quarta-feira, 13 de outubro de 2010

José Serra abraça o Tea Party

Reproduzo excelente artigo de Antonio Martins, publicado no blog Outras Palavras:

Como Serra-2010 reproduz, no Brasil, a irracionalidade e a mobilização de ressentimentos que caracteriza o Tea Party, nos EUA. Por que a guinada de Dilma no debate da Band era indispensável para a busca da vitória. Quais as perspectivas para as eleições, agora.

I. O momento da guinada

Surpreendente, a candidata que lidera as intenções de voto abriu sua participação escancarando a “campanha de calúnias e mentiras” lançada contra si mesma. Tomou a iniciativa de introduzir o tema do aborto – principal peça usada pelos adversários para fustigá-la. Ousou referir-se à esposa de seu oponente, apontando-a como parte dos ataques (e não foi contestada…). Depois, partiu para o território mais desejado: as privatizações, ausentes da campanha até agora, foram tema de três perguntas em sequência, e certamente polarizarão as discussões, daqui para a frente.

Pouco traquejada em debates televisivos, Dilma Roussef teve momentos de nervosismo e lapsos, na noite do último domingo (10/10), primeiro confronto com José Serra após o primeiro turno. Mas ao final, havia alcançado dois objetivos. O mais visível foi retomar a iniciativa e voltar a pautar a disputa presidencial, depois de quase um mês apenas “segurando o resultado” e da frustração por não liquidar a disputa em 3 de outubro. Menos evidente, porém ainda mais importante, foi ter exposto a face pouco convencional – e por isso surpreendente e perigosa – da “nova” direita que a candidatura de José Serra articula. A frase que sintetiza esta descoberta ficará marcada. “Vocês estão introduzindo ódio na vida brasileira”.

A reação de Dilma respondeu a uma emergência. Estacionado por meses no patamar de 25% dos votos, incapaz de despertar entusiasmo ou simpatia durante toda a campanha, José Serra mostrou que não estava morto a partir de meados de setembro. Os ataques subterrâneos que lançou contra a candidata petista foram incapazes de lhe transferir votos. Mas provocaram o segundo turno, porque um grande contingente de eleitores atingidos refugiou-se em Marina.

Embora tenha conquistado menos de 1/3 das preferências dos eleitores, o candidato do PSDB viu-se, de um momento para outro, em condições reais de se tornar presidente. Tal possibilidade foi demonstrada pela primeira pesquisa de intenção de votos para o segundo turno, do Datafolha. Em 7 e 8 de outubro, menos de uma semana após a primeira disputa, Serra avançara pouco: tinha 41% das intenções de voto, contra 40% na sondagem anterior. Mas Dilma caíra de 52% para 48%. A diferença estreitara-se cincos pontos – reduzindo-se a apenas sete. Para entender como tal reviravolta foi possível, é preciso examinar a fundo, a à luz dos novos fatos, as características da campanha de Serra.

II. Uma estratégia de despolitização radical

Subestimada durante meses, por fugir inteiramente à lógica das disputas políticas clássicas (e do que se esperaria de alguém com o passado do candidato), a trajetória do candidato tucano começa agora a fazer sentido. Inspira-se no Tea Party, a ultra-direita norte-americana que reemergiu com enorme força, em resposta à eleição de Barack Obama – e que tem como ícone Sarah Palin… Seu perfil não se confunde nem com o da direita clássica (que defendia com sinceridade as ideias conservadoras), nem com o do neoliberalismo (que postulava como valor máximo a supremacia dos mercados).

Corresponde a uma fase de impasse do capitalismo ocidental. Depois de verem seu projeto de sociedade questionado, e de o terem reciclado parcialmente nas décadas anteriores, as velhas elites parecem, em todo o mundo, incapazes de dar um novo passo propositivo adiante. Sua associação orgânica com o conservadorismo foi abandonada, na sequência a 1968; sua crença na “mão invisível”, que substituiu a antiga aliança a partir do fim dos anos 1970, acabou destroçada pela crise pós-2008; as periferias batem à porta – tanto as globais, quanto as metropolitanas. Resta resistir a elas: e como não é possível fazê-lo por meio de um projeto articulado, convocam-se os medos e ressentimentos: o irracional.

É uma aposta momentaneamente forte, porque as ideias de ampliação da democracia e transformação social rearticularam-se há muito pouco (na virada do século) e não puderam ainda fincar raízes no imaginário popular, nem formular conceitos sólidos. Lula, Obama ou Evo Morales; o Fórum Social Mundial, a sociedade civil global, o desejo de rever as relações entre o ser humano e a natureza; a cultura das periferias, a aparição em cena dos indígenas e negros, as novas classes médias; a blogosfera, o compartilhamento de cultura e conhecimento, a colaboração como valor decisivo para produzir – tudo isso são todos fenômenos contemporâneos. Não têm o peso da experiência, dos erros, dos recursos materiais e financeiros, da influência geopolítica que caracterizava a tradição de esquerda anterior – especialmente a social-democracia e o socialismo real.

Sem uma alternativa para contrapor a estas inovações que aspiram a construir futuro, a direita-Tea Party tenta despejar sobre elas os preconceitos do passado. Sua estratégia é evitar o debate político e, sobretudo, o choque entre projetos. Suas propostas são risíveis: nos EUA, insiste-se em manter duas guerras, ampliar os cortes de impostos decretados por Bush e, ainda assim, reduzir o déficit público. Seu método é substituir o debate racional pela mobilização de rancores e recalques, pelas denúncias caluniosas e não-assumidas, pelo ataque implacável a certas ideias e personalidades, pela desinformação deliberada e generalizada.

Seu poder não pode ser desprezado – especialmente em sociedades nas quais o acesso médio dos cidadãos à informação ainda é reduzido. Nos EUA, pesquisa recente mostrou que apenas um terço dos cidadãos sabe que Barack Obama é cristão; 20% pensam que ele é muçulmano; e o percentual dos que estão mal-infomados cresceu acentuadamente desde a posse do presidente. Além disso, boa parte da sociedade crê sinceramente que a crise financeira é responsabilidade direta de Obama, não das políticas de seus antecessores…

A candidatura Serra repete de modo impressionante, em seus aspectos centrais, este padrão. O postulante jamais apresentou programa — nem à Justiça Eleitoral [1], nem, principalmente, aos eleitores. O sentido geral das propostas de Dilma e Marina é compreensível e razoavelmente conhecido: pode-se aderir a elas, deplorá-las, apoiá-las em parte, estabelecer diálogos. O presidenciável do PSDB apresenta, enquanto isso, uma coleção de promessas incoerentes ao longo do tempo e incompatíveis entre si.

Ele já foi contra e a favor da renda cidadã e do programa habitacional do governo. Ele diz que o Estado brasileiro tem uma dívida crescente (o que é falso…) e ainda assim propõe cortar impostos dos ricos e, ao mesmo tempo, ampliar os benefícios pagos à maioria (contrariando toda a sua prática anterior). Ele tenta sepultar debates incômodos com rompantes repentinos, cheios de bazófia e incompatíveis com seu arco de alianças (em 12/10, dois dias depois de Dilma introduzir na campanha as privatizações, prometeu reestatizar empresas…). A velha mídia jamais questiona estas incongruências. Mergulhada ela própria em crise, talvez deposite suas últimas esperanças numa contra-utopia orwelliana, num descolamento radical entre o discurso político e a realidade, em que a mediação jornalística assumiria por completo caráter de ficção – e seria recompensada por isso…

III. Desconstruir a adversária

Como lhe falta um programa coerente, a direita-Tea Party apela para a desconstrução das candidaturas que vê como inimigas. Nos EUA, contra todas as evidências e racionalidade, Barack Obama é apontado como um marxista e traidor da pátria – de nada lhe servindo, aliás, manter um orçamento militar superior ao de George W. Bush… No Brasil, o alvo é Dilma. A “nova” direita não ousa atacar nem a figura de Lula, nem o lulismo. Além de temer a popularidade do presidente, não tem projeto a contrapor. Por isso, sua preocupação central não é, sequer, destacar as possíveis qualidades de Serra – mas transformá-lo, por meio da eliminação política de sua adversária, numa espécie de candidato único.

A fase intensa da campanha para desconstruir Dilma começou no final de agosto e desdobrou-se em duas fases. Na primeira, o protagonismo foi do Jornal Nacional e de quatro publicações impressas que esqueceram suas rivalidades históricas para formar uma espécie de Santa Aliança: O Globo, Veja, Folha e Estado de S.Paulo.

Nesta fase, o método consistiu em bombardear a opinião pública com dois “escândalos”: o vazamento do sigilo bancário de Verônica Serra, do qual Dilma Roussef foi – sabe-se agora com certeza – injustamente acusada; e a agência de lobby mantida pelo filho de Erenice Guerra, que não obteve nenhum favorecimento real, embora usasse o parentesco com a mãe poderosa para impressionar clientes. O primeiro caso era uma ficção; o segundo, uma irrelevância. Mas ambos monopolizaram, por 30 dias, as manchetes dos três jornais de maior circulação do país; da revista semanal mais conhecida; e do noticiário de maior audiência na TV. Para atestar o caráter eleitoreiro das “denúncias”, basta lembrar que foram imediatamente esquecidas, ao cumprirem seu papel na campanha. Não visavam investigar a fundo um assunto importante – apenas iniciar atacar uma candidatura, para favorecer outra.

Dilma resistiu ao ataque. Mas nas três semanas que antecederam as urnas, a ofensiva midiática foi complementada por outra: a mobilização das bases conservadoras. Nos EUA, ela é uma caracteística da Tea Party: aproveitando-se da frustração inicial das expectativas geradas por Obama, a direita formou centenas de comitês em todo o país e promoveu ao menos duas grandes marchas em Washington. No Brasil, onde não há nada que se compare a esta força, recorreu-se à difusão de denúncias apócrifas por meio da internet – um espaço onde o PT e seus aliados desperdiçaram muitas oportunidades e ignoraram a blogosfera potencialmente aliada.

A campanha de Serra articulou o lançamento incessante de boatos anônimos. Mobilizou a classe média conservadora e ressentida, numa rede informal muito capilarizada. Imitando uma vez mais o exemplo norte-americano, apoiou-se (sob as vistas grossas da CNBB) no poder crescente que o fundamentalismo está conquistando no catolicismo institucional e em algumas seitas evangélicas.

Uma visita ao site sejaditaverdade, ou a leitura de cartaz, afixado diante de muitas igrejas, no dia da eleição (na foto, em Porto Alegre), dão uma pequena ideia do que se destilou. Segundo a montanha de spams políticos, a candidata teria participado de diversos assassinatos. Sua postulação visaria, fundamentalmente, aprovar a disseminação do aborto, o casamento gay e o ataque do Estado às Igrejas. Enfrentaria processo de uma ex-amante. Lançaria blasfêmias contra Cristo (“nem ele impede minha vitória”). Posaria com armas. Estaria impedida de entrar nos Estados Unidos, por atos terroristas. Teria mobilizado fabricantes de chips chineses para fraudar as urnas eletrônicas brasileiras. Sua candidatura estaria a ponto de ser impugnada pelo “ficha limpa”. Seu vice, Michel Temer, frequentaria seitas satanistas em Curitiba. Etc. Etc. Etc…

O jornalista Leonardo Sakamoto explicou, em seu blog como estas alegações inteiramente inconsistentes acabam adquirindo força, em conjunto. Disparadas às dezenas de milhões, cada uma delas acaba atingindo um público que se sensibiliza pelo tema em questão e acredita no argumento. Os integrantes deste grupo passam a reproduzir a “denúncia”, acrescentando a ela, agora, o peso de sua reputação e influência pessoal.

A montagem desta rede de boatos foi a função a que se dedicou o norte-americano de origem indiana Ravi Singh, sócio da transnacional de marketing político ElectionMall – que prestou consultoria por meses à campanha de Serran[2]. Em 2007, diante do sucesso de Obama na internet, o site progressista norte-americano Mother Jones entrevistou Michael Cornfield, vice-presidente da empresa. Indagado sobre a possibilidade de a direita servir-se da internet no futuro, ele a considerou inevitável. E frisou: “Há mais de uma maneira de usar a web. Muito mais que uma maneira”.

No exato momento em que a campanha de Serra mobilizava todas as suas energias, a de Lula e Dilma descansava. O movimento fazia sentido, se visto pela lógica das disputas eleitorais travadas até então. Num comício em Curitiba, a uma semana do primeiro turno, o presidente recomendou a seus apoiadores “segurar o jogo”. “Estamos ganhando de 2 x 0 e faltam dez minutos para terminar a partida. O adversário está nos chutando na canela e no peito e o juiz não apita falta. Querem explusar alguém do nosso lado. Vamos fazer como o Parreira, quando técnico do Corínthians, e prender a bola. Enquanto ela estiver nos nossos pés, o outro time não faz gol”.

Comemorara cedo demais a resistência de Dilma aos ataques midiáticos. Não se dera conta de que, em articulação com a boataria apócrifa, eles haviam constituído um ataque em pinça poderoso. Milhões de eleitores, que conheciam a candidata superficialmente, eram atingidos agora tanto pelo Jornal Nacional quanto por mensagens recebidas de pessoas próximas e confiáveis.

Um excelente texto publicado por Weden no site do Luís Nassif sintetizou o cenário. Além de provocar a segundo turno, a artilharia cerrada disparada durante semanas pela mídia e pela central de boatos apócrifos estava começando a desconstruir politicamente a candidata. Expressão destacada do lulismo, responsável pelo planejamento e articulação política de seu segundo governo, ela estava sendo sendo reduzida a uma escolha errada do presidente.

“Reconheço que nunca houve um governo tão bom para nós”, mas “esta mulher é um perigo para o país” foi o depoimento emblemático colhido por Weden junto a um taxista – que estava disposto a votar em Dilma até as vésperas do primeiro turno, mas migrou para Marina e tendia, naquele momento (7/10) a Serra. Embora ainda limitado (daí Dilma manter-se na dianteira), o movimento alastrava-se rapidamente. Weden abordou com realismo seu sentido potencial: “A candidata petista está perdendo o ‘efeito continuidade’ que conseguiu representar até semanas atrás. Se Dilma ficar na metade dos votos governistas, perde a eleição”.

IV. Por onde corre a repolitização

Como pode uma candidata repolitizar uma campanha, quando setores crescentes do eleitorado questionam sua própria legitimidade? A pergunta embaraçou até mesmo grandes especialistas. Entrevistado por Luís Nassif, Ricardo Guedes, diretor do Instituto Sensus, sugeriu que a chave era o tema do aborto. Dilma deveria fazer um pronunciamento “amplo e forte” contra a interrupção da gravidez. Era, evidentemente, um equívoco. Se fosse responder a cada uma das invenções lançadas contra si, a candidata não faria mais nada, até 31 de outubro. Além disso, cada resposta acabaria dando mais destaque ao próprio boato. A vítima de uma sequência de calúnias enfrenta um drama semelhante ao de quem cai num poço de areia movediça: quanto mais se debate, mais afunda. A única saída é buscar um ponto de apoio externo.

Dilma viu no debate da Band, em 10 de outubro, o momento para escapar do poço. Procurou o ponto de apoio mais potente – e, ao mesmo tempo, mais difícil e arriscado. Em sua primeira pergunta a Serra, questionou diretamente a desqualificação da campanha. Já na réplica, ainda mais incisiva, apontou a manipulação de suas opiniões relativas tema ao aborto. Voltou ao ele numa pergunta posterior, quando, para ampliar a veracidade do que alegava, mencionou o envolvimento de Mônica Serra no esforço de difamação.

Estava visivelmente tensa: naqueles instantes, qualquer escorregão em sua fala seria catastrófico. Mas completou bem o movimento, que lhe trouxe duas vantagens. Abriu caminho para que sua campanha continue denunciando a armação adversária – ou seja, produzindo antídotos contra a desconstrução de sua imagem. E mostrou grande coragem, desmentindo na prática a impressão – preconceituosa e machista – de que é mero produto de marketing de Lula. Estes dois pontos lhe deram o apoio necessário para abrir, em seguida, o questionamento político e programátrico a Serra. A escolha dos temas era óbvia: privatizações e programas de redistribuição de renda, símbolos máximos da diferença entre o projeto do lulismo e o das elites.

Dará certo? O objetivo principal dos candidatos, num debate como o da Band não é conquistar o eleitorado, mas redefinir os temas que polarizarão a campanha em seguida. Mesmo com apenas 2% de audiência, o evento cria fatos incontornáveis. Os primeiros efeitos foram logo sentidos. A campanha de Serra e os jornalistas que a bajulam tentaram desqualificar a nova postura da candidata – um sinal evidente que ela leva a disputa para um terreno que temem. Mais: o programa de TV do PSDB-DEM foi obrigado a referir-se à privatização. Não poderá manter por muito tempo a abordagem totalmente falsificadora que, como se viu, adotou – desde que a campanha de Dilma aprofunde o tratamento dado ao tema…

Uma coisa é certa: a três semanas da eleição, o giro executado pela candidata em 10 de outubro é um movimento sem retorno. A “Diminha paz e amor”, a continuadora quase natural do legado de Lula, deu lugar a um novo personagem político. Dele precisa fazer parte, também, a polemizadora; a mulher que demonstra vasto conhecimento técnico sobre os programas que coordenou no governo; a que, por estar profundamente envolvida no movimento de democratização expresso pelo lulismo, sente-se à vontade para provocar o choque pedagógico entre prejetos para o Brasil. Desta iniciativa dependem agora tanto a repolitização da campanha quando a consolidação ou recomposição da imagem de Dilma, entre a parcela do eleitorado que esteve ou está em dúvida sobre seu voto.

As reviravoltas de campanha levam algum tempo para produzir todos os seus efeitos. É possível que eles não sejam captadas pelas próximas pesquisas – ou seja, que a diferença entre os dois candidatos volte a diminuir ou mesmo desapareça. Será preciso muita calma nessa hora. O grande risco a evitar é o desespero, que levaria a reverter o giro de Dilma.

O programa de TV será, nesta reta derradeira, o palco central para este confronto de projetos. A trilha aberta em 10 de outubro só pode ser preenchida com muita informação. É preciso expor, por exemplo, – e sempre por meio de fatos – a resistência (política e simbólica) da base de Serra aos programas de redistribuição de renda; as tentativas de sabotar os projetos de lei que tratam do Pré-Sal (um ano depois de apresentados, só um foi transformado em lei pelo Congresso). Se feita com sabedoria e talento, a exposição dos absurdos assacados contra Dilma pela campanha apócrifa lançará o feitiço contra o feiticeiro.

Viveremos fortes emoções, nas próximas semanas. Mas o processo de transformações iniciado há oito anos tem potência suficiente para voltar a se impor, entre a maioria do eleitorado. Se isso ocorrer, Dilma acrescentará a sua história pessoal a inteligência de ter sabido, a tempo, comandar o movimento necessário para derrotar a direita-Tea Party – este quase-fascismo pós-moderno que ronda o Brasil em 2010.

Notas

1— Em 3 de julho, data fixada pelo TSE para que os candidatos apresentassem seus programas de governo, a coligação PSDB-DEM-PPS protocolou na Justiça Eleitoral apenas a transcrição dos discursos de Serra feitos na convenção conjunta das três agremiações. A mídia comercial acobertou tal ausência – enquanto destacava, por dias, o fato de a campanha Dilma ter alterado alguns dos itens do programa formalmente apresentado.

2 — Sempre tendente à mistificação e ao provincianismo, a velha mídia tratou Singh como um “guru”. Certamente, impressionou-se por sua origem indiana, ou pelo fato de usar o turbante típico da etnia sikh…

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Serra "ficha suja": 17 processos na Justiça

Reproduzo artigo de Carlos Alberto Saraiva, publicado no Blog de Saraiva:

Se a Justiça no Brasil fosse mais rápida para políticos, José Serra (PSDB) já poderia estar ao lado de Joaquim Roriz e impedido de candidatar-se pela lei da ficha suja.

Serra tem 17 processos declarados à Justiça Eleitoral, de acordo com as certidões que ele mesmo apresentou (a contragosto, por imposição da lei, senão a candidatura fica impugnada).

Entre os processos, pelo menos três são por corrupção (improbidade administrativa).

O maior dos escândalos de corrupção envolvendo José Serra, e que o levou ao banco dos réus, foi sobre o PROER, com rombo nos cofres públicos de R$ 3 bilhões beneficiando o Banco Econômico, e de R$ 1,7 bilhões para o Banco Bamerindus ser comprado pelo HSBC.

O processo 2003.34.00.039140-7 corre na Justiça Federal do DF, e demonstra que José Serra, junto a outros tucanos do governo FHC, descumpriram as leis e as normas do próprio PROER, ao injetar bilhões do dinheiro público que foi para o ralo, em instituições que não poderiam receber socorro, e teriam que ser liquidadas.

Já houve uma decisão da juíza Daniele Maranhão Costa, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, aceitando que houve dano ao erário, enriquecimento ilícito e violação aos princípios administrativos no caso.

É a ante-sala para José Serra entrar na lista dos fichas sujas, caso se confirme uma condenação por juízes, em colegiado.

O demo-tucano também responde processos por crimes de imprensa, calúnia e injúria.

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Donos da mídia e o seletor de opiniões

Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

Liberdade de expressão parece ser um seletor de opiniões grudado nas mãos dos donos de veículos de comunicação ou de seus prepostos (diretores de Redação, editores-chefes, editores em geral). A liberdade de expressão pode até ser exercida, mas seu alcance é limitado e não pode, em hipótese alguma, ultrapassar a cadeia hierárquica de comando. Que é louvável clamar por esta preciosa liberdade ninguém tem dúvidas, mas que é execrável concedê-la apenas aos que se alinham com a ideologia dos patrões, pouca gente se arrisca a duvidar.

Vejamos alguns casos bem recentes. Observo que ver apenas um caso nas cercanias da própria imprensa já reclamaria uma boa dose de atenção. Pois bem, até as paredes e os cenários da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, sabem o que teria sido o real motivo para a demissão do experiente jornalista e apresentador de tevê Heródoto Barbeiro: o exercício de sua liberdade para perguntar, da bancada do programa Roda Viva, ao ex-governador José Serra sobre os preços dos pedágios paulistas. No entanto, são estes mesmos que demitem, que mostram truculência e que desfraldam bandeiras pela liberdade de expressão; que altas horas da madrugada mostram-se receptivos a telefonemas exigindo a demissão desse ou daquele profissional que, na pior das hipótese, tenha cometido por pensamento ou por ação apenas um crime: o crime de pensar.

Não mais que passada uma semana e, em 8 de julho deste 2010, ainda na mesma emissora de cunho estatal, ficamos sabendo pela contumaz marolinha com que a imprensa repercute casos do gênero que o jornalista Gabriel Priolli deixara de ser diretor de jornalismo da TV Cultura. A decisão, tomada pelo jornalista Fernando Vieira de Mello, vice-presidente de conteúdo da emissora, alimentou boatos a respeito da ingerência política sobre o canal. O fato é que tanto nos corredores da emissora como na blogosfera, circulou – e ainda circula – a informação de que, por trás da demissão de Priolli, pendia em forma de guilhotina uma suculenta matéria sobre – adivinhem – o aumento nos pedágios paulistas.

Mais um pouco e ficaremos convencidos de que no jornalismo paulista expressões como "pedágios" e "liberdade de expressão" são como óleo e água e não podem conviver em uma mesma Redação. Um deles tem que cair, sumir, desaparecer, submergir, calar.

Indignação e espanto

Curioso é que o ato de pensar equivale em importância ao mesmo que cimento e tijolos representam para se tirar da prancheta de um arquiteto uma casa. Chama a atenção a este observador que nesses dois casos nem Barbeiro nem Priolli levaram os lábios ao trombone. No segundo caso é fácil de entender o motivo, uma vez que ele é funcionário da Cultura.

Mas tinha que ser assim? Estaremos diante de um imenso trololó midiático, essa coisa de defender em público seus próprios interesses e em privado fazer o que bem entender e do jeito que melhor lhes convier?

E, então, ficamos sabendo que o crime de pensar pode ser letal se não altamente contagioso: a psicanalista Maria Rita Kehl foi demitida do jornal O Estado de S. Paulo depois de ter escrito, no sábado (2/10), artigo sobre a "desqualificação" dos votos dos pobres. Sintomaticamente, recebeu como título duas palavras e reticências: "Dois pesos...". Mas foi sua possível continuação – ... duas medidas – que levantou ondas e ondas na internet. Todas elas mesclando indignação e espanto por ver como é comum que nas casas dos abastados ferreiros os espetos continuem teimando em ser de pau.

140 toques

A explicação oficial do jornal paulista é que a colunista vinha de há muito enveredando por outros assuntos em sua coluna, que não os da psicanálise. Ora essa, pergunto a minha camisa sem botões: de qual tipo de imprensa estamos falando, quando se enquadra de forma muito natural o campo de expressão de um colunista? Então, na condição de psicanalista, é-lhe vedado abordar política? Tratar de política é campo de algum especialista somente – aqueles que portam carteirinha partidária – ou não se configura o tipo de tema que diz respeito ao interesse de todos nós cidadãos?

Sigamos em frente, do contrário este artigo corre risco de ficar inconcluso. Pois bem, Maria Rita, em sua elegância habitual e refinamento intelectual, afixou em entrevista ao Portal Terra na quinta-feira (7/10), este punhado de palavras sobre sua derrubada do Estadão: "Fui demitida pelo jornal O Estado de S.Paulo pelo que consideraram um ‘delito’ de opinião." A partir disso minha admiração por ela só fez crescer e olha que já era bem grande.

Na semana que findou o mundo, aquele mundo amante da liberdade de expressão festejou o Premio Nobel da Paz concedido ao pensador chinês Lio Xiaobo, preso por escrever um manifesto pela liberdade de expressão na China. Alguns poucos se apressaram em homenagear Xiaobo. Um deles foi o ex-governador paulista José Serra que escreveu em seu twitter: "O ganhador do Nobel da Paz foi o professor chinês Liu Xiaobo, preso por ter publicado um manifesto em defesa da liberdade de expressão". Assíduo no twitter, bem que ele poderia ter teclado mais 140 caracteres para dizer algo como: "Mas se ele fosse brasileiro e escrevesse num jornal paulista, Xiaobo seria demitido".

Pelo que vejo existem legiões de pessoas decididas a cometer o crime de pensar.

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FHC e a contra-reforma tucana

Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no blog "Brasília, eu vi":

Fernando Henrique Cardoso é hoje um velho solitário de Higienópolis, por onde zanza, esquecido, entre moradores indiferentes. Pelas ruas do nobre bairro paulistano, FHC nem curiosidade mais desperta nos transeuntes, embora muitos deles o aceitem como mau professor da aula magna do neoliberalismo ainda ensaiada, agora em ritmo de Marcha sobre Roma, pelo candidato José Serra, herdeiro político a quem despreza.

Serra escondeu Fernando Henrique ao longo de toda a campanha eleitoral para só resgatá-lo quando, desfeita qualquer possibilidade de uma vitória digna, os tucanos embicaram em direção à vala golpista do moralismo anti-aborto, do terrorismo religioso e da malandragem política que faz de demônios miúdos símbolos sagrados da cristandade.

FHC é ateu, embora tenha passado seus oito anos de mandato escapulindo das patrulhas religiosas, diga-se, sem muito esforço, apoiado que era pela mídia e pelas representações do grande capital. Era, por assim dizer, um santo do pau oco ostensivamente tolerado por cardeais do PFL que o controlavam, beatos interessados em dividir o pão das estatais a preço de banana ao mesmo tempo em que vendiam indulgências políticas aos cristãos-novos do PSDB, estes, alegremente ungidos pelo papa ACM I, o Herético. Não por outra razão, céu e inferno se moveram, em conluio, para esconder na Espanha o filho bastardo de Fernando Henrique com uma repórter da TV Globo enquanto durasse, na Terra, o reinado do príncipe dos sociólogos. Assim foi feito. Fiat voluntas tua.

Anjo caído na Praça Vilaboim, FHC não é mais sombra do que era, pelo contrário, circula entre os mortais a remoer, aqui e ali, a mágoa de ter sido esquecido pelos que tanto comeram em sua mão. Mesmo agora, que Serra, abençoado pela Padroeira e batizado nas pias da TFP, encorajou-se a falar das privatizações, o velho ex-presidente sabe que, para ele, mesmo as semelhanças se tornaram distantes. Porque se FHC se moveu para a direita pelo viés econômico, embalado pela onda mundial da globalização made USA, Serra decidiu se jogar no precipício do fascismo sem máscaras nem rede de segurança, disposto a arreganhar os dentinhos para defender os fetos que Dilma Rousseff pretende assassinar, segundo avaliação criteriosa de Mônica Allende Serra, postulante ao cargo de primeira-dama e, provavelmente, ao de inquisidora-mor do Santo Ofício tucano.

De alguma maneira, no entanto, nos passos solitários que dá entre a banca de jornal e a padaria da dourada comunidade onde vive, Fernando Henrique Cardoso deve ter lá seus momentos de depressão mundana, ainda que, movido pela vingança, nada faça para conter a insensatez e o ridículo de seus correligionários e velhos companheiros empenhados, no alvorecer do século XXI, a jogar a política brasileira nas trevas da Idade Média. Faria melhor, na quadra da vida em que se encontra, se barrasse, com a autoridade que lhe resta, essa cruzada insana.

Fernando Henrique sabe que foi graças a ele, às alianças e escolhas que fez, que o PSDB, força política nascida como anunciação de novos tempos de ética e de igualdade social, transformou-se na trombeta do apocalipse da Opus Dei, seita fundamentalista católica onde se ajoelha e reza o governador eleito de São Paulo Geraldo Alckmin.

Não é possível não lhe vir, lá no fundo do peito, um quê de amargura ao vislumbrar o quão graúdas e salientes se tornaram as serpentes que plantou em ovos na democracia brasileira, sobretudo a mais virulenta delas, em plena e venenosa atividade, entocada no Supremo Tribunal Federal.

Talvez seja a hora de FHC se confessar.

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Senador do PSOL declara voto em Dilma

Por Altamiro Borges

Sem aparentar pressa, o PSOL começa a definir amanhã (14) a sua posição para o segundo turno das eleições presidenciais. O partido, que obteve 0,87% dos votos no primeiro turno (o veterano Plínio Arruda Sampaio ficou em quarto lugar na disputa, com 886.816 votos), está dividido. Um setor defende liberar sua militância, outro prega voto nulo e um terceiro propõe o apoio a Dilma Rousseff para evitar o pior – a vitória do demotucano José Serra.

Sem esperar pela decisão, porém, um dos dois senadores eleitos pelo PSOL, Randolfe Rodrigues, do Amapá, já explicitou seu apoio a Dilma Rousseff. “Tenho divergências com o projeto do PT, mas tenho antagonismos com DEM e PSDB. Entre os dois, o melhor candidato é a Dilma”, antecipou à Folha. Ele também passou a integrar o comando de campanha de Lucas Barreto (PTB), candidato ao governo estadual que apóia a presidenciável petista.

Líder dos “caras-pintadas”

Randolfe Rodrigues, o mais jovem senador do país, com 36 anos de idade, foi eleito no vácuo criado pela prisão de vários políticos do Amapá, em decorrência da Operação Mãos Limpas, da Polícia Federal, que investiga a cobrança de propinas no governo. Ele ficou em primeiro lugar na disputa, com 203.259 votos. Mas o jovem tem longa história de militância. Ele foi um dos líderes estudantis do movimento “cara-pintada”, que exigiu nas ruas o impeachment de Collor de Mello.

Nascido em Garanhuns, terra natal do presidente Lula, mudou-se com a família para o Amapá aos oito anos de idade. Ainda criança, acompanhou o pai Januário Martins, líder sindical e um dos fundadores do PT, nas primeiras reuniões políticas. Tão logo atingiu a maioridade, Randolfe filiou-se ao PT e, em 1998, candidatou-se a deputado estadual e foi eleito, tendo sido reeleito em 2002. Em 2005, ingressou no PSOL por discordar dos rumos do PT. Em 2009, liderou no estado o movimento “Fora Sarney”. Randolfe é professor universitário e mestre em políticas públicas.

O saldo das eleições

A decisão do jovem senador deve impactar o PSOL. Após seis anos de fundação, o partido elegeu dois senadores (Randolfe Rodrigues e Marinor Brito, no Pará, que ainda depende do julgamento de Jader Barbalho no processo da “ficha limpa”). A legenda ainda manteve a bancada de três deputados federais e elegeu quatro estaduais – reelegeu Carlos Giannazi (SP) e Marcelo Freixo (RJ) e conquistou duas cadeiras no Pará, Edmilson Rodrigues e Janira Rocha.

Sua maior vitória se deu no Rio de Janeiro, onde o deputado Chico Alencar foi o segundo mais votado no estado, com 240.724, e conseguiu garantir mais uma vaga para Jean Wyllys, ex-BBB da TV Globo, que obteve apenas 13.018 votos. O PSOL também conseguiu expressiva vitória em São Paulo, com a reeleição de Ivan Valente, com 189.014 votos.

Mudanças internas no partido

As correntes internas que resistiram à candidatura de Plínio Arruda Sampaio foram as maiores derrotadas no pleito. Luciana Genro não se reelegeu no Rio Grande Sul, e Heloisa Helena, que ficou em terceiro lugar na disputa presidencial de 2006 (obteve 6,5 milhões de votos, 6,85% da votação nacional), não reconquistou a cadeira de senadora em Alagoas. O resultado indica uma mudança na correlação de forças interna e talvez interfira na decisão do partido sobre o segundo turno das eleições presidenciais.

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