemporâneo: a financeirização é a única maneira à disposição dos capitalistas dos oligopólios generalizados e mundializados para superar a tendência profunda e intrínseca à estagnação.
Por isso, estou convencido de que só nos resta, como alternativa, sair desse capitalismo em crise. Ou, mais modestamente, começar a se dirigir à saída, rumo a outro modelo de desenvolvimento, cuja fisionomia ainda não está clara e para cuja definição serão necessários 50, 100 anos.
Em um recente artigo, o senhor afirma que uma mundialização negociada passa pelo "desengajamento" para a construção de uma economia nacional autocentrada, mas não autárquica. Uma economia que – o senhor escreve em "A Life Looking Forward" – "encontraria sérios obstáculos se não fosse reforçada por formas de integração regional capazes de aumentar seu efeito positivo". Como combinar estratégias de desengajamento do sistema global com a construção de blocos regionais?
Não existem alternativas praticáveis ao desenvolvimento autocentrado, que subordinem as relações externas às exigências de transformação interna, as mais progressistas possíveis. Não se trata de simples autarquia, mas da subversão da lógica atual: em vez de se adequar, em vez de se curvar às tendências dominantes em escala mundial, é preciso agir para que sejam essas tendências se adequem às exigências internas. Esse é o sentido que eu atribuo às iniciativas independentes por parte dos países do Sul do mundo. As razões para fazer isso são evidentes na maior parte dos casos. Talvez não para os três novos gigantes econômicos: China, Índia e Brasil, que, cada um por si, podem contar com um peso equivalente ao de uma grande região, e que por isso pareceria que não têm necessidade de se confiar a acordos sub-regionais e inter-regionais.
Porém, esses países também acusam déficits, basta pensar na escassez dos recursos naturais, energéticos em primeiro lugar, dos quais têm necessidade. E isso vale com maior razão para as outras regiões, para os países do sudeste asiático, do mundo árabe, da África subsaariana, da América Latina espanhola. Em todos esses casos, os acordos sub-regionais servem para instituir, por via negociada, formas de complementariedade, que se articulem em mais planos.
Por exemplo, o das tecnologias: hoje, os países do Sul são capazes – nem todos da mesma forma – de desenvolver capacidade tecnológica sem ter que necessariamente submeter-se ao protecionismo do direito industrial promovido pela Organização Mundial do Comércio. O mesmo deveria ocorrer com as infraestruturas, para a localização de estratégias de complementariedade industrial, a partir das indústrias de base, obviamente, mas também para as indústrias do grande consumo, para o acesso aos recursos naturais.
A propósito dos recursos naturais: o senhor defende que, "longe de estar resolvida, a 'questão agrária' está mais do que nunca no centro dos desafios que a humanidade deverá enfrentar no século XX". Por que o senhor considera que o capitalismo, "pela sua própria natureza, é incapaz de resolvê-la" e por que acredita que ele sabe apenas oferecer a perspectiva de um planeta de favelas?
A acumulação por expropriação que caracteriza o capitalismo histórico, o que, no início do século XIX foi se cristalizando em torno ao triângulo Londres-Amsterdã-Paris, não se refere apenas aos povos das Américas, mas também aos agricultores europeus. O modelo é o das "enclosures" da Grã-Bretanha, a expropriação dos agricultores ingleses e irlandeses, que sofreram, os primeiros da Europa, uma forma de apropriação privada da terra, depois generalizada ao continente europeu.
Esse modelo histórico teria tido consequências explosivas se não fosse acompanhado por aquele enorme "aparato de segurança" e "válvula de escape" constituída pelo sistema das migrações às Américas: os processos migratórios permitiram que a Europa construísse em outro lugar uma outra Europa, senão mais importante em termos de população do que a do continente.
Mas se considerarmos os outros continentes, a Ásia, a África, a América Latina, onde hoje vivem 75% da população mundial, da qual metade é agrícola, nos damos conta de que esse sistema é inaceitável e ineficaz. Como demonstra o recente nascimento de um planeta de favelas: os agricultores expulsos das terras não podem ser "absorvidos" pelos mecanismos da moderna industrialização e não podem recorrer de modo maciço às migrações. A solução à questão agrária proposta pelo modelo capitalista requereria que se concedesse à Ásia, à África e à América Latina pelo menos outras quatro Américas.
.
1 comentários:
"Convite: Debate online sobre a Forum de Dialogo Politico entre India-Brasil-Africa do Sul(IBAS.
Em parceria com o blog Ideas para o Desenvolviment, o Centro International de Politicas para Crescimento Inclusivo(IPC-IG)esta lancando um debate online que visa contribuir com ideas e sugestoes de para o Forum Academico do IBAS, que sera promovido pelo IPC-IG nos dias 12 e13 de Abril em Brasilia, Brazil.
Nos convidamos voce e seus leitores a participarem nas discussoes e refletirem sobre as seguintes questoes:
- Qual o papel dos paises emergentes no desenho da politica mundial?
- Como India, Brasil e Africa do Sul podem fortalecer sua cooperacao nas questoes consideradas fundamentais na agenda global?
- Em que maneiras um dialogo politico entre paises em desenvolvimento pode contribuir para a implementacao de politicas efetivas que tornem crescimento inclusivo e desenvolvimento humano em realidade?
Junte-se a nos no seguinte endereco: http://www.ideas4development.org
Nos tambem os convidamos a visitar o sitio do Forum Academico IBSA, onde voce podera encontrar artigos, noticias recentes e outras recursos relevantes. Visite: http://www.ipc-undp.org/ibsa"
Postar um comentário