Foto: Ricardo Stuckert |
Na entrevista coletiva que concedeu ontem em Brasília, onde passou a semana em articulações político-eleitorais, a mídia fez uma clara inflexão de abordagem e desta vez o tratou como candidato com perspectiva real de poder.
A maioria das perguntas buscou respostas dele para o que faria em um eventual governo, a respeito de temas diversos, de regulação da mídia à política de preços de combustíveis, ao meio ambiente e à política econômica.
Houve o momento, nos tempos recentes, em que entrevistas de Lula não atraíam os grandes veículos de comunicação e eram por eles ignorada.
Isso logo depois que ele saiu da prisão mas ainda era um proscrito político, fase em que falou fundamentalmente para os veículos independentes progressistas, inclusive para 0 247.
Após a restauração de seus direitos políticos pela STF, com a anulação de sentenças de Sergio Moro, a primeira entrevista coletiva teve alto quórum mas as perguntas ainda se prendiam muito ao tema corrupção e à situação judicial dele. Na de ontem, o tom mudou.
Embora os grandes jornais tenham dado tratamento trivial à entrevista, todos enviaram repórteres, assim como televisões, veículos regionais e independentes, reunindo um alto número de perguntadores.
As matérias de O Globo, Folha e Estadão colocaram ênfase na resposta sobre a questao da regulação da mídia, em que Lula de fato se reposicionou, dizendo que caberá ao Congresso, em algum momento, enfrentar este debate.
Não prometeu tomar a iniciativa mas disse que não aceita a ideia de que "o único controle seja o "controle remoto".
Mas isso foi um ponto lateral na entrevista, embora central para a própria mídia. De resto, as demais perguntas foram endereçadas agora a um candidato que se afirmou como alternativa real a Bolsonaro, com perspectiva real de vir a comandar o governo a partir de janeiro de 2003.
O que se queria saber, principalmente, é o que ele faria sobre isso ou aquilo. E, secundariamente, quais são suas estratégias eleitorais.
Eu mesma lhe perguntei o que fará para obter uma nova pactuação com as elites econômicas, que embora reconhecendo que ele foi um bom governante o qualificam de indesejável, como fez o co- presidente da Conselho de Administração da Natura, Pedro Passos.
Faria algo como a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, para quebrar tais resistências?
E perguntei ainda se poderá deslocar Fernando Haddad para a disputa do Senado para apoiar Boulos e garantir o apoio do PSOL.
Destaco a autoconfiança com que respondeu à primeira questão:
- Eu tenho um legado. Aos empresários, basta recordarem como estava a economia em meu governo. O dono da Natura pode recordar o que era a empresa dele antes e depois do meu governo. O legado que deixei nesse país vale por 500 cartas ao povo brasileiro.
E isso posto, não tergiversou sobre o tipo de Estado que defende, divergindo com franqueza dos defensores neoliberais do Estado mínimo.
- "Quero um Estado forte, porque só um Estado forte é capaz de acabar com a miséria nesse país. Só um Estado forte poderá fazer casa popular subsidiada para o povo que está desempregado e ganha pouco. Quero um Estado capaz de melhorar o SUS, que era tripudiado antes da pandemia, e agora é endeusado por quem tripudiava. O SUS é uma coisa extraordinária. Não quero um Estado empresarial mas um Estado com força para ser o indutor do desenvolvimento. Um Estado que cuide das pessoas sem preocupar com o gasto de cuidar das pessoas. É esse Estado socialmente justo que quero para esse país."
Quando outros jornalistas vieram com o argumento de isso leva ao gasto, ele pediu que não se falassem de responsabilidade fiscal, recordando dados das contas públicas em seus governos.
- "Nós pegamos esse país com U$ 30 milhões de dívida ao FMI, 12% de inflação, 12 milhões de desempregados e o Malan, que era um bom homem, tinha de ir todo final ano até Washington buscar dinheiro para fechar o caixa no Brasil. Começamos a governar, todos os economistas diziam que o país iria quebrar. Nós consertamos a economia: trouxemos a inflação para 4,5%, geramos 20 milhões de empregos, tivemos superávit primário durante todo o governo, pagamos a dívida ao FMI, emprestamos U$ 10 bilhões ao FMI e ainda deixamos U$ 370 bilhões em reservas, que é o que está salvando o Brasil."
Foi um Lula com tudo na ponta da língua, inclusive os índices de aumento de preços de vários produtos da mesa dos brasileiros, que se apresentou ontem: um candidato que, embora dizendo só decidirá em janeiro, exibe a paixão, disposição e o preparo para a tarefa por ele chamada de "reconstrução do Brasil".
E falando do muito que já foi destruído por Bolsonaro - que chamou de maluco beleza e disse não servir nem para ser síndico de prédio - Lula reconheceu que o desafio de agora será maior e mais difícil que o enfrentado por ele ao ser eleito em 2002. Mas ele esta com ganas.
1 comentários:
A preocupação com uma suposta "pactuação com as elites econômicas" revela o estofo do socialdemocrata, do reformista, que desconhece como é possível transformar a sociedade capitalista sem alguma forma de conciliação dos interesses de classe. A pergunta da jornalista revela a meditação das forças que hegemonizam o PT. Estarim elas juntamente com Lula cogitando lançar outra "Carta ao Povo Brasileiro?". Se estivesse, Lula jamais a lançaria como peça de campanha, pois o momento politico de tal gesto de conciliação dos interesesses de classe seria o discurso de candidato eleito ou, senão, o discurso de posse. A pergunta de quem conhece o PT e não foi contaminado pelo lulismo tem sentido oposto ao da jornalista simpatizante do PT: " Estaria Lula cogitando em abandonar sua tendência a conciliação com as elites econômicas, pactuando com a luta de classes contra esses interesses nefastos que explicam o Brasil injusto, antidemocrático, governado por milicianos, em que vivemos hoje?". Um governo Lula pós pandemia, fundado na tese que inspirou a famigerada carta, seria desastroso e liquidaria, de vez, qualquer possibilidade de o PT ocupar um lugar de vanguarda na História. Transformaria esse partido em mais uma, entre tantas, agremiações do tipo Partido Trabalhista inglês ou Partido Socialista francês. Seria um desastre para toda a esquerda. Por isso que o seguidismo ao PT é perigoso.
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