terça-feira, 6 de agosto de 2019

O passo seguinte à indignação

Por Saul Leblon, no site Carta Maior:

A greve de 13 de agosto próximo não deveria ser encarada pelos democratas e progressistas brasileiros como um ato protocolar de protesto.

Centrada sobretudo na defesa da educação pública – um dos alvos recentes da política oficial de desmonte do governo Bolsonaro – o movimento tende a transbordar seus próprios limites.

O Brasil vive uma escalada da indignação social.

Parcelas cada vez mais amplas da sociedade expressam seu inconformismo com as características violentas, obscurantistas –social e economicamente regressivas –, do extremismo direitista que chegou ao poder em meio ao trapaceado jogo eleitoral de 2018.

Escancarados em pílulas letais pelo Intercept Brasil, os diálogos de bastidores da Lava Jato documentam a ação criminosa de uma organização clandestina de juízes e promotores, engajados – como se comprova cada vez mais – em uma conspiração para abortar o desfecho apontado pelas pesquisas de intenção de voto daquele escrutínio.

A vitória da trapaça se fez acompanhar da sofreguidão no poder.

A blitzkrieg de ataques aos vigamentos de direitos e da soberania inscritos na Carta de 1988 registra atualizações diárias, numa espiral ensandecida.

Até recentemente bem sucedida no objetivo de jogar a sociedade nas cordas da prostração – e levar ao delírio os mercadores de carne humana barata –, a rapina parece ter atravessado a linha vermelha da saturação.

Escarnecer das vidas sacrificadas na luta pela democracia brasileira – como se fez no caso do pai do presidente da OAB, seguido do desmantelamento da Comissão da Verdade –; e pisotear dados científicos incômodos – como os alertas do Inpe sobre a disparada do desmatamento na Amazônia –, avultam como um ponto acima da régua do tolerável, mesmo aos olhares mais condescendentes.

A greve do dia 13 de agosto pode ser um estuário desse sentimento espraiado.

É necessário, porém, construir o passo seguinte da indignação.

É fundamental adicionar à repulsa a força das ideias e o poder aglutinador de agendas que emprestem aos eventos imediatos as consequências organizativas e propositivas à altura da longa travessia que temos pela frente.

Carta Maior abraçou esse desafio ampliando seu alcance com a criação de uma nova Editoria de Rádio Web ‘Sua Voz na Conjuntura’ (clique aqui para ouvir), tecnicamente ágil, adequada e focada na cobertura e aprofundamento das mobilizações que – estamos certos – vão se multiplicar de agora em diante.

Pretendemos fazer desse veículo uma caixa de ressonância do sentimento da rua, amplificando-o, porém, com as reflexões e propostas de intelectuais, lideranças e personalidades comprometidas com a luta por uma verdadeira democracia-social no Brasil.

Move-nos algumas preocupações.

Em primeiro lugar – insistimos –, discutir a melhor maneira de dar à indignação espontânea um estuário organizativo nacional e plural que, no caso da greve do dia 13, poderia assumir a forma de uma Conferência Brasileira da Educação Pública, por exemplo.

A iniciativa tem precedente.

Em outubro, dia 17, um grande encontro nacional terá lugar em Recife, com ampla adesão, inclusive de governadores, para debater uma política brasileira alternativa diante da crise climática global.

A convocação de grandes conferências setoriais da sociedade brasileira pode ser a ponte aglutinadora, capaz de dar à indignação social suas consequências políticas transformadoras.

Para a greve do dia 13, nossos podcasts vão emoldurar o debate da escola pública com a indissociável discussão de um novo projeto de desenvolvimento, que possa inserir o país na travessia de paradigmas em curso no mundo.

Qual sociedade se deseja construir aqui para enfrentar os graves desequilíbrios locais e globais do século XXI?

Que tipo de projeto de desenvolvimento - e de Estado - é necessário para alcançá-la?

O que se espera da universidade e da pesquisa pública nessa travessia?

Como os intelectuais e as forças democráticas devem atuar na construção desse reordenamento?

Uma segunda preocupação pauta a criação da nossa editoria de rádio web.

Pouca dúvida pode haver de que existe método na aparente loucura que capturou o estado brasileiro, fazendo de suas políticas uma arma apontada contra os interesses majoritários da população.

Democratas verdadeiros sabem que o projeto econômico instituído desde o golpe de 2016, de radicalização neoliberal – as ditas reformas ansiadas pelos mercados e as elites – exige uma correspondente captura autoritária das instâncias políticas nacionais.

A consequência é essa que vivenciamos: a sorte do país e o destino do seu povo entregues ao intercurso entre um psicopata virulento e o vale tudo de um livre mercadismo de fachada na era dos monopólios.

Só o oportunismo típico de certos punhos de renda pode condenar o método e cobrir de elogios incondicionais os resultados.

Não há como promover o desmanche neoliberal em curso contra o povo e o patrimônio brasileiro sem trapacear eleições, sem demonizar projetos alternativos, encarcerar lideranças populares, implodir instâncias e conselhos de participação civil no estado, asfixiar sindicatos, boicotar a ciência e a inteligência, censurar a cultura e a informação, sabotar governadores, escarnecer e declarar guerra contra regiões inteiras do país.

Esse entendimento tem consequências e elas advertem contra precipitações.

Sem uma organização abrangente e capilar, aglutinada em torno de um projeto de futuro dotado da força e do consentimento de amplos segmentos populares nucleados e coordenados, qualquer tentativa de mudança institucional poderá redundar em um quadro caótico de conflitos e instabilidade sem fim.

O passo seguinte dessa espiral na América Latina é conhecido.

Essa convicção nos leva a buscar para Carta Maior uma retaguarda de parceria duradoura com suas leitoras e leitores.

A contribuição financeira para manter esse veículo é parte desse entendimento bilateral, qual seja, de que só haverá democracia de fato neste país, quando se devolver ao povo o efetivo comando do seu destino econômico, social político e ambiental.

Esse é o chão sobre o qual plantamos as nossas esperanças.

E essa é a razão de convidá-los a se juntarem a nós na construção de mais essa ponte entre o país que somos e a nação que ainda poderemos ser – a ‘Sua Voz na Conjuntura’.

Vamos juntos dia 13 nas ruas!

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